O DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE COMO ELO ÀS NOVAS ESTRATÉGIAS DE
DESENVOLVIMENTO REGIONAL: O caso dos Eixos de Integração e Desenvolvimento nos
Governos FHC I e II.
THE
PEECH OF SUSTAINABILITY AS LINK TO NEW
REGIONAL DEVELOPMENT STRATEGIES: The case of the Axis of
Integration and Development in the FHC I and II.
EL
DISCURSO DE LA SOSTENIBILIDAD COMO ENLACE a nuevas
estrategias de desarrollo regional: el caso del
Eje deIntegración y Desarrollo en el gobierno FHC I
y II.
Roberson da Rocha Buscioli
Resumo: Este
artigo desenvolvidas no terceiro capítulo da Dissertação de Mestrado em
Geografia e tem como objetivo, compreender como uma nova é fruto das discussões categoria de
desenvolvimento, agora “sustentável”, articulou-se as novas ações do Estado, na
busca do ajuste espaço-temporal no contexto neoliberal
pós-1990. De modo
geral buscamos compreender a construção deste conceito nos organismos
internacionais, o processo de neoliberalização no Brasil, de fato a redefinição
do papel do Estado, assim como, as estratégias de desenvolvimento
regional.
Palavras chaves: Neoliberalismo; Desenvolvimento sustentável;
Desenvolvimento regional;
Resumen:
Este
artículo es el resultado de las discusiones llevadas a cabo en el tercer
capítulo de la tesis de geografía y su objetivo es entender cómo una nueva
categoría de desarrollo, ahora "sostenible", se articula en las acciones del
Estado en la búsqueda de ajustes espacio-temporales en el contexto neoliberal a
partir del año de 1990. En general, tratamos de entender la construcción de este
concepto en las organizaciones internacionales, el proceso de neo-liberalización
en Brasil, de hecho, la redefinición del papel del Estado, así como las
estrategias de desarrollo regional.
Abstract: This article developed in the third chapter of the Dissertationin Geography and aims, understand how a new category is the result of the discussions of development, now "sustainable", was articulated in the new state actions in adjustment space/time in context in the post-1990 neoliberal.In general we seek to understand the construction of this concept in international organizations, the process of neo-liberalization in Brazil, in fact redefining the role of
the state, as well as strategies for regional development.
Introdução
A crise estrutural que o sistema do capital tem enfrentado desde os
anos de 1970 é insuperável, uma vez que seja mantida a sua determinação
(expansão movida pela acumulação, por meio da extração e acumulação de trabalho
excedente). Significa dizer que os limites absolutos do capital foram ativados,
diante da já reduzida margem de deslocamento de suas contradições seja no espaço
ou no tempo, enfim, uma reduzida margem espaço/temporal.
Trata-se, logo, de um limite absoluto nos parâmetros do sistema do
capital. Neste sentido, concordamos com MÉSZÁROS (2002, p. 175-216) quando
argumenta que: “Todo sistema de
reprodução sociometabólica tem seus limites intrínsecos ou absolutos, que não
podem ser transcendidos sem que o modo de controle prevalecente mude para um
modo qualitativamente diferente”. Portanto, tais limites são
transcendíveis, mas: “exigiria adoção de estratégias que mais cedo
ou mais tarde, enfraqueceriam inteiramente a viabilidade do sistema do capital
em si”.
Observamos que não estamos nos referindo aqui dos limites absolutos
do sistema, naquele sentido de um possível esgotamento ambiental, devido ao
abuso do uso (in)conseqüente dos recursos produtivos “não-renováveis”, mas, como
aponta MÉSZÁROS (2002, p. 799):
A crise estrutural do capital que começamos a experimentar nos anos
70 se relaciona, na realidade, a algo mais modesto que as tais condições
absolutas. Significa simplesmente que a tripa dimensão interna da auto-expansão
do capital exibe perturbações cada vez maiores. Ela não apenas tende a romper o
processo normal de crescimento mas também pressagia uma falha na sua função
vital de deslocar as contradições acumuladas do sistema.
No longo da história de desenvolvimento do sistema do capital, a
separação da produção e controle da produção, proporcionou um aumento da
produtividade do trabalho. De modo que mesmo subordinando, a produção pautada no
valor de uso, pela produção pautada no valor de troca, atendeu em parte as
demandas por consumo. Pois se de um lado o sistema é excludente, de outro, ele
deveria incluir parcelas significativas no consumo para completar o circuito de
(re)produção do capital (produção, circulação e consumo).
Neste processo, para o capitalista individual, o aumento da
produtividade em nada se vincula com as reais necessidades humanas. Enquanto, do
lado do trabalho, devido à perca do controle da produção, esses objetivos também
não podem ser contemplados.
Sob o princípio de uma produção para o valor de uso, com maior
produtividade menos tempo de trabalho social seria necessário para a produção
dos bens de consumo imediato (alimentação e alguns serviços), resultando que
mais tempo poderia ser disponibilizado à produção de bens duráveis, e de
ampliação bem-estar social.
Contudo, sob domínio do
capital, e predominando a produção enquanto valor de troca, esta deve adentrar a
circulação para completar seu processo, e neste caso a circulação não pode
ultrapassar o tempo economicamente viável; o sistema busca compensar a maior
produtividade reduzindo a taxa de utilização dos bens produzidos.
E, desse modo, o sistema rompe com o necessário cumprimento dos
objetivos implícitos - atender as necessidades humanas - e cada vez mais
proporciona, de um lado, o surgimento de uma “sociedade dos descartáveis”, que,
no seu extremo, busca pela produção de bens com taxa de utilização igual a zero,
leia-se, excessivos gastos militares, que na sua maioria não necessitam adentrar
a circulação e por fim encontrar um valor de uso,
mas apenas um valor de troca, o conceito de útil e de utilidade pode ser pensado
em termos de vendabilidade. (MÉSZÁROS, 2002).
E, do outro lado, sujeitando a mais desumana miséria um número de
pessoas que segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (para não irmos
muito além) chegam a mais de um bilhão de pessoas no mundo vivendo com menos de
um dólar por dia.
Expostas estas questões, compartilhamos com MÉSZÁROS, (2002, p.175)
quando aponta que:
O aspecto mais problemático do sistema do capital, apesar de sua
força incomensurável como forma de controle sociometabólico, é a total
incapacidade de tratar as causas como causas, não importando a gravidade de suas
implicações a longo prazo. Esta não
é uma dimensão passageira (historicamente superável), mas uma irremediável
dimensão estrutural do sistema do capital voltado para a expansão que, em suas
necessárias ações remediadoras, deve procurar soluções para todos os problemas e
contradições gerados em sua estrutura por meio de ajustes feitos estritamente
nos efeitos e nas conseqüências. (Grifos do autor)
Pois de que outra forma seria possível compreender o discurso do
“desenvolvimento sustentável”? De um lado, ele aponta para um problema real, a
degradação do meio ambiente e às reais possibilidades de destruição do planeta
uma vez considerada as técnicas suficientemente já disponíveis,
assim como, aponta para a questão do crescimento industrial.
Contudo, não se discute a produção sob o pretexto de criar valores de
troca com todas as suas implicações, particularmente, a questão da queda da taxa
de utilização dos bens, para acelerar a circulação e realização do capital, de
modo, que é sintomático do sistema do capital quando busca acima de tudo sua
expansão ampliada, a possibilidade de uma crise ambiental. Diante disso, como
nos aponta REBELO JUNIOR (2002), a questão da sustentabilidade é proposta nos
termos de uma economia que, de um lado, tem produtores e, do outro, consumidores
de mercadoria, tendo como base o referencial teórico neoclássica. As causas são
mantidas, e se propõem sobre um novo discurso a possibilidade de sustentação do
status quo.
Neste trabalho, portanto, não nos deteremos em questões relativas à
real possibilidade de uma crise ambiental, uma vez que o que nos propusemos a
compreender é como uma nova categoria de desenvolvimento, agora “sustentável”,
articulou-se as novas ações do Estado, na busca do ajuste
espaço-temporal no
contexto neoliberal pós-1990, é importante ressaltar que o que se propusera
neste período foi o Estado mínimo, diante das críticas feitas ao Estado
desenvolvimentista. Além desta introdução este trabalho contará ainda com outras
duas seções, na primeira, tratamos de compreender a construção do discurso
neoliberal no Brasil; na segunda seção, discutimos a construção do discurso de
sustentabilidade nos padrões neoliberais e a estratégia dos Eixos de Integração
e Desenvolvimento nos Governos I e II de FHC; contando ainda com as
considerações finais.
Prólogos
da neoliberalização e as novas as fronteiras do
planejamento”
Qualquer tentativa de apresentar cronologicamente e de forma linear o
processo de mudanças institucionais que incidiram sobre o Estado na sua
relação com a economia e a sociedade no século XX, não se qualifica como tarefa
fácil. Seja por conta da descontinuidade dos movimentos desse processo, assim
como pelas diferentes formas de intervenção estatal na consolidação do
capitalismo – nesse caso, a questão do capitalismo periférico pressupõe a
necessidade de uma leitura diferenciada para a compreensão do Estado de “Bem Estar” na periferia,
identificado no caso brasileiro, no Estado “Desenvolvimentista”. Mas,
principalmente, essa dificuldade se apresenta devido à maquiagem dessa relação
pelos discursos ideológicos.
No Brasil, o processo de neoliberalização, que buscaria o rompimento
com o modelo adotado no país desde aproximadamente 1930, dependeria de uma
reconstrução ideológica, do mesmo modo do que já vinha ocorrendo desde os anos
de 1970, na Europa, que passava pelas reformas neoliberais, e, como argumenta
OLIVEIRA, (1998, p. 44), tratou-se de uma estratégia na linha política
thatcheristas e reaganinas, que ideologicamente buscam difundir a idéia de se
reduzir o Estado, contudo, o que se tenta é a manutenção do “fundo público” como
pressuposto apenas do capital.
Resumidamente, podemos apontar que o Brasil completou seu processo de
industrialização marcado
por forte atuação do Estado. Como aponta POCHMANN (2001, p. 22-23), é possível
identificar três fases de atuação do Estado brasileiro na economia: I) 1930 –
1955, por intermédio de regulação e atuação direta no processo de acumulação;
II) 1955 – 1964, com uma nova articulação do Estado ao capital privado nacional
e internacional, via principalmente Plano de Metas do Governo JK; III) 1964 –
1989, quando a atuação do Estado incluiu além da ação econômica, a aplicação da
ideologia de segurança nacional.
Resultante das duas Crises do Petróleo, que marcaram a década de
1970,
a crise dos anos 1980, apontada como a crise do Estado,
foi muito mais do que a crise deste, ela marcou o total esgotamento daquele
padrão de financiamento e crescimento do país, pelo processo de Industrialização
por Substituição de Importação (ISI). Na verdade, desde o II PND (1975-1979), e
principalmente no III PND (1980-1985), foi possível perceber um redirecionamento
das estratégias políticas para um crescimento mais voltado para fora, e que na
década de 1980,
a partir do III PND, fica evidenciado.
BRESSER-PEREIRA (1985, p. 259-261), por sua vez, argumenta tratar-se,
desde 1974, de uma perda de legitimidade dos Governos Militares nos círculos da
burguesia industrial. Uma vez que nunca foi representativo, o Governo Militar
legitimou-se por dois âmbitos: primeiramente, afastando a ameaça socialista, e
segundo, a partir do milagre econômico, que garantia o atendimento dos
principais objetivos de tal classe. Nesse sentido, na medida em que o Brasil
consolidou-se como um país industrializado, o terror ao socialismo diminuía, e
quando, por fim, em 1974 o II PND não completou suas metas de crescimento, tal
Governo perdia sua legitimidade no seio da classe que lhe dava sustentação, a
burguesia industrial.
Sobre essa questão, o autor ainda aponta tratar-se da consolidação
hegemônica da ideologia clássica capitalista: “[...] liberalismo econômico e político,
individualismo, defesa da “iniciativa privada” como único regime compatível com
a democracia, valorização da atividade empresarial e do lucro”.
(BRESSER-PEREIRA, 1985, p. 264)
Dessa forma, o ano de 1984, ao completar 20 anos do “Golpe Militar de
1964”,
foi marcado pelos movimentos sociais redemocratizantes, cuja principal expressão
foi o movimento das “Diretas Já”. Neste caso, não seria ocioso apresentar a
seguinte observação de CASTRO (2005, p. 117):
No imaginário de milhões de brasileiros que iam às manifestações pelo
direito de eleger o presidente da República, a democracia não apenas traria de
volta as liberdades civis e políticas, como também o fim da inflação, o retorno
do crescimento e a sonhada redistribuição de renda. O ambiente nacional, em suma
era de esperança e confiança na introdução de profundas
mudanças.
Mesmo com toda a pressão popular, a emenda constitucional, conhecida
como Emenda Dante de Oliveira, que reestabeleceria eleições diretas para
presidência da República não foi aprovada, e assistiu-se a eleição de Tancredo
Neves (presidente) primeiro civil após os 20 anos de ditadura militar e José
Sarney (vice), por eleições indiretas via Colégio Eleitoral. Com a doença de
Tancredo, sua internação um dia antes da posse, José Sarney acabou sendo nomeado
Presidente da República, ainda que provisoriamente, até que o presidente eleito
tivesse condições de assumir. De modo que trinta e quatro dias mais tarde, com a
morte de Tancredo, Sarney seria o presidente empossado.
Do ponto de vista
político, surge a questão da legitimidade desse governo, e nesse sentido, a
política econômica, leia-se, política de estabilização da inflação e
sucessivamente, redistribuição de renda, deveria trazer essa
legitimidade.
Diante da crise do início dos anos 1980, conseqüentemente,
acirramento do processo inflacionário, o debate econômico pautou-se nas doses de
ortodoxia versos heterodoxia. As propostas
heterodoxas estiveram à frente das políticas econômicas do Governo da Nova
República, uma vez que as propostas ortodoxas do FMI não haviam dado conta de
conter o processo inflacionário no período anterior. De modo geral, o Governo da
Nova República foi marcado por sucessivos planos de estabilização frustrados.
MODIANO (1990, p. 382),
apresenta que tais planos não alcançaram a estabilização por não terem sido
capazes de solucionar qualquer conflito distributivo de renda, como também não
atacaram os problemas de desequilíbrios estruturais da
economia.
A hegemonia ideológica
alcançada pela burguesia industrial adquiria condições então para consolidar-se
como projeto político. E nesse caso, é importante apresentar que a Constituição
de 1988 materializou como que um contrato social ao modelo do Estado de Bem
Estar Social das democracias européias:
Por intermédio da garantia dos direitos civis, sociais e políticos, a
Constituição de 1988 buscaria construir uma sociedade livre, justa e solidária;
erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e
regionais; e promover o bem de todos sem preconceitos ou quaisquer formas de
discriminação. Para tanto, a nova Carta combinaria as garantias de direitos com
a ampliação do acesso da população a bens e serviços públicos. (CASTRO &
RIBEIRO, 2009, p.28)
E isso em momento extremamente complicado, pois do ponto de vista
ideológico, seguia um movimento contrário ao dos países europeus, como já
apontamos, estes na década de 1970 haviam iniciado um processo de “esvaziamento”
do Estado, além do que, do ponto de vista econômico, a crise da economia acabou
por acentuar as desigualdades, assim como piorar as finanças do Estado. Não
fosse tão pessimista, poderíamos apontar que tal constituição foi
natimorta.
A ineficiência das políticas da Nova República embasou o discurso
vencedor das eleições de 1989 (o discurso neoliberal, representado pela figura
política de Fernando Collor). Desse ponto de vista, podemos afirmar que tal
eleição deu legitimidade nas urnas ao projeto neoliberal. Que como nos indica
IANNI (2000, p.102-103) vinha sendo proposto e gradualmente implantado no Brasil
entre os anos de 1964 e 1985. Esse discurso balizaria o curto e desastroso
Governo Collor (01/03/1990 a 30/09/1992), marcado segundo CANO (1998, p. 60)
por:
[...] um populista discurso de “radical combate à inflação e rápida
ida ao Primeiro Mundo”. [...] como “eixo” de sua política de corte neoliberal,
pretendeu diminuir o papel do Estado, promovendo uma irrefletida e desastrada
reforma administrativa, não distinguindo o bom do mau [...] piorando ainda mais
a qualidade do serviço público do país. A política de privatização foi desenhada
sem qualquer objetivo mais conseqüente, seja para com uma nova política
industrial de reestruturação produtiva, de melhoria de competitividade etc.,
seja para transferir fundos para outros setores prioritários ou, simplesmente,
para cobrir parte do enorme “buraco” das finanças
públicas.
IANNI (2000) chega mesmo a apontar certa polarização da cultura
política no que diz respeita ao desmonte do Estado. Em parte, essa polarização
deveu-se ao longo período em que o Estado “Desenvolvimentista”, ou mesmo o
“Nacional Desenvolvimentista” estive ligado as formas de governo não
democráticos, o que facilita entender a associação de “Estado forte” a ausência
desta, inclusive nos setores mais críticos.
MARINI (1992, p.56), por sua vez, contribui a esse respeito quando
aponta que: “O neoliberalismo é a arma
que utilizam os grandes centros capitalistas e a fração moderna das burguesias
nacionais para impor sua hegemonia no plano político”. Para o referido
autor, esse desmantelamento ideológico tanto da burguesia tradicional quanto da
esquerda resultou do bombardeio sofrido pela teoria da dependência por parte da
crítica neoliberal, de modo que tanto a esquerda quanto os desenvolvimentistas
ficaram sem parâmetros para articular as críticas ao novo modelo.
Ou seja, se por um lado, o impeachment sofrido pelo Presidente
Collor, encerrou seu governo, por outro lado, não encerrou a acirramento da
neoliberalização pretendida. Ao assumir o governo, Itamar Franco (vice)
apresentou um novo pacote de estabilização econômica, sob o comando do então
nomeado Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (FHC), que viria após
cinco planos frustrados de estabilização, obter êxito na política de
estabilização de preços.
O neoliberalismo, que ideologicamente já havia se consolidado, agora
alcançava a legitimidade política (via eleição democrática do grupo que o
representava), acompanhado da necessária legitimidade econômica, leia-se
estabilização dos preços. Não fosse essa hegemonia alcançada, possivelmente o
primeiro Governo FHC (1995/98) não teria tido condições de implantar as reformas
econômicas que havia proposto.
Obviamente que o consideramos hegemônico no sentido que foi vitorioso
no processo de abertura comercial e desregulamentação financeira e, sobretudo,
no Programa de Desestatização da Economia. Como apresentado por OLIVEIRA, (1998,
p.160-162), quando argumenta que ao articular partidos políticos como PFL, PMDB
quase inteiro, PSDB, PPB e uma boa parte do PTB, formaram-se um grupo hegemônico
que desde a década de 1930 não se via. A resposta do autor quando questionado
sobre como o grupo de FHC teria assumido esta hegemonia, pode ser reescrita aqui
como fechamento a este prólogo do neoliberalismo:
Existe dominação e hegemonia. Pode-se dominar politicamente,
economicamente, mas só há hegemonia quando você faz o dominado pensar como você.
Tivemos no Brasil 30 anos de transformação que significaram dominação, mas não
hegemonia, porque os grupos dominantes estavam divididos. FHC os juntou. Com a
estabilização surge a possibilidade de hegemonia: o povão começa a pensar como o
mais rico. Isso ocorre raramente, e por isso a estabilidade é ferozmente
perseguida. O grupo hegemônico pagará qualquer preço para mantê-la. (OLIVEIRA, 1998,
p.160-162)
Observamos, portanto, que se a “revolução” de 1964 foi feita para
construir um espaço econômico a partir de um planejamento técnico/burocrático,
ao se estabelecer os parâmetros neoliberais a ser seguido, o capital perderia
uma das principais partes do sistema, o planejamento estatal enquanto fundo
público financiador do capital. E como sabemos
que não há Estado sem Capital, nem mesmo Capital sem Estado, novas bases farão
às vezes do desenvolvimentismo, (re)construindo as novas fronteiras para o
planejamento.
Nesse contexto é importante ressaltar que o conceito de Estado, seja no desenvolvimentismo ou no
neoliberalismo, continua o mesmo, como algo colocado acima da sociedade, dotado
de uma racionalidade. O que se vê alterado é o papel do Estado: no
neoliberalismo, este deve reassumir o seu posto, desempenhando a função de
regulador.
Ao tratar sobre a ascensão do neoliberalismo no mundo de forma geral,
HOBSBAWM (1995, p. 222-223) sintetiza que ao abrir mão dos mecanismos de
controlo do capital, por uma maior liberdade econômica, os ideólogos do
neoliberalismo lançaram críticas que vão muito além das críticas à Marx e seus
seguidores. Incompreensivelmente, a teoria neoclássica absorveu a
irracionalidade do capitalismo, e sua crítica foi mais pesada à Keynes e seus
seguidores, enfim, uma crítica contundente aos dois modelos que mantiveram o
sistema econômico em funcionamento na “Era Dourada”.
Contudo, o que visualizamos como uma hegemonia ideológica encontra-se
muito longe de responder questões básicas da sociedade constituída no período
ideologicamente unipolar, e como nos aponta KURZ (1998, p. 92), um mundo também
desfragmentado por fundamentalismo ético e pseudo-religioso, que invadiram o
espaço da alternativa perdida.
Trata-se na verdade de uma crise das ideologias como apontado também por
HOBSBAWN (1995).
Pois como bem nos assinala SINGER (1989,
p.126):
A possibilidade de crise no capitalismo é dada pela anarquia da
produção, ou seja, pelo fato de as decisões que afetam a vida econômica serem
tomadas isoladamente, por inúmeras unidades de produção e de consumo, sendo
compatibilizadas apenas a posteriori pelos mecanismos de mercado.
Se aceitarmos a assertiva acima, podemos supor que o sistema
demandará de novas bases discursivas para embasar a atuação do Estado na
economia. O discurso da sustentabilidade parece dar conta de reencontrar um
papel econômico para o Estado nas estratégias de planejamento regional, como
tentaremos mostrar nos próximos tópicos.
A
construção de um novo discurso e a estratégia dos Eixos de Integração e
Desenvolvimento (EID)
De modo geral, a questão ambiental surge no seio das organizações
internacionais, na década de 1970, em meio ao acirramento das contradições do
sistema do capital, sob a perspectiva neoclássica de uma sociedade com
necessidades ilimitadas e recursos escassos.
Analisando essa temática, REBELO JUNIOR (2002, p.136) aponta que tal
perspectiva elimina as relações sociais e as simplifica a “produção para a
humanidade”, escamoteando os conflitos internacionais pelo controle dos
recursos.
De modo geral, em meio a imensa produção teórica/ideológica quanto à
problemática ambiental, destacamos com finalidade de representação dos
principais movimentos: I) a publicação de Limites do Crescimento, em 1972, como
resultado de estudos coordenados pelo Clube de Roma, preparou o
terreno ideológico do discurso, que referenciou no mesmo ano a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, Suécia; II) Relatório Nosso
futuro Comum ou Relatório de Bruntland em 1987, resultado dos trabalhos da
Comissão formada em 1982, na Sessão Especial do Programa de Meio Ambiente das
Nações Unidas (UNEP), esta responsável por cunhar o termo “desenvolvimento
sustentável”; III) a Eco-Rio
92, como marco do compromisso dos países periféricos com a questão
ambiental.
É importante ressaltar que em Estocolmo o debate foi marcado pelo
embate entre os representantes do Clube de Roma, de um lado, que respaldados nos
resultados apresentados pelo Limites de Crescimento, defendiam o crescimento
zero, e do outro
lado, representantes dos países em desenvolvimento, que reivindicavam o direito
do desenvolvimento. Essa questão estaria então resolvida em 1987, com o
Relatório de Bruntland, ao trazer o conceito de “desenvolvimento sustentável”,
ou seja, de um desenvolvimento que possa sustentar uma harmonização entre
desenvolvimento econômico e natureza. (GIANSANTI,1998, p. 09-11)
Assim como a construção do neoliberalismo havia sido iniciada muito
antes de os países o adotarem formalmente como compromisso, o conceito de
desenvolvimento sustentável remete-se, portanto, a essa construção e, como
argumenta (REBELO JUNIOR, 2002, p.146), tratou-se da construção de uma nova
ideologia cujos princípios seriam estabelecidos nos problemas que afligem a
humanidade de forma planetária, um “humanismo planetário”:
Este ponto é de suma importância. É quando surge a noção de
“interdependência”. Os problemas surgidos devem ser resolvidos por meio da
“cooperação”, em “benefício de toda a humanidade”. O “humanismo planetário” é a
forma encontrada para quebrar a tentativa de imposição de uma Nova Ordem Mundial
pelo Terceiro Mundo. É a reação pela manutenção do status quo na “nave espacial
terra”. [Aspas do autor]
Não podemos desvincular dessas questões as crises do petróleo, como
resultado do Cartel da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo)
fundada em 1960. Mas que, por outro lado, surgem no contexto mundial acompanhada
de inúmeras previsões de fim do petróleo, de modo mais geral dos recursos não
renováveis.
O discurso da sustentabilidade pertence a esse momento histórico de
desmonte do Estado de Bem Estar, em suas diversas formas. Mais uma vez nos
apoiaremos em REBELO JUNIOR (2002, 162-173), quando qualifica esse momento como
o de preparação psicológica das populações dos países desenvolvidos para o
desmonte do Estado, enquanto para os países subdesenvolvidos qualquer tentativa
de desenvolvimento deveria passar por outro processo, diferente do apresentado
pelos países então desenvolvidos.
Portanto, entraram na pauta de discuções questões como o crescimento
demográfico e crise energética, que conjuntamente iriam compor a “crise do meio
ambiente”, e como nos aponta o autor: “[...] a solução dessas “crises”- que
segundo o Nosso Futuro Comum, representam a “crise global” – deverá passar pelo
desenvolvimento sustentável”.
É neste contexto que o novo parâmetro de planejamento pode ser
identificado, desde a Declaração de Estocolmo, como pode ser visto em seu
Princípio 13:
A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim,
melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque
integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento, de modo a que
fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento, com a necessidade de
proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua
população.
Conjuntamente com Princípio 13, faz-se importante resumir o
apresentado no Princípio 12, quando aponta a necessidade de transferências de
recursos aos países em desenvolvimento para a inclusão de “medidas de conservação em seus planos de
desenvolvimento assim como assistência técnica e financeira internacional para
este fim”. Trata-se, portanto, de um novo conceito de desenvolvimento que
formará as diretrizes do novo padrão de desenvolvimento, reestabelecendo o papel
do Estado no novo ajuste espaço-temporal. Um padrão de desenvolvimento econômico
que assegure o Princípio 05 de Estocolmo: “Os recursos não renováveis da Terra devem
ser utilizados de forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a
assegurar que toda a humanidade participe dos benefícios de tal
uso”.
Na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
torna-se mais definido o papel dos Estados, dos setores considerados chaves e
da sociedade na preservação do meio-ambiente. Dentre os diversos Princípios
destacamos o 08:
Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida
para todas as pessoas, os Estados devem reduzir e eliminar os sistemas de
produção e consumo não-sustentados e fomentar políticas demográficas
apropriadas.
Assim como destacamos o Princípio 12: da declaração do Rio “Os Estados deveriam cooperar para promover
um sistema econômico internacional favorável e aberto, o qual levará ao
crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável de todos os países
[...]”. Obviamente, os benefícios seriam assegurados por um acirramento
das relações de mercado, pois como argumenta REBELO JUNIOR (2002), trata-se de
um modelo em que a sociedade é entendida como Produtores e Consumidores de
Mercadorias. E acabou como aponta o mencionado autor por oficializar as
políticas de ajuste estrutural solicitadas pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI), assim como pelo Banco Mundial.
Estes pressupostos são identificados na estratégia dos Eixos de
Integração e Desenvolvimento (EID) do I e II Governo de FHC, nos seus
respectivos programas “Brasil em Ação” e “Avança Brasil”. Principalmente ao
tratar a questão do que ficou conhecido como “Custo Brasil”,mostrando a necessária atuação do Estado na eliminação desses
padrões “insustentáveis” de produção. Como pode ser visto na assertiva abaixo:
A década de 90 [1990], se inicia sem programas de “desenvolvimento
regional” para o eixo [trata-se do Eixo Oeste, compreendido no espaço
centro-oestino], com enfoques de consolidação da ocupação ou eliminação das
disparidades regionais. Passa a vigorar, principalmente após a ECO 92, o novo
enfoque de ‘desenvolvimento sustentável’, onde o espaço é valorizado por suas
potencialidades / fragilidades ambiental.[21]
Tratava-se de um novo ajustamento do espaço, para as novas demandas
de eficiência e produtividade das empresas, neste início de século. A estratégia
dos EID aparece pela primeira vez na literatura governamental no Programa
“Brasil em Ação”, derivado do Plano Plurianual de investimentos (PPA) para
1996/1999, e permaneceu como estratégia do Programa “Avança Brasil”, derivado do
Plano Plurianual de Investimentos 2000/2003.
As propostas de desenvolvimento regional estariam, a partir da
estratégia dos IED, retomando uma vinculação direta com a União, após um período
de aproximadamente dez anos sem a elaboração de “grandes” projetos nacionais de
desenvolvimento período em que se observou uma busca da União por conseguir
maior desvinculação com a política regional, do outro, as implicações desse
movimento para a iniciativa privada.
O Estado, neste caso, articulou-se para propor um novo ajuste
espacial, sob a perspectiva dos EID. A política dos Eixos delimitou as regiões
de planejamento a partir da idéia de abrangência das relações sociais de um
determinado espaço, leiam-se, os fluxos de mercadorias: “No atual contexto, a
definição regional deve passar pela idéia de área de abrangência (em termos
espaciais) de uma relação social particular”.
A compreensão de região nestes parâmetros redefiniu a atuação da
política regional. Neste caso, o que se percebeu foi que a nova regionalização
pretendida desconsiderou as regiões estabelecidas pelo IBGE, uma vez que a
delimitação dos EID teve como princípio extrapolar as fronteiras internas:
Nesse sentido eixo de integração é a nova forma de ver o processo de
integração ignorando as fronteiras internas e considerando o processo de
integração física um instrumento de desenvolvimento do país, da integração
doméstica, refletindo a preocupação com os desequilíbrios espaciais e
sociais.[23]
A principal característica foi a de que cada Eixo proposto
atravessava por mais de uma Unidade da Federação, assim como, por mais de uma
região do IBGE. Como pode ser observado no pronunciamento do então presidente da
República, FHC:
A concepção geral desses programas é a idéia de que nós precisamos
integrar o Brasil, de uma maneira equilibrada. E precisamos preparar o Brasil
para que ele possa participar da economia, em nível internacional. Não existe,
aqui, a preocupação com um Estado particular da Federação. Os programas são
desenhados, preferencialmente, buscando eixos de desenvolvimento, que é a
concepção moderna do desenvolvimento. Não se trata de um pólo de desenvolvimento
que se concentre numa região, mas de um eixo que distribua seus efeitos numa
área mais ampla, pois é necessário que o Governo preste atenção ao conjunto do
Brasil.[24]
Quanto à delimitação geográfica de cada EID seguia-se duas análises:
uma, enfocando a lógica do consumo, observando a estrutura das redes de cidades,
ou seja, a hierarquia e o grau de polarização; e, outra, que levava em
consideração a lógica da produção, definindo e zoneando as áreas de influência
pelo fluxo de transporte de mercadorias.
O Governo alegava tratar-se de uma nova metodologia de planejamento.
Contudo, como é característica do Estado, e de suas políticas, representar as
classes e frações de classes das diversas parcelas do capital, a definição dos
setores específicos que seriam diretamente beneficiados acabou por levantar as
contradições dos interesses específicos dessas parcelas do capital. Como parte
de qualquer ajustamento do espaço, esse novo ajustamento levantaria também as
contradições de seu uso. Essa
questão pode ser acompanhada na fala de FHC na introdução do relatório de um ano
do Programa “Brasil em Ação”:
Tenho ouvido comentários de alguns setores sobre a inexistência de
projetos do Programa Brasil em Ação em determinados estados. Há uma percepção
equivocada. Primeiro, porque os projetos componentes desse Programa têm um
alcance que transcende os limites estaduais. Segundo, porque há outros programas
que complementam o Brasil em Ação.
De qualquer forma, é preciso insistir no fato de que, efetivamente,
voltamos a ter capacidade de definir nosso rumo. Há um projeto nacional, que não
é do governo. É do País. Não é um projeto nacional no sentido antigo, em que um
conjunto de pessoas, geralmente ideólogos, se reuniam para definir como o Brasil
deveria ser, e, por intermédio de ações do Estado, iam alterando a
realidade.[25] [Grifos nossos]
Colocadas essas
questões, apontamos que o objetivo principal dos EID foi a redução do “Custo
Brasil”. E que na medida em que definiu os espaços/eixos a partir de mercado
consumidor e produtor no conjunto de suas relações, refletia a ideologia dos
anos 1990, a qual, segundo SOUZA (2008, p.31/32) substituiria por “Mercados
Emergentes” os conceitos de “Países Subdesenvolvidos” propalados entre 1950 e
1970, “Países em Desenvolvimento” entre 1970 e 1980, e finalmente “Países
Endividados”, nos anos de 1980.
A mudança ideológica é sutil, porém decisiva. O conceito de país -
aparentado com nação, cidadania - comporta um imaginário vinculado à integração
(interna) e à soberania (externa), ideais que, embora distantes, deveriam ser
perseguidos. Todavia, a preponderância do discurso de que somos mercado, ao
contrário, insere-se na ausência de soberania e na vigência de desigualdades de
todo tipo, inclusive regional.
O espaço, neste contexto, aparece como parte da reestruturação pela
qual o Brasil deveria passar sob o intuito de reduzir o que comumente se chamou
de “Custo Brasil.” Uma redefinição para o papel do Estado se estabelece em
conjunção com as questões colocadas em nível mundial desde a década de 1970,
assim como a busca de um novo ideal de desenvolvimento.
Defendia-se que para adentrar competitivamente no mercado
internacional o país deveria consolidar a estabilidade econômica, assim como
elevar a taxa de investimento, reconhecendo trata-se de um padrão de
desenvolvimento com:
[...]
tendência globalizante dos mercados, liberalização econômica e a formação de
blocos regionais de comércio.
Assim, para responder aos desafios associados á retomada do
crescimento em bases sustentáveis, ao contrário de etapas anteriores do
desenvolvimento, o novo ciclo não poderá contar com o Estado como principal
agente executor. A partir de agora, o Estado propulsor agente principal do
processo de crescimento econômico, cede lugar ao Estado indutor de
desenvolvimento e regulador de mercados.[26]
Esse novo padrão pressupõe uma redução do Estado na composição dos
portfólios de investimentos em infraestrutura, cedendo lugar para a iniciativa
privada nas conhecidas Parcerias Público-Privadas (PPP).
Na I Carteira de Projetos de Infra-Estrutura do PPP, defendia-se,
oficialmente que:
As parcerias público-privadas é instrumento fundamental para o
desenvolvimento do país. [...] O país carece de urgentes investimentos em
infra-estrutura [...]. O potencial do país é enorme e o cenário econômico nunca
foi tão favorável. A apresentação dessa carteira de projetos é um convite
concreto ao setor privado para que se torne sócio do desenvolvimento econômico
duradouro e consistente que todos os indicadores prenunciam.[28]
Uma das principais contradições desse processo parte do fato de que,
de um lado, a falta de competitividade existente no país foi apresentada como
fruto da forte intervenção do Estado na economia em todos os âmbitos, inclusive
pela estratégia da polarização; do outro lado, a superação dessas “mazelas
herdadas” teve como pressupostos uma ampla atuação do Estado, rearticulando os
espaços nacionais, (re)afirmando-lhes os novos papeis na ordem mundial colocada.
Considerações finais
Após aproximadamente 20 anos sem grandes projetos de desenvolvimento
regional, no Brasil a segunda metade dos anos de 1990 foi marcada por uma
retomada das iniciativas do Estado na promoção de políticas de desenvolvimento
regional. Tal retomada dependeu, portanto, da absorção de um novo conceito de
desenvolvimento, neste caso, o “desenvolvimento sustentável” que vinha sendo
construído/absorvido nos discursos nos principais organismos internacionais
desde a década de 1970 no contexto da crise estrutural do sistema do
capital.
O que ficou evidente a partir da análise do discurso neoliberal foi
que sua construção e aceitação dependeram da pesada crítica feita ao modelo de
desenvolvimento anterior, desenvolvimentista no caso brasileiro e “Estado de
Bem-Estar” nos países desenvolvidos, e, portanto, apontaram para a necessidade
de um Estado mínimo, de modo que as novas estratégias de desenvolvimento
regional estiveram ligadas ao discurso da sustentabilidade.
Particularmente, a definição do papel do Estado na promoção do
“desenvolvimento sustentável” parece ter se consolidado após a Eco-Rio 92,
quando em fim os países periféricos assumem tal compromisso. Através de novos
referenciais teóricos, nos Governos I e II de FHC, foi lançada a estratégia dos
EID, colocada como alternativa, assim como, estando à frente da estratégia da
polarização. Todavia, manteve como base a concentração de investimentos nos
espaços antes elevados à condição de Pólos, ou mesmo, de corredores de
exportação, seguindo o discurso de que a atuação do Estado fazia-se importante
para resolver os problemas regionais, oriundos da política dos Pólos de
Desenvolvimento, as políticas estiveram atreladas a necessidade de redução do
“custo Brasil”.
Ou seja, um ajustamento espaço–temporal, para atender a
internacionalização dos mercados, sob a égide do capital financeiro e
pressupostos de competitividade. É sintomático, portanto. que a IIRSA
(Iniciativa para a Integração em Infra-estrutura Regional Sul-Americana) além
dos 12 governos nacionais da América do Sul, participam do processo de
coordenação e intercâmbio de informações três instituições financeiras
multilaterais: o BIRD (Banco Internacional de Desenvolvimento) a CAF (Corporação
Andina de Fomento) e FONPLATA (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia
do Prata.
De modo que, esse movimento não se deu apenas em escala nacional. Por
exemplo, em 2000, foi criada em Brasília (DF), sob os auspícios governos FHC, a
IIRSA da qual participam 12 países. Estudos da IIRSA delimitaram todo o
continente em Eixos de Desenvolvimento, no interior do qual foi diagnosticados
os gargalos logísticos e apontados os projetos prioritários. Além do
chamado “regionalismo aberto”, no qual a América do Sul passa a ser concebida
como “um espaço geoeconômico totalmente integrado, para o qual é necessário
reduzir ao mínimo as barreiras internas ao comércio e os gargalos na
infra-estrutura” um outro princípio que orienta as ações da IIRSA é os Eixos de
Integração e Desenvolvimento; [...] o espaço sul-americano é organizado em torno
das faixas multinacionais, que concentram fluxos de comércio atuais e
potenciais, nas quais se busca estabelecer um padrão mínimo comum de qualidade
de serviços de infra-estrutura de transportes, energia e telecomunicação a fim
de apoiar as atividades produtivas específicas de cada Eixo de Integração e
Desenvolvimento. [...] Os Eixos [...] representam um referencial territorial
para o desenvolvimento sustentável e amplo da região.”
Postas estas questões, fica clara a primazia do Mercado como
eficiente mecanismo de orientação da sociedade. E neste sentido, resolver os
problemas do Mercado significa reajustar o mecanismo orientador da sociedade,
leia-se Estado, justificando, portanto, o pressuposto do fundo público para
financiar o mercado, uma vez que este sendo competitivo resolveria as demais
questões.
Em síntese, das sutis
mudanças nas estratégias dos eixos de integração regional, parece-nos que a
promoção do “crescimento para fora” foi a condição para a distribuição dos
recursos entre os espaços, leia-se, fixos para a mobilidade e aproveitamento de
recursos naturais. E esta implica na especialização desses espaços, e o
acirramento das contradições dos interesses de classes.
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[1]
Este artigo é parte integrante da Dissertação de Mestrado: “O
processo de crescimento econômico e (re)produção do espaço sul-mato-grossense: A
atuação do Estado no ajuste espaço-temporal”. Defendida em setembro de 2010, na
Universidade Federal da Grande Dourados(UFGD) / Faculdade de Ciências Humanas /
Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Geografia. Sob a orientação do Professor
Dr. Adáuto de Oliveira Souza. Com apoio financeiro da
FUNDECT-MS.
Ponencia presentada en el
XIII Encuentro Internacional Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de
setiembre de 2011.