A Redes
sociais e relações internacionais: estudo de caso das
Global Union Federations (GUFs)
Espósito, Katiuscia Moreno Galhera
PPGRI-STD Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San
Tiago Dantas” (UNICAMP – UNESP - PUC-SP)
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior)
Resumo
As empresas tornaram-se crescentemente
internacionalizadas a partir da década de 1970. Muito se disse, desde então,
sobre o fim do sindicalismo tradicional, de base local/ nacional. Neste cenário
tornaram-se mais sofisticadas as estratégias empresariais de boicote aos
sindicatos e o enfraquecimento da organização coletiva, esta baseada
preponderantemente em territórios nacionais.
Os sindicatos, por sua vez, tendo notado a sua
crescente debilidade e assistido à queda constante das suas taxas de filiação
pelo globo, têm procurado se organizar como as multinacionais, em âmbito
transnacional, através de redes de informação e mobilização.
O artigo visa explorar tais respostas dadas pelo
trabalho em rede na figura das Federações Internacionais de Sindicatos,
conhecidas internacionalmente como Global
Union Federations (GUFs).
Ao final esperamos demonstrar a ação das redes
internacionais de sindicatos, consideradas inovadoras, e concluir se suas ações
são efetivas quanto aos ganhos reais de condições de trabalho e salários frente
às empresas multinacionais.
Palavras-chave: redes, globalização, sindicalismo
e Global Union Federations.
Abstract
Companies have become increasingly internationalized since the 1970s.
Much has been said about the end of traditional unionism locally and nationally
based. Companies have done also more sophisticated strategies to boycott and to
make weaker the collective organization of trade unions, these based primarily
on national territories.
The unions, in turn, who watched the weakness of its strength and the decline of its membership fees in the world, have been looking for to organize as
well as the companies, by transnational mobilization, through networks
of information.
The article aims to explore this mobilization, analyzing the Global
Union Federations (GUFs) a type of networking syndicalism.
We hope to demonstrate the action of international
networks of unions, considered an innovative, and conclude if their actions
are effective to improve work conditions and wages in relation to multinational
companies.
Key-words: networks, globalization, syndicalism
and Global Union Federations.
Introdução
Vivemos em redes. Acordamos e utlizamo-nos, no
café da manhã, de produtos industrializados fabricados por empresas
multinacionais que possuem unidades em todos os continentes. Ligamos a televisão
e assistimos ao jornal, desenvolvido por um canal de televisão que possui
parcerias com outros canais, de modo que a informação do mundo chegue até nossas
casas. No trabalho, acessamos a internet, que na própria definição do dicionário
Houaiss é uma “rede de computadores”.
Ao refletir por um instante, damo-nos conta de quão internacionalizada,
interconectada e global é a vida da maioria dos cidadãos
comuns.
A vida em rede se reflete, pois, nas diversas
facetas de nosso cotidiano. E assim o é no âmbito do trabalho. Não seria
surpresa, portanto, que os trabalhadores organizados, os sindicalistas, também
se coordenem em rede.
Muitos autores, como Boaventura de Sousa Santos e
Peter Waterman, dizem que o sindicalismo em rede, seja em sua vertente
internacional ou transnacional, é o futuro e a sobreviência do movimento
operário. Outros, como Robert Cox, o apontam como uma resposta criativa e
original às estratégias de achatamento do salário desenvolvidas pelas empresas
multinacionais, como Robert Cox. Há ainda aqueles que destaquem a produção
descentralizada e a eficiência da produção, distribuição e gestão da empresa em
rede em detrimento da estagnação e localidade do trabalho, como Manuel Castells.
Por fim, existem aqueles que apontam os aspectos positivos e negativos do
sindicalismo em rede nos processos de globalização-regionalização, como Tullo
Vigevani.
O presente artigo tem como objetivo apontar a
bilbiografia que aborda o tema das redes e, mais especificamente, das redes de
sindicatos, sejam elas desenvolvidas no plano regional, como é o caso do
MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul); no plano internacional, como é o caso da
Sigtur (Southern Initiative on
Globalisation and Trade Union Rights); e no plano transnacional,
como na rede de trabalhadores da Saint-Gobain, apresentadas, respectivamente,
por Vigevani, Santos e Cox.
Este trabalho é divido cinco partes. Na primeira,
pretendemos tecer uma breve história do sindicalismo e das relações entre
capital e trabalho no mundo, desde a Revolução Industrial até o sindicalismo em
rede que propomos neste trabalho. A segunda parte trata de definições
conceituais relativas à rede: as diversas concepções do tema, sua gênese e
considerações a respeito do conceito aplicado ao objeto de estudo, as GUFs. A
definição do que é uma Global Union é
apresentada no terceiro item, assim como o seu escopo de atuação e considerações
sobre o tema. Na quarta parte, pretendemos descrever o papel das redes sociais
no contexto das GUFs e as diversas visões, pessimistas, otimistas e pendulares
sobre a questão. Por fim, tecemos nossas considerações
finais.
Este trabalho foi desenvolvido a partir da
análise de bibliografia variada, que trata de temas como redes e redes sociais,
sindicalismo (em rede, regional, internacional e transnacional) e Federações
Internacionais de Sindicatos.
Assinalamos que este trabalho é um esboço de
trechos da dissertação de mestrado da autora.
Breve histórico do sindicalismo e das relações capital-trabalho no
mundo
A organização do trabalho em rede e o
e-sindicalismo refletem as
relações entre capital e trabalho na Era da Informação (CASTELLS, 1999) de fins do século XX e início do século XXI. O
sindicalismo transnacional não é, portanto, resultado puro da ideologia
marxista, como o foi a organização da I Internacional
Comunista.
O sindicalismo em rede é, por vezes, proativo e, por outras, reativo.
Ação e reação à globalização, tema vago e impreciso, mas indispensável, para se
tratar das relações humanas de nossos tempos.
Mas nem sempre o trabalho foi organizado em âmbito transnacional.
Tratamos, neste artigo, das relações entre trabalhadores e empregados observadas
na internacionalização das empresas e na descentralização da cadeia produtiva
observadas principalmente nas empresas multinacionais a partir da década de
1970. A história, entretanto, mostra que houve épocas nas quais os trabalhadores sequer organizados eram. As transformações
ocorridas primeiramente nas sociedades
nacionais modificaram sua forma de agir.
A emergência do sindicalismo surge com o
nascimento do capitalismo. Mais precisamente, com a I Revolução Industrial. O
desenvolvimento da indústria e a confecção de máquinas demandavam produção em
massa. A mão-de-obra gradativamente deixa de ser artesanal e familiar (Era
Medieval) e passa a ser utilizada nas fábricas (SILVA, 2005:
57-63).
O primeiro movimento dos trabalhadores não era
institucionalizado ou organizado: conhecido como Luddismo, graças ao operário
Ned Ludd, quem deu início às revoltas, o Luddismo consistia em ataques diretos
às máquinas, e não às condições de trabalho ou ao
empregador.
Foi na Inglaterra, por lei promulgada em 1824
pelo Parlamento, onde foi permitido aos operários livre associação que surgiu o
primeiro conjunto de trabalhadores organizados em sindicato, conhecidos como
trade unions. A partir desse momento e ato, os sindicatos institucionalizados
passam a se espalhar pelos países da atual Europa Ocidental. Mais tarde, surgirá
nos Estados Unidos o sindicalismo de resultados, isto é, o movimento voltado
predominantemente à melhora das condições de trabalho e salários dos
trabalhadores, sem correntes ideológicas como o comunismo, o socialismo e o
anarquismo.
A I Internacional Comunista (1864-1876) foi um
evento que possuía o sindicalismo como centro dos debates. De um lado, Marx
defendia o socialismo científico e; de outro, Bakunin advogava a favor o
anarquismo. A II Internacional (1889-1914) também tinha a greve como centro do
debate e quando do massacre dos trabalhadores de Chicago (1886). Foi na
inauguração da Revolução Russa (1917), que se deu a III Internacional Comunista.
A quarta e última Internacional ocorre em 1938 no
México.
A despeito dos esforços para a consolidação dos
movimentos dos trabalhadores, surge nos EUA, com Frederick Taylor (1856-1915), a
“administração científica”. Como o próprio nome indica, Taylor buscava tornar
menores os dispêndios de tempo, dinheiro e energia – meios – dos trabalhadores e
da empresa, a fim de torná-los mais eficientes. O taylorismo dá o pontapé para o
desenvolvimento do fordismo e para a sua própria
consolidação.
O fordismo data de 1913, antes das duas Grandes
Guerras. Essa nova forma de organização do trabalho e da fábrica torna viável a
produção em larga escala. Assim, Henry Ford (1863-1947), tomando emprestado
muitas das idéias de Taylor, racionaliza e parcela as tarefas, repetitivas, de
modo a diminuir os gastos com tempo; introduz a esteira rolante que, antes
controlada pelo operário, agora é programada; padroniza as peças, otimizando o
tempo e a utilização do trabalho; automatiza progressivamente as fábricas, de
modo a reduzir os gastos na produção (GOURNET apud MARCELINO, 2004: 48).
Tanto no taylorismo como no fordismo o movimento
sindical, nesta fase já consolidado, se organiza nas empresas, dentro dos
Estados nacionais, voltada aos resultados que trouxessem benesses aos
trabalhadores filiados ao sindicato, e apenas a esses. Observa-se aqui,
portanto, clara limitação do escopo deste tipo de sindicalismo. Esse modelo
sindical, mais corporativista, será exportado para o mundo, ainda que sofra
algumas alterações nos países onde é implantado, como no Brasil.
O welfare
state, Estado de Bem-estar Social, foi uma consquista dos trabalhadores no
seio dos governos das sociedades nacionais, notadamente da Europa
social-democrata. O welfare garantia
aos trabalhadores relativa segurança e estabilidade, na áreas da saúde,
educação, mercado de trabalho e etc.
Entretanto, esses modelos se esgotaram. Tendo
melhorado garantido melhoria real na qualidade de vida da classe trabalhadora
nas sociedades industrializadas, o Estado de Bem-Estar Social sofria seu
primeiro baque. (HOBSBAWN, 199: 397). A relação capital-trabalho mais uma vez se
reiventou:
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos
processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados,
e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica
e organizacional. A economia flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de
desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas.
(HARVEY, 1992: 140)
O “toyotismo” ou “ohnismo” foi a forma encontrada, após a 2ª. Guerra
Mundial, primeiro pelo Japão e depois pelo mundo de fazer sobreviverem as
empresas. Os preceitos de Taiichi Ohno (1912-1990), porém, trouxeram
consequências negativas para os trabalhadores: o funcionário polivalente e
flexível encontra no sindicalismo corporativo ohnista dificuldade para exigir
direitos e benesses efetivos.
Além do toyotismo, novas formas do trabalho surgiram no final do século,
como o aumento do número de trabalhadores informais, a terceirização (OLIVEIRA,
2006), os trabalhos de meio-período (CASTELLS, 1999 e FRIEDMAN, 2005), os
trabalhadores temporários (POCHMAN & BORGES, 2002), mulheres no mercado
(HARVEY, 1992 e FRIEDMAN, 2005) e oferta de mão de obra especializada com baixo
custo, como serviços prestados na Índia (FRIEDMAN,
2005).
A empresa em rede e suas novas características
transnacionaionais e internacionais, como a descreve Castells, são desafios
amplos para a classe trabalhadora. É nessa mutação da relação capital-trabalho
que surge o sindicalismo em rede.
Ilustramos com todos esses eventos que o
sindicalismo, ou ao menos as idéias que de alguma forma se ligam aos movimentos
sindicais, não são internacionais ou tendem ao transnacionalismo apenas na
virada do século XX para o XXI. Propositivas ou reativas, o envolvimento dos
trabalhadores, de forma institucionalizada, segue o curso do capital desde a
Revolução Industrial.
Redes sociais: definições, gênese e
considerações
Os termos “redes” e “redes sociais”, apesar de altamente reconhecidos nos
meios acadêmicos das Relações Internacionais (RI), não são definidos em dois
importantes dicionários de RI.
Com efeito, definir redes ou, tarefa ainda mais árdua, definir redes
sociais, é um trabalho que não têm dedicação dos autores ou que são abordados au passant pelos especialistas. No senso
comum, as redes sociais são diretamente ligadas ao que denominamos sites de
entretenimento, como o LinkedIn, Facebook, MySpace, Orkut, Twitter e
etc..
Essa questão pode ser problematizada se tentarmos aprofundar e discutir
as diversas definições realizadas por Costa (2005), o que faz crescer ainda mais
o léxico e o debate relacionado à área:
Temas como “inteligência emergente” (Steven
Johnson, 2001), “coletivos inteligentes” (Howard Rheingold, 2002), “cérebro
global” (Heylighen et al., 1999), “sociedade da mente” (Marvin Minsk, 1997),
“inteligência conectiva” (Derrick de Kerckhove, 1997), “redes inteligentes”
(Albert Barabasi, 2002), “inteligência coletiva” (Pierre Lévy, 2002) são cada
vez mais recorrentes entre teóricos reconhecidos. Todos eles apontam para uma
mesma situação: estamos em rede, interconectados com um número cada vez maior de
pontos e com uma freqüência que só faz crescer. (Costa, 2005, p.
236)
Assim, para fins desse artigo, utilizaremos a definição de Croucher e
Cotton (2009). Ambos os autores destacam, aliás, suas dificuldades para realizar
tal tarefa:
Defining ‘networks’ is problematic as the term is
used by GUFs in multiple and often confusing ways – sometimes to describe ad
hoc groupings, sometimes committees and even to describe a GUF (Union
Network International). By ‘network’ here we mean stable groups of union
representatives from different units of a multinational company or sector who
are in communication with each other (CROUCHER e COTTON, 2009, p. 69).
Nosso objeto de estudo, as Federações Internacionais de Sindicatos,
ou Global Union Federations fogem, portanto, das comunidades virtuais destinadas
ora ao entretenimento, ora ao ativismo de um clique e são formadas como redes de
atores que utilizam ferramentas oferecidas principalmente pela internet – Skype,
e-mails, websites e etc. - para a
facilitação de sua comunicação e atividade. Como pode ser observado nessas
redes, a mobilização é, em sua maioria, virtual. A ação, porém, é física; o
piquete, por exemplo, continua sendo uma de suas práticas.
Abordaremos com mais detalhes o modus operandi dessas organizações nos
próximos tópicos. Ressaltamo que o sindicalismo em rede se utiliza dos mesmos artifícios das
multinacionais para maximizar seus ganhos, assim como as multi maximizam seus
lucros: através das campanhas internacionais, comunicando-se, solidarizando-se,
mobilizando-se também fisicamente. Essa conexão, também virtual, mas
principalmente física, define as redes de sindicato que estamos tratando nesse
trabalho.
A gênese da definição de redes, inclusive,
refere-se a relações necessariamente físicas e sofre pequenas variações de
acordo com a área de estudos das Ciências Humanas as quais nos
referimos:
A noção de redes / redes sociais nasce na
Antropologia Social. A primeira aproximação remonta à Claude Lévi-Strauss em sua
análise etnográfica das estruturas elementares de parentesco (década de 40).
(...) A expressão rede social total cunhada por
Radcliffe-Brown na década de 50, pretende caracterizar a estrutura social
enquanto uma rede de relações institucionalmente controladas ou
definidas.
(...) Em Ciências Sociais, rede seria o conjunto
de relações sociais entre um conjunto de atores e também entre os próprios
atores. Designa ainda os movimentos pouco institucionalizados, reunindo
indivíduos ou grupos numa associação cujos limites são variáveis e sujeitos a
reinterpretações (COLONOMOS, 1995).
(...) Para a Antropologia Social a noção de redes
sociais busca apoiar "a análise e descrição daqueles processos sociais que
envolvem conexões que transpassam os limites de grupos e categorias" (BARNES,
1987, p.163). (ACIOLI, 2007, p. 2-3).
Cabe assinalar que o elemento comum de todas as
definições apontadas por Acioli é a informação, elemento fundamental também no
caso das redes de sindicatos.
Federações Internacionais de Sindicatos/ Global
Union Federations (GUFs): definição, escopo e
considerações.
As GUFs distanciam-se da definição tradicional de sindicatos conhecidas
como os sindicatos horizontais, que atuam localmente para o atendimento das
demandas dos trabalhadores de uma determinada fábrica ou empresa. Também possuem
características distintas dos chamados sindicatos verticais, também conhecidos
como centrais sindicais, tal como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que
agregam diversos sindicatos horizontais.
Apesar de se distanciarem dos sindicatos de base ou das centrais
sindicais, as GUFs trabalham em conjunto com estes. Os sindicatos horizontais e
verticais – nacionais – se articulam com as Federações Internacionais como forma
de responder à economia cada vez mais globalizada e interconectada, tal como são
as estratégias de empresas internacionalizadas desde a década de 1970.
Empresas internacionalizadas descentralizam seu
processo produtivo. Sua marca mais evidente é, portanto, “a transição da
produção em massa para a produção flexível, ou do ‘fordismo’ ao ‘pós-fordismo’”
(PIORE e SABEL apud CASTELLS, 1999, p. 211). No pós-fordismo, a capacidade de
organização e mobilização dos trabalhadores é afetada negativamente. Suas
respostas, assim, passam a ser dadas no mesmo âmbito, o
internacional.
Veja o exemplo da Gerdau. Apontada como a empresa mais internacionalizada
do Brasil, a Gerdau tem no exterior o mesmo faturamento obtido no Brasil e busca
driblar as barreiras protecionistas brasileiras (FOLHA, 2008). Podemos ainda
acrescentar que outras manobras e iniciativas das empresas para aumentar e
maximizar seus lucros em um mercado globalizado, tais como a exploração de novos
mercados, a diversificação de suas áreas de atuação (FOLHA, 2008), a formação de
joint ventures (CASTELLS, 1999),
dentre outras como back to
back, transfer pricing, offshores e
outsourcing (GALHERA,
2010).
Assim ocorre com esse novo tipo de sindicalismo.
As demandas locais/ nacionais passam a ser atendidas não apenas pelos sindicatos
que atuam dentro do território nacional. Passam a ser atendidas a partir da
articulação e mobilização destes com as Federações Internacionais. Passam do
local para o global.
Cox aponta um exemplo dessas manobras sindicais a
partir da observação do sindicalismo em rede na empresa Saint Gobain. Em certa
ocasião a International Chemical Federation (ICF), uma Global Union dos
químicos, já em 1969 coordenou uma ação global contra a empresa para o aumento
da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de trabalhadores nos Estados
Unidos.
A empresa desejava não pagar o PLR aos
trabalhadores estadunidenses, pois entendia que, uma vez que as operações da
empresa no país resultavam em prejuízo, não haviam Lucros e Resultados
suficientes para a participação dos trabalhadores do país em
questão.
Os trabalhadores da Alemanha, França, Itália e
Estados Unidos uniram-se, articularam-se, comunicaram-se e solidarizaram-se. Os
trabalhadores europeus informaram aos estadunidenses que, a despeito do déficit
nas operações da Saint Gobain em território norte-americano, os lucros e
resultados existiam na Europa. Assim, tais trabalhadores pressionaram a empresa
para que um novo cálculo de PLR fosse efetuado em benefício dos trabalhadores
dos EUA, um PLR que levasse em conta as operações da empresa em conjunto, um PLR
global.
Tal pressão obteve um resultado positivo do ponto
de vista dos trabalhadores, que finalmente puderam usufruir dos ganhos reais da
empresa.
Cabe lembrar que em 1969 a internet não era tão
acessível e acessada quanto nos dias atuais. Assim, ressaltamos que as redes das
quais tratamos neste trabalho, ainda que beneficiadas e tornadas mais eficientes
com o advento da internet, se distanciam do mobilismo, do ativismo de um clique
e das comunidades de entretenimento apontadas no início do
artigo.
O papel das redes sociais nas
GUFs
Existem duas vertentes, por nós pesquisadas, de
análise do sindicalismo em rede: a otimista e a pessimista. A vertente otimista
é abordada por Boaventura de Sousa Santos (2005) e Peter Waterman (1999). A
vertente pessimista, por sua vez, é abordada por Manuel Castells (1999).
Existem, ainda, estudos de caso pendulares realizados por Tullo Vigevani
(1998).
Para Boaventura de Sousa Santos, o novo
sindicalismo não é reflexo da crise dos sindicatos, mas a reinvenção dos
trabalhadores e a mutação das relações entre capital e
trabalho:
Na nossa perspectiva, há potencial para uma
sinergia criativa entre o velho e o novo (...), através da criação de um novo
internacionalismo operário centrado na emancipação. (Santos, 2005:
94-96)
Tanto Boaventura quanto Waterman sugerem que a nova configuração mundial
do poder seja propícia a transformar o sindicalismo tradicional em
sindicalismo-movimento social (SANTOS, 2005; WATERMAN, 1999). Segundo Santos,
tal sindicalismo “desafiaria a lógica da globalização”, requeriria “novas formas
de ação de solidariedade
internacionais”. Ademais, “o global e o local se fundem numa nova e mais
poderosa dinâmica de resistência” (2005: 90-5).
Para Peter Waterman, o sindicalismo radical-nacionalista (populista),
como conhecemos, colapsou. Sua tese central é que o sindicalismo precisa se
reciclar. Assim há, atualmente, ampliação do escopo dos sindicatos. Assim, o
Novo Sindicalismo Social (New Social Unionism (NSU) (i) passa a dialogar e até
mesmo a militar por novos temas sociais como Meio Ambiente, gênero, educação,
cultura e comunicação; (ii) sua força reside em temas “novos”, como
investimentos, tecnologia, realocação, subcontratação, treinamento, políticas de
educação e etc; (iii) articula com outros movimentos, pluralistas e democáticos,
não necessariamente sindicalizáveis como o Fórum Social Mundial (FSM); (iv)
trabalha para a contínua transformação de todas as relações e estruturas; (v)
articula com forças políticas e parceiros em potencial; (vi) se relaciona
horizontalmente e está aberto ao networking; (vii) favorece a
solidariedade (1999: 240-50).
Ambos os autores defendem a reinvenção do
sindicalismo como um processo natural de mutação nas relações entre capital e
trabalho não questionam a solidariedade de classe. Suas concepções do que é o
novo sindicalismo está resumida na tabela a
seguira.
Tabela I – Comparação entre o “velho” (tradicional) e o “novo” (em
rede) sindicalismo operário

Para Castells, os sindicatos da “Sociedade em
Rede” terão êxito apenas se conseguirem se adaptar às novas formas de produção,
distribuição e gestão das empresas e à configuração do Sistema Internacional
(SI):
A economia em rede (conhecida até esta altura
como a «nova economia») é uma nova e eficiente forma de organização da produção,
distribuição e gestão, que está na base do aumento substancial da taxa de
crescimento da produtividade nos EUA, e em outras economias que adoptaram estas
novas formas de organização.
(...) Estas redes são quem contrata e despede
trabalhadores a uma escala global. Seguem a instabilidade global do mercado de
trabalho em todo o lado, a necessidade de flexibilidade do emprego, mobilidade
do trabalho e constante requalificação da respectiva
força.
(...) [os] trabalhadores tendem a endurecer o seu
poder de negociação através da negociação colectiva e da sindicalização. Mas
sendo a força de trabalho mais vulnerável, cada vez mais enfrentam a batalha da
deslocalização da mão-de-obra industrial e do trabalho
rotinizado.
(...) Os sindicatos não desaparecem na sociedade em rede. Mas,
dependendo das suas estratégias, podem tornar-se focos de resistência à mudança
tecnológica e económica, ou então poderosos actores de inovação no novo
significado do trabalho e criação de rendimentos, num sistema de produção baseado na flexibilidade, na autonomia e na criatividade.
Organizar o trabalho, numa rede de
redes, tem exigências muito
diferentes de organizar o trabalho num processo socializado de trabalho, numa
grande empresa. Enquanto as mudanças na força de trabalho e no mercado de
trabalho são estruturais, ligadas à evolução da sociedade em rede, as mudanças
no papel dos actores sociais depende das suas práticas, e da sua possibilidade
de posicionar os interesses que defendem em novas formas de produção e de
gestão. (Castells, sem data,
20-23, grifo nosso).
Os estudos de caso realizados por Tullo Vigevani
(1998), são
pendulares na medida em que demonstram que os ganhos obtidos pela articulação
dos sindicatos no processo de integração regional podem não atingir a magnitude
desejada no plano nacional e – acrescentamos – na vida do trabalhador. O
pesquisador demonstra que há casos nos quais não é possível concluir se houve
solidariedade de classe ou se os sindicatos buscaram proteger seus interesses
restritos, assim como existem casos nos quais os interesses imediatos dos
sindicatos foram observados em detrimento da
solidariedade.
O que desejamos demonstrar com as correntes de
opinião e os casos ilustrados é que não existe consenso em torno do tema do
sindicalismo nos tempos de globalização, seja ele no âmbito regional,
internacional ou transnacional.
O que podemos concluir, e que parece consenso
entre os estudiosos do sindicalismo em rede, é o transnacionalismo do capital em
detrimento da localidade e estagnação do trabalho. Por esse motivo podemos
afirmar que o capital tem maior mobilidade, e consequentemente mais força, para
a barganha. (WATERMAN apud SANTOS, 2005: 93; CASTELLS, 1999: 476; VIGEVANI,
1998: 334).
Considerações Finais
O atual artigo buscou realizar um balanço sobre o debate
bibliográfico das redes sociais no contexto do sindicalismo transnacional. Mais
especificamente, o debate se centrou sobre as Global Unions, Federações Internacionais
de Sindicatos. Também tomamos três estudos de caso para ilustrar os triunfos e
perdas que o sindicalismo passa a ter em sua atuação no plano internacional
através das GUFs.
Como pudemos verificar, existem, no nosso ponto de vista, duas vertentes
de interpretação do sindicalismo transnacional: a pessimista e a otimista. A
pessimista pôde ser verificada na leitura de Manuel Castells sobre a economia em
rede: as exigências da organização do trabalho em rede são distintas da
organização do trabalho tradicional, realizado de forma local nas empresas
(filiais) nacionais. A interpretação otimista, feita por Boaventura de Sousa
Santos e Peter Waterman, ressalta o papel transformador do sindicalismo em rede:
associar-se a outros temas e passar a reinvindicar direitos seria a forma
encontrada pelo sindicalismo internacional no século
XXI.
A despeito das interpretações específicas sobre o sindicalismo em rede na
virada do milênio ressaltamos que cada caso de atuação das Global Unions deve ser estudado
individualmente, e não tomado como conclusivo.
Não existe cômputo das atuações que alçaram os
objetivos desejados pelas GUFs ou que siginificaram perdas para as mesmas.
Ademais, seria impreciso o cálculo que tentasse atingir esse objetivo, tendo em
vista que ganhos relativos nas atuações sindicais atuais podem garantir ganhos
relativos e/ou absolutos no futuro. Por esse motivo evocamos os estudos de caso
de Tullo Vigevani que também não concluem se as ações dos sindicatos no Mercosul
têm um corte de classe ou nacional.
Podemos concluir, entretanto, que as GUFs são um
fenômeno observável em praticamente todos os Estados do globo, tal qual e em
resposta às estratégias das empresas multi ou transnacionais. Como mencionado
pelos estudiosos no presente trabalho, a mão-de-obra é local e as empresas têm
mobilidade internacional. Em épocas onde a implantação de plantas fabris onde a
mão-de-obra é mais barata e dócil, o diálogo entre sindicalistas alemães e
chineses petende tanto manter os empregos de altos salários na Alemanha quanto
melhorar as condições de trabalho e os salários na
China.
É nesse sentido que atua o trabalho em rede:
através de diálogo, comunicação, e-sindicalismo e mobilização, dentre outras
formas de ação, de forma reativa ou proativa, visando participar da famigerada
globalização.
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