A DIFERENCIAÇÃO DA REGIÃO DO PLANALTO
SUL-RIO-GRANDENSE
E A
CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA DA MODERNIZAÇÃO DA
AGRICULTURA

Luiz Fernando Mazzini Fontoura
Resumo: Este
trabalho tem por objetivo analisar as condições em se realizaram a penetração
das relações capitalistas na região do Planalto gaúcho e a construção do
paradigma da mecanização, ou modernização da agricultura. O seu principal agente
é o granjeiro da soja, mas esta figura de origem urbana tem uma construção
sócio-espacial que passa pela mercantilização das terras de mata, com o
estabelecimento das colônias de imigrantes europeus no sul do Brasil, mas também
do aproveitamento das terras destinadas à atividade pecuária bovina. A
diversificação do campesinato, aliado ao capital gerado na atividade comercial,
permitiu o arrendamento destas terras dos estancieiros para as lavouras
mecanizadas de trigo, que se associaram as de soja a partir do Estatuto da
Terra.
Resumen: Este
trabajo tiene como objetivo analizar las condiciones como fueron la penetración
de las relaciones capitalistas en la región de do Planalto gaúcho y la
construcción de paradigma de la mecanización, o la modernización de la
agricultura. Su agente principal es el granjero de soja, pero este personaje de
origen urbano tiene un edificio socio-espacial pasando a través de la
comercialización de tierras forestales, con el establecimiento de colonias de
inmigrantes europeos en el sur de Brasil, pero también explotar la tierra
destinado a la actividad de la ganadería bovina. Diversificación de los
campesinos, aliado de capital generado en la actividad comercial, habilitado el
contrato de arrendamiento de la tierra de estancieiros para arar trigo
mecanizada, que se unió a la soja desde el “Estatuto da
Terra”.
Abstratct:
Summary: this work aims to analyze the conditions were the penetration of
capitalist relations in the region do Planalto gaúcho and construction of
paradigm of mechanization, or modernisation of agriculture. Its main agent is
the granjeiro of soya, but this figure of urban origin has a building
socio-spatial passing through the commercialisation of forest land, with the
establishment of colonies of European immigrants in southern Brazil, but also exploiting land
intended for bovine livestock activity. Diversification of peasant, allied to
capital generated in commercial activity, enabled the lease of the land of
estancieiros for ploughing mechanised wheat, which joined the soya from the
“Estatuto da Terra”.
Este trabalho tem por objetivo estudar as condições em que
ocorreram a introdução e o desenvolvimento das relações capitalistas na região
do Planalto do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, onde se estabeleceu o
paradigma da modernização da agricultura a partir dos anos 1960, desenvolvendo o
importante cultivo de soja.
A ocupação desta região começa através do estabelecimento das
reduções jesuíticas padres da Companhia de Jesus, a fixação dos índios em
aldeias, e o começo da atividade pecuária bovina e extrativa da erva-mate. Mais
tarde com a expulsão dos jesuítas, se estabeleceram as estâncias nas áreas de
campo do Planalto, que se dedicaram, principalmente, à criação de mulas, por não
acompanharem a produtividade do gado criado na região da Campanha, porção do
bioma Pampa brasileiro. Para as áreas de mato, ou bioma Mata Atlântica, se
refugiaram negros escravos, índios e mestiços, depois da ocupação das áreas de
campo pelas estâncias comerciais. Nas áreas de mata começou o processo de
colonização de imigrantes europeus, que se estabeleceram através de uma
agricultura do tipo camponesa.
A diferenciação deste campesinato levou a formação de alguns
comerciantes, que aproveitaram para diversificar seus capitais na agricultura
mecanizada do trigo, cultivo este há muito estimulado à mecanização, realizado
em forma de arrendamento dos campos da pecuária bovina. Com o Estatuto da Terra
de 1964,
a soja é associada ao trigo, tornando-se o produto mais
importante pela possibilidade da exportação. Com a mecanização das lavouras,
constrói-se o paradigma da modernização e o surgimento dos
granjeiros.
1. O espaço jesuíta
A história da criação do gado bovino no Rio Grande do Sul e o
extrativismo de erva-mate não podem ser explicados sem a fundação das missões
jesuíticas do Alto Uruguai. GARCIA (2010, p.49-50) explica que, independente das
circunstâncias históricas, com a união das Coroas Ibéricas, quiseram organizar
as populações indígenas do Planalto Meridional em aldeias e reduções. A decisão
de criar as tais reduções foi mal recebida em Assunção, pois vinha de encontro
aos interesses das encomiendas,
instauradas a partir de 1555, cujo sistema permitia que colonizadores se
beneficiassem da mão de obra indígena em regime de escravidão. Os padres da
Bahia, entre eles Nóbrega, se mostravam contrários a tal prática. A partir de
1610 os jesuítas iniciaram a fundação de reduções no Guairá, hoje estado do
Paraná, com as aldeias de Loreto e Santo Inácio Mini. Em 1611 a fundação de Santo
Inácio Guaçu, entre os rios Paraná e Paraguai. Desde 1609, o Rei Felipe III,
“cercado de boas influências e persuadido das vantagens políticas e militares
que poderiam resultar da solução preconizada pelos jesuítas”, deu ordem
proibindo os colonos de recrutarem escravos na província do Guairá (LUGON, 2010,
p.26). O padre Antonio Ruiz de Montoya, o grande realizador dos projetos dos
jesuítas, chegou em 1612 para socorrer outros padres que já não davam conta do
número elevado de índios guaranis.
No Rio Grande do Sul, entre 1624 e 1631, foram estabelecidas as
principais reduções em torno de São Nicolau, na margem oriental do rio Uruguai.
A partir daí as reduções foram ocupando a porção central do estado sulino e
parte do atual Uruguai, na região chamada de Tape, fugindo da ação dos paulistas
que queriam escravizar os índios.
Os jesuítas conseguiram ocupar com os índios o território vazio que
ficava a leste do Governador do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires e do Governador do
Paraguai, com sede em
Assunção. Neste espaço introduziram o gado vacum, que para cada pueblo, ou aldeias cristianizadas,
organizaram vários criatórios naturais chamados de estâncias. Estas reses serviram ao
sustento dos que viviam na aldeia. Guilhermino CESAR (2005, p.23-4) relata sobre
estes criatórios naturais: que os índios catequizados levavam o rebanho manso
para lugares de campos livres, e ali faziam um arranchamento onde podiam
realizar o rodeio. Estes postos também serviam de vigilância para o pueblo, antecipando quaisquer investidas
de portugueses ou espanhóis. Para o autor:
“Os missionários jesuítas, lançando a semente de suas reduções à
margem do rio Uruguai, moveram-se para o interior, em demanda do mar, mas não
chegaram às praias do Atlântico. Seus núcleos pioneiros, os pueblos da tradição colonial espanhola,
conseguiram, entretanto, projetar-se economicamente por meio das vacarias.
Muitos aborígenes, reprimido o seu nomadismo, nas Missões Orientais, pela
tentativa que se fez para grudá-los ao solo, ao labor agrícola, desforraram-se
da constrição dispersando-se em leque – uma parte foi para os campos da margem
direita da Lagoa dos Patos, na bacia oriental, e a outra saiu em demanda do
Planalto Médio e dos Pinhais de Cima da Serra”.
Neste corredor autárquico, como nos fala o autor, a Companhia de Jesus
garantiu a autosuficiência do índio através do trabalho regular, com uma
agricultura de subsistência, o extrativismo da erva-mate e a pecuária. Era o
começo da estância, esta era de todos que nela viviam. Fora da estância, o gado
criado solto, não tratado, retornava ao estado selvagem onde era caçado,
principalmente quando o couro passou a ser valorizado. O rebanho livre e com
abundância de pastagem foi ocupando as terras em direção ao atual Uruguai e em
direção ao mar, daí a denominação de Vacaria do Mar, caminho rumo à Lagoa Mirim
(GARCIA, 2010, CESAR, 2005,). Abrindo em leque a partir da margem esquerda do
rio Uruguai (Tape), o rebanho alcançou a margem direita da Laguna dos Patos; em
outra parte do rebanho, partiu em direção aos Campos de Cima da Serra, sendo
chamada de Vacaria dos Pinhais, ou campos de vacaria, onde hoje se localiza a
cidade de mesmo nome, até o limite físico dos taimbés (ou itaimés), ao norte os
campos de Lages, em Santa Catarina.
Não por acaso, este foi também o caminho das tropas de gado
rumo às feiras de Sorocaba, e as primeiras estâncias em São Francisco de Paula
(RS).
Da Vacaria do Mar, maior em extensão, se deu a origem da prea (captura)
do gado, da cultura do manejo com estes animais, se desenvolveu a habilidade do
índio (depois mestiço) cavaleiro, predominantemente dos charruas, a formação do
gaúcho, como destaca CESAR (2005, p. 35):
“Mas através de Maldonado, do Cebollatí e notadamente do magma
pecuário em que se constituíram as Vacarias do Mar, o Rio Grande em formação
absorveu incontáveis manadas de vacuns, muares cavalares, criados entre o futuro
departamento uruguaio de Minas e a fronteira atual, no município de Santa
Vitória do Palmar. E ali rebentou o sol da História, tendo a pecuária como
atividade exclusiva, que o modelou, um tipo bem individuado dentro do complexo
econômico sul-americano: el gaucho, o
precursor do nosso gaúcho.”
Em 1630 os bandeirantes atacaram e apoderaram-se dos índios do Guairá. Os
remanescentes das reduções de Loreto e Santo Inácio Mini abandonaram a região
com os jesuítas e se estabeleceram entre os rios Paraná e Uruguai. Em 1636 o
ataque foi dirigido às reduções do Tape, na redução de Jesus Maria. A cada
ataque os bandeirantes faziam mais cativos, até que em 1638, a margem oriental do
rio Uruguai estava totalmente ocupada. Em 1640-41, os bandeirantes investiram
contra as reduções da margem esquerda, mas foram repelidos pelos guaranis, desta
vez armados e mais preparados para a guerra, na batalha de M’Bororé. Com o vazio
demográfico e a grande oferta de gado vacum, em 1640 começa o expansionismo
luso-brasileiro (GARCIA, 2010, p. 55).
Em 1680 os portugueses fundaram Colônia do Sacramento, enclave luso em
frente à Buenos Aires, que serviu de entreposto para exportação da courama do
gado da Vacaria do Mar, como também do contrabando do ouro e prata espanhóis. Em
1682, os jesuítas e os índios retomam a margem oriental do Uruguai, fundam os
Sete Povos das Missões, e reorganizam as estâncias. A convivência com Colônia
não chegou a ser um problema, visto que os portugueses faziam o caminho pelo
litoral. O Tratado de Madri, em 1750, permutou Colônia pelo território das
missões, e exigiu a expulsão dos povos guaranis. Segundo ORNELLAS (1956, p.83),
“em Minas os homens de São Paulo iam e ficavam. Ao sul, na primeira metade do
século XVII, nem ficavam nem deixavam ficar os jesuítas...”, prejudicando o
povoamento pacífico, levando a guerras desnecessárias anos mais
tarde.
2.
A concessão
da terra ao estancieiro e o surgimento do
intruso.
Colônia do Santíssimo Sacramento foi o porto natural mais adentrado no
rio da Prata. Destruída várias vezes, também se reergueu por outras tantas.
Tanto na fundação, quanto em 1704, houve participação dos guaranis, cedendo seus
cavalos e alimentação, como forma de prestação de serviços à Coroa Espanhola
(LUGON, 2010, p. 80). Esse entreposto serviu para desvio de riquezas de Buenos
Aires, mas também como moeda de troca territorial entre Portugal e Espanha.
Visando a ocupação da margem esquerda do Prata, os portugueses
começaram a distribuir glebas de terras em regime de concessão, as chamada
sesmarias. Esta foi uma política aplicada em Portugal no fim do período feudal,
que tinha por objetivo o melhor aproveitamento das terras e o aumento da
produção de alimentos, intensificando a agricultura. No Brasil, dada a vastidão
de terras com baixa densidade populacional, principalmente no sul, esta
distribuição assumiu muito mais o caráter de apropriação territorial. As
primeiras concessões de sesmaria começaram pelo litoral do Rio Grande do Sul,
próximo de onde hoje se localizam as cidades de Tramandaí e Cidreira, no ano de
1732. A
partir deste momento se multiplicaram as sesmarias em direção às barrancas de
São José do Norte. Com a fundação da cidade do Rio Grande, em 1737, no início
uma praça de armas, abriu-se um caminho seguro entre Colônia e Laguna, esta
fundada por paulistas à época da fundação de Colônia. Portugal já previa que não
conseguiria se manter por muito tempo em frente à Buenos Aires com um negócio
tão lucrativo como o contrabando de prata. Por isto tratou de ampliar o
território ocupado para o sul, garantindo a exploração do enorme rebanho bovino
da Vacaria do Mar (GARCIA, 2010, p. 112-3), ligando Rio Grande ao caminho de
Chuí e Castilhos. No caminho se encontravam várias estâncias, como escreve CESAR
(2005, p. 64):
“De fato, a Comandância Militar, criada em consequência da
expedição de Silva Pais, formou nas proximidades de Rio Grande de São Pedro,
onde se instalou duas estâncias reais
– a de Bujuru e a de Tororotama (ou Torotama). Ali se acolheram inúmeras cabeças
de gado vacum e cavalar, para atender a necessidade da tropa e da população
civil.”
Tomada a foz da Laguna dos Patos, a marcha lusa seguiu para o
oeste em direção a Campanha. Pelo lado do litoral para o centro, as sesmarias e
a fundação das vilas foram se consolidando com a chegada dos imigrantes
açorianos em Viamão, Porto Alegre. Em direção ao centro, pela margem esquerda do
rio Jacuí, o povoado de Santo Amaro, que defendia a entrada de Porto Alegre.
Estrategicamente os domínios portugueses seguiram em direção ao Planalto
Sul-Rio-Grandense, a exemplo das cidades de Piratini e Caçapava do Sul.
O Tratado de Madri estabelece a troca do território de Colônia do
Sacramento pelo território das Missões. Os portugueses exigem a retirada dos
índios das reduções deste território, que revoltados, iniciam a Guerra
Guaranítica. A derrota para os portugueses resulta na expulsão dos jesuítas e a
destruição de todo o trabalho deles e dos índios. Inicia-se uma imediata
distribuição das terras para novos sesmeiros, que seguem o modelo de criação de
gado bovino, só que agora em forma de produção privada. Os sesmeiros eram lusos
que tinham prestado serviços para a Coroa Portuguesa, militares ou não, e
tropeiros que conheciam bem a região e já desenvolviam algum tipo de curral ou
rincão, ou seja, lugares onde já aprisionavam o gado selvagem para
comercializá-lo em outro momento.
Como toda pessoa ocupa um espaço, os remanescentes dos índios
guaranis das missões que sobreviveram ao massacre, somado aos mestiços e a
população negra descendente de escravos, tinham que ocupar algum lugar. Poucas
alternativas existiam para tocarem suas vidas fora da região de mato, da
condição de andarilho errante, ou permanecerem como agregados ou empregados na
estância. Como o rebanho deixado das reduções e as estâncias tinham dono a
partir de então, restava os ervais como o outro produto de valor comercial
deixado de herança dos tempos das reduções. Estes grupos de pessoas não
proprietárias de terra se somaram outros foragidos da lei da época e se
dirigiram para o mato em busca do extrativismo da erva-mate, uma vez que as
terras onde se localizava o erval não interessavam ao sesmeiro. Este grupo foi
identificado como os intrusos. Segundo ZARTH (2002, p.
87):
“O extrativismo de
erva-mate foi, durante muito tempo, uma forma de sobrevivência para milhares de
homens livres pobres. Encurralados pelos latifúndios pastoris, esses homens
embrenhavam-se nas florestas em busca do mate, ao mesmo tempo, dedicavam-se à
agricultura de subsistência, como típicos camponeses. Os ervais, em grande
parte, localizavam-se em terras públicas, devolutas, sobre as quais os
lavradores nacionais pobres avançavam lentamente, disputando-as com os
indígenas, as principais vítimas do processo de expropriação. O avanço de
lavradores pobres na floresta era anônimo e espontâneo. Em 1835, os vereadores
de Cruz Alta informavam que as terras que um brigadeiro, enviado pelo governo,
pretendia explorar não eram desconhecidas e que nelas ‘se fabricão
imensa herva-matte’”.
As áreas de mato foram se tornando local de refugiados, e ao mesmo
tempo uma economia importante, pois além da erva-mate, o excedente gerado a
partir da agricultura de subsistência realizada pelos intrusos, era
comercializado nas cidades próximas, garantindo o abastecimento de gêneros
alimentícios, visto que o latifúndio do gado bovino não produzia alimentos.
Com a Lei de Terras de 1850 a terra passou a ser uma
mercadoria, podendo ser comercializada, acabando com o vazio deixado pelo fim
sistema de concessão de sesmaria, ocorrido com a independência do Brasil em
1822. A
essa altura as áreas de campo nativo estavam ocupadas pela atividade pecuária
bovina, restando somente as áreas de mato. A possibilidade de sua
comercialização movimentou o mercado imobiliário e de colonização, pois esses
projetos contavam com subsídios oficiais, aumentando a expectativa de ganhos.
Inclusive despertou o interesse dos grandes proprietários de terra, que passaram
a ver as reservas de mato no interior de seus estabelecimentos como
possibilidade de valorização. Para ZARTH (2002, p. 93):
“A colonização do Sul com imigrantes europeus não foi
exclusividade do Estado. Ao contrário, foi um negócio altamente rentável para
empresários que detinham terras de forma fraudulenta ou mesmo legais e as
vendiam aos imigrantes na forma de pequenos lotes coloniais. Mas estes
empreendimentos, de modo geral, estavam amparados pela colonização oficial
subsidiada pelo Estado, e desenvolviam-se nas proximidades das Colônias, usando
em maior ou menor grau a infraestrutura do
oficial.”
Os novos colonos camponeses oriundos de vários países da Europa,
mas principalmente alemães e italianos deveriam pagar pelo lote, enquanto na
colonização privada, o Estado subsidiava ao colonizador por pessoa assentada, na
maioria das vezes cobrindo na totalidade o investimento realizado. Nos anos
1850, o processo de colonização paralelo à manutenção da escravidão era bem
visto, ao mesmo tempo em que atendia a outras demandas da época. A população
escrava era bastante numerosa, e frente aos reclames abolicionistas, havia uma
preocupação constante de revolta pelos escravos. Segundo SILVA (1996, p.
128):
“Em relação à imigração, a visão Saquarema retomava as ideias de
povoamento do amplo território nacional existente desde os tempos de D. João VI
e dava ênfase particularmente à necessidade do branqueamento da população por
meio da introdução de imigrantes europeus (inicialmente alemães e suíços), e na
difusão da pequena propriedade por intermédio da venda de lotes de terras
recortados nas terras devolutas da Coroa.”
Todos os imigrantes deste tipo eram chamados de colonos, e havendo
a colonização oficial, realizada pelo Estado, e a particular, onde os
colonizadores financiavam a viagem dos imigrantes.
3.
A
mercantilização da área de mato e a colonização
No Rio Grande do Sul, pela forma da ocupação e construção da linha de
fronteira, a atividade pecuária bovina e a formação da estância foram
fundamentais. Assim, as áreas de campo foram tomadas em sua totalidade. As áreas
de mato, embora representassem uma fonte de economia, como no caso da erva-mate,
foram apropriadas com a finalidade da colonização. Com a independência do Brasil
no ano de 1822,
a população dos lavradores nacionais teve que se retirar
para dar lugar ao processo de colonização. Como descreve BERNARDES (1963, p.
33):
“Os colonos imigrantes ou seus descendentes, dirigem-se sempre
para a mata. O povoamento se expande, então, sobre os troncos abatidos;
‘colonizar e desmatar são sinônimos’, sintetizou, muito bem, Pierre Denis. Isto
aconteceu, não tanto porque os colonos chegaram quando já os campos estavam
divididos pelas fazendas de gado, ou porque os proprietários das mesmas não se
desfizessem de parcela alguma que viesse a prejudicar seu sistema extensivo de
criação. Imprimindo os rumos iniciais da colonização, o governo deu ao colono a
tarefa de fazer recuar a mata virgem, e isto era uma razão importante. Mas acima
de tudo, o que sucedeu com os imigrantes europeus é que eles se fizeram
herdeiros da tradição luso-brasileira de que a agricultura só seria proveitosa
na mata, onde o solo humoso compensava o trabalho e a
semeadura”.
Existia, segundo o autor, com base em outros estudos, a crença de que os
solos de campo eram fracos para a agricultura, como de fato em algumas áreas o
são. Estas terras de mato, principalmente as do Planalto Meridional, são mais
propícias para a lavoura. Sendo assim, as áreas de colonização se deram,
preferencialmente, em áreas de maior densidade de florestas, conforme o mapa, à
esquerda, elaborado por BERNARDES
(1963, p.17).
Figura 1. Povoamento do estado do Rio Grande do Sul sobre área de
mata.


Fonte: BERNARDES, Nilo. A colonização e povoamento do estado do
Rio Grande do Sul. IBGE. 1963.
Atlas
Sócio-Econômico do estado do Rio Grande do Sul, disponível
em:
http://www.scp.rs.gov.br/atlas/atlas.asp?menu=591. Acesso em 27 de maio de 2010.
O mapa mostra nas áreas escuras a predominância de florestas (Bioma Mata
Atlântica), e nas hachuradas as áreas colonizadas. Segundo Bernardes, a
colonização açoriana não chegou a constituir os núcleos de densidade demográfica
que diminuíssem os efeitos de uma população rarefeita, resultado da atividade
pastoril. O Brasil procurava um novo tipo de colono que fosse proprietário livre
para cultivar nas áreas de mato, e que não estivesse interessado no trabalho
escravo e nem na criação de gado, atividade que se desenvolveu no Bioma Pampa.
Para WEIBEL (1958, p. 210-11), o início da colonização nas terras
florestais do Brasil meridional se deu após o ano da independência, e tinha como
objetivo principal povoar as terras de mato para evitar o ataque dos índios, e
aumentar a densidade demográfica, diminuindo os riscos dos ataques argentinos.
“O novo tipo de colono deveria ser tanto um soldado quanto um agricultor, para
poder defender sua terra quanto cultivá-la”. Weibel pergunta onde estaria este
colono, respondendo que na Europa central, onde os soldados desengajados do
exército de Napoleão e camponeses pobres e famintos estavam prontos para migrar
para qualquer parte do mundo (1958, p.212). Em 1824, distante
24 km de
Porto Alegre, em direção ao norte, no vale do rio dos Sinos, fundou-se a
primeira colônia de alemães, e recebeu o nome de São Leopoldo. A colônia cresceu
rapidamente na direção das encostas florestais da serra. Além de camponeses, se
estabeleceram, também, uma grande quantidade de artesãos, desenvolvendo
rapidamente as atividades industrial e a agrícola.
Seguiram-se outras colônias nos estados do Paraná e Santa Catarina, com o
mesmo objetivo, de povoar e guardar os caminhos das tropas de gado do Rio Grande
para São Paulo. Na direção oeste de São Leopoldo, em 1849, foi fundada uma das
mais importantes colônias, a de Santa Cruz. Contornando a borda da mata nos
contrafortes da escarpa do Planalto Meridional, esta colônia se caracterizou
pela produção de fumo como principal lavoura comercial. Entre as duas colônias,
segundo Weibel, havia uma enorme selva, onde apenas alguns intrusos
luso-brasileiros tinham penetrado. Por volta de 1870, os colonos alemães tinham
ocupado quase a totalidade da borda do planalto.
Na década de 1860 até 1870 diminuiu a imigração alemã. Isso aconteceu
porque a Prússia promulgou, em 1859, o chamado rescrito de Heydt, que proibiu a
propaganda brasileira em favor da emigração para o Brasil, devido ao mau
tratamento sofrido pelos alemães no estado de São Paulo. Em vista disso, o
governo transferiu sua propaganda para a Itália, principalmente na região de
Vêneto, para dar continuidade ao projeto colonizador. Seguiu-se, assim, a
fundação das colônias de Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves. Em 1890, um
ano após a Proclamação da República, fundou-se a colônia de Ijuí, a colônia
nova, que tinha a característica de ser uma colônia mista do ponto de vista
étnico, onde muitos colonos eram originários da colônia de São Leopoldo, chamada
de colônia velha. Próximo à colônia de Ijuí, por iniciativa privada, fundou-se a
Katholicher Bauernverein Von Rio Grande
do Sul, ou a Associação dos Agricultores Católicos do Rio Grande do Sul, em
1902, ao sul de Ijuí. Desta colônia se originou a de Neu-Württemberg, hoje Panambi (WEIBEL,
1958, P.216-7). Essas colônias formaram o epicentro da modernização da
agricultura do trigo e da soja.
Entretanto, ainda segundo WEIBEL (1958, p. 226-241), nem todos os colonos
tiveram a mesma oportunidade de produzir suas terras em condições adequadas. Na
busca pela sobrevivência, os colonos desenvolveram três estágios de sistemas de
uso da terra:
a) o sistema de rotação de terras primitivas: sistema
herdado do caboclo (lavrador nacional), que consistia na derrubada da mata e o
cultivo de milho, feijão e mandioca, usando uma cavadeira e enxada
primitivas;
b) sistema de rotação de terras melhoradas: depois que a
mata é devastada e que a densidade da população aumentou com o auxílio das
estradas, foi possível se introduzir outros tipos de cultivos como a batata
inglesa, o trigo e o centeio no inverno, o arroz no verão. Nos cruzamentos das
estradas começaram a se estabelecer os moinhos de famílias de antigos
comerciantes. O desenvolvimento da pecuária de suínos e aves deu uma aceleração
nas atividades da região colonial, que trocou os seus produtos com as cidades
maiores, de origem lusa, e que sofriam com o
desabastecimento;
c) sistema de rotação de culturas combinada com a criação de
gado: com as terras aradas com tração animal alguns colonos conseguiram
reunir à lavoura a criação de gado, o que ajudava na adubação da terra,
permitindo a alternância de cultivos de cereais com cultivos de raízes e
leguminosas com frequência, para enriquecer o solo com nitrogênio. E esta
lavoura com a atividade pecuária.
A questão é que o tamanho médio dos lotes em área de mata tinham entre 25
e 30
hectares, não permitindo a passagem de um sistema para o
outro. Nas áreas montanhosas, o lote era demasiado pequeno para desenvolver o
primeiro sistema e passar para o segundo. Longe das estradas e da atividade do
comércio bem como do colégio para os filhos, alguns lavradores ficaram reféns
dos comerciantes, seu único contato com o mundo distante, e que enriqueceram a
suas custas. O projeto de colonização, segundo Weibel, não observou o que chamou
de minimale Ackernahrung, ou seja,
uma quantidade mínima de terra para garantir um bom padrão de vida para o
agricultor. Consequentemente, aqueles colonos que não conseguiram sair do
primeiro estágio, migraram para a fronteira agrícola, abandonando ou vendendo
seus lotes. Weibel entendia que os lotes deveriam ter entre 55 e
65 ha em
terra considerada de boa qualidade, e 85 e 105 ha em terra
ruim.
Diante dessa situação, muitos filhos de colonos europeus pobres,
considerados caboclos a partir de então, partiram para a cidade ou em busca de
novas terras na direção do oeste catarinense e da região Centro-Oeste. Ao
contrário, àqueles que conseguiram diversificar na lavoura e no comércio,
acumularam riquezas e também diversificaram atividades comerciais nas cidades
coloniais que cresciam economicamente. Este sujeito com capital disponível e com
tradição agrícola estava pronto para a produção e reprodução das relações
sociais capitalistas.
4. O espaço
capitalista dos granjeiros.
Os primeiros
estímulos à mecanização do campo nas lavouras de arroz e trigo datam de
1920. A
herança do pensamento positivista, com base na ideia de progresso e
industrialização, fez com que Getúlio Vargas apresentasse projetos de
intensificação na produção e elevação da produtividade de alimentos, em razão do
abastecimento da população urbana, que haveria de crescer estimulada pelo
aumento da produção industrial.
A influência de Getúlio Vargas como ministro da agricultura para a
organização dos criadores de gado bovino, acrescida da pressão exercida pelos
frigoríficos, ajudaram no refinamento das raças diferenciando o rebanho gaúcho,
principalmente na região da Campanha, principal região criadora de animais do
estado. Pelo lado da lavoura, a produção de trigo, já conhecida nas terras
gaúchas desde os açorianos, teve motivação maior através de linhas de créditos o
que proporcionou as bases da mecanização desta lavoura. Quando Presidente da
Província, ainda que por dois anos (1928-1930), Vargas estimulou a produção de
trigo e arroz, sendo estes os primórdios da lavoura mecanizada sob orientação do
Estado, ampliados quando chegou à Presidência da República. Estimulou, também, a
associação de produtores, a começar pela Federação das Associações Rurais e o
ressurgimento da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul
(FARSUL), como forma de organizar os produtores para o recebimento do crédito
rural.
Ao chegar ao Governo Provisório em 1930, Getúlio Vargas já havia
deixado no Estado do Rio Grande do Sul as bases para o acesso ao crédito junto à
comunidade rural. Vargas no governo do estado aproximou grupos políticos opostos
propondo a união dos produtores pelo cooperativismo e a sindicalização destes,
promovendo meios para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos transportes e o
crédito rural. Ainda em 1928 é criado o Banco do Rio Grande do Sul, cuja
iniciativa tem apoio da jovem FARSUL. Vargas lançou as bases para a produção
tecnicamente avançada do trigo, estimulou a pesquisa que deu origem às
variedades melhores e de adaptação mais fácil ao meio. A limitação à importação
de trigo estimulou os produtores locais.
O trigo se desenvolveu na chamada colônia nova onde se localizam
as cidades de Ijuí e Panambi. Sem a possibilidade da produção pecuária bovina,
pela concorrência com as estâncias do sul do estado, os produtores imigrantes
optaram pelo milho, o feijão preto, a mandioca, a soja e a criação de suínos,
além do trigo, como cultivos e pecuária comerciais.
Além dos estímulos criados anterioriormente ao ano de 1930, o
trigo recebeu grande incentivo em 1944 através de uma política de apoio do
Governo Federal onde foi criado o Serviço de Expansão do Trigo (SET), coordenado
pelo Ministério da Agricultura com uma política específica para o setor,
distribuindo gratuitamente sementes para as cooperativas; fiscalizou a
comercialização e a industrialização. Também determinou quotas que seriam
compradas para a moagem pela indústria. A partir deste ano se estabeleceu uma
política de preços mínimos para diversos produtos agrícolas, incluindo o trigo
nesta política. Essa garantiu uma rentabilidade mínima ao capital investido na
lavoura.
No sentido de garantir o abastecimento de pão para as grandes
cidades, esta política de preços despertou o interesse de um leque de
interessados que viram nessa a estabilidade para seus investimentos. No ano
seguinte, em 1955, o armazenamento foi tratado com mais vigor. Em 1957 foi
criada a Comissão de Organização da Triticultura Nacional (COTRIN) cuja
consequência imediata foi o zoneamento das regiões produtoras e suas
cooperativas, por onde se realizaram a distribuição de crédito, armazenamento e
o comércio. Em 1959 foi criada a Comissão de Organização da Triticultura
Nacional e Armazenamento Geral (COTRINAG), que passou a incluir outros produtos.
Ambas, COTRIN e COTRINAG tiveram importante papel para a organização das
cooperativas tritícolas no Rio Grande do Sul.
As condições ambientais favoráveis do Planalto gaúcho fizeram com
que a partir de 1946 começassem as primeiras lavouras mecanizadas
em Passo
Fundo e Carazinho, Ijuí e Santo Ângelo, e a seguir, nos demais
municípios do Planalto. Os primeiros a se tecnificarem foram os produtores que
já dominavam a linguagem dos negócios bancários e comerciais na cidade, como
comerciantes, profissionais liberais, que tendo um passado próximo com a
agricultura viram nesta atividade uma oportunidade de diversificação de
capitais. Esta classe de produtores ficou conhecida como os granjeiros do
Planalto.
Neste momento não participaram da mecanização da lavoura os
produtores familiares ou colonos, como são conhecidos, pois não conhecendo a
linguagem dos negócios capitalistas que se instalavam, viram com desconfiança o
novo sistema de produção, pois além dos trâmites bancários, a entrada no novo
sistema implicava na hipoteca da terra. Isto significava a possibilidade da
perda da mesma, como de fato muitas vezes veio a acontecer com este grupo de
produtores.
O ingresso dos pequenos produtores se dá a partir dos anos 1960,
mas forçados pela sua inclusão no mercado e em condições desvantajosas, uma vez
que as condições impostas pelas cooperativas priorizavam os seus próprios
interesses.
Em consórcio com a lavoura de milho, a soja foi introduzida no Rio
Grande do Sul a partir da década de 1940 e ganhou algum espaço nos pequenos
estabelecimentos. Leguminosa de clima temperado, seu plantio na estação do verão
possibilitou utilizar as terras destinadas ao trigo, aproveitando-se do
beneficiamento do preparo da terra.
Para se entender a expansão da lavoura de soja no Rio Grande do
Sul e no Brasil, é necessário esclarecer as mudanças de hábitos alimentares nos
Estados Unidos e na Europa Pós-Guerra, através da substituição da utilização da
gordura animal pelo óleo vegetal. Além deste fator, a escassez de terras
destinadas à pecuária nos países europeus, fez com que houvesse uma
intensificação no confinamento nos rebanhos leiteiro e suíno, cuja alimentação
passou a ter o farelo de soja como principal ingrediente. Seguido pelos demais
países, o consumo mundial aumentou significativamente, aumentando a demanda e a
área plantada nos países produtores.
No caso do Planalto gaúcho, o manejo da agricultura mecanizada e
das operações bancárias e de crédito já era bem conhecido pelos granjeiros
produtores de trigo, e a adaptação era direta, pois já havia o consórcio do
plantio desses com a soja. Na década dos anos 1970 se deu a forte expansão da
lavoura de soja por toda a extensão do Planalto, bem como sua expansão pelo
Centro-Oeste brasileiro pelo processo de migração dos colonos gaúchos, que
trocavam suas terras no sul por maiores lotes na fronteira agrícola brasileira.
Rapidamente a soja se tornou um dos principais produtos de exportação e a União
respondeu com a infra-estrutura para o armazenamento, circulação e
comercialização do produto.
A soja e os gaúchos cumprem com isto um importante papel nos
objetivos do Estatuto da Terra. Esse delegava à agricultura os papéis de
alavancar o desenvolvimento econômico através de uma nova relação campo-cidade
no país e essa interdependência traduziu-se nos seguintes aspectos fundamentais
do processo de crescimento e integração nacionais, dando à Política de
Desenvolvimento Rural um grande número de atribuições (FONTOURA, 2004). O
Estatuto da Terra é um conjunto de leis que estimulam a criação da Empresa
Rural, unidade produtiva capitalista que adotou o sistema de produção com base
na mecanização, fertilização e uso de produtos químicos na lavoura, com o
objetivo de aumentar a produtividade dos setores agrícolas e
urbanos.
Outras lavouras se mecanizaram e formaram suas empresas e
empresários, como por exemplo, o arroz. Mas a soja se destacou e tornou-se o
principal produto nos mercados interno e externo. Saiu do Rio Grande do Sul e se
destaca como uma lavoura predominante na Região do Cerrado brasileiro. Sob o
comando de granjeiros gaúchos, as lavouras de soja adentram a Amazônia e o
sertão baiano (HAESBAERT, 2004).
Considerações
finais.
O estado do Rio Grande do Sul é considerado o celeiro do Brasil, tanto
pela lavoura, quanto pela atividade pecuária: suína, aves, cavalar e bovina de
corte. Foi precursor da lavoura mecanizada, mas foi palco, também, dos
movimentos em defesa do ambiente nos anos 1970. Entre os estados nacionais,
destaca-se como o terceiro maior produtor de soja, abaixo do Mato Grosso e quase
empatado com o Paraná. Procuramos mostrar que não foi apenas a condição de
imigrante a base para o desenvolvimento da soja, mas, houve uma construção
social na ocupação e definição da linha de fronteira no Brasil meridional que
definiu a lógica da localização das pessoas e de seu trabalho. Se a Geografia se
preocupa em descrever e localizar, pensamos em contribuir neste sentido, o
porquê da diferenciação regional em sul e norte do ponto de vista do
desenvolvimento das relações capitalistas.
O sul teve seu apogeu econômico em dois momentos. O primeiro no período
da indústria do charque. Logo após, influenciado pela frigorificação da carne na
região do Prata, aumentou o melhoramento genético no plantel bovino nos campos
do pampa brasileiro. Mas a herança do sistema extensivo não permitiu a evolução
de uma racionalidade empresarial na atividade pecuária bovina de corte
(FONTOURA, 2000). A integração da lavoura com a pecuária só veio acontecer na
década de 1990, com programas de melhoramento genético e diversificação na
cadeia produtiva da carne. Uma vez mais, seguiu o estado do Rio Grande do Sul os
avanços tecnológicos introduzidos nos países vizinhos do Prata, para novamente
se diferenciar no cenário da pecuária bovina
brasileira.
A região do Planalto Meridional foi o berço da mecanização da lavoura nos
parâmetros da mecanização e quimificação do processo produtivo. Tiveram na
região do Planalto atores sociais capazes de produzir e reproduzir as relações
capitalistas. Para este fim, o Estatuto da Terra de 1964-65 teve o papel de
organizar os subsídios para que o pacote tecnológico se territorializasse,
estreitando as formas de produção no campo e na cidade (fordismo na agricultura)
(FONTOURA, 2004). Com o avanço da mecanização na agricultura, vários pequenos
proprietários de estabelecimentos agrícolas migraram para os centros urbanos,
inclusive a região industrial metropolitana de Porto Alegre. Entretanto, com uma
economia bastante capitalizada, a região recebeu importantes investimentos e
criação de postos de trabalho, elevando índices econômicos e investimentos
públicos. Mesmo com uma considerável alteração da paisagem, resultado das
lavouras mecanizadas, a região do Planalto apresenta os mais altos Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH), com maior renda per capita e melhor distribuição
que o sul.
A modernização da agricultura do Planalto Meridional do Rio Grande
do Sul teve suas origens nos acontecimentos que começam nas missões, passando
pelas estâncias e os ervateiros, onde os mestiços do cruzamento do negro, índios
e espanhóis, não tiveram acesso à terra. O processo de transformação da terra em
mercadoria se dá simultaneamente aos projetos de colonização de imigrantes
europeus, e isto vai diferenciar, não apenas a racionalidade, mas também a forma
de inserção social, o que difere o peão (bugre, mestiço) do colono
(branco). Não se trata apenas de uma questão cultural, mas essencialmente do
resultado de organização territorial, de ordem espacial.
A diferenciação entre as regiões norte e sul do estado, não é apenas o
resultado da análise da paisagem instantânea e seus contrastes étnicos em seu
povoamento ou em seus sistemas de produção, mas o resultado de um processo
diferenciador que tem suas origens desde o processo de formação do território no
Brasil meridional.
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