INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL NA PERSPECTIVA DO BRASIL: MAPEANDO DESAFIOS EM BUENOS AIRES, BOGOTÁ E CARACAS
SOUTH AMERICA INTEGRATION IN A BRAZILIAN PERSPECTIVE: MAPPING OUT CHALLENGES IN BUENOS AIRES, BOGOTA AND
CARACAS
Ronaldo da Silva
Resumo
Esse artigo busca investigar alguns dos principais desafios
econômicos, políticos e diplomáticos enfrentados pelo Brasil e seus vizinhos no
processo de integração da América do Sul neste início do século XXI. Portanto,
faz-se uma análise dos desafios à diplomacia brasileira a partir de uma visão
nacional também brasileira postos por Argentina, Colômbia e Venezuela. Assim,
disputas, ressentimentos e interesses nacionais são revelados como obstáculos
para o Brasil liderar a integração regional via UNASUL – União das Nações
Sul-Americanas
Abstract
This
article seeks to investigate some of the main economic, political and diplomatic
challenges faced by Brazil and its neighboring countries in South American
Integration process in the early XXI century. Therefore, it elaborates an
analysis of challenges to Brazilian diplomacy from a Brazilian national
perspective posed by Argentina, Colombia and Venezuela. Thus, disputes,
resentments and national interests are revealed as obstacles Brazil will have to
face in leading regional integration through UNASUL – Union of South American
Nations.
Introdução
Afinidades comerciais e interesses estratégicos, como paz e segurança
mútua, estimulam processos de integração regional ou bilateral. Muitos países
participam de diferentes processos e/ou de blocos econômicos regionais ao mesmo
tempo. Entretanto, a presença de um país em vários acordos, regionais e/ou
bilaterais, complica/burocratiza a atividade aduaneira. Quando países pobres ou
com desenvolvimento médio fecham acordos bilaterais ou regionais com potências
como EUA e União Europeia, há simultaneamente anulação da vantagem inicial que
os favorece. Perde-se a exclusividade do acesso.
A
ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio) criada em 1960 e
transformada em ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) em 1980, em
Montevidéu, no Uruguai, nunca conseguiu produzir integração regional e
desenvolvimento de fato. O voluntarismo político dessa iniciativa se chocava
frontalmente com a desintegração da infraestrutura, principalmente em
transportes e energia, entre os países participantes, bem como esbarrava na dura
realidade da dependência e/ou da subordinação estrutural aos países do centro do
sistema capitalista. Assim, a maioria dos países da região mantinha, e muitos
ainda mantêm, os seus maiores laços comerciais com os EUA e com a União Europeia
e não com os seus vizinhos, pois a maioria exporta produtos agrícolas e, quando
muito, semimanufaturados. Na integração entre os países da região, vários
produtos faziam parte de uma cesta de exceção à concorrência. Por fim, entre as
décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, a América Latina esteve ocupada demais com
outros problemas, mais urgentes do que a integração: 1) o financiamento da
industrialização (substituição de importação); 2) o endividamento externo; 3) os
golpes/ditaduras militares no quadro da Guerra Fria; 4) a hiperinflação e a
redemocratização nos anos 1980 e 5) a reestruturação econômica nos anos 1990,
sob a total hegemonia dos EUA com o avanço da globalização neoliberal.
O
discurso da integração econômica entre países traz, sempre, no seu interior, o
discurso do desenvolvimento. É fato que o comércio tende a aumentar na maioria
dos casos de integração, mas o desenvolvimento é um processo muito mais amplo,
aberto e complexo do que o simples aumento do comércio. Países pobres têm mais
oportunidade de comércio e desenvolvimento quando se associam com países iguais
ou quando se associam com países ricos? Por que os EUA e a Europa não fazem uma
zona de livre comércio entre si, embora celebrem tratados de livre comércio
entre eles próprios e países da África e da América
Latina?
Sobrevoo a Buenos Aires, Bogotá e Caracas
No âmbito deste artigo, é impossível discutir todas as posições dos
países sul-americanos sobre as ambições, projeções e interesses de Brasília. No
entanto, é necessário verificar, ainda que en passant, as perspectivas de Buenos,
Aires, Bogotá e Caracas. A Argentina é a segunda economia industrial da América
do Sul, foi rival do Brasil por cerca de 150 anos, é agora um pais parceiro
estratégico do Brasil na constituição do Mercosul e em sua ampliação. Pela
história de seu desenvolvimento, industrialização e proximidade cultural com a
Europa na primeira metade do século XX, e, relativo empobrecimento no último
quartel deste mesmo século tem certa dificuldade em aceitar a liderança regional
brasileira.
A
Venezuela, que busca ingressar no Mercosul, teve, depois de muita resitência dos
partidos DEM e PSDB, aprovação no parlamento brasileiro restando apenas a
aprovação do parlamento do Paraguai, tem feito parcerias estratégicas com
Brasília e foi, nos anos 2008 e 2009, o mercado na América do Sul que
proporcionou o maior superávit ao
comércio externo brasileiro. É também, desde 1998, com o governo Hugo Chaves, o
país que mais vocaliza explícita oposição aos interesses norte-americanos na
América do Sul.
Por fim, a Colômbia é um país com geografia e constituição estatal
singular na região. O Estado nunca conseguiu impor sua autoridade em todo o
território nacional. No século XX, foi palco de ações de diversos grupos
armados: guerrilheiros de esquerda, paramilitares de direita e narcotraficantes.
O país trava uma luta contra os cartéis de drogas e pelo controle efetivo do
território. Nesse processo, o país tornou-se aliado estratégico de Washington e,
por ter aceitado sediar bases militares americanas, sob a alegação de receber,
em troca, ajuda logística, financeira e tecnológica contra os cartéis de drogas,
despertou a desconfiança dos países vizinhos. Após esse rápido “sobrevoo” o
artigo passa a discutir de forma mais detida questões da política e da
diplomacia desses três países vizinhos na perspectiva brasileira dos principais
desafios políticos e diplomáticos recentes a ser enfrentados no caminho da
integração da América do Sul.
Buenos Aires
Nos anos 1990, o governo Menem e a elite argentina, sob influência da
teoria do Realismo Periférico, resolveram aproximar o país dos
EUA de modo a criar um novo status
para a relação, o de “relação carnal[3]”. Antes do Brasil, a Argentina aplicou com vigor as políticas
recomendados pelo Consenso de Washington e voltou ao mercado de crédito
internacional, transformou-se em um país modelo para a agenda neoliberal e
recebeu muitos investimentos externos. O país enviou dois navios de guerra
contra o Iraque na Operação Tempestade no Deserto em 1991, como gesto simbólico
do seu alinhamento aos EUA. A Argentina pretendia ingressar como sócio-efetivo
na Organização do Tratado do Atlântico Norte; não conseguindo, recebeu o título
de aliado principal fora da OTAN em 1997, pelo governo Clinton. A impetuosidade
argentina constrangeu e irritou a diplomacia brasileira. Ao mesmo tempo, a
Argentina desfrutava de crescente superávit comercial com o Brasil e
fazia-lhe afagos para não perder esse grande mercado. Em que pesasse sua relação
privilegiada com os EUA, buscava também privilégios do Brasil via Mercosul.
Ao longo da década de 1990, a Argentina adotou uma política cambial
que ancorava a moeda argentina, o peso ao dólar, paridade cambial na prática.
Com a moeda sobrevalorizada, as exportações argentinas perderam competitividade
no mercado internacional. Mas o ingresso de capital no país permitiu manter a
moeda forte. No entanto, com a crise asiática (1997), com a crise russa (1998) e
com a desvalorização do real em 1999, o ingresso de dólares na Argentina
diminuiu dramaticamente e a situação tornou-se insustentável em 2001, no governo
Fernando De La Rua. O que se seguiu foi um dos maiores desastres do capitalismo
moderno. Metade da população de 37 milhões de habitantes, 19 milhões, caiu
abaixo da linha de pobreza, 23% da força de trabalho ficou sem emprego. No front externo, a Argentina deu o maior
calote (cerca de U$100 bilhões) da história do capitalismo moderno e foi cortada
das linhas de crédito de bancos internacionais e instituições multilaterais.
Entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, quatro presidentes ocuparam a Casa
Rosada devido a uma devastadora sequência de três
renúncias.
Por fim, o Realismo Periférico com seu incondicional alinhamento aos
EUA havia se mostrado um desastre político, econômico e social de proporções
monumentais. A Argentina, então, rompeu a paridade peso-dólar, impôs dura
negociação da dívida externa aos credores e aproveitou muito bem a boa onda do
comércio internacional entre 2003 e 2007, fazendo crescer o PIB em mais de 6% ao
ano neste período. Como o Brasil, viveu, entre os anos 1994 e 2002, forte
hegemonia do ideário do Consenso de Washington. Muito do que ocorreu na
Argentina influenciou também a percepção brasileira, particularmente em política
externa e economia. A maior celeridade das privatizações, da desregulamentação e
da abertura comercial na Argentina, celebrada com forte ingresso de divisas,
pressionava o Brasil, ao menos por parte de ideólogos e da grande mídia, a
seguir o mesmo curso. Entretanto, diplomata Samuel Pinheiro Guimarães (2006) faz
duras críticas ao Realismo Periférico e às posições da Argentina e do
Brasil:
[...] o alinhamento político e militar e a cuidadosa não-confrontação
com as grandes potências não trouxeram os benefícios econômicos esperados, nem
reduziram o exercício arbitrário do poder, os conflitos e a acumulação de armas
de destruição em massa e convencionais por países poderosos, nem concederam aos
países periféricos cooperativos maior influência nos assuntos mundiais... o
desarmamento dos países do Cone Sul não reduziu o risco de conflito na América
do Sul – ao contrário, facilitou – e foi seguido de uma crescente presença
militar norte-americana na região. (GUIMARÃES, 2006, p.
419).
Em 2003, o alinhamento automático com os EUA foi trocado por críticas
frequentes a Washington. O Mercosul recebeu prioridade enquanto zona econômica
para as exportações argentinas e o combate à ALCA foi também uma marca do
governo Kirchner (2003-2007). No entanto, independentemente da situação
econômica da Argentina e da sua proximidade ou distância com os EUA, o país tem
dificuldades ideológicas e políticas em admitir ou lidar com a situação real, ou
mesmo com a pretensão de liderança regional e global do Brasil. Tanto no governo
direitista de Menem (“relações carnais” com os EUA) como nos governos
esquerdistas de Nestor e Cristina Kirchner (divergências explícitas com os EUA),
o país se opõe a um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da
ONU. O Brasil tem recebido apoios diversos pelo mundo nesse importante pleito da
política externa, mas enfrenta a resistência de seu aliado estratégico vizinho.
Argentina e México preferem uma cadeira permanente para a América Latina, mas
que seja rotativa entre México, Argentina e Brasil. Em Washington/DC, o
diplomata argentino Luciano Tanto Clemente, em entrevista a este pesquisador, na
Embaixada da Argentina em julho de 2008, fez a seguinte declaração a esse
respeito:
La Argentina reconoce que Latino-America está subrepresentada o non
representada en los menbros del Consejo Permantente. La Argentina favorece a la
representación de la región e no necessariamente la representación de un país,
por lo tanto la posición de la Argentina és para a representación de la region e
no solamente de Brasil. (Washington DC, Luciano T. C., Diplomata Argentino.
Entrevista em Washington – julho de 2008 – Embaixada da
Argentina).
O
Brasil, que cada vez mais se torna um ator global, obviamente reforçará o seu
papel se também aumentar a integração e a solidariedade regional. A Argentina
experimentou decadência econômica e perda de influência política tanto se
afastando quanto se aproximando dos EUA. A projeção do Brasil pode gerar novas
confusões na interpretação argentina de seu interesse nacional e do seu papel
região. Se incomodada, a Argentina, em uma alternativa à direita, pode
fortalecer laços com os EUA e contra o Brasil, ainda que seja apenas se
fortalecer pela retórica. Em uma alternativa à esquerda, mas também em oposição
ao Brasil, pode recorrer ao México. Por outro lado, um Brasil economicamente
mais forte pode ser benéfico para a Argentina tanto quanto os EUA são para
exportadores e trabalhadores mexicanos. No entanto, parece que o fantasma do
passado grandioso da Argentina do período entre 1890 e 1920 assombra a Argentina
do presente na definição de seu interesse nacional, de sua inserção regional e
de sua retomada econômica.
Bogotá
Enclaves político-regionais formaram-se favorecidos pela geografia da
Colômbia. Neles grandes senhores de terra controlam a riqueza e o poder político
em desfavor do governo central e da população. O país tem três grandes montanhas
ao sul, separadas pelos cursos dos rios Cauca e Magdalena, possui vastas
planícies tropicais ao sudeste, densas e impenetráveis florestas ao norte, no
Istmo do Panamá e a oeste, rumo à Amazônia.
Na década de 1960 surgem as FARCs. As forças governistas, liberais e
conservadores, reunidas na Frente Nacional, após o período da La Violencia, atacaram um grupo de
comunistas em maio de 1964 nas áreas distantes e elevadas do município de
Marquetélia, com aviões, helicópteros e batalhões do exército. O exército logrou
conquistar o território, mas os guerrilheiros se dispersaram, partindo dos
planaltos centrais para a floresta a sudeste do país. Formaram uma guerrilha
móvel, com o apoio e a simpatia de camponeses que forneciam abrigo, alimentos e
jovens como novos recrutas. Ao longo de décadas, o movimento resistiu, desafiou
vários governos e chegou a ter domínio reconhecido pelo governo federal de parte
do território na segunda metade dos anos 1990.
No final dos anos 1970, a cocaína já havia substituído a maconha na
Colômbia como atividade mais lucrativa. O mercado para o consumo de drogas nos
EUA crescia e as máfias (ou cartéis) das drogas em Medelín também ampliavam o
seu poder econômico e político. Aliás, a interação entre a força econômica das
drogas e o poder político era crescente. Em 1982, o traficante Pablo Escobar,
que emergiu no final dos anos 1970 como principal druglord, foi eleito deputado na
Colômbia. Nos anos 1980, Pablo Escobar tornou-se um dos homens mais ricos do
mundo e, sob suas ordens, centenas, talvez milhares de pessoas, foram
assassinadas no país: policiais, políticos, juízes, todos os que se opunham a
ele eram comprados ou mortos.
Nos anos 1990, houve crescente simbiose dos guerrilheiros das FARCs
com os cartéis de drogas. As FARCs passaram a prestar serviços de segurança para
as máfias de drogas, além de sequestros e assassinatos. Mas mantinham bandeiras
políticas de justiça social com um discurso não institucional e não eleitoral,
difícil de ser sustentado após o fim da URSS. Ainda nos anos 1970, surgiram os
paramilitares, homens contratados pelos grandes senhores de terra, com ligação
com a Igreja Católica e com políticos conservadores, em oposição às FARCs. Estes
paramilitares também se associaram aos narcotraficantes, eventualmente, e
praticaram assassinatos e deslocamento forçado de camponeses em defesa do
latifúndio.
Nos anos 1980, ainda durante a Guerra Fria, o governo dos EUA, ciente
do efeito deletério das drogas no tecido social e na saúde do povo americano,
elegeu o combate às drogas e aos narcotraficantes como uma das prioridades de
sua política externa. O governo Reagan tratou as drogas como ameaça à segurança
nacional. O governo Clinton deu substancial incremento ao Plano Colômbia[4] colaborando com logística, treinamento e
armamento das forças colombianas. E ainda, com o ataque aos EUA em 11 de
setembro de 2001, o governo Uribe conseguiu que os EUA, no governo Bush,
colocassem as FARCs na lista de organizações terroristas. Os países da América
do Sul, em geral, têm evitado classificar as FARCs com essa
denominação.
Como os maiores cartéis de drogas do mundo ficavam na Colômbia[5], a interação das forças armadas e
policiais desse país com os EUA seria crescente durante os anos 1990 e na
primeira década dos anos 2000. O resultado prático foi a apreensão de bens de
traficantes nos EUA, o maior mercado consumidor de drogas do mundo e fonte de
enriquecimento dos cartéis de Cale e Medelín. Além disso, vários
narcotraficantes presos na Colômbia foram deportados para os EUA. Bases
militares foram montadas na Colômbia pelos EUA, que enviaram armas, dinheiro e
homens ao longo dos últimos 15 anos de forma crescente. As operações dos EUA na
área amazônica colombiana fizeram crescer a desconfiança de movimentos sociais e
sindicais em vários países da América do Sul por conta da imensa riqueza mineral
e em biodiversidade da Amazônia.
O
governo de Álvaro Uribe (2002-06-2010) promoveu um combate sem trégua às FARCs
com ajuda financeira, logística e militar dos EUA. Mais de oito mil
guerrilheiros depuseram as armas, lideranças foram mortas e presas, a guerrilha
perdeu enclaves territoriais anteriormente conquistados e reconhecidos e vive em
fuga. O governo conquistou apoio político maciço por ter conseguido aumentar
efetivamente a segurança da população. No entanto, o crescente envolvimento
militar dos EUA na Colômbia e a pressão dos dois países sobre a política
antidrogas da Bolívia, do Equador e da Venezuela, que é distinta, além da não
classificação das FARCs, por parte desses países, como organização terrorista[6], como queriam Uribe e Bush,
tornaram as relações diplomáticas entre os outros três e a Colômbia muito
tensas. O Peru tem estado próximo às posições da Colômbia e dos EUA. O golpe
militar contra Chaves em 2002, apoiado diplomaticamente pelos EUA nas primeiras
horas, mas rechaçado por toda a vizinhança, especialmente pelo Brasil, piorou a
percepção dos outros países a respeito da presença das forças americanas na
Colômbia.
O
governo Bush, com sua nova doutrina de “guerra ao terror”, colocou entre
parênteses a soberania nacional dos outros Estados-Nações na luta contra o
terror real ou imaginário, conforme as conveniências políticas da Casa Branca,
como ficou demonstrado na invasão do Iraque em 2003. Na mesma linha de Bush, e,
com o seu apoio, o governo colombiano perseguiu e atacou, em março de 2008, um
grupo das FARCs que havia se refugiado no Equador. Isso foi uma clara violação
da soberania do Equador, pois o governo colombiano deveria ter solicitado ao
governo equatoriano a prisão e deportação do grupo.
Com o imbróglio criado, o Equador e a Venezuela romperam relações
diplomáticas com a Colômbia, e a Venezuela, sob o comando de Chaves, mobilizou
tropas na fronteira. Brasil, Argentina e Chile condenaram a invasão, mas
pregaram moderação entre os vizinhos mais exaltados. A Organização dos Estados
Americanos − OEA reuniu-se em sua sede, em Washington, para discutir o problema;
declarou como violação de fronteira a ação da Colômbia, mas, sob pressão dos
EUA, um pedido de desculpa e condenação da Colômbia, como queria o Equador, não
foi aprovado. O seguinte trecho de artigo impresso é ilustrativo da
crise:
BRASÍLIA - O presidente da Colômbia, Alvaro Uribe,
determinou seu isolamento na América do Sul depois de violar ostensivamente o
território do Equador para atacar as Farcs e matar o segundo homem da guerrilha,
Raúl Reyes. A Venezuela, a Bolívia e, claro, o Equador já seriam naturalmente
contra Uribe. Mas se somaram a eles os moderados Chile, Argentina e Brasil,
líder da região. Há, porém, diferenças abissais entre o comportamento
beligerante de Hugo Chávez e o negociador de Lula. Chávez chamou Uribe de
"criminoso", retirou os embaixadores e acionou dez batalhões do Exército para a
fronteira com a Colômbia. Lula chamou o chanceler Celso Amorim e a diplomacia. O
Brasil, assim, se esforça em duas frentes nessa ameaça (real, diga-se) de guerra
na região. O primeiro é mediar um pedido de desculpas da Colômbia. A segunda é
evitar que a Venezuela se aproveite do erro grosseiro de Uribe para botar fogo,
literalmente, na região. (CATANHÊDE, 2008).
Outro relato mostra as articulações durante a crise: O Presidente
Lula teria ignorado telefonemas de Chávez, conforme Valdo Cruz,
colunista do jornal Folha de São Paulo, da Sucursal de Brasília.
Além de articular a Argentina e o Chile como "bombeiros", o
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou com eles isolar o venezuelano Hugo
Chávez e o americano George W. Bush do conflito Colômbia-Equador. Chávez
condenou a Colômbia e deslocou tropas à fronteira. Bush defendeu a invasão do
Equador, quando a não-violação territorial é um pilar das relações
internacionais. Os dois são considerados os "incendiários" da crise. Desde o
último fim de semana, Chávez vem tentando falar com Lula. O presidente
brasileiro, porém, ignorou os chamados do venezuelano, mas conversou com o
colombiano Álvaro Uribe, com o equatoriano Rafael Correa, com as presidentes do
Chile, Michelle Bachelet, e da Argentina, Cristina Kirchner, entre outros. O
discurso do Brasil é que a crise aberta com o ataque da Colômbia para aniquilar
um acampamento das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no Equador
é uma "questão bilateral". O temor era de que Chávez e Bush polarizassem o
confronto, transformando a crise em regional ou até internacional. (CRUZ,
2008)
O
The Economist publicou:
Although George Bush gave public support to Mr Uribe, other
governments in the region, led by Brazil, tried to drive a wedge between Mr
Correa and Mr Chávez. There were signs that this might work. On March 5th
Ecuador agreed to an OAS resolution criticising but not
formally condemning Colombia. The OAS also agreed to
investigate the bombing. Once the region's diplomats have patched things up
between these two countries they face another, more intractable problem: Mr
Chávez, still with oil money but politically on the defensive, may have thrown
in his lot with an outlaw army of drug-traffickers. (The Economist,
2008a)
No curso
desses eventos, do episódio envolvendo Colômbia, Equador, FARCs e Venezuela, o
governo Lula propôs a criação do Conselho de Defesa Sul-americano, um fórum de
segurança regional para discutir questões dessa natureza, antecipar negociações,
evitar conflitos e monitorar regionalmente problemas de segurança. Isso,
obviamente secundarizaria a consulta individual de membros da região aos EUA. A
Colômbia participou, mas com sérias reservas. Ela não quer alienar os EUA do
debate sobre segurança regional e teme que o fórum se torne um palco contra os
EUA, instrumentalizado por Chaves, Morales e Rafael Correia. Em 2009, a
ampliação da presença americana em mais quatro bases militares na Colômbia criou
enorme desconforto e gerou protestos generalizados dos líderes da região junto
aos governos da Colômbia (Uribe) e EUA (Barack Obama).
A Colombia
era um dos países mais entusiasmados, isto é, o governo Uribe, com a proposta de
integração continental americana no projeto da ALCA. Paralelamente, o país
tentava um tratado de livre comércio com os EUA, mas não obteve êxito, apesar
dos reiterados apelos do governo Bush ao Congresso americano. Os deputados
democratas e sindicalistas americanos se opunham ao acordo e alegaram, entre
outras coisas, problemas com os direitos humanos e o direito de organização
sindical na Colômbia, pois muitos sindicalistas têm sido assassinados por forças
aliadas ao governo.
Assim, em que pese as muitas visitas de Uribe aos EUA e os muitos
apelos do governo Bush ao Congresso, o Tratado de Livre Comércio entre Colômbia
e EUA não logrou êxito, como o Chile e o Peru haviam conseguido. Mesmo assim, a
Colômbia tem recebido bilhões de dólares dos EUA para combate ao narcotráfico,
além de armas, créditos e apoio logístico. Mas, o Congresso Americano constatou
que nem a oferta de drogas no mercado mundial diminui, nem os preços da droga se
tornaram proibitivos ao consumo. Contesta-se eficiência da ajuda americana, bem
como o foco da aplicação do dinheiro. A Colômbia certamente não trocará esse
apoio pela solidariedade regional sul-americana, pactos ou acordos bilaterais de
comércio internamente, o país enfrenta uma luta que já dura cerca de 60 anos e
por ora, a Colômbia é uma ponta de lança avançada dos EUA na América do Sul em
termos de aliança econômica e militar. Pode, por isso, sofrer relativo
isolamento regional, mas, se isso ocorrer, imagina-se, terá fortes compensações
econômicas e não econômicas pelo alinhamento automático com Washington. Por ora,
Brasília é observada por Bogotá com atenção, mas um redirecionamento da
Chancelaria em Bogotá, em termos de interesses estratégicos compartilhados com
os vizinhos, parece fora de cogitação, muito embora os atritos diplomáticos
frequentes com a Venezuela, grande parceiro comercial da Colômbia, possam
favorecer ainda mais incremento de negócios no país em favor do Brasil, o que já
está acontecendo. Há de se lembrar que com a saída do ex-presidente Álvaro Uribe
do presidência tem havido um progressivo distencionamento na relação entre
Venezuela e Colômbia.
Caracas
Hugo Chaves é acusado pela mídia venezuelana e internacional de ser
ditador e antidemocrata; no entanto, ele se submeteu a vários processos
eleitorais e referendos e ganhou todos. Em 1998, venceu a eleição presidencial
com 56,02% do total de votos; em 2000, ganhou com 59,76% do total de votos e, em
2004, ganhou novamente com 59%. A mídia o ataca e ele revida em uma batalha sem
fim.
A
empresa estatal PDVSA é a maior empresa do país e uma das maiores petrolíferas
do mundo, inclusive com refinarias nos EUA e na Europa. Esta empresa, antes de
Chaves, era completamente dominada por uma oligarquia burocrática, controlava
boa parte da economia do país, produzia petróleo com muito menos eficiência do
que as suas congêneres internacionais e a preços de produção por barril três
vezes mais elevados. Era praticamente um Estado dentro do Estado. Os executivos
dessa empresa se opuseram duramente ao presidente eleito. A empresa participou
de uma greve contra o governo que levou até mesmo à queda do PIB, dado o seu
peso central na economia da Venezuela.
Em abril de 2002, houve um golpe de Estado contra Chaves que durou 47
horas. Esse golpe havia sido precedido por uma greve geral e por grandes
manifestações anti Chaves televisionadas pela mídia de forma entusiasmada. As
manifestações pró-Chaves não eram televisionadas. Os executivos da estatal de
petróleo (PDVSA), as grandes empresas de mídia e a Associação Comercial e
Industrial, FEDERACAMARAS, foram entusiastas do golpe. Os países da América do
Sul, especialmente o Brasil, a Argentina e o Chile, se apressaram em condenar o
golpe e criaram um grupo, “Amigos da Venezuela,” para mediar a crise para que o
país voltasse à normalidade constitucional, com o Presidente Hugo Chaves no
poder. No entanto, foi a manifestação popular de milhões de venezuelanos a favor
de Hugo Chaves que foi decisiva no retorno do presidente ao palácio Miraflores.
Os EUA foram apontados e acusados por Chaves de terem participação no golpe.
Aliás, os EUA se apressaram em reconhecer o novo governo golpista como legítimo.
Houve enorme embaraço na Casa Branca e no Departamento de Estado com a
condenação internacional do golpe, em especial pelos países sul-americanos, e
também com a reação popular contra o golpe.
Entre 2003 e setembro de 2008, o governo Hugo Chaves se beneficiou
enormemente com o aumento do comércio internacional e a elevação contínua do
valor do barril de petróleo que, do preço médio de U$22 dólares, subiu para
cerca de U$130 dólares, até que se iniciasse a crise nos EUA. Neste período,
toda a economia da Venezuela teve desempenho espetacular, com crescimento acima
de 6% ao ano em média. O governo de Hugo Chaves, então, incrementou a
assistência e os programas sociais, reaparelhou as forças armadas com compra de
aviões, fuzis e helicópteros da Rússia, e enfrentou os inimigos internos,
especialmente as empresas de mídia que se comprometeram com o golpe.
No plano externo, o governo de Hugo Chaves opinou em eleições de
países vizinhos, o que, em termos de relações diplomáticas, não é recomendável a
um chefe de Estado. Ajudou, com recursos financeiros e petróleo, vários países,
entre eles, Cuba, Argentina e Bolívia, dentro do pacto ou da perspectiva
conhecida como “Alternativa Bolivariana.” Promoveu incansável ataque à política
externa, ao neoliberalismo, à economia de mercado e à hegemonia americana em
todos os fóruns internacionais. Cortejou adversários dos EUA, como o Irã, e
comandou manifestações contra o governo Bush na Cúpula das Américas, em Mar Del
Plata em 2005, em oposição à ALCA e à Guerra do Iraque. Paralelamente a esses
eventos, a Venezuela se retirou da CAN (Pacto Andino) e conseguiu a aprovação
dos parlamentos do Brasil (dezembro de 2009), da Argentina, e do Uruguai para
tornar-se membro do MERCOSUL, restando somente a aprovação do Parlamento do
Paraguai, até este momento.
Com a crise do capitalismo global em 2008-2009, o preço do barril de
petróleo caiu de U$120 dólares para U$60 dólares em média, e o governo Chaves
passou a enfrentar pressões econômicas crescentes. O Presidente Hugo Chaves
estatizou várias empresas, criou um ambiente de desconfiança para os
investidores e hostilizou abertamente, por várias vezes, o capital
internacional. Mesmo sem entrar no
mérito de privatizações fraudulentas no passado ou no engajamento político de
empresas internacionais na política interna venezuelana, é preciso considerar
que esta atitude traz problemas. Essa atitude é muito distinta, por exemplo,
daquela adotada pelo governo Lula em relação ao capital e ao mercado, embora
ambos os governos sejam reconhecidos como sendo de esquerda.
Como a Venezuela é uma economia pouco industrializada, se comparada à
Argentina e ao Brasil, pobre em capitais e tecnologia, torna-se muito difícil
criar desenvolvimento consistente. As experiências da Coreia do Sul, da China,
de Israel e do Chile apresentam um outro caminho, que combina investimento,
abertura para os capitais e projeto nacional de desenvolvimento. Com a falta de
investimentos, a Venezuela apresenta problemas graves de desabastecimento
alimentar, insuficiência e racionamento de energia. Se a gestão macroeconômica
de Chaves e os seus resultados são questionáveis, é inegável a aproximação do
Estado com a população através de várias políticas públicas de tranferência de
renda para os mais pobres. E, claro, o governo colheu dividendos
político-eleitorais das políticas sociais implantadas. Nas democracias avançadas
é assim também; avanços sociais e dividendos políticos caminham juntos. A
descaracterização que a mídia faz das organizações populares favoráveis a Chaves
como pobres, baderneiros, dependentes do Estado e mestiços só reforça Hugo
Chaves. Sua origem mestiça e seu linguajar popular, assim como os de Lula no
Brasil, torna a comunicação direta com o povo ainda mais forte. Cristóbal V.
Ramirez (2006) aponta os equívocos da descaracterização dos chavistas pela mídia
e por alguns intelectuais:
The
characterization of chavistas as politically immature is not sustained by this
research…The personal values and larger organizational goals of the chavistas
are compatible because of a common commitment based on counterhegemonic
political and social objectives as well as historical experiences and social
consciousness…Furthermore, they vary widely in age, sex, class and education;
they clearly cannot be characterized as young, unruly and poor. (CRISTÓBAN, 2005, p. 14)
O
governo Lula tem sido compreensivo com o governo Hugo Chaves no que tange aos
desafios internos da luta democrática e econômica na Venezuela. Forças internas
deste país ligadas ao golpe e também forças políticas no Brasil, setores do
Congresso e da grande mídia corporativa têm solicitado à presidência do Brasil
que condene práticas do governo Chaves tidas como autoritárias. Na mesma linha,
o governo americano tem criticado o suposto autoritarismo chavista na América
Latina e sua interferência na política interna dos países vizinhos como
Colômbia, em apoio às FARCs, e na Bolívia e no Equador, durante a realização de
eleições. O problema é que os EUA, que interferiram na política interna de
vários países da América Latina por décadas, carecem de autoridade moral para
condenar as incursões de Chaves nas lutas políticas internas dos países
vizinhos. As forças empresariais e da mídia corporativa na Venezuela que pedem
condenação do Brasil e da comunidade internacional às ameaças chavistas à
democracia desacreditaram a si mesmas com a tentativa de golpe, que foi
rechaçada pela população e repudiada pelos países sul-americanos. Por fim,
embora certas práticas de Chaves possam ser consideradas autoritárias e a sua
diplomacia ruidosa, ele se submeteu a três eleições e a um referendo sob a
continuidade de seu governo e ganhou todas com o voto popular. A transparência
dessas eleições foi confirmada pela OEA e pelo Carter Center.
A
compra de armas da Rússia pela Venezuela fez o Congresso Brasileiro e setores da
mídia questionarem o risco de o Brasil perder a primazia militar para um país
cada vez mais agressivo e bem armado. Novamente há exageros na afirmação. Os
EUA, ao bloquearem a venda de armas para a Venezuela, inclusive aviões
brasileiros equipados com radares americanos, é que forçaram o governo de Hugo
Chaves a tomar essa decisão. Além do mais, a Venezuela reequipa suas forças
armadas muito impulsionada pelo armamento da Colômbia pelos EUA.
A
oposição ao governo Lula no Congresso brasileiro, o PSDB e o DEM, tentou
retardar e recusar o ingresso da Venezuela como membro do MERCOSUL, mas foi
vencida pelo voto. É um grave equívoco em termos de política externa e economia.
Não se trata da aprovação da entrada do governo Hugo Chaves no Mercosul e, sim,
do Estado Nacional venezuelano. Por outro lado, do ponto de vista econômico, os
negócios das empresas brasileiras na Venezuela são crescentes, exportadores
brasileiros têm substituído a Colômbia, e a Venezuela proporciona o maior saldo
no comércio do Brasil com a América Latina. A oposição no Senado brasileiro
(PSDB, DEM, PPS) temia que a Venezuela usasse o Mercosul como palco para atacar
os EUA e queria também vetar sua entrada no Mercosul para punir o suposto
autoritarismo de Chaves na Venezuela. O erro é duplo, pois como país e governo
soberano, a Venezuela tem o direito, sim, de divergir do governo americano no
cenário internacional. Talvez o problema maior seja a forma de encaminhar a
divergência. E impedir a entrada da Venezuela no Mercosul significa retardar a
integração sul-americana e intervir na política interna do país ainda que
simbolicamente, já que a ideia central é reprovar atitudes de um governo eleito
democraticamente em um país soberano. Em entrevista em Brasília, na embaixada da
Venezuela, o diplomata, Conselheiro da Embaixada, Nelson Gonzalez Leon, em
outubro de 2009, respondeu sobre as preocupações dos senadores brasileiros e
sobre as vantagens, para a Venezuela, do seu ingresso no
Mercosul:
Para falar a verdade, com o ingresso da Venezuela no Mercosul, o
Brasil vai ter maiores benefícios que a Venezuela na área econômica e comercial.
É verdade, o Brasil vai ser mais beneficiado que a própria Venezuela. Mas, vamos
ter uma coisa que já vai ter sido avaliada pelos técnicos que estão estudando o
ingresso da Venezuela no Mercosul, pelos GT's. Temos um grupo de trabalho na
Venezuela e um grupo de trabalho no Brasil que estão definindo os fatores
técnicos. Se é certo que o Brasil vai ser o maior beneficiário, também é certo
que o bloco também vai se beneficiar com o ingresso da Venezuela no Mercosul; o
PIB do bloco, por exemplo, vai aumentar consideravelmente porque o comércio
aumenta o peso do bloco no mercado global, abre-se no bloco uma janela para o
Caribe que hoje não tem para estabelecer comércio forte com o Caribe e o
comércio intra bloco com a presença da Venezuela sobretudo em matéria energética
vai crescer então para o bloco também é um alto benefício, a Venezuela está
ciente disso aí e a Venezuela está disposta a entrar ciente disso porque a
Venezuela está apostando duas coisas, que a sua entrada dentro do Mercosul vai
possibilitar uma maior, mais fluida possibilidade da Venezuela também adquirir
know-how na área de desenvolvimento tecnológico, de tecnologia com
Argentina, com Brasil, com os países do bloco, primeira coisa vai ser mais
fluida, vai poder pegar isso com maior velocidade, nós temos hoje colocando a
tecnologia na área agrícola e isso seria para nós mais fácil de conseguir com o
Brasil por exemplo uma coisa é a Venezuela dentro do Mercosul e a outra é o
olhar que nós temos aí é sim trabalhar para que o bloco Mercosul, para que a
parte do Mercosul cultural, do Mercosul educativo se coloque ao mesmo nível do
Mercosul alfandegário.
Especula-se que a Venezuela disputa com o Brasil a liderança
regional, pois o país comprou títulos da dívida argentina como forma de
empréstimo, concedeu créditos à Bolívia, tem fornecido petróleo a preços abaixo
do mercado para Cuba e a outros países da América Central, lidera um bloco na
região, assim como o Brasil lidera o Mercosul. Além disso, o governo da
Venezuela trava um embate verbal com o governo dos EUA pela imprensa, pela
diplomacia e em todos os fóruns regionais e internacionais, como a OEA, a Cúpula
das Américas e a ONU, entre outros.
Venezuela e EUA estão atados por sólidos laços criados pela
dependência do petróleo. O primeiro, exportador, tem nesse produto o seu mais
precioso bem e o principal item da riqueza do país; o segundo, importador, é
completamente dependente do petróleo e aprecia fontes energéticas fora da
conturbada região do Golfo Pérsico. Durante anos de “tiroteio verbal e
diplomático”, nada no comércio entre eles mudou. Obviamente, a Venezuela busca
ampliar suas relações econômicas e militares com a Rússia e com a China, para
ter uma alternativa aos bloqueios feitos pelos EUA e, ao mesmo tempo, ter
aliados no Conselho de Segurança da ONU. A China se interessa pela riqueza
petrolífera venezuelana e a Rússia se interessa pelos dólares que a Venezuela
pode pagar pela compra de armas.
Já o Brasil tem feito pontes de diálogo entre Washington e Caracas em
momentos de crise, como o golpe contra Chaves em 2003, e a crise entre Colômbia, Equador e Venezuela em 2008. O
Brasil não precisa fazer acusações e ataques estridentes contra Washington para
ser ouvido, ou para afirmar-se como líder regional. A estrutura econômica da
Venezuela, com parque industrial limitado, com pouco capital e tecnologia,
exceto na área de petróleo e gás, com a sua dependência econômica de um só
produto e com a sua pouca diversidade, não a habilita a exercer papel decisivo
nos negócios internacionais, apesar do barulho feito por Hugo Chaves. No
entanto, em alguns momentos, a diplomacia chavista, ou a falta dela em termos de
diplomacia presidencial, causa desconforto em Brasília, como no episódio em que
Chaves se solidarizou com a ocupação de campos da Petrobrás na Bolívia. As
declarações de Chaves sobre disputas políticas presidenciais em outros países
são também perturbadoras.
Quando a diplomacia brasileira é acusada de ser leniente com os
excessos de autoritarismo e populismo de Chaves, suas intromissões na política
interna da Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Honduras, o Itamaraty reafirma a
sua posição de não tomar partido na política interna venezuelana. Intrometer-se
na Venezuela ou condenar sua política externa é fazer o mesmo que setores da
mídia e do Congresso brasileiro acusam Hugo Chaves de fazer, isto é, imiscur-se
em assuntos internos de outro país. É também fazer o que EUA fizeram, ao
reconhecer as forças políticas que praticaram o golpe.
Considerações Finais
Os desafios do Brasil para a integração econômica e o desenvolvimento
da América do Sul são enormes. Parte deles pode vir da posição contrária ou
desconfortável dos EUA. Mas, outra parte das dificuldades do Brasil vem do
próprio país. O Brasil precisa tornar-se a locomotiva econômica da região para
coordenar econômica e diplomaticamente o processo de integração. Qual modelo de
desenvolvimento adotar? O país tem que vencer gargalos internos de
infraestrutura, distribuição de renda e multiplicar empresas privadas e públicas
no setor de alta tecnologia. A Coréia do Sul e Israel, países que hoje estão
entre os 10 maiores registradores de patentes de tecnologia, podem inspirar a
política científica e tecnológica do Brasil, que tem se arriscado demais ao se
concentrar na exportação de commodities e disso se orgulhar. Os exemplos da
Embraer, da Petrobrás e da Embrapa teriam que se multiplicar por dez para
consolidar a presença mundial do Brasil em desenvolvimento e
tecnologia.
O Brasil, se conseguir
deslanchar economicamente, terá que ser generoso com os vizinhos, especialmente
com os mais pobres, como Bolívia e Paraguai. De um lado, sempre que o Brasil
posar com arrogância na região, os vizinhos poderão recorrer aos EUA como
contrapeso. Por outro lado, o Brasil tem uma cultura diplomática longa de não
intervenção e respeito à autodeterminação dos países. Com mais empresas,
investimentos, capitais, créditos em risco e brasileiros no exterior, o país
tende a mudar gradativamente a sua diplomacia de não intervenção. O Grupo de
Amigos da Venezuela no golpe em 2003, a recusa em aceitar a deposição do
ex-Presidente de Honduras em 2009 ou mesmo a ocupação de instalações da
Petrobrás pela Bolívia, podem indicar o fim dessa postura.
A
integração da América do Sul, ora em processo, tem vários desafios e caminhos
econômicos, diplomáticos e (geo)políticos
a percorrer. Esses caminhos se entrecruzam e se sobrepõem (overlap). A perspectiva inicial em 2000
era de que a fusão entre MERCOSUL e CAN seguisse um curso natural rumo à
integração. Mas, nesse meio tempo, ou, em 10 anos, a ALCA foi posta no caminho
da integração regional, o neoliberalismo ditado pelo Consenso de Washington
falhou em promover desenvolvimento, seus defensores foram apeados do poder. A
América do Sul viveu grande euforia comercial (2003-07), proporcionada pela
demanda chinesa por commodities, a
Rodada Doha “travou” e o mundo flertou com a depressão econômica
(2008-2009-2010), particularmente Estados Unidos e Europa, devido às fantasias e
excessos do mercado financeiro desregulamentado e sem limites comandado por Wall
Street, com a omissão de Washington.
E, ainda, a AlCA foi derrotada, e o MERCOSUL encontra-se relativamente estagnado como união
aduaneira, mas está em vias de ganhar um país a mais, a Venezuela, que está
migrando para o bloco após deixar a CAN. A integração física da América do Sul
caminha em velocidade menor que a desejada e a UNASUL – União das Nações
Sul-Americanas, ganhou um fórum formal em que os presidentes se encontram ao
menos uma vez por ano e renovam os laços em prol da marcha pela integração. Não
obstante, há algumas indagações importantes no horizonte: a) A velocidade da
integração em marcha é lenta? Qual é a capacidade econômica, política e
diplomática do Brasil de liderar essa integração regional e, em fazendo isso,
ele vai reafirmar sua primazia? De que forma? Os países da América do Sul
aceitarão o processo de integração sob a liderança brasileira, desfazendo-se das
enormes desconfianças entre si e da aliança prioritária com Washington? Há
muitos problemas para ser equacionado na relação entre os países da América do
Sul e na relação de todos eles com o Brasil e os EUA no ainda longo processo de
integração
Referências
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2008a.
Entrevistas
ENTREVISTA. Luciano Tanto Clemente. Diplomata da embaixada da
Argentina. Concedida a Ronaldo da Silva. Washington, 7 de agosto de
2008.
ENTREVISTA. Sergio Dias. Diplomata Ministro
Conselheiro da Embaixada da Colômbia. Concedida a Ronaldo da Silva Brasília, 22
de outubro de 2009.
ENTREVISTA. Nelson Gonzalez Leon. Conselheiro da Embaixada da
Venezuela. Concedida a Ronaldo da Silva. Brasília, 22 de outubro de
2009.
ESCUDÉ, C. Realismo Periférico: Una filosofía de Política Exterior
para Estados Débilis. Buenos Aires: Universidade de CEMA, 2009 (Série Documentos
de Trabajo, n. 406).[3] ROCK,
D. Racking Argentina in : New Left Review, n 17. 2002. Sept/Out O Ministro argentino das Relações Exteriores declarou
que além da prioridade de relações com os EUA e depois com a Europa, o resto do mundo
não existia para a Argentina: “Our government’s exclusive centre of interest is
the United States. As a
complement to that interest we will maintain relations with Western Europe. The
rest of the world does not exist.” p. 67.
[4] General Barry R. McCaffrey
/Memorando - 03 de Outubro de 2007 - “Unlike other
governments in the region, Colombia has long stood with the United States.
Colombia shares America’s values, supports U.S. policies and is an increasingly
important economic partner. Its vigilance against the spread of llegally armed
groups, the drug trade and violence has contributed to the stability of the
entire region, despite the detrimental influences of some neighboring
countries.” Disponível em http: colombiaemb.org, acesso em 12 de agosto de
2008.
Ponencia presentada en el
XIII Encuentro Internacional Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de
setiembre de 2011.