QUEM OUVE O CLAMOR SOCIAL
REFERENTE ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS?
André Geraldo
Berezuk[1]
RESUMO
A propagação de discursos, idéias, movimentos que
conclamam a sociedade para uma mudança de pensamento e de ações, para a
consolidação de uma nova forma de conceber e planejar a relação homem versus natureza, ocorre há mais de
cinqüenta anos, desde o fortalecimento do movimento ambientalista, na década de
1960. Essa propagação é reforçada por autores como Capra (1996), o qual defende
a formação de um novo paradigma ambiental. Todavia, mesmo com todo o afã
sociopolítico para com esta questão, a humanidade ainda não modificou
significativamente as suas bases e o seu modelo de produção econômica,
acelerando a evolução do processo de degeneração ambiental em escala global,
sendo seu maior exemplo a figura do próprio aquecimento global antrópico. A
maior vítima desta inércia será a população mundial, com a possível
concretização das prognoses referentes ao surgimento dos futuros (não tão
futuros) refugiados ambientais. Será que, mesmo com a humanidade apresentando um
nível de poder tecnológico como nunca antes visto, a população mundial, em
especial os mais pobres, sofrerá profundamente pela própria incapacidade e
relutância desta humanidade em modificar conceitos e idéias do âmbito ambiental?
E com a concretização dessa futura realidade dos refugiados ambientais, qual
será a ação dessa mesma humanidade, que originou esse problema com suas
escolhas?
Palavras-chave:
Mudanças climáticas, refugiados ambientais.
ABSTRACT
The propagation of
ideas and movements which calls the society for the changing of thoughts and
actions, for the consolidation of a new way of conceiving and planning the
relationship between human being versus nature, is reforced by
other authors as Capra (1996), who says about the formation of a new ambiental
paradigm. This movement occurs since approximately fifty years ago, since the
consolidation of the environmental movement at the 1960´s. Although existing all
the socialpolitical efforts for this question, the mankind did not change in
fact its bases and models of economical production, and also the mankind did not
stop the evolution of degeneration of the environment in global scale; the
global warming is a best example of this situation. The major victim of this
inertia will be our population, with the likely concretization of the prognoses
concerning the far (not so far) environmental refugees. Could the global
population, especially the poorest, suffer deeply because its own inability and
reluctance in changing environmental concepts and ideas, even if the mankind
shows a great developed technological power? Secondly, with the existence of
environmental refugees, what will be the action of the mankind that created this
problem because its choices?
Key-words: climate changes,
environmental refugees.
Diariamente cada
indivíduo escuta, nos diversos meios de comunicação, notícias vinculadas ao
aquecimento global. Mesmo com grande parcela da própria sociedade sem saber, em
detalhes técnicos básicos, sobre este processo de elevação das temperaturas
médias do planeta, todos ao menos conhecem as conseqüências que tais estudos
prognosticam para o futuro: em especial o colapso da produção agrícola e das
reservas hídricas, megacrises econômicas e o prenúncio de grandes conflitos e
guerras. A preocupação social com a própria biodiversidade do planeta
encontra-se em segundo plano, já que as pessoas primeiramente pensam em seu
instinto de sobrevivência, esquecendo, por sua vez, que a própria sociedade faz
parte de toda a relação natural, estando toda estrutura social interligada com
todos os seres vivos e também com toda a configuração física de nosso planeta,
relação essa que Lovelock (2006) a enquadraria como a relação com Gaia. Contudo,
é compreensível a preocupação mundial para com o aquecimento global, mesmo não
estando, muitas vezes, conscientes de seu possível poder de
destruição.
Percebe-se que
apenas uma ínfima parcela social, em especial aquela constituída por cientistas,
pesquisadores, professores e difusores de opinião, possui um saber mais
aprofundado sobre a questão e isto constitui como preocupante, pois se configura
como evidente que a grande parcela social, e incluído nela inúmeros políticos,
pouco ou nada sabe sobre detalhes técnicos dos estudos vinculados ao processo de
aquecimento térmico planetário. A maioria das pessoas pouco sabe sobre o impacto
da “savanização” das áreas tropicais, sobre o impacto da elevação dos oceanos,
sobre o impacto do degelo das calotas polares e geleiras, sobre a tendência cada
vez maior dos eventos extremos climáticos, sobre o perigo das mudanças
físico-químicas dos oceanos à vida como conhecemos, sobre o grande risco da
gigante perda de solos férteis e da forte tendência de desertificação de
extensas áreas do globo. Não imaginam que muitos grandes rios do mundo poderão
se tornar ínfimos, se comparados com suas vazões atuais. A grande massa social
nem sequer desconfia do perigo do metano que está aprisionado no fundo dos
oceanos sobre a forma de hidrato de metano ou aprisionado no permafrost das regiões árticas e
antárticas e qual a magnitude de seus impactos se esse metano vier a ser
liberado (LYNAS, 2008). Muitas pessoas com grande poder de influência e decisão
no mundo desconhecem até mesmo termos técnicos como permafrost, ou então feedback.
A sociedade
deveria ter a obrigação de conhecer esses termos? Sim, deveria, por se tratar de
uma questão que está diretamente relacionada à própria vida humana. Os governos,
por sua vez, deveriam estar mais bem preparados para os problemas que virão, ou
pelo amplamente mobilizados para melhorar a sua infra-estrutura logística para
tais acontecimentos. Entretanto, tanto a sociedade desconhece as nuances da
questão como os governos ainda encontram-se em “passos” muito tímidos rumo a uma
consolidação de atos e procedimentos mitigatórios referentes às mudanças
climáticas prognosticadas até o ano de 2100. Até mesmo a continuação do
Protocolo de Quioto, que visa uma “pequena introdução de ações” rumo a uma
solução ou atenuação da emissão dos gases-estufa, é objeto de árduas e muito
elaboradas discussões entre as nações mundiais, que por sua vez, são fruto da
significativa resistência das nações desenvolvidas e emergentes em adotar metas
de redução da emissão de gases como o dióxido de carbono. Todos discutem cada
percentual de redução de suas emissões que poderá reduzir o seu PIB. Diminuir a
produção é uma palavra que os governos mundiais repudiam, ceder em prol do
ambiente também parecer ser uma palavra proibida.
Mesmo há apenas
vinte anos atrás, havia grandes lacunas com relação ao tema aquecimento global.
As prognoses não eram bem delimitadas, pois os modelos climáticos não estavam
ainda satisfatoriamente desenvolvidos e os ecos do ceticismo ainda rondavam os
corredores de universidade e de organizações não governamentais. Na verdade, os
ecos do ceticismo ainda rondam esses mesmos corredores, todavia com menos força
quando relacionado ao processo de aquecimento global e sua capacidade de impacto
ao planeta e à humanidade, devido a cada vez maior precisão dos modelos (mesmo
que esses não estejam plenos em sua estruturação e nível de detalhamento).
Convém deixar claro que o ceticismo é algo presente e necessário na pesquisa
científica, pois suscita a dúvida, todavia, o mundo já tomou uma decisão quanto
ao processo de aquecimento global, em especial com os relatórios climáticos do
IPCC (Intergovernmental Panel on Climatic
Change), porta-voz oficial da ONU quando se trata do tema referente às
mudanças climáticas. O quarto relatório referente às mudanças climáticas (Fourth Assessment Report – AR4) relata
que o processo de elevação das temperaturas médias globais é evidente e de que e
de que esse processo de aquecimento está relacionado às atividades antrópicas
desde 1750. O quarto relatório do IPCC é, inclusive, mais enfático do que o
terceiro relatório com relação à influência antrópica no
processo:
Warning of the climate system is unequivocal, as is now
evident from observations of increases in global average air and ocean
temperatures, widespread melting of snow and ice and rising global average sea
level. (p. 30)
Most of the
observed increase in global average temperatures since the mid-20th
century is very likely due to the observed increased in anthropogenic GHG
concentrations. This is an advance since the TAR´s conclusion that ´most of the
observed warming over the last 50 years is likely to have been due to the
increase in GHG concentrations. (p.
39)
O que deve ser
realçado com a seguinte afirmação não é a sua originalidade, pois praticamente
todos os experts já sabiam desse
quadro. A importância da afirmação reside, contudo, em seu profundo significado
político. O relatório coloca, em evidência, a parcela antrópica de
responsabilidade sobre a questão. Desse modo, mesmo existindo o lado natural da
questão (da influência dos processos físicos no planeta e na sociedade), a
humanidade possui, agora oficialmente, reconhecimento que pode alterar
nocivamente e massivamente a própria biosfera, e deste modo, representa-se como
um elemento ativo, e não passivo, com relação ao processo de aquecimento. Somos
responsáveis não só pela nossa própria sobrevivência como também pela
sobrevivência da vida atual do planeta. Esta é uma pesada condição moral e ética
e, consequentemente, a responsabilidade exige uma mudança de paradigma para com
o próprio ambiente.
Citando a
condição paradigmática da questão, há mais de trinta anos, muitos notáveis
pesquisadores ambientais comentam sobre a necessidade de uma mudança do
paradigma filosófico do pensar e cuidar do planeta, podendo ser citados Capra
(1982, 1996) e a proposta da ecologia profunda, Diamond (2004) e os exemplos de
civilizações que se extinguiram por não respeitar os limites de seus recursos
naturais, ou Lovelock (2006) com a formulação da Teoria de Gaia, juntamente com
Lynn Margulis, não citando muitos outros. Todavia, afirmações como a do AR4,
literalmente retiram a questão ambiental da esfera “alternativa” para
catapultá-la de vez nas discussões políticas das nações.
É nesse momento
que o fator acadêmico cede parcialmente seu espaço (pois ele sempre está
presente), e entra o fator social em cena, com questões cernes que imediatamente
são levadas à tona: se o aquecimento global é antrópico, ou também antrópico, e
um conjunto de ações devem ser tomados, as ações beneficiarão a todos ou a um
grupo? Haverá distinção entre nações pobres e nações ricas nas ações? Mas se for
constatado que existe distinção, não estariam sendo violentamente afetados os
direitos humanos? Nações ricas, nações emergentes e nações pobres deveriam ter a
mesma parcela de responsabilidade? As nações ricas e as nações emergentes
sacrificariam parte de sua produção para a diminuição da emissão de gases
estufa, melhorando o problema? As nações cujos territórios estiverem mais
preparados às adversidades climáticas, que muito provavelmente virão com maior
intensidade, acolherão em sua terra, famílias provenientes de áreas totalmente
destruídas (os chamados refugiados climáticos)? Como reagirão os povos mediante
levas de imigração e migração em massa, caso essas se concretizem? Como o
mercado reagirá mediante um mundo imerso em tamanha
vulnerabilidade?
São questões
dignas do desafio de uma mudança de paradigma, e elas nos são agora impostas.
Exigindo solução. Questões plenas de significado ético e moral que intimam cada
indivíduo a reformular os próprios conceitos
humanos:
“A ética da
sociedade dominante hoje é utilitarista e antropocêntrica. Considera que o
conjunto dos seres está a serviço do ser humano, que pode dispor deles como
quiser, atendendo a seus desejos e preferências. Acredita que o ser humano é a
coroa do processo evolutivo e o centro do universo, o que notoriamente
representa uma arrogância e uma ilusão. (...) Ético seria, então, desenvolver um
sentido do limite dos desejos humanos, porquanto estes levam facilmente a
procurar vantagens individuais e grupais à custa da exploração de classes, da
subjugação de povos e da opressão de sexos. O ser humano é também, e
principalmente, um ser de cooperação, de cuidado, de comunicação e de
responsabilidade.” (BOFF, p. 124, 125)
Constitui-se sinal de ingenuidade pensar
que poderíamos continuar com o modelo de produção ilimitada e sempre crescente
como a indicada desde o final da Segunda Guerra Mundial. Não podemos, o planeta
não comporta. Entretanto, andando na contramão da questão, países como a China e
a Índia querem crescer em seu PIB 8 a 9% ao ano, o Brasil almeja os seus 5 a 6%
e os Estados Unidos, o Japão, a Rússia e a União Européia também não abdicam de
seu crescimento econômico. Não abdicam e também não podem abdicar, pois a
própria sociedade econômica mundial necessita de cada vez mais víveres, mais
água, mais energia, não “abrindo a mão” de mais conforto, de mais praticidade e
de maiores níveis de qualidade de vida.
No outro lado da
questão, e “exilados” da comunidade econômica mundial, países da África do Sahel
(como os esquecidos Níger, Mali, Chade ou Somália) ou mesmo outros países
africanos extremamente pobres como o Malawi, Botswana, Zimbábue ou República
Centro Africana, nem sequer são mencionados nos meios de comunicação e a sua
população é dizimada pela AIDS e doença típicas de países subdesenvolvidos.
Países na própria América, como o Haiti e a República Dominicana estão sendo
afetados pela cólera, e países no sudeste e centro asiático constituem-se também
como extremamente pobres, sendo também importante citar alguns de seus nomes,
tais como: o Laos, o Camboja, o Myamar, o Tadjiquistão, o Butão, o Nepal, o
Paquistão (que tem bombas atômicas), dentre outros. É evidente que a mudança de
paradigma está longe de se concretizar e a divisão entre as nações ricas e
pobres não é metodologia aceitável para a sua
concretização.
Imediatamente
fortalece-se uma agressiva tensão social, em escala global, que já existia antes
com a exacerbada distinção entre pobres e ricos. Não é necessária uma ampla
reflexão para saber que tamanha divisão entre as nações ocasionará uma
multiplicação desenfreada de conflitos armados em escalas regionais, nacionais e
globais, que acirrará as tensões étnicas, religiosas e econômicas, mesmo muito
antes da consumação das prognoses climáticas mais árduas. Economicamente, tais
conflitos certamente irão “ejetar” os preços dos alimentos e supervalorizar os
recursos hídricos, o que desencadeará em uma crise econômica com uma abrangência
muito maior do que a crise econômica de 2008 e 2009. A surgência de uma guerra
em maiores proporções, além de inserir o planeta novamente em uma forte tensão
de conflito nuclear, iria piorar ainda mais a crise dos preços dos alimentos e,
logicamente, a recessão.
Diante de tal
quadro, é imprescindível uma mudança filosófica de como conceber o próprio mundo
e as próprias relações sociais. Entretanto, a ênfase histórica no ato de
dominação de um grupo, nação, império, Estado sobre outro, concretizando o ato
de subjugação do grupo mais forte sobre o grupo mais fraco, é um fato mais do
que tradicional, é antropológico, que remonta desde o período Neolítico, a dez
mil anos atrás, quando as primeiras tribos humanas deixaram de ser nômades para
sobreviverem da agricultura. Modificar essa característica humana, transformando
a sociedade em uma sociedade de cooperação intrínseca, tal como Boff o
apresenta, seria, sem dúvida, o maior desafio humano de toda a história da
humanidade. Contudo, parece ser o preço que o próprio planeta impõe aos seus
“inquilinos” para que estes possam viver com o nível tecnológico e com a
qualidade de vida almejada. Tradicionalmente, diante de tão grande desafio,
surge sempre uma outra via de raciocínio e ação, que não substitui a inegável e
insubstituível mudança de paradigma, mas possibilita, ao menos, um maior ganho
de tempo para a própria preparação filosófica da humanidade em conceber um mundo
de maior cooperação e menor rivalidade e competição: constitui-se essa via,
portanto, na ênfase da evolução tecnológica, através do aumento significativo
das metodologias e técnicas científicas. Desta forma, a grande aposta reside na
solução da questão da emissão excessiva dos gases estufa através de inovações
tecnológicas, enquanto que a sociedade continua a pensar em conceitos para
transformar o mundo em um mundo mais igualitário, justo e
cooperativo.
Inseridas nessa
linha de ação há um universo de projetos que procuram solucionar ou amenizar a
questão. Já que um dos principais pontos de preocupação para com a questão do
aquecimento global é a produção alimentícia, surge como grande estratégia, por
exemplo, o desenvolvimento de cada vez mais avançados insumos agrícolas, em
especial a evolução de sementes que resistam mais aos extremos climáticos, ou
seja, que tenham maior resiliência perante prolongados períodos de seca ou de
impactantes períodos de chuva concentrada. Refere-se, portanto, à consolidação
do uso das sementes transgênicas. As sementes transgênicas ainda são alvo de
acirrados e polêmicos debates em muitos foros. Diversos grupos criticam a ainda
falta de comprovações de impactos de produtos que provenham dessas sementes no
organismo humano. Outros criticam a forte tendência dessa tecnologia em estar
fortalecendo diversos grupos de poder e específicas nações, o que vai contra as
diretrizes almejadas por uma sociedade mais cooperativa e igualitária (esses
grupos, aproveitando-se da ocasião do aquecimento global, poderiam estar
instaurando uma “ditadura do alimento”, onde só poderiam produzir aquelas nações
que possuíssem capital para comprar os seus insumos). No entanto, é inegável a
importância do desenvolvimento das tecnologias transgênicas, em um mundo que
sofrerá com as alterações climáticas cada vez mais extremas. Um futuro sem os
transgênicos, mesmo com as afirmações críticas de inúmeros grupos, parece ser
altamente improvável.
Outro ponto que
não há como ser esquecido ou marginalizado é a questão da utilização dos
combustíveis “limpos” em detrimento dos combustíveis fósseis. Entretanto, mesmo
com todos os avanços tecnológicos em pesquisas aplicadas em combustíveis
alternativos, e mesmo com toda a pressão dos grupos ambientalistas para com a
necessidade de desenvolvimento de utilização de combustíveis alternativos, tais
como o hidrogênio, a energia solar ou mesmo os biocombustíveis (via criticada
por muitos pesquisadores por utilizar áreas agrícolas que poderiam ser
utilizadas para a produção de alimentos), os combustíveis fósseis continuam a
ser explorados e cada vez mais utilizados. Nações emergentes do globo que
possuem ainda importantes jazidas, como os Estados Unidos, a Rússia e o Brasil
(com a descoberta de novas jazidas), não cederão do seu direito de explorá-las.
Os países árabes muito menos, mesmo porque dependem totalmente de suas jazidas,
economicamente. Países como a China e os Estados Unidos provém grande parte de
sua energia das usinas termelétricas. O mundo ainda conviverá muitas décadas com
a maciça presença do petróleo, do diesel e do gás natural, o que constitui como
“andar na contramão” da questão ambiental.
Outras ações que
poderão mitigar a humanidade parecem vir de obras de ficção científica, mas
merecem reflexão e discussão: a possibilidade de coletar e injetar gás carbônico
em formações geológicas que possam aprisionar ou conter o gás (mas existe o
risco deste ser liberado devido a terremotos); o investimento para o
barateamento de tecnologias embasadas em dessalinização da água; o investimento
em artefatos tecnológicos que realizem o papel de fotossíntese das árvores,
eliminando o gás carbônico em excesso da atmosfera; a possibilidade de enviar
para o espaço e liberar, longe do raio de ação gravitacional do planeta,
gigatoneladas de dióxido de carbono e metano concentrados. Outro importante ramo
de desenvolvimento tecnológico que poderá ter o potencial de originar uma
verdadeira solução ao problema do aquecimento global são ações embasadas pelo
viés da nanotecnologia, que poderia desencadear mais eficientes modos de
retenção e reciclagem de gás carbônico com uma eficiência ainda por poucos
estudada e conhecida. Bem mais em longo prazo, a raça humana poderia aliviar a
tensão populacional sobre o planeta, iniciando o processo de colonização de
astros rochosos localizados no Sistema Solar, tais como a própria lua, o
tradicionalmente sonhado e almejado planeta Marte, ou mesmo outros satélites
rochosos como as luas Europa e Io de Júpiter. Todavia, essa possibilidade ainda
está mais próxima nas obras de Isaac Asimov e muito provavelmente improvável por
alguns séculos.
Os pontos acima
citados são possibilidades de ação que possuem um sentido “de cima para baixo”,
talvez contribuindo pouco para uma definitiva mudança ética e moral da
humanidade. Constituem-se como possibilidades que perpetuam e solidificam as
velhas metodologias de produção econômica e os seus velhos problemas, como a
desigualdade alimentícia, intelectual e produtiva das nações, agravando ainda
mais a divisão entre ricos e pobres. Devem, portanto, também ser incentivadas
ações que possuam um sentido inverso para com o combate do aquecimento global,
que provém da ação através das classes sociais mais básicas, modificando
gradativamente problemas sociais mais abrangentes. Tais como uma maior educação
e sensibilização para com a preservação e conservação de áreas florestais e para
com a biodiversidade dos biomas; a ênfase no estudo e na utilização dos chamados
“indicadores biológicos” para o controle de pragas nas lavouras; uma preocupação
de cada empresa e empresário, ou organização jurídica, para com um maior
conhecimento técnico dos processos de lançamentos de efluentes líquidos e
gasosos, diminuindo a emissão de poluentes; um combate cada vez maior, por parte
da população, dos empresários e demais organizações jurídicas e do próprio
Estado para com o desperdício hídrico, alimentar e edáfico, além de uma maior
preocupação mundial para com os próprios biomas. Além disso, programas de
combate e erradicação da pobreza constituem-se como vitais para a atenuação do
problema, pois nesses programas estão os mais fundamentais aspectos para uma
mudança de paradigma ambiental e social: trabalhos de sensibilização e educação
ambiental à comunidade que pouco sabe sobre o processo de aquecimento global e
ações que dêem condições às populações menos favorecidas de se inserirem mais
fortemente no sistema de produção econômica.
Caminhos
metodológicos e técnicos para uma maior inserção da energia e dos combustíveis
limpos, portanto, existem, e constitui-se apenas como questão de tempo a sua
aplicação cada vez mais freqüente no sistema de mercado. Entretanto, o tempo é
algo que não dispomos em abundância para a solução da questão dos gases estufa e
do consequentemente processo de aquecimento desenfreado. Citando Lynas (2008),
temos uma meta a obrigatoriamente designar, com relação ao aumento das
temperaturas médias, e essa meta é a de dois graus Celsius de aumento permitido.
Todavia, segundo diversos estudos científicos analisados pelo próprio autor,
caso não consigamos alcançar essa meta até o já próximo ano de 2015, a
humanidade poderia ultrapassar o “ponto de desequilíbrio” e desencadear no
planeta reações físicas que deixariam a humanidade “à mercê” das alteração
climáticas vindouras, ameaçando a própria espécie humana. Entretanto, para
conseguir este difícil objetivo, o autor revela que seria necessária a
diminuição de até 60% das emissões de gases mundiais até 2030, o que está, por
exemplo, muito aquém das modestas porcentagens do polêmico Protocolo de Quioto e
dos planos para a sua continuação:
“Assim, se a
nossa meta é de dois graus, para podermos confiantemente evitar o irreversível
efeito dominó climático dos feedbacks positivos, as emissões de todos os gases
estufa devem atingir o seu pico até 2015 e decididamente cair daí em diante, com
uma derradeira meta de estabilização de CO2 em 400 ppm (ou 450 ppm de
carbono equivalente), por mais politicamente fora da realidade que possa ser
essa trajetória de emissões. A porcentagem real de cortes de emissões que essa
meta implica dependerá de como se comportar o ciclo de carbono da Terra, porém,
a meu ver, a ciência de hoje indica que isso corresponde a um corte mundial de
60% até 2030 e de 85% até 2050. Mais uma vez, isso é consistente com as
projeções do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, de 2007” (p.
239)
O autor faz uma
conclusão com relação às emissões em outro
parágrafo:
“Então, para ser
direto: a conclusão desse livro é de que temos apenas sete anos adiante para
atingir o pico de emissões globais, antes de enfrentarmos a escalada de perigos
de um aquecimento global desenfreado. Sou o primeiro a admitir que,
inevitavelmente, essa meta parece inatingível. Mas acredito que é isso que a
ciência está reivindicando, mesmo que se baseie em convicções conservadoras, e
presumindo que nós já não tenhamos ultrapassado o limite. E sejamos honestos: os
motivos para um grande pessimismo são muitos e variados, como já falei antes, a
taxa de aumento das emissões de carbono no mundo quadruplicou durante a última
década. Pelo mundo inteiro, as emissões ainda estão subindo aceleradamente”. (p.
240 e 241)
Uma configuração
estratégica parece, portanto, surgir de modo cada vez mais claro: mesmo que uma
mudança de paradigma com relação ao pensar e ao conceber as relações referentes
à sociedade e o planeta seja estritamente necessária, o quadro urge, clama, por
uma valorização e um agressivo desenvolvimento das tecnologias que minimizem a
emissão de gases estufa. O avanço tecnológico que nos inseriu nessa atual
condição problemática (se bem que, na verdade, foi a falta de reflexão da
humanidade para com a utilização dessas novas tecnologias que nos colocou a esse
ponto de tensão histórico) terá de ser o ponto de solução (ou de tentativa de
solução) para esse atual impasse ambiental. Toda e qualquer tentativa de
utilização de inovadoras metodologias ou técnicas científicas deverá, ou pelo
menos deveria, envolver toda a sociedade nesse esforço conjunto. E a primeira
estratégia parece estar focada na substituição imediata das fontes de energia
tradicionais. Tecnologias existem (tecnologias de energia eólica, energia solar,
energia de hidrogênio, e de energia nuclear), todavia, tão importante quanto o
know-how é a vontade política dos
governantes e de empresários. Investimentos tão amplos como a modificação
significativa e consubstancial do parque energético do mundo, além de oferecer
maiores esperanças à humanidade e ao planeta, envolveria a criação de milhões de
empregos e de oportunidade de ganho e renda para todas as classes mundiais. Á
primeira vista, mão de obra qualificada seria (mas sempre é) um problema, no
entanto, com um quadro ameaçador como o apresentado, ou se realizam grandes
modificações ou confirmamos de vez as piores prognoses. Trata-se de um período
de decisões, de grandes decisões que obrigatoriamente envolvem a força coletiva
de todos e não somente de uma parcela. A omissão perante tais desafios e
necessidades é inclusive um ato de imoralidade
social.
É inadmissível, portanto, pensar o aquecimento global sem
pensar na erradicação da pobreza. Ações já foram estruturadas e colocadas a
conhecimento da humanidade, citando somente, como exemplo, as propostas
apresentadas na Cúpula do Milênio em 2000, sendo propostas às nações
participantes metas como: a de que a pobreza teria de se “reduzir à
metade a proporção da população mundial (atualmente 22%), cuja renda seja menor
do que o equivalente a um dólar por dia até 2015”; a de que se reduziria “à metade a proporção de pessoas que não têm
acesso à água potável, atualmente 20%, até 2015”; a de que se diminuiria “a disparidade entre gêneros na educação
primária e secundária até 2005 e assegurar que, em 2015, todas as crianças
tenham acesso ao curso completo de educação primária”. (PNUMA,
2004)
A erradicação da
pobreza já foi relatada, em muitos outros congressos e conferências. Linhas e
linhas de propostas e ações de combate à pobreza, direta ou indiretamente, desde
1972, com a Conferência de Estocolmo, foram apresentadas, discutidas e muitas
vezes ratificadas perante os líderes mundiais. Entretanto, continuamos a nossa
caminhada rumo a um colapso dos recursos naturais, do clima do próprio planeta e
da própria sociedade. E isto se deve por causa do nosso próprio sistema de
produção na qual todos nós estamos atrelados. Sempre que as propostas conflitam
com as estruturas do mercado, nações recuam em suas metas (e incluem-se aí todas
as nações) e cria-se a inércia ou um substancial apequenamento entre as ações
realizadas e as propostas anteriormente defendidas.
Não convém, nessas linhas, iniciar um
discurso maniqueísta entre o bem e o mal, entre o que está certo e o que está
errado, mas convém realçar que todos os instrumentos, que compõem mundialmente
esse altamente complexo sistema chamado de capitalista, está fortemente atrelado
em todas, ou praticamente todas, as atividades humanas, e não possuímos tempo,
com relação à questão do aquecimento global, em imaginar uma nova sociedade, por
mais importante que seja uma mudança paradigmática do pensar o mundo, para até
2020, menos ainda para 2015. Visar mudanças mundiais em se pensar o planeta e em
modernizar e humanizar um sistema de produção, eliminando as suas mazelas, não
pode, portanto, possuir um prazo temporal de concretização. Elas são gradativas
e demorarão muito mais tempo para ser implementadas. Desse modo, uma possível
solução para com a manutenção do nível de emissão de gases estufa virá, nesse
pouco tempo que dispomos, do viés tecnológico. E através da utilização dessas
novas tecnologias se reproduzirá a participação de todas as classes sociais,
amenizando e modificando os conceitos de pobreza, do que é ser pobre e ser
rico.
A situação, de
todas as formas, constitui-se como complexa, porque a ênfase na solução através
da modernização dos instrumentos, ao invés de se alterar a estruturação das
relações de produção, parece colocar o um bilhão de pobres e miseráveis do mundo
novamente na constante marginalidade. Não se trata disso. Trata-se em reconhecer
o problema da questão climática como um problema urgente, em que não dispomos de
cinco séculos para uma “revolução social”, mas de uma década ou duas para
colocar em prática ações que permitam, ao menos, um ganho temporal para todas as
pessoas do mundo. Nesse meio tempo, políticas sociais continuarão a ser
debatidas, conflitos étnicos continuarão a causar preocupação e a necessidade
abrupta de conscientização e sensibilização populacional para com as questões
ambientais continuarão imprescindíveis, já que o quadro atual exige que cada
cidadão conheça o mundo no qual vive para que ele possa se situar. Grande
parcela das pessoas continua ainda totalmente ignorante para com o que se está
sucedendo em escala global.
Entretanto,
outro ponto de vista não pode ser esquecido. Mesmo que se venha a solucionar ou
amenizar o problema das mudanças climáticas para as próximas décadas, muitos
povos e nações já estão ou estarão irreversivelmente impactados. E essas nações
ou povos precisarão ser indenizados, inclusive mediante repatriação. Isso porque
o planeta não se constitui como um sistema em que as ações no meio natural
possuam um efeito imediato em alguns biomas, citando no caso o meio marinho.
Alguns impactos referentes a emissões de gases estufa do passado estão e estarão
influenciando o sistema marinho somente agora, impactando novamente todo o
sistema natural. É por isso que, mesmo que todas as emissões fossem controladas
a partir de agora, um aumento das médias de temperatura na ordem de 0,5º a 1ºC,
são esperadas. Desse modo, países como Tuvalu, Samoa, Kiribati, Vanuatu,
Maldivas, além de muitas outras áreas do globo serão impactadas. E muito pouco
foi discutido e acordado para com relação a esses países e seus habitantes,
revelando a inércia política para com relação a esses casos. Entretanto, caso as
temperaturas continuem a se elevar, o número de refugiados ambientais (e isso
mediante uma estimativa aproximada) será muito maior que a população desses
países, podendo ser da ordem de 200 a 300 milhões em todo o mundo, tanto em
países ricos, como, e predominantemente, entre nações
pobres.
Quem irá
refugiar essas pessoas? Como as nações poderão, sem deixar em colapso suas
economias e seus próprios habitantes, além de suas culturas e sua história,
acolher 200 a 300 milhões de refugiados ambientais? Como impedir o alastramento
de ondas xenofóbicas em seus territórios? Como impedir uma crise econômica sem
precedentes, devido a 300 milhões de pessoas que perderão absolutamente tudo e
serão destituídas de tudo com a destruição de seus territórios? Como impedir a
formação de grupos fascistas por todo o globo e do fortalecimento de partidos
ultraconservadores em todas as nações que refugiarão essas pessoas? Esse é o
ponto de vista de quem irá acolher. Mas também vale pensar no ponto de vista de
quem será acolhido. Quem indenizará essas nações e esses povos pela total perda
de sua história, de seu território, de sua identidade, de sua soberania, de seu
orgulho? Quem indenizará essas milhões e milhões de pessoas pelo duríssimo
castigo de terem se tornado verdadeiros renegados mundiais? A indenização não
poderá ser apenas estrutural e financeira. Terão de ser indenizados
emocionalmente, ou seja, terão de ser tratados dignamente, igualitariamente,
humanizadamente, e não como um estorvo social. Afinal, são seres humanos que não
pediram por essa situação.
Os avanços na
esfera do discurso ambiental e na questão do aquecimento global, ao longo das
últimas quatro décadas, foram evidentes, principalmente em esforços voltados à
conscientização, entretanto, com relação a concretas ações em escala mundial, os
resultados ainda são pífios e o pouco que foi conseguido foi obtido mediante
muito sacrifício. Mello (2006) ressalta bem a dificuldade de países em fazer
avançar questões como a da conservação e preservação de áreas florestais,
citando como exemplo o pesado procedimento negociativo do Programa para Proteção
das Florestas Tropicais (o PPG7), ao longo da década de 1990. Os embates, tanto
metodológicos como diplomáticos, entre os países do Brasil, Alemanha e Reino
Unido foram árduos e os melhores resultados se confirmaram no desempenho de ação
de Organizações Não Governamentais, através de subprogramas, como o denominado
Subprograma de Projetos Demonstrativos, mais eficientes e menos burocráticos. A
própria concepção do nome “demonstrativo”, que lembra algo como “alternativo”,
deixa clara a percepção de que os Estados, mesmo reconhecendo a indisfarçável
urgência da questão, não chegam a um consenso, já que por regra não podem
conceber qualquer perda ou prejuízo imediato em uma negociação, seja ela
financeira, geopolítica ou mesmo moral. Países dificilmente cedem, chanceleres
praticamente não recuam e o desenvolvimento da questão não avança. Não é preciso
relembrar que o tempo também não pára e os impactos ambientais continuam até o
ponto em que uma intolerância dos Estados será pequena, se comparada a onda de
miséria, retrocesso e morte que assolará o globo, e pior, de maneira
irreversível.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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