ATIVIDADE PRODUTIVA E A RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE:
O CASO DO GRUPO DE AGROECOLOGIA TERRA VIVA – ASSENTAMENTO SUL
BONITO
PRODUCTIVE ACTIVITIES AND RELATIONSHIP WITH THE ENVIRONMENT:
THE CASE OF THE GROUP AGROECOLOGY TERRA VIVA – SUL BONITO SETTLEMENT
Daiane Alencar da Silva
Universidade Federal da Grande Dourados
RESUMO
Este
ensaio aborda a relação das atividades produtivas desenvolvidas no assentamento
Sul Bonito com o meio ambiente, identificando como as praticas de produção local
podem afetar o meio ambiente ou permitir sua valorização. O assentamento rural
Sul Bonito está localizado no município de Itaquiraí, Mato Grosso do Sul,
Brasil. O assentamento surgiu de uma fazenda desapropriada denominada “Empresa
Água Mansa Ltda.” e contava com cerca de 6.653 hectares. Constituído de
421 lotes, organizados inicialmente por movimentos sociais como o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra – MST e, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Mato Grosso do Sul – FETAGRI, este assentamento foi implantado em dezembro de
1996. Apresenta características de importante relevância para analise
geográfica, tendo em vista as relações e transformações ocorridas neste espaço
através da inserção de atividades produtivas alternativas. Permitindo, portanto,
o estudo geográfico desse espaço, levando em consideração as alternativas de
produção desenvolvidas no assentamento e a relação delas com o meio ambiente,
nesse estudo analisado a partir do grupo de agroecologia Terra
Viva.
Palavras-chave:
assentamento rural; produção alternativa; agroecologia; meio
ambiente.
ABSTRACT
This paper discusses the relations of
productive activities developed in
the settlement Sul Bonito with the
environment, identifying how the practices of
local production can affect the
environment or to allow their recovery. The Sul Bonito is a rural
settlement in the city of Itaquiraí, Mato Grosso
do Sul, Brazil. The
settlement arose from a
farm expropriated called
"Water Company Ltd. Mansa." And had
about 6,653 hectares. Consisting of 421 lots, originally organized by social
movements like the Landless Workers Movement - MST, and the Federation of Agricultural Workers of Mato Grosso do Sul - FETAGRI, this settlement was established in december 1996. Presents important features of relevance to geographical analysis, in view of the relations and transformations in this space by the insertion of production activities. Therefore
allowing the study of geographical space, taking into account the production alternatives developed in the settlement and their relationship
with the environment, this study
analyzed from the agroecology
group Terra Viva.
Keywords: rural settlement; alternative
production, agroecology, environment.
INTRODUÇÃO
A intensa investida em tecnologia para a produção agrícola e o
desenvolvimento de atividades não agrícolas tem incentivado as transformações no
campo, e como conseqüência disso tem-se a redefinição das praticas no espaço
rural. Ocorre um misto de atividades, sejam as tradicionais, voltadas para a
produção agrícola e pecuária, sejam as atividades alternativas, inseridas no
campo a fim de dinamizar a economia e proporcionar alternativas de renda para as
famílias que residem no campo e, que já não conseguem sobreviver apenas da renda
extraída das práticas tradicionais.
Essas atividades alternativas se fortalecem ao passo que conseguem
oferecer ao pequeno proprietário a oportunidade de melhorar as condições de
vida, através de uma renda extra. Com isso, as praticas produtivas tradicionais
não deixam de existir, mas passam a dividir o lugar com novas
atividades.
Essas atividades demonstram importância no cenário brasileiro atual,
tendo em vista que são apropriadas pelos pequenos produtores a fim de contribuir
para a permanência da família na terra.
A busca por atividades alternativas está relacionada com a busca por
um desenvolvimento alternativo, como coloca Milton Santos
(2002).
Para Santos (2002, p.46) a diferença entre desenvolvimento
alternativo e alternativa ao desenvolvimento deve ser levada em consideração. O
autor aponta que “o desenvolvimento alternativo é formulado com base em uma
crítica de fundo à estrita racionalidade econômica que inspirou o pensamento e
as políticas de desenvolvimento dominantes”. Além disso, essa visão de
desenvolvimento alternativo propõe modificações e limites ao crescimento, como
esclarece o autor, não põe em causa a própria idéia de crescimento econômico.
Quanto à alternativa ao desenvolvimento, Santos (2002, p.54) afirma
que “as propostas de alternativas ao desenvolvimento radicalizam a crítica à
noção de crescimento e, por conseguinte, exploram alternativas
pós-desenvolvimentistas”. Sendo assim, esclarece Santos (2002, p.56) que “uma
alternativa ao desenvolvimento implica uma forma de ver o mundo que privilegie a
produção de bens para consumo básico em vez da produção de novas necessidades e
de artigos para satisfazer a troco de dinheiro”.
Entende-se que tal visão precisa ser priorizada nos assentamentos
rurais, a busca de alternativas ao desenvolvimento, e não alternativas de
desenvolvimento, que visam somente o crescimento econômico em detrimento à
qualidade de vida.
Para que aconteça o aparecimento, a sobrevivência e a expansão das
alternativas ao desenvolvimento, é fundamental a existência de um movimento
social mais amplo que as produza e mantenha a sua integridade. O caso do MST é a
ilustração mais clara desta afirmação. Mas é preciso ter cautela ao afirmar
sobre a solidez do movimento, ao ponto que, o MST falha em alguns aspectos
organizacionais no assentamento, nem todas as famílias assentadas pelo movimento
continua recebendo assistência depois do momento que recebem seus
lotes.
Depois de adentrarem seus lotes, os assentados necessitam de um
suporte técnico especifico para darem inicio ao trabalho na terra e no correto
direcionamento das finanças. Tendo em vista que muitos investem mal seus
recursos financeiros vindo a sofrer sérias conseqüências após um curto período
de tempo, principalmente por investirem em um só tipo de atividade produtiva,
que no caso do assentamento Sul Bonito pode-se verificar na
mandioca.
Para superar a crise advinda com o mal direcionamento dos recursos
financeiros, é preciso buscar alternativas de produção que sejam capazes de
superar os prejuízos na lavoura errada e oferecer condições de melhorias na
qualidade de vida das famílias assentadas.
Levando em consideração essa necessidade muitos assentados estão
procurando, através da produção orgânica, se reerguer financeiramente e
socialmente. O grupo de agroecologia Terra Viva é um exemplo claro dessa
tentativa.
A PRODUÇÃO DE ORGÂNICOS NO
SUL BONITO
No município de Itaquiraí, Mato Grosso do Sul, existe pequenos
produtores rurais que estão desenvolvendo a produção orgânica, através da
iniciativa de um produtor do assentamento Sul Bonito.
O senhor Cícero Carneiro, do lote 148, foi um dos primeiros
agricultores do assentamento que tomou conhecimento da produção agroecológica,
através de “um seminário sobre produção de mel”, oferecido pela Associação de
Agricultores Orgânicos de Mato Grosso do Sul – APOMS, em Itaquiraí, em 2006, e
já trabalha com a produção de orgânicos há cinco anos. A partir das discussões
do seminário, reconheceu a necessidade de mudança em seu sistema de produção,
segundo seu próprio relato:
Tinha
muita coisa que eu plantava, mas perdia por causa do frio ou da seca, não tinha
garantia de nada e em 2006 teve um seminário da APOMS na Escola Agrícola que eu
e mais alguns companheiros assistimos. A partir daí comecei a procurar
informação sozinho, por vontade própria e estudar, ganhei um livro e passei a
noite lendo. Comecei a fazer experiência aqui e ali...Umas deram certo, outras
não...Plantei mil mudas de erva-mate que morreram por causa da seca, mas agora
já arranjei mais que vou plantar de novo. Comecei então a pensar sobre a água e
a nascente que tem no sítio, que nasceu dentro da voçoroca, cerquei e cuidei e
hoje tem água que derrama da caixa, foi então que comecei a irrigar com aquele
sistema de gotejamento que você viu, eu que inventei... Tenho plantado guandu
para fazer adubação verde e dar para os animais, plantei pupunha e um monte de
outras sementes que vou catando por aí e guardando, coisa que muita gente não
tem mais... Então fui procurar parceiros e encontrei pessoas aqui no
assentamento com os mesmos interesses, no início eram só cinco, agora já tem um
monte querendo fazer parte do grupo (Sr. Carneiro, entrevista gravada em. 10 de
março de 2009 apud Comar; Menegat, 2009, p.08).
O Sr. Carneiro relatou-nos em entrevista[3] sobre sua iniciativa de trabalhar
sozinho com agroecologia, e segundo ele, as dúvidas de como iniciar a produção e
mantê-la era o maior empecilho para alavancar a produção.
A minha
bíblia é o livro que ganhei, ele fala desde o inicio da agricultura, começa lá
atrás 50 anos atrás, a nível mundial, eu estudei aquele livrinho, qual era minha
duvida, como que eu vou produzir se eu vou plantar uma coisa, ai eu vou ver os
insetos chegar e destruir aquilo lá, eu não vou plantar, eu não quero perder.
Então não tinha alternativa com o que eu vou combater as pragas que poderiam
vir, e nesse livrinho tinha tudo quanto é receita, falei agora eu tenho o que eu
precisava, eu tenho a receita na mão, ai eu falei agora eu vou trabalhar,
comecei sozinho. Através desse seminário que teve na escola família ai me
reanimou mais ainda, vi que tinha o selo, vi que tinha gente pra pedir apoio. Eu
vou seguir em frente.
Verifica-se no decorrer da pesquisa, através dos trabalhos de campo,
que apesar dos assentados compreenderem a necessidade de diversificar a produção
no lote, poucos se interessam de fato nessa atividade com princípios
agroecologicos.
A agricultura orgânica, uma forma alternativa de produção, frente às
práticas tradicionais agropecuárias, representa a possibilidade de maior fixação
do homem no campo, através da produção orgânica o agricultor é capaz de manter o
sustento da família e ainda evitar complicações financeiras, sendo este tipo de
produção responsável, em muitos casos, pela salvação econômica da família, como
afirma o assentado Luis Pinto Barbosa, do Sul Bonito, quando indagado sobre o
que melhorou na sua vida e na da família após iniciar a produção orgânica em seu
lote.
No caso a
gente não tinha geladeira, já tem. Comprei com o dinheiro dos orgânicos. Tinha
uma geladeira veia, derrubada, ta melhorando aos poucos. Nossa parcela no banco
no caso, no prazo certo, que é de 3 em 3 meses, pago uma parcela de R$ 223,00,
que nem agora mesmo, dia 25 eu paguei lá, vencia dia 30, mas eu já paguei logo
dia 25, sobra, já não tem mais dificuldade também. É financiamento, que eu fiz
pra construir aquela mangueira, e a seca. Financiei seis mil, e já to
conseguindo quitar. É mil reais por ano. Falta ainda três
anos.
Sobre a comercialização dos produtos orgânicos no município de
Itaquiraí, percebe-se que as pessoas ainda não reconhecem a potencialidade desse
nicho de mercado, além dos benefícios em adquirir alimentos produzidos
organicamente. As hortaliças produzidas pelos assentados do Sul Bonito são
comercializadas no município de Itaquiraí uma vez por semana, quando os
produtores levam até a cidade seus produtos.
Os agricultores orgânicos precisam superar os obstáculos referentes a
comercialização dos produtos, tendo em vista não possuírem, ainda, um ponto de
fixo de comercialização e a divulgação ser precária. De acordo com o Sr.
Carneiro, suas hortaliças são entregues na cidade, de forma
improvisada.
Eu entrego
na cidade. Eu saio vendendo na rua, tem o freguês que a gente sabe mais ou menos
que compra, mas a gente vende pra qualquer um.
A feira a
gente não freqüentava devido ao transporte, porque eu ainda pago o frete, então
na feira você tem que ficar lá e não pode sair, e se vender vendeu, se não
vender você tem que pagar o frete igual, talvez não viabiliza, você paga o
frete, você fala “a não vende nem o do frete”. Mas agora eu mudei, sábado eu já
fui, se der prejuízo não vai fazer muita falta, o pessoal ta cobrando que é para
levar na feira então vou começar, mas não saiu muito bem
não.
Tentando superar essa dificuldade, o Sr. Carneiro colocou em frente
ao seu sítio uma placa de divulgação, feita pelo próprio assentado, a fim de
atrair consumidores do próprio assentamento, algo que segundo ele tem dado
resultado.
O pessoal
ta vindo buscar aqui em casa, (...). Eu fiz uma placa e coloquei lá
em cima. Vem
comprar abobrinha, couve, repolho, cebola de cabeça. Do próprio assentamento vem
buscar, mas a questão é que não consegue produzir orgânico e água
também.
No que se refere ao que é produzido pelos agricultores orgânicos,
existe uma variedade de hortaliças, frutas e grãos que diversificam a produção,
permitindo a não dependência de somente uma variedade de
produtos.
Hoje tem
erva mate plantada pra longo prazo, plantei uma vez e morreu tudo, tornei
plantar ai pegou uns 60%, já ta bom. Tem palmito pupunha, tem as hortaliças tem
tudo que é variedade. Tem couve, tem repolho, tem tomate semeado, tem alface,
almeirão, cebola de cabeça, tem feijão, tem milho pipoca, mandioca, uma
infinidade, diversificada. Tem feijão granando, tem feijão madurando, tudo que é
coisa. E dentro de mil metros quadrado, milho plantado.
Tem caixa
de abelha, tem o mel orgânico, to com dez caixas.
No meio da
erva mate eu plantei uma variedade de frutas, ameixa, pitanga, jabuticaba,
jaracatiá, nem sei direito o que tem plantado ali.
Tem
guavira, cenoura, açaí, beterraba, repolho roxo; mudas de mamão, cedro. Tem
ainda mamona, que serve para remédio e contra lagarta. Tem cravo de defunto que
serve como repelente e inseticida. Tem canjarana que é madeira de lei, está
em extinção.
Tem angico e ipê roxo. Tem limão Taiti, tomate pêra.
E para garantir a permanência dos agricultores no trabalho com
orgânicos, e conseguir encontrar mais adeptos a essa prática alternativa, o
assentado afirma que é importante a formação de um cinturão verde, onde os
assentados possam desenvolver suas atividades produtivas sem a ameaça de
agrotóxicos nos lotes vizinhos, o que poderia prejudicar a
produção.
O mais importante que os que estão aqui é tudo quase que vizinhança,
só tem um mais fora, retirado, mas a maioria é quase vizinho. Então nos estamos
formando uma cerca aqui pra não entrar nada de fora, aqui não vai plantar nada
de agrotóxico, então você já tem uma proteção. Eu posso dizer que sou
privilegiado, o vizinho de cima não usa nada e já estamos conversando pra ele
ficar no grupo do banco de sementes.
Em função da ausência de conhecimento por parte da população de
Itaquiraí em relação aos produtos orgânicos, os produtos não podem ser vendidos
a um valor muito acima dos produtos convencionais, tendo em vista que isso
implicaria na pouca comercialização dos produtos.
Estudando sobre isso, Saquet apud Alves et al (2008, p.148) constata
que se deve levar em consideração o baixo poder de compra do brasileiro, o que o
leva a adquirir os produtos de menor preço.
É sabido que os produtos orgânicos possuem custos mais elevados em
função do volume de produção e produtividade mais baixos comparados aos
convencionais, porém, deveríamos levar em conta, primeiramente a qualidade do
produto expressa pelo seu valor nutricional e segurança alimentar ao adquirirmos
os gêneros alimentícios.
É preciso acentuar sobre as dificuldades que surgem na produção
orgânica. Nem todos os assentados conseguiram lotes com abundância de água,
muitos assentados receberam lotes que a precariedade de água se torna um grande
empecilho para o desenvolvimento de atividades produtivas, como a agricultura.
Afirma o Sr. Luis, “aqui não tem água fácil, tem água mais é da rua, só da pra
horta mesmo. Aqui na roça tem que esperar a chuva, só Deus pra aguar. Agora ta
bonita, mas eu sofri um pouco, teve uma seca ai”.
Os assentados do Sul Bonito que trabalham com orgânicos, além dos
desafios impostos pela falta de conhecimento sobre os alimentos orgânicos na
região, a cobrança em relação à certificação, as dificuldades com irrigação,
ainda precisam superar a pequena área disponível para essa produção.
Mas como afirma Saquet apud Alves et al (2008, p.145-146) o sistema
de produção orgânico é viável em pequenas áreas e permite produção em pequena
escala. Mesmo que a quantidade produzida pelo agricultor seja pequena, a
comercialização de alimentos orgânicos diretamente com os consumidores é
possível, quer seja por meio da distribuição em residências, quer seja pela
venda em feiras livres especializadas. A necessidade de aumentar a quantidade
disponibilizada para comercialização em determinados pontos de venda, bem como
de incrementar a variedade de produtos exige que os pequenos agricultores se
organizem em associações.
Como aponta Lucato Moretti e Almeida (2009, p.90) a associação se
torna um meio viável dos produtores conseguirem resistir ao modelo convencional
de produção.
(...) os pequenos produtores rurais que produzem orgânicos tentam por
meio desse processo de construção de identidades, agruparem-se em associações e
resistirem ao domínio do modelo de desenvolvimento agrícola tradicional. Ao
mesmo tempo, eles buscam uma nova relação sociocultural e ambiental que possa
garantir a sua subsistência enquanto produtores diferenciados, num estado de
economia baseado no agronegócio.
Não se pode deixar de notar a satisfação dos agricultores em
trabalhar com a produção orgânica, tendo em vista que encontraram a partir de
uma forma alternativa de produção, a possibilidade de ampliar a renda da
família, de se desvencilhar do modo convencional de produção e, além disso, ter
a consciência de que estão contribuindo com o meio ambiente, não utilizando
agrotóxicos em suas lavouras.
Em conseqüência da diversificação dos lotes do Sul Bonito, é possível
observar a mudança na paisagem do assentamento, que já não se manifesta somente
a partir da visão tradicional de pecuária e agricultura, principalmente,
cana-de-açúcar e soja.
A paisagem do assentamento Sul Bonito configura-se de variedades
produtivas, observam-se lotes onde existe a pecuária leiteira, a agricultura de
subsistência, a produção de hortaliças e pomares, a atividade voltada à
piscicultura, a produção aviária, a atividade de silvicultura, a produção
orgânica, a produção de artesanatos de fibra de bananeira, etc. É preciso frisar
que nem todos os lotes desse assentamento apresentam a diversidade produtiva
ressaltada aqui, alguns lotes ainda se retêm ao tradicional, agricultura e
pecuária.
Os produtores orgânicos “territorializam” o espaço ao desenvolverem
ações concretas e mesmo simbólicas relacionadas à produção agrícola relacionada
à busca da sustentabilidade social. A permanência na terra e o seu uso tem como
significado o pertencimento ao lugar (Lucato Moretti; Almeida, 2009,
p.88).
A produção orgânica no assentamento tem propiciado ao assentado o
sentimento de pertencimento ao lugar, de retorno efetivo ao campo. Quando o
assentado recebe a terra, e inicia os projetos de produção no lote, é
praticamente inevitável o endividamento do indivíduo.
É preciso reconhecer as trajetórias de vidas dos assentados, são
trajetórias diferentes e, que precisam ser respeitadas. Os assentados têm
distintos passados que vão desde a situação de ex-pequenos proprietários que
perderam a terra até assalariados urbanos afetados pelo problema do desemprego
(Alentejano, 2000, p.95).
Sendo assim, os assentados que optaram por trabalhar com orgânicos,
encontraram um modo de superar os obstáculos advindos do mercado capitalista,
que se apresenta como opressor, alienante e explorador do pequeno produtor.
O GRUPO
TERRA VIVA E O MEIO AMBIENTE
A agricultura convencional, grande absorvedora de maquinas,
implementos e insumos químicos, começou a ser duramente criticada pelos
movimentos sociais e ambientalistas, os quais passaram a demonstrar a nocividade
do pacote tecnológico da revolução verde ao solo, à água, à atmosfera, aos
animais e à própria saúde e bem-estar do homem.
Surgem então, algumas formas alternativas de produção que empregam
menos insumos externos e que, em conseqüência, agridem menos o meio ambiente.
(Hespanhol, 2008, p.121)
Existem muitas diferenças entre o modelo convencional de produção e o
modelo de produção orgânica, mas essas diferenças são percebidas não somente em
relação aos métodos e técnicas de cultivo, mas também, como afirma Saquet (2008,
p.138), “alguns fatores sociais tais como a inclusão social com a geração de
empregos no campo, a saúde do produtor e consumidores, além das questões
relacionadas à preservação do meio ambiente como um todo”.
O sistema de produção orgânico visa à manutenção do meio ambiente,
utilizando-se de algumas técnicas para produzir que não interfiram drasticamente
no sistema. De acordo com Saquet (2008, p.140) esse modelo de produção emprega
muita adubação verde com espécies leguminosas para fins de produção e
preservação de solos e ambiente em geral. A produção é totalmente ecológica
visando a qualidade elevada dos produtos. Além disso, a fertilidade natural do
solo é preservada através do emprego de métodos conservativos com o uso de
estercos, adubação verde e restos de colheitas, o que eleva bastante a atividade
microbiana e melhora a estrutura física dos solos.
São muitos os fatores que favorecem o desenvolvimento da agricultura
orgânica. Um estudo desenvolvido por pesquisadores suíços do Instituto de
Pesquisa sobre Agricultura Orgânica, em Frick, Suíça, apresentam 90 argumentos
em favor da agricultura orgânica (Saquet, 2008, p.140-143), e discute-se no
presente texto apenas alguns que podem ser relacionados ao grupo Terra
Viva.
No caso do leite, que é o carro chefe da economia do assentamento,
segundo os pesquisadores, o leite procedente de vacas criadas no sistema
orgânico possui maiores quantidades do ômega 3, importante ácido graxo para a
prevenção de doenças circulatórias e do câncer. Diante disso, percebe-se a
grande importância em desenvolver a pecuária leiteira no assentamento Sul Bonito
de maneira orgânica, dentro das possibilidades dos
produtores.
No caso das hortaliças, frutas e hortaliças orgânicas contêm maiores
concentrações de elementos funcionais tais como flavonóides e resveratrol, os
quais são antioxidantes muito eficientes que retardam o processo de
envelhecimento e previnem doenças do coração. Para a produção desses alimentos,
os assentados produtores do grupo Terra Viva não utilizam nenhum tipo de
elemento químico para controle de pragas e insetos. O combate é feito através de
produtos alternativos, como o cravo-de-defunto, que serve como repelente para
alguns insetos.
A agricultura orgânica tem um caráter mais social, apontam os
pesquisadores. Diminui os custos com a saúde da população em geral, porque os
alimentos são mais saudáveis. Promove inclusão social das pessoas no campo e
melhora a saúde do produtor, o qual não se envolve diretamente com produtos
químicos perigosos.
No que diz respeito aos
benefícios advindos com a inserção de atividades produtivas orgânicas, pode-se
destacar os benefícios à saúde da população, seja os produtores sejam os
consumidores. Na propriedade do Sr. Carneiro os benefícios foram sentidos na
própria família, quando os filhos já não apresentam tantos problemas de saúde
como antes.
A gente percebeu que depois que começamos a trabalhar dificilmente
alguém fica doente, e outra quando fica a gente já sabe qual o remédio que vai
tomar, ou você já toma ele antes. Por exemplo, ta a hortaliça então já vamos
fazendo a saladinha, a gente faz suco de couve, suco de beterraba, fanta de
cenoura, essas coisas.
Diante dessas constatações, é evidente que a agricultura orgânica
oferece mais benefícios a saúde do produtor e do consumidor, em detrimento da
agricultura convencional. Além disso, diminui os riscos de contaminação do solo
e da água, tendo em vista que não são utilizados agrotóxicos nesse sistema de
produção.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a necessidade da sociedade atual em melhorar as
condições de alimentação, os alimentos orgânicos se colocam com uma alternativa
para suprir essa necessidade. E o grupo Terra Viva de produção orgânica se
apresenta nessa lógica como um grupo de resistência as praticas tradicionais de
produção, o que permite aos assentados permanecerem na terra, produzindo e
sobrevivendo do próprio lote, sem precisar abandoná-lo nem procurar fontes de
renda fora da propriedade.
Os produtores orgânicos, apesar das dificuldades relacionadas a
produção, como falta de incentivo em relação a comercialização, falta de crédito
para produção, etc., tentam superá-las resistindo ao modelo convencional de
produção adotado no assentamento Sul Bonito, através do grupo Terra
Viva.
É importante ressaltar a que o desenvolvimento desse grupo de
produção orgânica no assentamento Sul Bonito, reforça a idéia colocada pelo
próprio movimento social, MST, de luta pela terra, sobre a importância dos
assentados buscarem alternativas de fonte de renda dentro do lote, e de maneira
sustentável, o que gera e impulsiona melhorias no próprio lote, no assentamento
e na sociedade como um todo, através não só da sustentabilidade ambiental que
este tipo de produção oferece, mas também, da sustentabilidade social dos
próprios envolvidos na pratica.
Isso promove a (re) inserção dos assentados produtores de orgânicos
na sociedade e no mercado, o que significa o triunfo sobre as adversidades, é
como se estivessem retornando à sociedade, inserindo-se novamente nas relações
sociais e de produção.
Para encerrar esse trabalho traz-se a fala do assentado Sr. Carneiro,
quando durante a entrevista lhe foi perguntado sobre o que ele conseguiu
melhorar em seu lote e sua residência após iniciar a produção orgânica.
Esperando uma resposta voltada a compra de bens materiais para a casa ou
melhorias na estrutura do lote, o assentado simplesmente
responde:
Acho que eu adquiri liberdade, a gente ta se sentindo um pouco
independente do mercado. Eu ia na cidade, queria trazer alguma coisa mas eu não
tinha dinheiro, tinha que comprar fiado, agora não, eu vou lá, eu vendo dois ou
três pés de alface, eu trago o que eu quero e não devo nada pra ninguém. Então é
independência. E outra tem que comer em casa, o que tiver, os alimentos com
qualidade (Cícero Carneiro).
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CANDIOTTO, L. Z. P. (Orgs.) Desenvolvimento territorial e agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
Trabalho
integrante da Dissertação de Mestrado “A produção territorial e as formas de
resistência no assentamento rural Sul Bonito em Itaquiraí/ MS”, defendida em
março de 2011, sob orientação do Prof. Dr. Edvaldo César
Moretti.
Ponencia presentada en
el XIII Encuentro Internacional Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de
setiembre de 2011.