“As novas relações de produção no campo e o
processo de redefinição socioespacial em Dourados – MS. Uma contribuição para a
análise de uma cidade média”
Ana Cristina
Yamashita
Universidade Federal da Grande
Dourados
CNPq
Resumo
Este trabalho é desenvolvido com base nos estudos sobre cidades
médias tendo como elemento norteador as novas relações de produção que se
instalam no campo a partir da década de 1970 e que repercutem no processo de
redefinição socioespacial na região de Dourados, Mato Grosso do Sul (Brasil). A
análise está centrada na presença de estabelecimentos comerciais e de serviços e em como estes se redefinem
socioespacialmente, articulando uma significativa presença de atividades do
setor agrícola que não está apenas na esfera particular da circulação do
capital, mas também na distribuição e no consumo. Isso leva a comprovar que a
atual complexidade socioespacial necessita de uma superação da contradição
cidade-campo, requerendo um esforço metodológico em outro patamar.
Palavras-chave: Cidades médias; redefinição socioespacial;
atividades do setor agrícola.
“The new relations of production in the rural space and the
process of redefinition of the social and spatial patterns in Dourados-MS. A
contribution for the analysis of a middle city.”
Abstract
In order to understand the developed on basis of the studies on middle cities taking as a
principal element the new relations of production that are developing in the
rural areas since the 1970s and have direct repercussions in the
redefinition of the social and spatial patterns in the region of Dourados, Mato
Grosso do Sul (Brazil). The analysis focuses on the
presence of commercial establishments and services and in as their social and spatial redefinition, include a significant presence
of the agricultural sector, not just in the specific sphere of capital
investment and circulation but also in the distribution and consumption sectors.
This leads to prove that the current social and spatial complexity requires the
overcoming of the pervading contradiction between rural and urban spaces,
requiring a methodological effort on a higher
level.
Keywords: middle cities; social and spatial redefinition; activities of social and spatial
redefinition
1 – Introdução
Diante das novas formas e conteúdos da
urbanização brasileira, as cidades consideradas médias ou “cidades
intermediárias” passam a participar
com maior ênfase da trama urbana, afirmando sua importância em âmbito local,
regional, nacional e até mundial. (SANTOS, 2010, p.
41).
Inserido nesse processo, o campo se apresenta
como um meio receptivo a todo esse panorama de transformações do processo
produtivo, cada vez mais complexificado pelo sistema capitalista, e que, diante
das novas dinâmicas que se instalam, passa a reproduzir no espaço urbano
circundante elementos que até então se observava nas metrópoles.
O papel da cidade se torna compreensível em suas
relações socioespaciais por meio dos aparelhos das forças de produção e de
circulação, que estão diretamente relacionadas à divisão do trabalho e das
trocas resultantes da relação campo-cidade, ou ainda, das relações região-região
ou periferia-centro.
Esse fato tem se mostrado representativo à medida que alguns autores
têm buscado apresentar um olhar sobre essas questões, como é o caso de Elias
(2006, 2007) ao discutir acerca dos impactos da reestruturação do sistema
produtivo agropecuário na produção espacial urbana. Isso se faz presente nas
cidades funcionais do setor agropecuário, em especial as consideradas médias.
É perceptível a intensificação desse processo com a concentração de
capital, ampliando a mobilidade do trabalho e fazendo crescer o número de
pessoas na cidade, como expõe Sposito (2001a, p.
64):
[...] Esta produção social das formas espaciais, é ao mesmo
tempo manifestação e condição do estágio de desenvolvimento das forças
produtivas sob o capitalismo. Nesta perspectiva, estamos falando do
espaço como concretização-materialização do modo de produção determinante
no caso o capitalista, e a cidade como uma manifestação desta
concretização. (Grifo
nosso)
Se a modernização da cidade é uma manifestação da
concretização material das forças produtivas capitalistas, esse processo no
espaço do campo também representa a intensificação do capitalismo com todas as
possibilidades decorrentes da revolução
tecnológica.
Verdadeiras redes técnicas voltadas a estruturar
o espaço agrícola de fluidez se articulam nas cidades, atendendo ao processo
hegemônico das empresas que atuam na agricultura científica, conforme apontam
Santos (2000) e ELIAS (2003ab). Assim,
com a nova relação campo-cidade se estabelece também uma integração da
agricultura científica ao circuito da economia urbana. Esse processo acontece a
partir da década de 1970, momento em que se presenciam inúmeras transformações
nas atividades terciárias, “com a instalação de novos fixos e a constituição de
muitos fluxos, de matéria e de informação, de caráter intra-urbano, interurbano
ou entre as cidades e o campo” (SANTOS, 1996).
Cabe aqui destacar que com a especialização da
produção, ocorre o aumento das trocas e, portanto, a necessidade de maior
integração do território nacional. O resultado pode ser observado por intermédio
da construção de modernos sistemas de engenharia dos transportes e das
comunicações, permitindo a fluidez associada a essas trocas, além de promover
impactos na redefinição socioespacial. (ELIAS, 2006b, p. 291)
Portanto, a modernização da atividade agrícola e
agroindustrial redefine o consumo do campo[1], visto que é no
período técnico-científico-informacional que as cidades se multiplicaram no
Brasil e passaram a desempenhar novas funções (ELIAS, 2006b, p. 292), além de
serem inseridas em redes produtivas e
especializadas.
Diante desse panorama, é possível evidenciar que
nas áreas onde se expande a “agricultura científica”, o meio natural e o meio
técnico são suplantados pelo meio técnico-científico-informacional. Ainda para
Elias (2006b), a “aceleração da urbanização da sociedade e do território”
configura-se como um dos resultados desse processo, além do “aprofundamento da
divisão social e territorial do trabalho, com uma remodelação da rede de
cidades”. Considera-se, então, que as novas relações entre a cidade e o campo
passam a ter um papel fundamental para a expansão do processo de urbanização e
para o crescimento das cidades, especialmente as locais e as médias,
fortalecendo-as como importantes áreas agrícolas, tanto em termos demográficos
como econômicos.
É nesse cenário que destacamos o papel de
Dourados. Localizada na porção sul do estado de Mato Grosso do Sul (MS), na
região Centro-Oeste do Brasil, a uma distância aproximada de 214 quilômetros
(km) da capital, Campo Grande, Dourados é considerada a segunda maior cidade do
estado em termos populacionais, com cerca de 196.035 habitantes, cujo
contingente está distribuído por uma área de 4.086,2 km², dos quais 92,36%
residem em área urbana e 7,64% na área rural (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE, Censo 2010).
Com sua base econômica estruturada principalmente
na agroindústria e no setor terciário, Dourados caracteriza-se pelos índices de
produção agropecuária direcionada à exportação, contando com investimentos de
tecnologia considerada avançada e consolidando-se como um “pólo de apoio” às atividades agropecuárias, com
serviços especializados, como venda de insumos agrícolas, máquinas e
implementos, formação de mão-de-obra especializada, geração de conhecimento e
apoio na logística de armazenamento e transporte.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA) do Oeste, unidade instalada em Dourados, sob o ponto de
vista econômico, a região é importante para o Mercado Comum do Sul (Mercosul),
pois faz fronteira direta com a Bolívia e com o Paraguai e está próxima à
Argentina e ao Uruguai, evidenciando-se que as tecnologias aqui desenvolvidas
têm papel destacado no intercâmbio com esses países, especialmente com os dois
primeiros. Além disso, Dourados exerce uma significativa centralidade regional
com abrangência estimada em 39 municípios, totalizando aproximadamente uma
população de 700.000[2] habitantes,
extrapolando a microrregião de Dourados. Por esse viés, podemos vislumbrar que
os papéis e funções desempenhados por Dourados lhe assegura também uma condição
de centralidade regional.
Contudo, vale ressaltar
que:
[...] essa condição de centralidade, só pode ser
entendida a partir das relações/articulações com o conjunto do seu entorno, haja
vista as possibilidades múltiplas de relações entre cidades de diferentes
padrões ou portes. (CALIXTO et al,
2010, p. 1)
Desse modo, compreender os papéis desenvolvidos
por Dourados no sul do estado de Mato Grosso do Sul e, quando possível, estender
essa leitura para outras escalas, refere-se, a priori, no processo de acentuação das
relações entre Dourados e as cidades de menor porte que buscam atividades mais
especializadas de serviços e comércio, além da articulação com o setor produtivo
agropecuário. Essas relações se colocam também como elementos para entendermos a
condição de Dourados como uma cidade média, visto que as funções de
intermediação que a cidade exerce, além do agronegócio, estão relacionadas
atualmente com a atração de fluxos comerciais e de serviços, especialmente os
relacionados com educação superior e saúde mais especializada.
Nesse contexto, vale destacar também que, em
termos demográficos, Dourados situa-se dentro do intervalo entre 50 mil e 500
mil habitantes, o que, a princípio, nos permite pensá-la como uma cidade média
considerando o critério adotado por alguns autores para classificar as cidades
do país. Sposito (2006b) explica que, embora não haja consenso sobre a
utilização dos termos “cidades médias” ou “cidades de porte médio” e seus
parâmetros,
[...] no Brasil, o que se denomina como ‘cidades
de porte médio’ são aquelas que têm entre 50 mil e 500 mil habitantes.
Entretanto, nem todas as cidades de porte médio são, de fato, cidades médias,
pois para serem assim conceituadas há que se verificar mais elementos que os
indicadores demográficos e se analisar a magnitude e diversidade dos papeis
desempenhados por uma cidade no conjunto da rede urbana. Assim, atribui-se a
denominação ‘cidades médias’ àquelas que desempenham papéis regionais ou de
intermediação no âmbito de uma rede urbana, considerando-se, no período atual,
as relações internacionais e nacionais que têm influência na conformação de um
sistema urbano. (SPOSITO, 2006b, p. 175)
Por outro lado, releva-se que as discussões têm
caminhado no sentido de que não se pode classificar uma cidade como média
considerando “apenas” seu tamanho demográfico absoluto, pois esse quesito deve
ser relativizado. Cada cidade se desenvolve a partir de diferentes processos de
urbanização, com contextos diversificados, além de escalas espaciais de
referência e dimensões temporais específicas, que se aplicam em cada análise
(CORRÊA, 2007a, p. 25 e 26). Para tanto, torna-se necessário considerar outras
determinantes e observar as relações que são construídas em várias escalas.
Notadamente essas relações são determinadas não somente localmente, mas também
em contextos mais amplos, ou seja, no local, regional, nacional ou até no
global.
Desta forma, acredita-se que, ao estudar os
conteúdos das cidades, é possível compreender os processos de reestruturação da
produção espacial na cidade assim como suas articulações no
campo.
2 – Alguns apontamentos sobre a reestruturação do setor produtivo
e o processo de redefinição do espaço urbano
Pensando o espaço como uma condição de
possibilidades fenomênicas e de representação desses processos, quando nos
propomos a compreender a espacialidade atual, é necessário que se considere as bases em que
ela se constituiu. Para reconhecer a forma do espaço devemos nos pautar em como
esses processos são produzidos e como entendemos essa geografia que é vivida no
cotidiano.
Tomando por base as considerações de Santos
(2010), tem-se como pressuposto, neste estudo, que o espaço produzido se
articula com a produção socioeconômica e é à luz da nova ordem mundial que a
configuração socioespacial passa a assumir um papel relevante. Busca-se nesse
momento do debate apontar algumas questões sobre as complexidades que se aplicam
ao processo de produção socioeconômica, tendo como recorte a reestruturação
produtiva agrícola diretamente articulada ao meio
técnico-científico-informacional e ao processo de redefinição espacial em
Dourados.
Já que a reestruturação do setor
produtivo pode ser considerada como um vetor significativo no processo de
redefinição do espaço urbano, torna-se interessante compreender, como essa
dinâmica se instala no campo.
Com base em Costa (1985, p. 63)[3], destacamos
primeiramente o papel do “capital mercantil e usurário” como uma “forma de
capital que precedeu o capitalismo”. Para o autor, este sistema se instala no
campo como “primeira forma de modernização” capitalista neste espaço, promovendo
alterações significativas no modo de produzir e de consumir no campo,
transcendendo suas relações para as cidades.
É sabido que esse processo de transformação de
fato cria condições para a subordinação da agricultura aos objetivos dos
capitais de origem mercantil, pois o campo, nesse momento, se viu forçado a
produzir excedentes. Com a industrialização, intensifica-se o ritmo das
mudanças, principalmente sob a égide do capitalismo industrial, que “[...] exige
a subordinação e a ‘integração’ do campo à cidade. Necessita de alimentos,
mercado para inversões e de consumo e força de trabalho de origem rural”.
(COSTA, 1985, p. 64). Considera-se que, a partir de então, a relação
campo/cidade se articula para a produção de consumo, e não mais para a
subsistência, pautada somente nas relações de escala
familiar.
Desse modo, o impacto do capitalismo industrial
no processo de produção no campo traz como resultantes a modernização da
agricultura em geral, com a especialização da produção agrícola imposta pelo
mercado. Isso se torna relevante no momento que essa diferenciação interna se
torna ao mesmo tempo “técnica”, intensificando e complexificando a divisão do
trabalho, gerando cada vez mais a necessidade de “especialização”, fazendo com
que o produtor individual ceda cada vez mais às exigências do capital,
tornando-o cada vez mais dependente do sistema.
Diante desse cenário, o capitalismo passa a
redefinir e reproduzir as relações no campo segundo seus objetivos, como é o
caso da subordinação da agricultura à indústria.
Nesse contexto,
Da cidade e da indústria, saem o capital mercantil que se torna
produtivo na exploração capitalista da terra e os novos meio de produção
necessários ao aumento da produtividade agrícola. Esse duplo movimento repercute
no campo e na cidade. No campo, porque subordina o produtor à incessante busca
de maior produtividade, forçando-o ao endividamento para a aquisição de novos
insumos. Com isto, aumenta o volume global da produção agrícola, com a
inevitável queda dos preços e a consequente transferência de parte do lucro
auferido no campo para os capitalistas industriais (lucros com a venda de
insumos e bens de consumo e lucros com o rebaixamento do custo de reprodução da
força de trabalho industrial). (COSTA, 1985, p. 65)
Um aspecto dessa relação que não pode ser
ignorado é o desenvolvimento de ramos específicos dos meios de produção
agrícola, tais como: indústrias de insumos, de fertilizantes, de máquinas e
implementos, etc... Desse modo, considera-se que o capitalismo se materializa,
num primeiro momento por intermédio da apropriação de parte do lucro e da renda
da terra, expandindo o comércio e os bancos; num segundo momento, com a expansão
da indústria que representa a modernização e “industrialização do campo”, quando
o emprego de máquinas se expande em todos os ramos da produção agrícola. Por
fim, esse processo ganha novos conteúdos e novas formas com a adesão da “ciência
moderna”, além da mecânica, da química, da fisiologia vegetal e animal, que se
transferem das cidades, onde foram elaboradas, para os campos. (KAUTSKY, 1968 apud COSTA, 1985, p.
65)
Nessas condições é que a relação campo-cidade se
reconfigura, tendo como objetivo comum elevar a produtividade ao máximo sob o
interesse crescente dos capitais industriais, principalmente os setores
relacionados aos ramos de alimentos, subordinando a produção à lógica industrial
e financeira. Como um exemplo dessa subordinação, temos o produtor que deve
adaptar a sua exploração às necessidades do mercado e da indústria.
“Prescreve-se qual a semente que o agricultor deve empregar e a maneira pela
qual deve fazer a adubação”, entre outros processos que se referem à produção.
(COSTA, 1985, p. 67)
Silva (1992, p. 27) aponta que a atuação do
capital agroindustrial em Dourados cria uma “engrenagem” de produção (sendo
também a distribuição, circulação e consumo) que revoluciona o aparelho
produtivo “rural-urbano” quando industrializa a agricultura, alterando o quadro
das relações de trabalho, promovendo também o “rearranjo do espaço
regional”.
Nota-se um aumento significativo dos ramos
industriais organizados para a produção de máquinas, implementos e insumos em
geral para o campo. Por esse viés, constata-se que as agroindústrias têm
aumentado juntamente com esses dois processos produtivos, gerando mudanças
fundamentais e estruturais que se aplicam tanto ao campo como à cidade. (COSTA,
1985, p. 67)
Desse modo, para Costa (1985, p. 68) o campo se
torna cada vez mais o “lugar da produção” (e menos de vivência), diretamente
vinculado ao “desenvolvimento, produção, difusão e distribuição de toda sorte de
meios de produção”. Para a reprodução desse sistema, criam-se mecanismos de
controle sobre a compra de produtos agrícolas e matérias-primas; e, ao se
implantarem fisicamente no campo, constituem-se em “gigantescos complexos
agroindustriais”.
Para Gottdiener (1997) as recentes transformações
resultantes do movimento capitalista destacam elementos que se coadunam e se
relacionam com esse cenário, como: a organização da produção e administração em
estruturas complexas; a ciência, a tecnologia e o conhecimento como fatores
primordiais para a produção; e a intervenção do Estado em todos os níveis da
sociedade, promovendo a interligação entre os setores públicos e privados. Para
o autor, todos esses elementos se materializam por meio da urbanização, que, sem
dúvida, promoverá a dimensão estrutural, no sentido que “as transformações no
modo de produção rebatem diretamente na cidade, que se recria com suporte na
reprodução do capital e, ao mesmo tempo, contribui para sua manutenção” (SANTOS,
2010, p. 40).
Por essa perspectiva, a cidade, assim como o
campo, se tornará cada vez mais dependente desses circuitos comandados pelo
capital. Assim, no Brasil, percebe-se que as mudanças nos papéis das cidades
decorrem, à priori, das alterações da
divisão internacional e regional do trabalho, que se articulam na reestruturação
do sistema de organização e a redefinição funcional das cidades.
Por assim entender, as cidades médias se
apresentam favorecidas pelo progresso técnico da produção e da circulação
(transporte e informação), estabelecendo-se como novos núcleos urbanos que se
opõem ao crescimento das grandes cidades. Assim, essas cidades denominadas de
médias[4], pela questão
funcional, abrigam um conjunto de objetos e ações de maior densidade técnica e
informacional.
Santos e Silveira (2008, p.281) apontam que essas
cidades, no que tange ao setor agropecuário, têm como papel o suprimento
imediato e próximo da informação requerida pelas atividades agrícolas,
constituindo-se “em intérpretes da técnica e do mundo”. Diante dessa condição,
as atividades urbanas estão ligadas ao “consumo produtivo”[5] e,
desse modo cumprem seu papel relacional, reunindo estabelecimentos e
profissionais envolvidos com a técnica e a ciência.
Em outras palavras, a importância de compreender
esses “conteúdos” decorrentes da relação campo-cidade é vista como um processo
que está diretamente relacionado à dinamicidade da sociedade e as condicionantes
que permitem a reprodução desta sociedade.
3 – Condicionantes e novas
espacialidades
A partir de entrevistas, observações diretas e indiretas e levantamento
de dados, evidenciamos que a região de
Dourados apresenta uma articulação entre o campo e a cidade significativa,
conferindo “rugosidades” diferenciadas no que se refere a esse novo modo de
produzir, que estão ligadas, de um lado, à tecnicidade dos objetos de trabalho
e, de outro, ao arranjo desses objetos no
espaço.
Um estudo de Schneider, Frohlich e Feldens (1991,
p. 60-73) apontado por Santos (1994a, p. 37), “mostra a íntima relação entre
informação e adoção de práticas científicas e tecnológicas em área de
agricultura modernizada. [...] o uso da informação é prática generalizada e
indispensável não apenas à inovação tecnológica, mas ao próprio cotidiano do
agricultor”. Essa condição levantada pelos autores foi se comprovando durante
nossa pesquisa, como, por exemplo, o fato de que as colheitadeiras e
plantadeiras de grãos são altamente tecnificadas, dotadas de sistemas de
manutenção que não se aplicam mais aos modos tradicionais de mecânica, e sim aos
programas de informatização, ou seja, caso uma máquina dessas apresente qualquer
irregularidade, aciona-se o plantão da empresa cadastrada como representante do
equipamento. Essa empresa envia um técnico ao local onde se encontra a máquina,
que conecta um equipamento computadorizado que faz a leitura e o rastreamento
(na máquina) a fim de detectar onde está o problema. Caso esse problema
identificado não seja resolvido pelo técnico, ele conecta-se via satélite à
central no Brasil ou, se for o caso, em outro país onde está instalada a
fábrica, a qual envia ao técnico, na propriedade rural, a informação necessária
para a manutenção/reparo do equipamento.
Diante dessa realidade, as empresas passam a
reivindicar cada vez mais a especialização de seus funcionários, exigindo além
de níveis fundamentais de escolaridade e formação, cursos de computação e de
língua estrangeira, prioritariamente o inglês instrumental. Por esse viés,
ressalta-se que a dispersão de uma produção altamente lucrativa, a expansão do
modo capitalista e exacerbação do movimento, entre outros fatores, não seriam
possíveis sem a informatização.
Observamos ainda que, além da tecnificação do
sistema, temos a racionalização e a especialização da produção, trazendo para o
campo o capital que se difunde rapidamente, acarretando em “novas formas
tecnológicas, novas formas organizacionais e novas formas ocupacionais”, que são
rapidamente instaladas. Tudo isso faz com que os fluxos se multipliquem,
desenhando uma nova geografia baseada na nova divisão territorial do trabalho
que se impõe. (SANTOS, 1994a).
Todo esse movimento que se desenrola reproduz e
materializa relações cada vez mais diversas e complexas, porém com uma
significância representativa do setor que se relaciona, no caso, o sistema
produtivo agrícola. Santos e Silveira (2008) explicam
que:
Tal produção encontra na cidade próxima muitas respostas às suas
exigências em ciência, técnica e informação, incluindo uma demanda de bens e
serviços técnicos e científicos. [...]
Uma das tarefas da cidade no campo modernizado é a oferta de
informação – imediata e próxima – a uma atividade agrícola [...] Às vezes a
cidade é a produtora dessa informação, o que é o caso, por exemplo, das
aglomerações onde há instituições de ensino e pesquisa pura e aplicada. [...]
cabe à cidade transferir para o mundo agrícola informações especializadas,
selecionadas pelos interessados na sua difusão. (p. 281,
282)
Outra consideração a se fazer é que para compreender a economia
urbana dessas cidades é importante observar as funções que cada uma exerce
durante as diferentes etapas do processo produtivo como, por exemplo, na safra e
na entressafra.
Juntamente com o desenvolvimento dessa
agricultura científica, associa-se a mecanização intensiva e a necessidade de
especialização e de tecnificação da mão-de-obra agrícola, ocasionando intensos
movimentos de êxodo rural, responsáveis por um processo de urbanização
acelerado, que traz consigo uma gama de
contradições.
Sob esse prisma da especialização produtiva,
observamos vários vetores novos. Atualmente, as empresas necessitam “modernizar”
continuamente seus maquinários e suas formas organizacionais, além de instalar
uma crescente terceirização e ampliar formas de automação. Assim, paralelamente
ao crescimento de grupos nacionais, observamos no decorrer desse processo de
reestruturação produtiva, algumas empresas globais, por vezes em fusões, se
instalarem em várias instâncias de suas cadeias produtivas (SANTOS e SILVEIRA,
2008, p. 138), como é o caso da unidade industrial da Bunge Brasil instalada em
2004 em Dourados e que incorporou a Ceval.
Nesse caso, Silva (2002) complementa ao explicar
que esses processos incentivam o surgimento de muitas dessas atividades, antes
pouco valorizadas e dispersas. Tais atividades passaram a integrar, nos dias de
hoje, verdadeiras cadeias produtivas, envolvendo “não apenas as transformações
agroindustriais, mas também serviços pessoais e produtivos relativamente
complexos e sofisticados nos ramos de distribuição, comunicações e embalagens”,
além de “atividades rurais não- agrícolas (moradia, turismo, lazer e prestação
de serviços)” na busca de especificidades e nichos do
mercado.
Outra questão de relevância é que, diante dessas transformações
resultantes do movimento do capitalismo, a intervenção do Estado se coloca como
promovedora de uma interligação entre os setores público e privado. Nesse
contexto, segundo Costa (1985) destacam-se três papéis que são desenvolvidos
pelo Estado: o primeiro, de provedor de crédito e finanças, desempenhado
claramente pelo crédito bancário estatal. O segundo
como provedor de ciência e tecnologia, com o apoio ao desenvolvimento de
pesquisas tecnológicas destinadas ao aumento da produtividade agrícola, tais
como: técnicas de manejo do solo, melhorias vegetais e animais etc.. Nesse
contexto, faz também com que haja uma repercussão seletiva no campo,
direcionando o setor mais para a agricultura de exportação e para as
necessidades dos complexos agroindustriais. O terceiro papel que se identifica é
o do Estado como criador de espaços regionais e urbanos.
No aspecto regional não podemos nos abster sobre
a interferência do Estado articulada por ações de planejamento que se instalam
no território brasileiro. Detentoras de uma visão funcionalista sobre redes e
pólos[6]. Essas ações
organizam as redes urbanas do país a partir das metrópoles nacionais e da
criação de pólos de desenvolvimento promovidas pelo Estado. (WHITACKER, 2007,
p.147)
Dourados se torna pólo de desenvolvimento por
meio da intervenção direta do Estado via planejamento, que segundo Le Bourlegat
(2008, p. 10):
[...] ocorreu especialmente por meio do II PND, entre 1975-79,
quando se consolidou a expansão da fronteira agrícola em moldes capitalistas e
se fortaleceu a integração econômica de Mato Grosso do Sul ao centro dinâmico
industrial do Sudeste. Foi antecedida pela criação da Superintendência do
Desenvolvimento do Centro-Oeste – SUDECO, em 1967, que formulou programas
especiais de desenvolvimento, baseado na criação de pólos de
desenvolvimento. [...] o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do
Centro-Oeste- PLADESCO selecionou áreas prioritárias para ação do governo, num
modelo de pólos de desenvolvimento. (Grifo
nosso)
Nesse contexto, o governo estadual, através
Programa do Nacional para as Cidades de Porte Médio (PNCMP/ II PND), elege no
então sul do estado de Mato Grosso – atual Mato Grosso do Sul – algumas cidades,
entre elas, Dourados, para ser contemplada com o referido Programa. Além desses
programas, Dourados contou ainda com o chamado PRODEGRAN[7]. Diante da
realidade vigente, a cidade de Dourados torna-se uma cidade-pólo abrangendo a
porção sul do território do Mato Grosso do Sul.
Em verdade, teríamos uma nova espacialidade instalada em Dourados que
transcende o recorte territorial tradicional e implica uma nova configuração que
representará uma mudança na forma e, particularmente, no conteúdo da cidade.
Para construir essa reflexão, outra consideração se mostra de relevância nesse processo de análise das
relações socioespaciais: diante da inovação do meio
técnico-científico-informacional, deve-se levar em conta também as “redes de
cooperação”, sobretudo as relações de horizontalidades e verticalidades
destacadas por Santos (2008a) e outros autores.
Pensar a cidade de Dourados considerando essas verticalidades que se manifestam
notadamente nas articulações do sistema produtivo agrícola, voltado
principalmente para fora da região, nos circuitos internacionais da produção se
torna possível ao apontarmos a presença de empresas de atuação global (Marfrig,
Bunge, Cargill, etc), caracterizadas pela atuação agroexportadora. Já as
horizontalidades se apresentam por intermédio das significativas relações da
cidade com seu entorno na oferta de serviços, que poderíamos caracterizar como
mais imediatos, especialmente os relacionados com o comércio, a educação e a
saúde[8] (SOBARZO, 2010, p. 32 e
33).
No que tange à escala intra-urbana, nos deparamos
com vários fatores que se complexificam, mas em que notadamente se observa
uma
intensificação do consumo, tanto relacionado ao setor produtivo - com ênfase
para a questão agrícola - quanto no setor de comércio e prestação de
serviços[9].
Contraditoriamente Dourados também se apresenta como espaço da diferenciação
socioespacial, que pode ser vislumbrado por intermédio da ampliação de conjuntos
habitacionais de interesse público e de perfil popular, além da presença das
áreas “irregulares” no espaço urbano[10], entre outros
fatores.
Por fim, considera-se que essa nova dinâmica
ultrapassa os limites do que é urbano e do que é rural, estabelecendo um novo
conteúdo e um outro modo de compreender essas relações, visto
que:
A análise do mundo moderno impõe a todos o
conhecimento do espaço enquanto noção e enquanto realidade, pois cria hoje as
condições através das quais a reprodução da sociedade se realiza. Assim, a
cidade e campo, como momentos reais do movimento de realização da sociedade,
revelam conteúdos da vida. (CARLOS, 2007, p. 58, 60 – Grifo
nosso)
Diante disso, procurar entender como se
desenvolve a relação de produção em Dourados e o processo de reestruturação
produtiva que se implanta tanto na cidade como na região, decorrente de mudanças
que se apresentam também em um contexto mais amplo, permite-nos correlacionar ao
modo como se vive (e muitos sobrevivem).
4 – Possibilitando a construção da materialização a partir da nova
dinâmica agrícola
A amplitude desse novo sistema produtivo e as relações que são
estabelecidas com vários setores socioeconômicos de uma região apresenta como
objetos aqueles que desenvolvem, ou permitem desenvolver, “circuitos e sistemas
cooperação” subsidiados por essa nova dinâmica que se instala no campo e na
cidade.
Em Dourados essa trama se manifesta a partir da
década de 1970, com a expansão do capital agroindustrial acompanhado de um
processo de agroindustrialização.
Considerando uma significativa presença do
complexo de grãos em Dourados e região, destaca-se nesse cenário a cultura da
soja, cuja indústria processadora manifesta-se
como:
[...] um forte complexo industrial cuja dinâmica é determinada
pelo mercado internacional de commodities. Mas ainda, o padrão
tecnológico é basicamente definido pelo fato de que o produto é homogêneo (grão,
farelo e óleo bruto) limitando as perspectivas de diferenciação de produto.
Competitividade nesse contexto é um resultado de fatores relacionados com a
produtividade, custos e escala. Adicionalmente, políticas governamentais têm
afetado esses fatores através de incentivos, preço de suporte, subsídios, etc.
(PAULO, 2010, p. 6)
Podemos imaginar a complexidade desse sistema produtivo, principalmente
no que se refere às condicionantes dos agentes diretos e indiretos do processo
produtivo como, por exemplo, aqueles que se aplicam ao complexo agroindustrial,
ao mercado de commodities, ao padrão
tecnológico, à produtividade e às políticas governamentais, entre
outros.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, observamos
claramente como esse complexo agroindustrial é dinâmico e como as relações de
verticalidades se estabelecem com uma lógica muito diferente do que se processa
localmente. Isso nos instiga a pensar que o campo se estrutura para atender a
essa dinâmica de um modo muito mais rápido e eficiente do que se identifica no
espaço urbano. Exemplos dessa dinâmica referem-se à ampla utilização de
tecnologias consideradas de “ponta”, como o uso de GPS (Global Positioning
System)[11] que faz
a leitura via satélite para a demarcação de áreas a serem plantadas, assim como
o plantio aéreo (aviação agrícola) e controle da produtividade; as
verticalidades foram identificadas, entre outras, por meio da assistência
técnica de empresas multinacionais de equipamentos e implementos agrícolas, que
se utilizam de tecnologia para darem manutenção e reparos em seus produtos, como
foi diagnosticado por meio da concessionária John Deere de
Dourados.
As principais empresas agroexportadoras que se
instalam em Dourados apresentam uma relação de competitividade e de
produtividade visível, visto que o próprio sistema de apresentação de dados e de
organização empresarial traz implícito esse vetor. Assim, releva-se que o
mercado de alguns dos principais produtos agrícolas brasileiros é quase
totalmente controlado pelas tradings[12]
multinacionais de commodities[13]. Tais
empresas participam de toda a cadeia produtiva e da comercialização dos granéis
agrícolas. Normalmente têm suas próprias unidades de armazenagem e transbordo
espalhadas pelas regiões produtoras, localizadas próximas a rotas de escoamento,
de onde os produtos seguem para suas unidades de processamento ou para a
exportação.
De acordo com dados da Associação Brasileira das
Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE), as quatro principais esmagadoras de soja
atuantes no Brasil são: Bünge, Cargill, Louis Dreyfus e ADM, empresas
multinacionais que detêm 52,6% de toda a capacidade de esmagamento instalada no
país.
Dourados se insere nesse processo com a presença
das empresas Bünge Alimentos e Cargill Agrícola[14], cuja
materialização pode ser entendida a partir de duas maneiras: a primeira, através
das representações e comercializações de produtos do setor agropecuário e de
alimentos, principalmente no que se aplica à venda de insumos e produtos
alimentícios[15]. A outra
maneira, a mais significativa no que se aplica ao aspecto socioespacial, é a
presença de unidades dessas empresas na cidade, ambas com representatividade
local na produção, esmagamento e comercialização de
grãos.
Assim, de acordo com o Quadro 1, foram
relacionadas algumas das principais empresas de Dourados que não estão tão
explícitas nos circuitos superiores da economia, mas que possuem sua importância
no processo local e regional. Desde a década de 1990, destacam-se empresas
comercializadoras e industrializadoras de grãos em Dourados. Na evolução desse
processo, a maioria dessas empresas já foram comercializadas e fundiram-se a
outras empresas como, por exemplo, a Matosul que foi adquirida pela
Cargill, vendida mais recentemente
para a Marfrig (setembro, 2009). Por outro lado, Dourados apresenta
representações de algumas das principais empresas agroexportadoras brasileiras,
que se destacam nacionalmente e mundialmente, como é o caso das multinacionais: Cargil
Agrícola S/A, Marfrig / Seara Alimentos e a Bunge Agronegócio e Logística que
juntas somam aproximadamente 180 mil toneladas.
Quadro 1 – Dourados - MS (2005): Principais
empresas comercializadoras e industrializadoras e sua capacidade de
armazenamento
Nome/Razão Social da Armazenadora |
Capac.(t) |
CONAB |
20.000 |
Cooperativa Agroindustrial LAR |
70.484 |
COOAGRI-Coop Agrop e Indl Ltda |
35.600 |
COPACENTRO-Coop Agrop Do Centro-Oeste
Ltda |
38.600 |
COOPASOL-Coop Agrop Sul Matogrossense
Ltda |
14.822 |
C. Vale - Cooperativa Agroindustrial |
14.550 |
Coop. Agrária Xanxerê |
11.847 |
Cerealista Bianchini |
6.000 |
Bocchi Cereais Dourados |
30.000 |
Sementes Guerra Dourados |
10.000 |
Madri Cereais Dourados |
60.000 |
Cerealista EMAD Dourados |
65.000 |
Campoeste – Ind. De Óleos Vegetais
Dourados |
50.000 |
Agrícola Sperafico Dourados |
15.000 |
Indápolis Cereais |
10.000 |
Cerealista Campina Verde Dourados |
8.000 |
Armazéns de produtores rurais |
10.200 |
Silos de produtores rurais |
105.300 |
Avipal |
60.000 |
Douramix |
5.950 |
TOTAL |
641.353 |
Fonte: Banco do Brasil / 2005. Elaboração: Secretaria Municipal de
Planejamento e Meio Ambiente - SEPLAN / SUPLOR.
Adaptado por YAMASHITA, A. C., 2011.
Outra condicionante que nos permite visualizar a materialização do
processo produtivo foi o setor bancário. A cidade de Dourados estoca o que pode ser chamado de capital de giro
do campo, pois as transações relacionadas às operações financeiras, como o
crédito rural, acontecem nos estabelecimentos bancários nela sediados. Além dos
créditos tradicionais ofertados pelo Estado, por meio dos bancos públicos,
existe também o financiamento feito pelos bancos privados, cooperativas de
crédito e empresas privadas.
Esse movimento em Dourados se faz tão intenso, que a cidade possui uma
agência do Banco do Brasil voltada somente para atender aos produtores rurais da
cidade e da região, a agência Parque dos Ipês (especializada em agronegócio). Em
conversa com um dos gerentes dessa agência do Banco do Brasil[16], foi-nos
informado o fato de que existem linhas de crédito, financiamentos e convênios
feitos especialmente para o “agronegócio”. O Banco do Brasil possui também um
portal eletrônico (“Agronegócio-e”) em que é possível comprar e vender produtos
agropecuários, encontrar informações de feiras e eventos do setor e obter
cotações de commodities. Segundo
informações disponibilizadas pelo Banco do Brasil, os produtores rurais possuem
as seguintes linhas de crédito: Crédito para Custeio Agropecuário, Crédito para
Investimento Agropecuário e Crédito para Comercialização, que são subdivididas
para atender à demanda diversa do setor no país.
Com uma vasta linha de créditos para atender ao setor
agropecuário, o Banco do Brasil, como o banco mais significativo na oferta e
negociações de financiamentos e creditização do setor agrícola, caracteriza-se,
em Dourados, por ser atualmente o banco mais representativo, contando com 5
agências bancárias e 61 postos de atendimento.
Outra questão refere-se à dinamicidade das
atividades e da oferta de “produtos” - seguros diversos, cartões de crédito,
aplicações, consórcios etc. - que os bancos, quer sejam públicos ou privados,
passaram a disponibilizar e a “oferecer” para os seus clientes, ampliando sua
área de atuação e de especificidade com relação ao cliente. Constata-se esse
fato, principalmente, em um dos eventos mais significativos anuais do setor
agropecuário, a ExpoAgro[18], destacando a
presença efetiva do Banco do Brasil e do SICREDI[19] com stands
próximos ao setor de exposição de máquinas e implementos agrícolas, de modo a
divulgar linhas de produtos, estreitar relações com produtores, viabilizar
crédito rural e fechar negócios, principalmente com relação à compra ao
financiamento de algum maquinário como colhedeira, trator ou similares. A
participação desses bancos em eventos desse porte tem como público-alvo os
produtores, os fornecedores e as agroindústrias.
Além dessas articulações, notamos que outras
condicionantes também são reproduzidas socioespacialmente, reforçando ainda mais
a relação do urbano com o setor produtivo agrícola. Isso se dá a partir de
meados da década de 1980, com a disponibilidade de crédito oferecida pelas
multinacionais de insumos, que “criaram” as revendas como, por exemplo, as
empresas Via Campus, Paiol Agrícola e Apoio Rural, além das unidades locais de
empresas como a Cargill Agrícola Ltda. e Bünge Alimentos. Dessa forma, os
elementos da pesquisa se ampliaram.
Com relação à sua localização, no decorrer da
pesquisa, os estabelecimentos relacionados ao setor agrícola foram se alinhando
em algumas das principais vias de acesso/circulação de Dourados. Considerando
essa constatação, adotou-se a leitura desse vetor a partir das vias de
circulação, visto que entendemos que a cidade está cortada por redes de produção
e distribuição e que, na rede e na hierarquia urbanas, temos padrões de
ocorrência que encontram semelhança e se mostram como indutores comuns, baseados
nas mudanças e na necessidade para que foram criadas. (WHITACKER, 2007, p.
141)
Para a compreensão da materialização da
reestruturação produtiva agrícola no espaço urbano, adotou-se como critério as
informações cedidas pela Secretaria Municipal da Receita de Dourados e pelo
levantamento de campo. Com base nos dados levantados, constata-se que existem
aproximadamente 380 estabelecimentos que se relacionam ao consumo produtivo
agrícola em Dourados instalados nas principais vias de acesso à cidade, os quais
foram subdivididos segundo os critérios adotados pela Secretaria Municipal da
Receita de Dourados – PMD em: Agricultura e Pecuária, Administração e
Planejamento Agropecuários, Comércio Agrícola de Insumos Agropecuários,
Assessoria e Pesquisa, Aviação Agrícola, Beneficiamento de Cereais /
Cerealistas, Corretores de Cereais, Comércio de Importação e Exportação
de Produtos Agrícolas, Cooperativas, Estabelecimentos e Produtos Agropecuários,
Indústria de máquinas e implementos agrícolas, Irrigação, Planejamento
Rural,
Produtos Agro-Industriais, Produtos Veterinários, Projetos Industriais –
Agricultura e Pecuária, Rações, Sementes, Silos, Sindicatos e Federações,
Topografia e Agrimensura, Transporte Rodoviário, Tratores – peças e acessórios,
Usina de açúcar e álcool e refinarias.
Ao identificarmos os estabelecimentos comerciais
e serviços associados ao consumo produtivo agrícola em Dourados, podemos
compreender melhor como estão espacializados atualmente no interior da cidade.
Desta forma, permitindo analisar com maior clareza a relação campo-cidade
materializada diante dessas novas dinâmicas produtivas.
5 – Considerações finais
Diante da complexidade do tema, este trabalho se
apresenta apenas como uma pequena parte da gama de contribuições e discussões
que podem ser desenvolvidas.
O princípio norteador foi pensar o espaço considerando seus novos
conteúdos, buscando pensar Dourados diante das questões que se
estabeleciam/estabelecem a partir das dinâmicas produtivas do campo,
especialmente, a produção de grãos.
Essa dinâmica reproduz relações marcadas,
notadamente, pela necessidade do urbano enquanto locus para se desenvolver, visto que é
na cidade que se materializa efetivamente a ciência, a técnica e a informação.
Na construção dessa discussão foi essencial compreendermos as mudanças
que decorrem do meio técnico-científico-informacional para compreendermos como
esse processo se articula em outras instâncias.
Ressalta-se que este debate foi pautado na análise dos conteúdos que se
mostravam tanto no campo como na cidade, de modo que pudéssemos compreender os
papéis de Dourados em várias escalas, a local, a regional e a nacional. Para
tanto, observam-se os conteúdos e as relações que se estabelecem tanto no plano
intra-urbano como nas articulações com as demais escalas, que nos permitem
analisar o seu papel de intermediação.
Nessa perspectiva, embora já se fizesse presente o debate sobre a
necessidade de analisar as cidades médias brasileiras do ponto de vista de seus
papéis no contexto regional, observa-se que o desenvolvimento das análises se
limitou às políticas de ordenamento do território, considerando que são poucos
os estudos que intencionam analisá-las a partir de seus conteúdos. Releva-se
nesse momento que não é uma tarefa fácil, mas que se torna instigante à medida
que muitas hipóteses começam a se materializar.
No que tange à produção, o cenário que se
apresenta são as fusões de empresas mais estruturadas que se apropriam de outras
empresas, fortalecendo-se e redefinindo o espaço, as relações cotidianas e a
divisão do trabalho, proporcionando o surgimento de novas especializações e
novas articulações socioespaciais criadas para suprirem as necessidades dessa
“nova” dinâmica.
É por esse caminho que a cidade se redefine, reorganiza- se em novas
funções, novas especialidades e novos arranjos
socioespaciais.
Em Dourados, conseguimos distinguir em vários
momentos a pujança da agricultura na redefinição do espaço urbano. Atualmente,
apesar dessa dinâmica ainda ser representativa, outros setores têm despontado
nesse processo, principalmente a prestação de serviços e o comércio.
Com isso, podemos pensar que o papel de Dourados como “cidade média” e
“pólo concentrador” de atividades se amplia e é reforçado ao agregar outras
funções além da produção agrícola, ou seja, está se estabelecendo também no
setor de comércio e de prestação de serviços, com relevância para o ensino
superior e para a saúde especializada. Essas condicionantes subsidiam as
necessidades locais, articulando-se também com as cidades que se colocam sob sua
área de influência.
Por outro lado, as estratégias implantadas em Dourados também foram
pautadas de modo que as
políticas estatais voltadas para a região também assegurassem o aumento da
produção de alimentos para abastecer a população urbana brasileira e ampliar as
exportações de commodities,
aproveitando-se do aumento dos preços internacionais dos grãos estimulados pela
crescente demanda. Também tinha como propósito ocupar a área central e
fronteiriça do país, por se tratar de um governo militar com forte preocupação
geopolítica; transferir um grande contingente populacional, diminuindo os
conflitos fundiários nas regiões mais densamente povoadas, e fazer distribuição
de terras sem a necessidade de realizar uma verdadeira reforma agrária.
Assim, com a conjunção de todos esses fatores, promoveu-se a expansão e a
consolidação de uma agricultura “moderna” no sul de Mato Grosso do Sul. Dourados
se destaca no panorama das políticas públicas e incentivos destinados ao cerrado
brasileiro, recebendo aportes consideráveis em capital e sistemas técnicos.
Por essa perspectiva, colocam-se diferentes escalas para a análise do
espaço, visto que seus conteúdos se complexificam diante dos novos objetos que
se instalam. Entendemos que a dinâmica do setor produtivo agrícola seja um dos
caminhos para a compreensão da produção socioespacial.
Nesse sentido, o presente trabalho dá alguns
passos e sinaliza para a importância de novos estudos e aprofundamentos sobre a
compreensão dos conteúdos do espaço, possibilitando entender os papéis e as
interações que nos permitem entender Dourados como uma cidade
média.
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de 07 de Abril de 1976, o Programa Especial da Região da Grande Dourados, visava
ao aproveitamento da potencialidade
agrícola de que dispõe a região sul do Estado de Mato Grosso (hoje Mato Grosso
do Sul), envolvendo, em 1976, 22 municípios – uma área de 84.661 km² – a
ser polarizada por Dourados.
Fonte: Banco Central do Brasil - Divisão de Gestão
de Informações Cadastrais (DICAD-DESIG). Desenvolvimento: Federação Brasileira
de Bancos (FEBRABAN) - Superintendência de Comunicação Social - Gerência de
Sistemas. Atualizado em: 01.03.2011.
Exposição Agropecuária e Industrial de Dourados
(Expoagro), que ocorre no município desde 1968 em área construída para tal, o
Parque de Exposições João Humberto de Carvalho. Desde 2000, fundiu-se à Expoagro
a Exposição de Máquinas em Movimento e Novas Cultivares (Expodinâmica), trazendo
para esse evento a materialização da ciência, técnica e informação enquanto
negócio e desenvolvimento para a produção no
campo
Ponencia presentada en el XIII Encuentro Internacional
Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de setiembre de 2011.
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