As possibilidades e os limites
do “realismo periférico”:
a política
externa do Paraguai de 1954 a
1989.
Tomaz Espósito Neto
Prof. Assistente do Curso de Relações Internacionais da FADIR/ UFGD
(Faculdade de Direito e Relações Internacionais/
Universidade Federal da Grande Dourados).
Doutorando em Ciências Sociais
pela PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo)
Resumo
Os
quase 35 anos da ditadura
do Stroessner (1954 -1989) destoam da instabilidade política paraguaia, vivenciada desde o fim da
Guerra do Paraguai (1864-1870). A
longevidade desse governo é normalmente atribuída ao controle social
imposto pelo
aparato estatal de repressão e ao grande crescimento da economia paraguaia.
Esse bom desempenho
econômico deveu-se, em certa
medida, a uma política externa
pragmática e
“realista”.
O
presente ensaio tem como
objetivo analisar os principais
eixos da política exterior paraguaia do governo Stroessner, de 1954 a 1989, em especial
suas relações com os
Estados Unidos, o Brasil e a
Argentina.
Palavras-ChaveS:
Paraguai, Política Externa Paraguaia, Stroessner.
Abstract
The nearly 35-year Stroessner dictatorship (1954 -1989) Paraguayan clash of political instability, experienced since the
end of the Paraguayan War
(1864-1870). The longevity of this government is usually attributed to social
control imposed by the
state apparatus of repression and
the general growth of the Paraguayan economy.
This economic performance
was due to some extent, a pragmatic foreign policy "realist".
This essay aims to
analyze the main lines of
foreign policy Paraguayan government Stroessner from 1954 to 1989, especially its relations with the United States, Brazil
and Argentina.
Keywords: Paraguay, PAraguayan ForEign PoLICY,
Stroessner
Introdução
No
período de 1954 a 1989, Alfredo Stroessner,
com apoio do
Partido Colorado e das Forças Armadas,
governou o Paraguai com “mão de ferro”.
Os trinta e cinco anos de Stronato destoam da história política paraguaia pós 1870, cujo
signo principal é a instabilidade política.
Quarenta e quatro pessoas, nove
dessas eram militares, ocuparam a
presidência do Paraguai de 1870 a 1954.
Vinte e cinco golpes de Estados foram bem sucedidos
neste período. Ao fazer
uma média aritmética
simples, nota-se que cada
mandato presidencial durou
aproximadamente dois anos (GOIRIS, 2000, p.
21).
Alguns autores, como
Lewis (1986), Goiris (2004) e Acalá (2005), afirmam que uso
extensivo da violência e o autoritarismo são parte da
ideologia e da cultura política
paraguaia, cujas raízes se encontram na formação do Estado paraguaio, em especial
nos governos dos ditadores José Gaspar Rodríguez Francia (1811 – 1840),
Carlos López (1844 – 1862) e Fernando Solano López (1862 – 1870).
A
ditadura de Stroessner também fez uso
extensivo dos aparatos de repressão e perseguição aos seus opositores.
No entanto, isso sozinho
não explica a longevidade do Strossnato. Então, como
Stroessner se manteve tanto tempo no poder?
A
tese aceita é que Stroessner, como profundo
conhecedor da realidade paraguaia, criou os meios de sustentação do seu regime por meio de uma
estratégia articulada entre política
interna, internacional regional e global, também
conhecida como “política
externa pendular” de viés
“realista” (MENEZES, 1987: FARINA, 2003).
O
presente ensaio tem como
objetivo analisar os principais
eixos da política exterior paraguaia do governo Stroessner, de 1954 a 1989, em especial
suas relações com os
Estados Unidos, o Brasil e a
Argentina.
O
texto está divido em quatro
partes: a primeira trata
da ascensão de Stroessner à
Chefia de Estado, bem como a organização das suas bases de
apoio internas, em especial o
Partido Colorado e as Forças de Segurança; a
segunda analisa os três grandes
eixos da política exterior paraguaia do período: as relações
Assunção-Washington, Assunção-Brasília e Assunção-Buenos Aires. Na terceira parte se apresentam as causas do declínio e da
queda do Strossnato na década de 80. Por fim, o
autor tece seus comentários
finais.
Essa
obra foi constituída a partir de uma análise
de uma bibliografia diversificada
sobre o tema. Trechos
desse texto integram a pesquisa de doutoramento do autor, atualmente em
andamento, a qual visa
compreender melhor a relação
entre Brasil Paraguai entre 1962 a 1979, especialmente no que tange as negociações sobre Itaipu.
A Ascensão de
Stroessner
Alfredo
Stroessner nasceu e cresceu na pequena
Encanación e, devido a sua descendência
alemã, ficou conhecido como “El Rubio”. Posteriormente, já na presidência, ganhou um outro
apelido, “El Supremo”.
Ingressou ainda adolescente na Escola Militar em 1929. Ganhou projeção na Guerra do Chaco (1932 -1935), quando comandou uma força da artilharia
paraguaia. Stroessner causou boa impressão nos
seus superiores e subordinados e passou a ser
tido como um oficial
valoroso e promissor (FARINA, 2003, p.
43: LEWIS, 1986, p. 128).
Entre 1940 e 1941, Stroessner
fez um curso de artilharia no
Brasil, quando cultivou uma rede de contatos
com os militares brasileiros, que
se mostrou muito útil em
diversos momentos para brasileiros e paraguaios. Desde então, “El
Rubio” ascendeu gradualmente na
carreira militar e passou a se envolver
diretamente na política paraguaia.
Stroessner teve papel crucial na frente sul da guerra civil de
1947, quando permaneceu fiel ao então
presidente Morínigo e combateu as
forças revoltosas, comandadas pelo coronel
Franco. (LEWIS, 1986, p.132).
Em 1948, “El Rubio”
participou de dois golpes de Estados. O primeiro,
em 3 de junho de 1948, derrubou o presidente Moríngo. Aproveitou a oportunidade e eliminou grande parte dos
seus desafetos, como
o coronel Enrique Gimenez. O
segundo, em novembro do
mesmo ano, conspirou contra o presidente Natalício
González. No entanto, o golpe foi frustrado por forças
leais ao presidente (LEWIS, 1986,
p.139).
Perseguido, Stroessner teve de se esconder no porta-malas de um veículo da
Missão Militar
Brasileira para entrar na embaixada do Brasil em Assunção,
aonde se refugiou até a concessão
de um salvo-conduto para o
exílio em Posadas, na Argentina. (FARINA, 2003, p. 67). Stroessner
retornaria ao Paraguai em 1949, após o sucesso de
um novo
golpe, capitaneado por Frederico Chávez e Mólas López, contra Natalício. Graças aos seus
contatos internos e externos e seu
prestígio entre os militares paraguaios, Alfredo Stroessner não apenas
retornou aos quadros das forças armadas
paraguaias, mas também, assumiu
cargos importantes (LEWIS, 1986, p.
140).
Em 1951, “El Rubio” é nomeado
comandante em chefe das Forças Armadas
Paraguaias. Discretamente, iniciou a
reorganização e redistribuição das tropas no território paraguaio. Perseguiu os oficiais “inimigos” e
substituindo-os por homens de sua
total confiança. Com incremento de sua influência política, Stroessner atraiu as atenções de autoridades argentinas, brasileiras e estadunidenses
(LEWIS, 1986, p. 140).
“Don
Stroessner” percebeu a importância dos
militares no conturbado contexto político paraguaio, marcado pela constante
luta pelo
poder entre o
Partido Colorado, o Partido Liberal
e o Partido Febrista. Assim, mesmo
filiado ao Partido Colorado, “El Rubio”,
mantinha um imenso desprezo
pela maioria dos políticos paraguaios, como expressou no comentário: “Los civiles crean problemas y luego quieren solucinarlos mandando a
militares a balearse” (FARINA, 2003, p. 99).
Em
1954, o Paraguai se encontrava em
mais uma crise política.
Stroessner aproveitou a oportunidade e
deu o golpe de Estado em 5 de
maio de 1954, quando se impôs sobre as demais
forças políticas com o
apoio dos militares. Assumiu formalmente a Presidência da República em 15
de agosto de
1954.
“El
Supremo” iniciou uma perseguição
política aos seus reais e
potenciais adversários. Seu
objetivo era “domar” as
forças políticas paraguaias enquanto expandia sua influência seja pela
cooptação, seja pelas eliminação, de lideranças e vozes divergentes.
Os opositores, que
escaparam da perseguição, se exilaram em
território argentino. De lá e com apoio do governo da
Argentina, conspiravam contra “Don
Alfredo”.
No
âmbito interno, o governo de Stroessner apoiou-se no seguinte tripé:
as forças de segurança (forças
armadas e policiais) o Partido Colorado e a burocracia.
As forças de segurança,
detentoras do monopólio da violência, eram responsáveis pela repressão e
perseguição dos inimigos do regime. Essa
é uma das faces mais terríveis
da ditadura de Stroessner. Afora isso,
todos os oficiais eram obrigados a pertencerem aos quadros do Partido Colorado e jurar
lealdade a Stroessner.
O
controle social estendia-se para
dentro de outras instituições, como as do poder
judiciário, cujas autoridades foram corrompidas por Stroessner;
e o Serviço de Inteligência
formado pelos pyraques[i], os
quais aprisionavam, torturavam,
condenavam e matavam os opositores do regime. Muitas vezes, essas ações eram levadas a cabo sem denúncia
formal. Dessa forma, “El Supremo” espalhou o clima de medo e de
Terror. Chiavenato (1980, p. 8) afirma
que o terrorismo político e a corrupção foram
as bases de sustentação do Stronato.
Afora isso, o controle
estatal sobre as informações e os veículos de imprensa impedia a circulação de idéias dissonantes do repertório oficial, o que dificultava, ainda mais, a
organização da oposição e a emergência de novas lideranças
político-sociais.
Já o Partido Colorado era o interlocutor privilegiado entre o Estado e
a sociedade, além de ser capaz identificar e desarticular segmentos descontentes com
o governo.
Os
cargos burocráticos eram ocupados por
membros do Partido Colorado e das Forças Armadas,
fiéis ao Presidente, que não
raramente utilizavam-se das suas posições
para extrair prebendas,
privilégios e favores diversos
(GOIRIS, 2000, p. 43). Muitos
ministérios tornaram-se “verdadeiros
feudos” de famílias importantes do Paraguai (LEWIS, 1986, p.224).
O
controle estatal das principais atividades produtivas, como o estabelecimento de monopólios comerciais e a obrigatoriedade de licença prévia, criou
uma grande dependência sociedade dos
favores das autoridades do Estado, o que
alimentava a corrupção. Também era
notório o vínculo de algumas autoridades do primeiro
escalão com atividades
ilícitas, como tráfico de drogas, em
especial a heroína, receptação de carros roubados no Brasil, contrabando de armas,
comércio ilegal de mercadorias, lavagem de
dinheiro e proteção a criminosos internacionais (FARINA, 2003, p
281-286).
“Don Stroessner”, mesmo sem
ser um
líder carismático, utilizou as mais diversas instâncias paraguaias para
culto a sua personalidade. As fotos do “El Supremo” estavam em todos os
lugares, nos rádios
tocavam músicas como a polca
“Don Alfredo”. Stroessner batizou e
/ ou re-nomeou com seu
nome autarquias, estradas, aeroportos, bairros e mesmo
cidades, como Puerto Stroessner, atual Ciudad del Leste (LEWIS.1986, p.
200).
Segundo Lewis (1986, p. 200),
Stroessner centralizava em torno de si as
principais decisões de Estado e acompanhava com muita
atenção a movimentação dos diversos grupos
político-sociais paraguaios.
Resumiendo, Stroessner constituye la fuerza directriz y cohersiva
del régimen. Sin él, podría disolverse en una serie de facciones incoherentes. Ha suoerado la
aparentemente endémica anarquía en
Paraguay con sólo exiliar a todos los políticos de mentalidad independiente y concentrar en sus manos una gran
cantidad de poder. Ejerce una supervisión cercana y personal sobre las tres burocarcia que rodean su régimen: la militar, la del partido y la del servicio civil del gobierno. Cada nombramiento y acenso militar, cada reunión,
resolución o elección del partido,
cada miembro mayoritario dentro del Congreso, cada disposicón legislativa, cada magistratura,
cada puesto ejecutivo y cada decisión del gabinete deve llevar su sello de aprobación. (LEWIS,
1986, p. 200).
Stroessner compreendeu que
a chave para a
sua manutenção no poder
era o crescimento econômico, que, além de atenuar a pobreza na
base da sociedade, manteria lubrificadas as engrenagens da corrupção
política pelo
fluxo ininterrupto de recursos para os
grupos leais ao governo
(FARINA,2003,p.93).
El Paraguay de 1954, com sus 1.500.000 habitantes, era
um país paupérrimo,
sin infraestructura física, sin caminos
(de 1.215 kilómetros de rutas, solo 87
kilómetros tenían asfalto), con casi
nula producción industrial, La única ciudad que
podía preciarse de tal era Asunción y ni tan siquera contaba con servicio de
agua potable, un anhelo desde 1901
que nunca se podía concretar porque los gobiernos de la época estaban más inmernsos en sus problemas internos con revoluciones y
contrarrevoulciones...
El Paraguay era el
único país en Sudamérica que no tenía una
solo ciudad, ni tan sólo su capital, servida por agua corriente. Tal era el
grado de pobreza y atraso... (FARINA, 2003, p. 93.
grifo do
autor).
Para tanto, “Don Alfredo”
Stroessner iniciou a articulação
entre as políticas doméstica e internacional para estabilizar a economia
e obter financiamentos externos para obras de infraestrutura e investimentos em
atividades produtivas, essenciais para o
crescimento da economia paraguaia.
A Política
Externa do Paraguai de 1954 a
1989.
O
principal objetivo da política externa
paraguaia de 1954 a 1959 era manter as
bases de sustentação do Stronatto, por meio do
isolamento dos opositores do regime e pela
obtenção de financiamentos e
investimentos externos, essenciais para o
crescimento da economia paraguaia.
Os
três eixos principais
de sua política externa
eram: a manutenção da boa relação com os
Estados Unidos para obter recursos externos e apoio
político essencial para a
legitimação do regime; a aproximação
com o Brasil para conseguir investimentos e, assim, diminuir a influência argentina na vida política
paraguaia e; por fim, a manutenção de relações maduras com a Argentina para
evitar a “satelitização”
do Paraguai pelo Brasil.
A
política internacional de Stroessner, por sua
vez, é dividida em três
grandes fases: a construção de
sua política externa
(1954-1973); o apogeu dessa política (1973 -1982) e; o esgotamento desse modelo de inserção
internacional
(1982-1989).
As
contraditórias relações entre Paraguai e Estados Unidos
A
ascensão de Stroessner, com sua
política de combate aos movimentos
“subversivos” de esquerda e sua retórica
anticomunista, agradou muitas
autoridades norte-americanas. O
alinhamento político do Palácio López, as diretrizes e a ideologia da Casa
Branca tornaram as relações
paraguaio-estadunidenses muito amistosas
dentre 1954 e 1960 (MORA, 2001, p. 4-5). O Paraguai, em contrapartida
ao apoio e aos “serviços prestados”, recebeu cerca de 53,2 milhões de dólares de ajuda norte-americana no período (MORA, 2001: FARINA, 2003).
Washington redimensionou as suas relações
com Assunção no período
entre 1960 e 1977. A Casa Branca
pressionou o Palácio López para uma maior
cooperação no combate as atividades
ilícitas, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, prostituição infantil,
entre outros. Stroessner fez “ouvido de mercador” as
reclamações norte-americanas.
Na
gestão Jimmy Carter (1977 – 1981),
com a política de promoção dos direitos humanos, iniciou-se o desgaste nas relações estadunidense-paraguaias. O embaixador norte-americano denunciou a violência praticada pelas forças paraguaias de segurança. Os Estados
Unidos reduziram sensivelmente a ajuda
financeira ao
Paraguai.
Curiosamente, as relações Assunção-Washington se deterioraram ainda mais
no mandado de Ronald Reagan (1981 –
1989). A “guerra” às drogas, promovida pelo governo norte-americano, aumentou a pressão sobre o
governo paraguaio. Washington
praticamente cortou os repasses financeiros a Assunção e suspendeu o Paraguai da lista do Sistema
Geral de Preferência (SGP) (FARINA, 2003; MORA, 2001, p. 12).
As
relações Brasil e Paraguai: destinos unidos por Itaipu.
Desde o início do seu
governo, Stroessner priorizou uma aproximação entre
Assunção e Brasília para contrabalançar a influência argentina no território paraguaio, oriundas da dependência do Paraguai, devido as questões geográficas, do porto de Buenos Aires para as
comunicações externas.
... O governo de Stroessner punha grande
importância na nova relação
por motivos econômicos e políticos. A razão econômica
era que aquela aproximação
representava um novo caminho para exportar e importar produtos
sem a imperiosa necessidade de ir
através do porto de Buenos Aires. A razão política
era que Buenos Aires era a base e o
quartel general da oposição ao seu
governo...(MENEZES, 1987, p.
54).
Stroessner buscou atrair a
atenção brasileira para o
potencial hidráulico do Paraguai e enredá-lo, assim, na política e na economia paraguaia (BOETTNER, 2004). O Brasil,
por sua vez,
vislumbrava transformar o Paraguai em um
aliado político e um
importante mercado para o comércio e os investimentos brasileiros na região (MENEZES, 1987, p. 54).
Os
laços se estreitaram ainda mais
em 1957, quando as autoridades dos dois
Estados assinaram acordos importantes, como a construção de estradas
entre o Brasil e o Paraguai, a construção da usina de
Acaray, a construção da ponte da Amizade, a qual
ligaria a cidade de Foz Iguaçu com Puerto
Stroessner; abertura de uma Missão cultural e a construção do Colégio
Experimental Paraguai-Brasil, entre
outros convênios (SILVA, 2006, p. 67). No entanto, o litígio territorial por
Sete Quedas quase pôs
tudo a perder.
“Tudo parecia perfeito entre
Brasil e Paraguai desde a administração de Juscelino Kubitschek. Mas a polêmica
sobre Sete Quedas
quase partiu ao meio aquela nova
relação” (MENEZES, 1987,
p.64).
O
litígio territorial sobre Sete
Quedas, ou Salto de
Guairá, se iniciou com a divulgação do projeto
de construção de uma imensa usina na
região em 1962. O Paraguai, por meio de uma
“reinterpretação” do Tratado de 1872,
afirmou que a área da futura
barragem era território
paraguaio. No entanto, o Brasil reinterou
que as cataratas estavam localizadas no território brasileiro. Ambas
as partes elevaram o tom das discussões nas diversas notas. Em 1964 e
1965, uma série de incidentes na fronteira colocou os dois
países muito próximos
de um conflito. O “mal
estar” somente foi
resolvido com a assinatura das “Atas das Cataratas”, em
1966, que não resolvia a questão da
soberania sobre Sete
Quedas, mas garantia aos
dois países
igual participação em qualquer projeto
hidroelétrico na área (ESPÓSITO
NETO, 2008).
Pouco tempo depois, o
governo brasileiro nomeou Gibson Barboza como embaixador
brasileiro em
Assunção. No seu livro de
memória, Barboza relembra as
tensões vividas na época. Afirma ser de sua autoria a idéia de construir Itaipu
e “submergir” o litígio territorial com
o Paraguai (BARBOZA, 1992).
Em 1967, os dois países criaram
uma comissão mista para analisar a viabilidade
e os detalhes técnicos da construção da
obra. Após
intensas negociações por anos a fio, os
dois Estados
assinaram o Tratado de Itaipu (1973), o
qual versa sobre o
aproveitamento hidroelétrico das
cataratas de Sete Quedas.
Assim, ambos Estados,
apesar de suas assimetrias, tornaram-se sócios na empreitada de
Itaipu. Os destinos dos dois estariam, a partir de então,
unidos pelo concreto e pela
energia dessa grandiosa obra.
Essa
iniciativa, no entanto, enfrentou uma obstinada oposição de Buenos Aires, pois as autoridades da
Casa Rosada acreditavam que Itaipu representaria o rompimento do equilíbrio de poder na
região, em favor do Brasil e
em detrimento da Argentina (GUGLIAMELLI, 2007). Essa
questão somente seria
resolvida com Tratado Tripartite (1979).
Apesar do “casamento” entre o
Brasil e o Paraguai, Assunção iniciou
um “affair” com Buenos Aires, quando assinou os acordos para a construção de Yaciretá e Corpus, ainda
em 1973. Stroessner mudou a sua política
externa de aliança com o
Brasil para outra de uma “neutralidade pragmática” (MENEZES, 1987, p.
112).
... Na verdade,
quem se encontrava em uma boa posição era o
país Guarany pois o que
ele perdesse em Itaipu com o
rebaixamento da cota, recuperaria das usinas de Corpus
e Yacirita. Assim o desacordo era
mais entre Brasil e Argentina, com o Paraguai em uma excelente
posição, principalmente porque um
daqueles projetos já estava em
construção e desse modo seu poder de barganha
aumentava. (MENEZES,1987,p. 112).
A
partir do final da década
de 1970, novos desentendimentos (ciclagem, preço
de energia, entre outros), a
crise econômica da década de 80 e mudanças sistêmicas levaram uma
redefinição das relações entre o Palácio López e o
Palácio do Planalto.
A
questão da ciclagem da energia gerada por Itaipu estremeceu as relações brasileiro-paraguaias em 1977. Esse
problema se iniciou quando Assunção
exigiu que a metade das turbinas de Itaipu gerasse energia ao padrão 50Hz, ou
seja, o adotado por todos os países
do continente sul-americano, exceto o
Brasil, cujo padrão é de 60 HZ. Na prática, o Brasil não
poderia comprar a energia
paraguaia de Itaipu, ao menos
que investisse uma vultosa soma na
construção de um sistema de
conversão da energia paraguaia para o
padrão brasileiro (MENEZES, 1987: ESPÓSITO NETO, 2006). Outra solução possível era
mudar o padrão
do sistema paraguaio para 60 Hz, o que
implicaria na troca de grande parte dos
eletro-eletrônicos do Paraguai, mas
sem nenhum ônus ao Tesouro brasileiro.
Stroessner, ao retardar a
decisão, procurou forçar uma nova
barganha com as autoridades brasileiras. No entanto, essas já estavam cansadas da postura paraguaia e decidiram arcar com os
custos do sistema de conversão (MENEZES, 1987,
p.124).
Os
inúmeros reclamos paraguaios por
um papel
mais proeminente na direção de
Itaipu binacional (DEBERNARDI, 1996, p.
356) e os apelos de Assunção para um o aumento real no preço da
energia paraguaia ao mercado brasileiro (MENEZES,
1987, p. 127: DEBERNARDI, 1996) foram outros motivos
para o esfriamento no relacionamento brasileiro–paraguaio.
Na
década de 80, outros fatores,
como a crise econômica,
a redemocratização e o endurecimento
brasileiro no combate às
atividades ilegais na fronteira com o
Paraguai, como narcotráfico, contrabando,
roubo de carros, entre
outros, - os quais envolviam diretamente altas autoridades paraguaias – fizeram com que as
relações brasileiro-paraguaias perdessem
o seu “fôlego”.
As
relações Paraguai – Argentina: o
afastamento pragmático.
Stroessner, logo após o golpe,
reorientou a política externa paraguaia e iniciou um processo de distanciamento de Assunção em
relação a Buenos Aires. Uma das
suas primeiras medidas foi denunciar o
Convênio da União Econômica
entre a Argentina e o Paraguai, assinado
em 1953 (MORAES, 2003, p 382-383).
A
diplomacia argentina não conseguiu obstruir o
processo de aproximação
entre Brasília e Assunção em
virtude das inúmeras crises políticas
e econômicas, oriundas das lutas
entre peronistas e “anti-peronistas”. As
autoridades de Buenos Aires agiram
somente quando
iniciaram as tratativas
brasileiro-paraguaias, que redundaram
para o Tratado
de Itaipu.
As
elites políticas argentinas temiam a ruptura do equilíbrio
de poder no subsistema do Prata em favor do Brasil em
detrimento da Argentina com a, conseqüente, “satelitização” do Paraguai (GUGLIAMELLI,
2007).
A
estratégia argentina era impedir a construção da imensa
barragem pela “multilateralização” da questão de Sete
Quedas e pela introdução
do princípio da consulta prévia. Sem
oferecer ao Brasil e ao Paraguai nenhuma
alternativa para solver a necessidade brasileira de energia e as demandas paraguaias de desenvolvimento. Assim, a Casa
Rosada enfrentou uma forte oposição
do Palácio López e do Palácio do Planalto, que passaram não
apenas a coordenar a ação na arena internacional, bem
como aceleraram as negociações
sobre Itaipu (ESPOSITO NETO, 2008).
No
seu segundo mandato,
Juan Domingo Perón (1973 – 1974) alterou
as diretrizes da política externa
argentina. Ao invés da simples obstrução de Itaipu, Perón passou a cortejar as autoridades paraguaias e oferecer duas hidroelétricas (Yaciretá e Corpus), em
termos similares ao acordo brasileiro-paraguaio de Itaipu. Perón buscava
cindir a aliança entre
Brasil-Paraguai, ao suscitar a questão da ciclagem, e
impedir a construção de
Itaipu por meio de questões
técnicas, como a necessidade da harmonização do nível das
cotas da lâmina d’água
entre o projeto de Itaipu e de Corpus (PARDO & FRANKEL,
2004, p, 239).
A
morte de Perón (1974) e a lutas entre as
diversas facções argentinas pelo poder provocaram uma
nova série de crises
econômicas e políticas que impediram a continuidade de sua política.
Agregou-se também às crises a disposição
brasileira em negociar a partir de uma posição
de força por meio da
construção de Itaipu.
O
fracasso do Processo de Reorganização Nacional (PRN), imposto pela
ditadura argentina (1976 – 1983), a
guerra das Falklands/Malvinas (1982), a
crise econômica da década de 1980 e o governo de Raul Afonsín (1983 – 1989) - que nutria um
verdadeiro desprezo pelas ditaduras - fez com as relações
argentino-paraguaias esfriassem e os projetos de cooperação fossem atrasados ou abortados, seja por falta de
recursos, seja por mudança de
prioridades.
A Queda de
Stroessner
Ao
lado do caráter repressivo, o sistema de legitimação do Stronatto basicamente dependia da
atração de recursos externos para sustentar o crescimento paraguaio, por meio do
investimento estatal em
infraestrutura, e para manter lubrificadas as engrenagens da corrupção dos
diversos grupos do Partido Colorado e dos militares.
Os Estados Unidos, o Brasil e a
Argentina eram os potenciais
financiadores do Estado
paraguaio.
Durante anos, a estratégia paraguaia funcionou muito bem. Contudo, as mudanças nas diretrizes da política externa
norte-americana, as transformações no
cenário internacional com o fim da
Guerra Fria, a prolongada crise econômica
e a mudança dos regimes políticos na América do Sul
na década de 80 erodiram a base da política
interna e externa paraguaia de Stroessner (FARINA, 2003, p.
329).
Assim, “El supremo” viu-se sem recursos
para manter a
sua base de apoio. Logo, os seus
“antigos aliados” e os tradicionais opositores iniciaram as maquinações contra Stroessner. Em 3 de fevereiro de 1989, as forças conspiradoras, lideradas pelo General Andrés
Rodrigues, destituíram Alfredo Stroessner, o qual se refugiou na embaixada brasileira e asilou-se, até a sua
morte, em
território brasileiro.
Considerações
Finais
O
presente trabalho
apresentou os principais eixos da política externa
do ditador Alfredo Stroessner.
Certamente, uma das ditaduras mais
duradouras na América do Sul. Essa longevidade é explicada por uma estratégia, a qual articulava as políticas interna e externa do Paraguai.
O
seu principal
objetivo era conseguir os
recursos necessários para o
desenvolvimento do país e para manter em
funcionamento a “máquina de corrupção”
paraguaia.
Os
três grandes eixos da
inserção internacional paraguaia eram o alinhamento com
os Estados Unidos, a aproximação com o
Brasil e o afastamento pragmático da Argentina.
São considerados êxitos desse período
grande crescimento econômico e a construção de
grandes obras de infraestrutura no Paraguai, como Itaipu, Yaciretá, rodovias, ferrovias e aeroportos, dentre outros.
No
entanto, Stroessner não conseguiu se adaptar as
mudanças na política, na economia e nos
valores da comunidade internacional da década de 80, o que resultou no isolamento internacional do Paraguai e a perda de prestígio do ditador. Os “velhos” e “novos” conspiradores encontraram então um
terreno fértil para depor Stroessner, já
velho, carcomido e fraco, como a
sua ditadura.
Os
resquícios do Stronatto permaneceram
durante muitos anos,
basta ver a
perenidade da máquina política do Partido Colorado. Somente
agora com o governo de
Fernando Lugo, é que se inicia a uma
nova etapa na política paraguaia.
ReferênciaS Bibliográficas
BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia o traço todo da
vida. Rio de
Janeiro. Editora Record, 1992.
BOETTNER,
Luis
M. R. Memórias: sessenta y seis años de vida internacional. Paraguay, Assunción. Intercontinental Editora. 2004.
CHIAVENATO, Julio José. Stroessner: Retrato de uma ditadura. São
Paulo. Editora Brasiliense.1980.
DEBERNARDI, Enzo. Apuntes para la Historia de Itaipu. Assunción,
Paraguai, Editorial Gráfica Contunua S. A.
1996.
ESPÓSITO NETO, Tomaz. A política externa
brasileira frente ao conflito das Falklands/Malvinas (1982). Dissertação de mestrado. São
Paulo. PUC-SP. 2006.
ESPÓSITO NETO, Tomaz. Itaipu e as águas da discórdia. Niterói. ABED.
2008
GOIRIS,
Fábio Aníbal Jará. Autoritarismo e Democracia no Paraguai Contemporâneo. Curitiba.
Ed. UFPR. 2000.
GOIRIS, Fábio Aníbal Jará. Paraguay: ciclos adversos
y cultura política. Assunción. Paraguay.
2004
GUGLIAMELLI, Juan Enrique. Pensar con
Estategia. Remédios de Escalada. Argentina. Ed. De la UNLA.
2007.
LEWIS,
Paul H. Paraguay bajo Stroessner. México, México D. F. Fondo de Cultura Económica. 1986
MORAES, Ceres. As políticas externas do Brasil e da Argentina; o Paraguai
em jogo (1939-1954). Tese de doutorado. Porto Alegre. PUC-RS. 2003.
FARINA,
Bernardo Néri. El Último Supremo: La crónica de Alfredo Stroessner. Paraguay,
Assunción. Editorial El Lector.
2003.
MENEZES,
Alfredo da Mota. A Herança de Stroessner: Brasil – Paraguai, 1955-1980.
Campinas.Editora Papirus. 1987.
MORA, Frank. Paraguayan Foreign Policy; The legacy of
authoritarianism.. Washington, DC, LASA
Congress, 2001.
PARDO, Carlos
A..FRENKEL, Leopoldo. Perón: La unidad nacional entre
el conflicto y la reconstrución (1971 – 1974). Argentina. Córdoba. Ediciones del
Copista.
2004.
SILVA, Ronaldo A. do Amaral. Brasil – Paraguai:
marcos da política pragmática na reaproximação bilateral,
1954 – 1973. Dissertação de mestrado. Brasília. Unb.
2006.
[i] Funcionários públicos e membros do Partido Colorado que trabalhavam à paisana como
delatores de possíveis oposicionistas
Ponencia presentada en el XIII Encuentro Internacional
Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de setiembre de
2011.