Reprimarização na América do Sul ou nova colonialidade do poder
a partir do meio ambiente: questões iniciais.
Everton Luís de Souza Jr.
Guillermo Alfredo Johnson
Resumo
A
questão ambiental tem se fortalecido nos últimos anos no cenário internacional.
As mais variadas ações estão sendo tomadas na tentativa de se evitar catástrofes
globais. Porém as medidas tomadas não são alternativas ao modo de produção e sim
tenta-se encontrar a saída dentro do modo de produção capitalista. Essa busca
reatualiza o debate sobre colonialidade do poder, já que nos acordos e tratados
assinados no âmbito da ONU, não se prevê uma diminuição eficaz na poluição, mas
sim a criação de reservas biológicas na periferia do sistema capazes de absorver
estas emissões. Juntamente com essas ações, tem-se que o papel dos países
periféricos é a exportação de commodities agrícolas e minerais, o que torna as
ações contraditórias nos territórios da periferia. Portanto, o papel que cabe à
periferia no cenário mundial é como área de exportação de recursos,
reatualizando a situação colonial. A América do Sul se encontra nessa situação
complexa, uma vez que é considerada no sistema mundial como área de sumidouro de
carbono e também área de produção agrícola.
Palavras-chave: Meio ambiente; Colonialidade do poder;
América do Sul.
Abstract
The environmental issue has been strengthened in
recent years on the international scene. Various actions are being taken in an
attempt to avoid global catastrophe. Although, these politics are not
alternatives to the mode of production, but attempts to find the exit within the
capitalist mode of production. This search re-presenting the debate on the
coloniality of power, since the agreements and treaties signed at the UN, not
the expected decline in effective pollution, but the creation of biological
reserves in the periphery of the system to absorb these emissions. Along with
these actions, it follows that the role of peripheral countries is the export of
agricultural commodities and minerals, which makes the contradictory actions in
the territories of the periphery. Therefore, the role of the periphery on the
world stage is as an area of resource exports, reviving the colonial situation.
South America is in this complex situation, since it is considered as an area in
the global carbon sink and also the area of agricultural
production.
Key-words: Environment; Coloniality of power; South
America.
Resumen
La cuestión
ambiental viene se fortaleciendo en los últimos años en el escenario
internacional. Las más variadas acciones están siendo tomadas en la tentativa de
evitar catástrofes globales. Todavía, las medidas tomadas no son alternativas al
modo de producción, sino que se busca una salida dentro del modo de producción
capitalista. Esa busca reactualiza el debate sobre la colonialidad del poder, ya
que en los acuerdos y tratados firmados en el ámbito de la ONU, no se prevé una
disminución eficaz en la contaminación ambiental, pero sí la creación de
reservas biológicas en la periferia del sistema capaces de absorber estas
emisiones. Juntamente con esas acciones, observase que el papel de los países
periféricos es la exportación de commodities agrícolas y minerales, lo que torna
las acciones contradictorias en los territorios de la periferia. Por lo tanto,
el papel que cabe a la periferia en el escenario mundial es como área de
exportación de recursos, reactualizando la situación colonial. América del Sur
se encuentra en esa situación compleja, una vez que es considerada en el sistema
mundial como área de suministro de carbono y también área de producción
agrícola.
Palabras-clave: Medio ambiente; Colonialidad del poder;
América del Sur.
Introdução
Não é
de hoje que a questão ambiental foi trazida à baila nas discussões
internacionais. A preocupação com a exploração dos recursos naturais começou a
crescer na década de 1960, o que ocasionou na década posterior – 1970 – a
realização da primeira grande conferência mundial que versou sobre como o homem
vinha se apropriando da natureza e se utilizando em demasia, influenciado pelo
modo de produção capitalista, dos recursos naturais e o que poderia ocorrer se
fossem esses exauridos.
Desde então, a questão tomou forma nos debates internacionais, por
influência da mídia, acarretando a elaboração de protocolos e tratados para
dirimir as consequências da poluição e da degradação ambiental, além de ganhar
projetos e programas específicos no organismo transnacional mais importante, a
Organização das Nações Unidas - ONU, que criou o Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente – PNUMA, responsável pelas ações e tratados globais de cunho
ambiental.
As novas políticas ambientais internacionais – ou Acordos Multilaterais
Ambientais – que estão sendo criados sob os auspícios da ONU, tentam readaptar o
modo de produção capitalista à preservação ambiental, criando mecanismos e
instrumentos que reavaliam a exploração dos recursos naturais e a coloca sobre
outros moldes, inclusive criando um novo conceito no âmbito político-econômico
em esfera global: o desenvolvimento sustentável, que é estudado pela economia
verde no modo de produção “ecocapitalista”.
Nesse novo contexto em que tenta se readaptar o capitalismo e as
economias a um desenvolvimento sustentável, a América do Sul se destaca por ser
um subcontinente que possui grandes reservas naturais, de importância relevante
para o equilíbrio ambiental mundial, além de todas as nações do subcontinente
participarem de uma gama de tratados ambientais.
A anuência Sul-Americana aos tratados ambientais internacionais
reconfigura, em muitos casos, a utilização do território, interferindo em
decisões nacionais e locais (LAURIOLA, 2002), o que desperta tensões na complexa
estrutura social que existe na América do Sul, afetando diretamente a economia,
a política e, o mais importante, a relação da sociedade com a natureza, uma vez
que as políticas são exteriores ao país – comumente denominadas de up-down ou
up-bottom (VIOLA, 2004) - feitas para uma economização da ecologia, utilizam
conhecimentos tecnológicos e políticas de desenvolvimento que incluem a
interferência direta nos territórios (NOBRE, LAHSEN e OMETTO, 2008).
Outra
forma de reconfiguração do território dos Estados-nações é a transgressão das
fronteiras nacionais. Para a denominada questão ambiental, o mundo se torna sem
fronteiras, um sistema mundo uno, homogêneo – assim como para o capital, que se
aproveita desse novo vetor para subjugar ainda mais o Estado como agente
controlador do território nacional. A fronteira perdeu seu papel para novos
atores, processos e políticas.
Os
países Sul-Americanos, constituintes da periferia do sistema mundo
moderno-colonial, estão agora sendo explorados de outra maneira: uma nova
colonialidade pode ser entendida das ações ambientais. O conflito
colonizador-colonizado se atualiza em uma nova vertente. A tentativa é levantar
o debate sobre a nova forma que o capital encontra de se apossar da questão
ambiental e (re)significar a colonialidade de poder, colocando os países
periféricos como “protetores do meio ambiente”, exportadores não só de
commodities agrícolas e minerais, mas de commodities ambientais.
Neoliberalismo e meio ambiente
Nos
últimos trinta anos, o capitalismo global gerou duas tensões fundamentais, que
estão convergindo para um mesmo impasse estrutural: de um lado, a estagnação dos
níveis de pobreza e miséria e o aumento da concentração de renda e de outro, uma
crise ambiental – em vias de um colapso ambiental (LEFF, 2001) - provocada pelo
modelo econômico hegemônico atual (DUPAS, 2008), que também poderia ser
denominado de globalização do capital (IANNI, 1996; SANTOS, 2001; DUPAS,
2005).
As
tensões estruturais edificadas pelo capitalismo ligam-se à adoção da doutrina
neoliberal pelas nações, que redimensionou as relações de dependência entre
países (QUEIROZ, 2005) ao desestruturar a política de substituição de
importações e criar então novas formas de vinculação da região à economia
mundial, considerado como uma ruptura revolucionária na história social e
econômica do mundo (HARVEY, 2008, p. 11).
Iniciado na América Latina nas décadas de 1970 e 1980 - Chile e
México - consolidou-se na década de
1990 no restante dos países latino-americanos (HARVEY, 2008). A adoção dessa
nova doutrina propiciou ao modo de produção capitalista pós-fordista de base
fossilista ampliar a exploração dos recursos naturais nestes países, isto porque
o Estado, com seu poder minimizado, passou apenas a ser um coadjuvante na
organização do território nacional, não opondo restrições ao capital (MAGNOLI,
1996).
Na Ásia, África e América Latina iniciava-se uma renovada iniciativa
de recuperação do atraso da industrialização, desta vez financiada em grande
estilo por créditos privados do exterior. Um desenvolvimento das economias
nacionais orientado à exportação e aberto ao mercado financeiro mundial, e não
apenas a uma substituição de importações como na década de 1930 (ALTVATER, 1995,
p. 13-14).
Os
países subdesenvolvidos – países do polo dominado do padrão de poder mundial
(PORTO-GONÇALVES, 2006) – viram, com a abertura comercial, suas economias se
transformarem, com o território nacional sendo explorado por transnacionais e
suas economias cada vez mais dependentes do mercado financeiro internacional,
além de ter seus recursos naturais consumidos, acarretando um aumento da
poluição e da degradação ambiental.
Ocorre que essa sequência de mudanças nas economias do à época
chamado “Terceiro Mundo” foi respaldada pelo discurso desenvolvimentista
discutido na Conferência de Estocolmo, Suécia, em 1972. À época, a preocupação
ambiental tomou forma de ações através da ONU, sendo a Conferência sobre Meio
Ambiente Humano uma das mais famosas e importantes conferências do gênero já
realizadas, tanto pela inovação dos debates como pelas soluções propostas
(RIBEIRO, 2001).
As
discussões realizadas por “113 países, 19 órgãos intergovernamentais e 400
outras organizações intragovernamentais e não-governamentais” (RIBEIRO, 2001, p.
74) centraram-se entre os defensores do crescimento zero versus os defensores do
desenvolvimento. De um lado estavam os que defendiam que o crescimento
industrial de alguns países deveria ser barrado e, de outro lado, os que
defendiam e reivindicavam o crescimento e o desenvolvimento trazidos pelo
progresso que o capitalismo havia proporcionado nos denominados países
desenvolvidos.
O
discurso desenvolvimentista, defendido pelos países subdesenvolvidos, saiu
vitorioso da Conferência, incentivando uma nova política econômica, justificando
a exploração dos recursos naturais nos países subdesenvolvidos e facilitando a
entrada de capital internacional, materializado nas multinacionais e
transnacionais.
Conferências como estas se tornaram frequente no âmbito mundial, com
propostas que foram sendo assinadas na forma de tratados e acordos
multilaterais, denominados de Acordo Multilaterais Ambientais. Estes passaram a
ganhar força no cenário político-institucional – principalmente por respaldo da
mídia e de um ator que agora tem voz na sociedade: as Organizações
Não-Governamentais – ONG´s, sendo os mais variados.
O que
mais chama a atenção é que se discute as alternativas dentro do capitalismo e
não alternativas ao capitalismo e a uma nova forma de produção em bases mais
sustentáveis.
Tenta-se conciliar o inconciliável que é deixar o modo de produção capitalista
menos predatório, sendo que sua espinha dorsal está no uso cada vez mais amplo
dos meios naturais – ou recursos naturais, como é denominado do
capitalismo.
Para
Harvey (2008) foi sob a doutrina neoliberal que as consequências ambientais
foram mais negativas.
Há suficientes exemplos específicos de perdas ambientais decorrentes
da aplicação irrestrita dos princípios neoliberais. A destruição em aceleração
da floresta tropical a partir da década de 1970 tem implicações graves para a
mudança climática e o aquecimento global e para a perda da diversidade. Ocorre
ainda de a era da neoliberalização ser aquela de mais rápida extinção em massa
das espécies da história recente da Terra (HARVEY, 2008, p. 186).
Uma releitura da colonialidade de
poder
Os países da América do Sul são países que fazem parte da ONU, assinando
e ratificando suas propostas, como é o caso dos tratados ambientais – ou acordos
multilaterais ambientais. No caso do Protocolo de Quioto, por exemplo, todos os
países Sul-Americanos ratificaram o tratado, incorporando, portanto, ações para
se adequarem às novas normas imposta por este tratado.
Os
tratados assinados pelos países e que devem ser cumpridos objetivam alterar leis
e práticas nos territórios nacionais para que se adequem às exigências
internacionais. Em muitos casos, os tratados, ao serem seguidos, dissociam-se de
sua ideia inicial e, ao se materializarem no território, tomam proporções
distintas e de difícil solução, o que resvala na economia, no modo de
organização societal e no relacionamento com o meio
ambiente.
Organismos multilaterais, ao incitarem acordos e tratados para a
ecologia global, buscando uma sustentabilidade para o modo de produção
capitalista, “interferem nos processos de decisões nacionais e locais de tal
maneira que o exercício do poder político pelas bases sociais e a diversidade
cultural de povos locais acabam sendo ameaçados” (LAURIOLA, 2002, p. 167). Isso
ocorre porque as políticas são feitas em âmbito global e, ao aplicarem-se ao
local, fogem ao entendimento deste, que não percebe sua intencionalidade
(SANTOS, 1996), chocando-se com o local e causando estranhamento e
conflitos.
O
pensamento colonialista que ainda persiste na sociedade ocidental e permeia as
relações políticas e culturais (SOUSA SANTOS, 2007) se apropria do discurso
ambiental ao incentivar que países subdesenvolvidos conservem sua base natural e
assim propiciem às sociedades do polo dominador do padrão de poder mundial
bancos genéticos para pesquisas e áreas de sumidouros de carbono. A
colonialidade do capitalismo foi reestruturada e readaptada, dando uma nova
roupa ao rei, de produtos reciclados e verdes, obviamente.
Esta
ideia se baseia nos discursos empregados nas conferências internacionais, em que
os países do centro se posicionam contra medidas de diminuição de extração de
recursos naturais, generalizando a culpa sobre a degradação ambiental e não
ratificando alguns acordos, tendo em vista interesses exploratórios.
Não
podemos deixar de considerar que os Acordos Multilaterais Ambientais (Convenção
do Clima, Convenção de Diversidade Biológica, e os Mecanismos MDL e MCF, entre
eles) estão dando um novo desenho ao padrão de poder histórico do sistema-mundo
moderno-colonial, onde a dívida externa dos países situados no polo dominado tem
sido um instrumento de imposição dos interesses dos países do polo dominante e
de suas empresas transnacionais, cada vez mais envolvendo grandes organizações
não-governamentais. (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 304-305).
Tem-se então que muitos tratados e mecanismos não passam de uma
manobra para que os países do polo dominado continuem a comandar a situação.
Outro exemplo que se pode citar é os instrumentos propostos pelo Protocolo de
Quioto, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Esse instrumento tem
por intuito o repasse de créditos de carbono a países periféricos, que não
possuem cota para a emissão de gases de efeito estufa, feitos por países
desenvolvidos, para que estes consigam dirimir suas
emissões.
Os
países Sul-Americanos, por não terem cotas a cumprir no Protocolo de Quioto,
participam do MDL como áreas de sumidouro de carbono, vendendo o seu “excesso
verde” para os que têm em “excesso” a industrialização. A quantia repassada
ultrapassa milhões de dólares, que são usados, de acordo com as diretrizes do
MDL, em projetos sustentáveis nesses países que vendem seu excesso verde. Essa
venda está baseada no preço que está cotado a emissão de carbono no mercado.
Percebe-se que essa ação não incita a diminuição de emissões de gases
de efeito estufa, mas ao contrário, fornece aos países desenvolvidos um passe
livre para continuar aumentando suas emissões que serão trocadas por créditos em
sumidouros de carbono situados em regiões periféricas do sistema em uma política
de exportação de poluição denominados NIMBY – Not in my backyard – “Não no meu
jardim” - ou no bom português, varre-se a sujeira para debaixo do tapete.
Exterioriza-se assim o problema, colocando além-fronteira.
Além
disso, a mercantilização da situação coloca o debate ambiental fora da política,
uma vez que se torna parte do mercado, sendo uma ação mercantil com preços
estabelecidos, sujeito a variáveis que o mercado financeiro
sofre.
Essas
ações reforçam o que denominamos aqui de colonialidade do saber e do poder, em
que as ações coloniais são re-significadas e retornam em uma nova roupagem de
exploração e expropriação. Os países da periferia, ao serem classificados como
áreas para sumidouro de carbono e gases de efeito estufas, estão sendo rotuladas
como áreas de preservação da humanidade, que devem permanecer
intocadas.
A
intocabilidade exigida se torna um discurso primaz para que os países da
periferia não consigam se industrializar ou fique refém de instituições
financeiras multilaterais, que exigem estudos de impactos ambientais para as
obras e acompanhamentos e monitoramentos para que o projeto e os empréstimos
sejam efetivados.
A
América do Sul se encontra então como uma grande exportadora de commodities.
Além da exportação de commodities agrícolas e minerais, onde possui uma forte
presença, inclusive com uma classe ruralista muito bem estruturada tanto
política quanto
economicamente, passa a ser exportadora de commodities ambientais, uma vez que a
questão ambiental foi alçada à responsabilidade do mercado
econômico.
A
condição da riqueza das nações manufatureiras e industrializadas é a pobreza
(relativa) das nações extratoras de matérias-primas. Nesse sentido, não é
necessariamente vantajoso a um determinando país “dispor de ricas reservas de
recursos naturais, se estas servem apenas como ilhas de sintropia para sistemas
de transformação industrial em outros países” (ALTVATER, 1995). Ou seja, para
que se mantenha a exportação de commodities ambientais, a América do Sul deve
continuar como área de preservação ambiental de relevância
mundial.
As
nações do centro do sistema lutam para que a situação ainda permaneça nos moldes
coloniais na medida em que podem usufruir do território alheio e da natureza em
seu estado puro. Mas uma vantagem da mercantilização: a manutenção de um status
quo que auxilia no ganho e acumulo de capital a partir da natureza – dos países
periféricos – como recurso natural para o capital.
Portanto o que se achava acabado com a globalização neoliberal na
verdade foi reestruturado em novos moldes. A América do Sul enquanto colônia não
independente, forneceu a Europa mão-de-obra, produtos agrícolas e minerais, além
de fornecer uma cultura a se comparar com a europeia, tendo esta se alçado como
superior às existentes nas novas terras. Agora, no período de globalização
neoliberal, a colonialidade se refaz, ou como Coronil (2005) afirma, a
reprimarização dos Estados é uma forma de controle
colonial.
Em alguns aspectos, poderíamos ver este processo de reprimarização
como uma regressão às formas de controle coloniais baseadas na exploração de
produtos primários e de força de trabalho de baixo custo. No entanto, este
processo está-se dando num contexto tecnológico e geopolítico que transforma o
modo de exploração da natureza e do trabalho. Se na globalização colonial se
necessitou de um controle político direto para organizar a produção de bens
primários e regular o comércio dentro de mercados restritos, na globalização
neoliberal a produção não regulada e a livre circulação de bens primários num
mercado aberto exige o desmantelamento relativo do controle estatal; (...).
Anteriormente, a exploração de bens primários se levou a cabo através da mão
visível da política; agora está organizada pela aparentemente invisível mão do
mercado, em combinação com a menos destacada, mas não menos necessária, ajuda do
Estado. (CORONIL, 2005, p. 111).
Considerações finais
O
dito mundo moderno, de progresso técnicos e científicos, livre e sem fronteiras
é na verdade o mesmo mundo colonial de quinhentos anos atrás sob uma nova
perspectiva. As situações de colonialidade de poder e saber não se encerraram
com as independências das colônias, mas foram reatualizados pelo modo de
produção capitalista, que em sua fase neoliberal, procura fazer da
mercantilização da natureza uma nova forma de colonizar os países
periféricos.
À
periferia, formada por ex-colônias, sobrou, ao se tornarem independentes, a
exportação de produtos conhecidos como primários – gêneros agrícolas e minerais
– de baixo valor comercial. Com a intensificação do neoliberalismo e a entrada
de multi e transnacionais, os países diversificaram sua base produtiva, mas não
fugiram de ter como base a exportação de bens primários. Um pacto de poder
mundial havia sido estabelecido: ex-colônias exportadoras de bens primários e as
ex-metrópoles, exportadoras de produtos manufaturados e de alto valor agregado.
A
questão ambiental altamente discutida nos últimos trinta anos reatualizou
novamente o debate da colonialidade do poder ao julgar as responsabilidades de
degradação e poluição ambiental de forma homogênea, acionando mecanismos que não
impedem ou não taxam o aumento de emissões de poluentes ou a diminuição da
industrialização nos países centrais, mas sim a manutenção de reservas
biológicas na periferia, como garantia de sustentação ao sistema, impondo uma
nova lógica aos territórios, contraditória: preservar o meio ambiente, para que
o centro continue a poluir e aumentar a área de plantio, para que o centro
continue a se alimentar.
Esse
embate ocorre não no território dos países centrais do sistema-mundo, mas sim
nos territórios periféricos, onde a situação gera embates entre classes sociais
distintas e reconfigura as lógicas de poder internas, o que torna a situação dos
países mais complexa ainda, colocando sujeitos de espaços e tempos diferentes em
conflito.
O
pacto de poder mundial novamente foi feito: a periferia do sistema mantém seus
índices de exportação de commodities minerais e agrícolas, mas também deve
preservar os recursos naturais. A América do Sul se encontra nessa situação de
manter suas reservas ecológicas e aumentar a produção de commodities ante a
pressão externa.
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