Considerações sobre a Produção Agrícola
Chinesa
Tássia Castelli[1]
Joel José de Souza
É preciso começar pelo campesinato.
(Lênin, 1918)
Resumo
Este
artigo apresentará a importância da Segunda Reforma Agrária iniciada por Deng
Xiaoping e o Partido Comunista Chinês (PCCh) como reformulação do pacto social
entre os comunistas e os camponeses que levou o partido comunista à direção do
país. Neste contexto, analisaremos como as reformas introduzidas na agricultura
elevaram a produtividade agrícola, além de levar o camponês a condição de
potencial consumidor.
Abstract
This article
will present the importance of the Second Agrarian Reform initiated by Deng
Xiaoping and the Chinese Communist Party (CCP) as a reformulation of the social
compact between the communists and peasants who led the Communist Party the
country's direction. In this context, consider how the reforms in agriculture
increased agricultural productivity, and lead the peasant condition of potential
consumers.
Introdução
O ano de 1983 é marcado pela Segunda Reforma Agrária Chinesa, iniciada
por Deng Xiaoping. Esta revolução é caracterizada pela restauração dos Contratos
de Responsabilidade Familiar, os quais favorecem o camponês através da
comercialização dos excedentes. Para Medeiros (1999, p. 384), “o crescimento da
produtividade agrícola e dos investimentos em bens de consumo, ocorrido no
início dos anos 80, foi, por isso, fundamental para a aceleração da taxa de
crescimento ao longo da década”.
As
reformas iniciadas por Deng Xiaoping estimularam o desenvolvimento das Empresas
de Cantão e Povoado (ECPs), responsáveis pelo deslocamento de parte do excedente agrícola
para as empresas, dinamizando a agricultura e a indústria. Medeiros (1999)
destaca a importância destas empresas para o crescimento da renda agrícola, as
quais provocaram uma explosão no consumo rural de bens industriais, expandindo
assim as ECPs.
Analisar as reformas econômicas chinesas iniciadas em 1978 por Deng
Xiaoping, tendo a agricultura como a base das transformações é o nosso principal
objetivo neste trabalho. Neste contexto, vamos expor que tais reformas baseadas
na Nova Política Econômica (NEP), de Lênin, elevaram as forças produtivas
camponesas, aumentaram a produtividade agrícola, além de tirar mais de 400
milhões de pessoas da condição de extrema pobreza. Também apresentaremos a
importância das ECPs como apoio à economia camponesa, sendo estas o motor da
circulação de mercadorias entre agricultura e
indústria.
Desta forma, a importância da realização deste artigo constitui-se
inicialmente nas transformações sócio-espaciais que têm ocorrido na China nos
últimos 60 anos. Nesta conjuntura, o Departamento de Geociências da Universidade
Federal de Santa Catarina possui o laboratório Núcleo de Estudos Asiáticos –
NEAS, o qual foi organizado a partir de uma doação de materiais (livros,
revistas, etc) pelo Embaixador Amaury Porto de Oliveira. O NEAS, além de possuir
uma vasta biblioteca, é composto por vários pesquisadores nacionais que vem
desenvolvendo pesquisas relevantes a temática.
Neste contexto, este trabalho apresenta resultados parciais de uma
importante pesquisa que o NEAS está desenvolvendo. O artigo foi desenvolvido
através de dados estatísticos coletados a partir de sites oficiais, tais como:
UNCTAD, Chinability, OMC, e FMI. Após a transformação dos dados em tabelas, analisamos os mesmos
tendo como base teórica textos marxistas-leninistas.
Palavras-chave: China, produção camponesa, cereais, modernização
agrícola, Empresas de Cantão e Povado.
Keywords:
China, peasant production, grain, agricultural modernization, Township Village
Enterprises
A
Reforma Agrária e a reafirmação do pacto de poder de
1949
O crescimento médio em torno
de 9,3% nos últimos 30 anos é fruto das reformas econômicas adotadas por Deng
Xiaoping, a partir de 1978. Em 1982, com a realização do XII Congresso Nacional
do Partido Comunista, foi apresentada a idéia
de o país seguir o próprio caminho, integrando o marxismo com a realidade e a
partir disto, construir um socialismo com características chinesas.
Anunciado por Zhou Em Lai em 1974 e aprovado em dezembro de 1978, o
programa “As Quatro Modernizações” tem a agricultura como prioridade, pois a
reforma no campo continha uma questão política (camponeses sendo a base social
do Partido Comunista Chines – PCCh) e outra
social, devido ao fato que em 1978 em torno de 400 milhões de chineses viviam
abaixo da linha de pobreza, sendo que a cada quatro miseráveis no mundo um era
chinês (Jabbour, 2006).
Contando com mais de 900 milhões de camponeses, as reformas econômicas
chinesas iniciadas a partir de 1978 têm como base a agricultura e os camponeses.
As comunas populares foram eliminadas, sendo estabelecidos lotes familiares
baseados em contratos de responsabilidade familiar com o Estado, cuja renda
sendo vinculada a produção.
O mais
urgente, no momento atual, são as medidas capazes de elevar imediatamente as
forças produtivas da economia camponesa. Só através disto se poderá conseguir
tanto a melhoria da situação dos operários como o reforço da aliança dos
operários com o campesinato [...] (LÊNIN, 1980, p.
501).
Através
das reformas os camponeses foram beneficiados, pois as cotas obrigatórias de produtos agrícolas foram
extintas, havendo liberação nos preços em grande parte dos produtos. Vejamos o exemplo publicado por
Carvalho (2010) referente á uma pesquisa da empresa Research and
Markets:
Atualmente existem 1600 laticínios na China, dos quais 30%
apresentam lucro próximo de zero e 30% apresentam prejuízo. A competição tende a
se agravar: as guerras de preços são freqüentes, a concorrência é feroz,
inclusive para a compra de leite.
Outro exemplo
refere-se a produção de grãos em 1978 de 304,8
milhões de toneladas passou a 446,2 milhões de toneladas em 1990. Estes dados
provam que as reformas iniciadas a partir de 1978, além de tirar o país da
intensa estagnação agrícola em que havia se inserido, aumentaram a produtividade
do solo, levando a economia agrícola a um intenso desenvolvimento de
especialização e comercialização.
Neste mesmo período, o significativo aumento da produtividade agrícola
entre 1978 e 1984 gerou acúmulo individual, servindo como base de poupança para
o consumo de produtos industrializados e mais de 400 milhões de pessoas saíram
da condição de extrema pobreza (JABBOUR, 2006).
Tabela 1 – Produção de cereais na China
(milhões de toneladas)

Fonte: Chinability
Org: CASTELLI, T. 2010.
As
inovações tecnológicas e a utilização de fertilizantes proporcionaram na década
de 1990 um significativo aumento na produção de cereais. Como podemos observar
na tabela abaixo, a produção de cereais foi crescendo gradualmente: em 1990
foram produzidos 446 milhões de toneladas passando a 594 milhões de toneladas em
1997.
Tabela 2 – Produção de cereais na China
(milhões de toneladas)
Ano |
Produção
de cereais |
1990 |
446,20 |
1991 |
435,30 |
1992 |
442,70 |
1993 |
456,50 |
1994 |
445,10 |
1995 |
466,60 |
1996 |
504,50 |
1997 |
594,20 |
1998 |
512,30 |
1999 |
508,40 |
Fonte:
Chinability Org: CASTELLI, T. 2010
Verifica-se que no período de 2000 a 2005 a produção de cereais se
manteve entre 462 e 484 milhões de toneladas. Em 01 de janeiro de 2006, o PCCh
extinguiu todos os impostos agrícolas, ocorrendo um novo salto na produção de
grãos: a produção de cereais ascendeu a níveis mais altos em 2008, chegando a
528 milhões de toneladas e, a produção de verão em 2009 foi de 123,3 milhões de
toneladas.
O
fornecimento de produtos agrícolas se torna cada vez mais variável, dos quais o
cultivo de arroz representa 40% da produção de grãos no país, o milho 25% e o
trigo 20%. Quanto a sua distribuição geográfica: o milho é cultivado nas regiões
Nordeste, Noroeste e Norte, o arroz é produzido nas bacias irrigadas dos grandes
rios, o trigo no Norte e a batata nas regiões Central e Sul do país. O algodão,
amendoim, cana-de-açúcar, fumo e chá são os principais plantios
industriais.
Atualmente, a produção chinesa de oleaginosas, produtos aquáticos,
algodão, entre outros, ocupa o primeiro lugar em escala mundial. Neste contexto,
a exportação e importação de produtos agropecuários têm crescido rapidamente, os
quais possuem elevado poder competitivo nas cotas de exportações
líquidas[8].
Na
atual conjuntura Brasil, China e Índia são os países que mais se sobressaem
entre os seis maiores produtores de leite do mundo, pois foram as nações que
mais elevaram sua produção entre 2003 e 2007, tendo a China aumentado neste
período 39,1%, o Brasil 7,9% e a Índia 7,2 %. Entre os maiores produtores
mundiais, os Estados Unidos têm o maior índice de produtividade, 9,38
toneladas/vaca/ano; a China ocupa o terceiro lugar com 4 toneladas/vaca/ano...
(SOUZA apud ICEPA, 2009 p. 14).
No setor de produtos lácteos a China é o mercado de maior crescimento em
todo o mundo, foi responsável por algo em torne de 25% do crescimento da demanda
pelo produto no mundo nós últimos anos (CARVALHO, 2009). Ainda utilizando
Carvalho é importante ressaltar que:
Os
lácteos, porém, não fazem parte da dieta chinesa tradicional. Há todo um
processo de adaptação a novos hábitos de consumo, alavancados por programas
governamentais de incentivo ao consumo de leite na infância e facilitado pela
globalização e pela urbanização, que introduzem hábitos e alimentos ocidentais
(CARVALHO, 2009).
Ainda
exemplificando no setor de laticínios a China esta longe de ser alto suficiente,
a produção de queijos no país é praticamente nula, um dos fatores que leva a
esta situação esta no fato de a produção de leite esta majoritariamente, na mão
de pequenos produtores, que não podem ter mais de seis vacas (FIGUEIRÓ, 2010).
Este exemplo demonstra como o potencial de crescimento chinês esta longe de ser
esgotado, vários gargalos para investimento e diversificação da produção fazem
parte da realidade chinesa, que vem cuidadosamente, mesclando desenvolvimento
econômico com fatores sociais, como a manutenção da estrutura agrária, baseada
na pequena produção.
Tabela 2 – Evolução da produção
agropecuária na China
(milhões de toneladas)

Fonte:
Negócios com a China
Na tabela acima, conforme Espíndola (2008, p. 212), “a produção de grãos
cresceu 161%, seguida da produção de carne suína com 72% e as oleaginosas com
60%”.
Quanto à produção de carne suína, a China cria cerca de 440 milhões de
suínos ao ano, sendo também grande produtora de galinhas, patos, coelhos,
carneiros e produtos aquáticos. Não
possuindo o hábito de consumir carne bovina e seus derivados rotineiramente, a
produção de carne bovina em 2005 foi de 5,3 milhões de toneladas e a produção de
carne de frango no mesmo período foi de 10.200 mil
toneladas.
Do
ponto de vista econômico, a mercantilização dos excedentes foi responsável pelo
surgimento de novos padrões de consumo no campo. Camponeses que em 1978 ainda
cortavam o cabelo da mesma forma – pareciam ter cortado com a mesma máquina -
passaram a consumir máquinas de costura, relógios, rádio, bicicleta,
vídeo-cassete e ventiladores, originando assim uma explosão de consumo e
indicação à produção industrial massiva entre os anos de 1984 e 1990 (JABBOUR,
2006, p. 53).
Novas políticas direcionadas a agricultura camponesa foram implantadas em
2008. O governo aumentou os investimentos na agricultura camponesa, aplicou à
política de levar os eletrodomésticos às zonas rurais, oferecendo a eles
subsídios financeiros, com o objetivo aumentar o consumo dos camponeses.
Em outubro do referido ano, na III Sessão Plenária do XVII Comitê Central
do PCCh, foi aprovada a decisão sobre temas importantes para promover a Reforma
e o Desenvolvimento Rural. O documento propõe a continuação, por indeterminado
tempo, dos contratos de responsabilidade familiar. Em dezembro, o PCCh lançou
uma política de apoio ao camponeses que estão regressando das cidades para seus
povoados de origem em busca de emprego ou para a criação de novas
empresas.[9]
No documento nº. 1 de 2009 do Comitê Central do PCCh, novas políticas
direcionadas a agricultura foram estabelecidas, visando o desenvolvimento constante da agricultura
através do aumento dos subsídios
agrícolas, mantendo os preços dos
produtos agrícolas para que não sejam afetados pelas crises financeiras, entre
outras medidas.
As reformas econômicas chinesas estimularam uma economia rural
diversificada, além de elevar as forças produtivas do campesinato. Na
continuação das reformas iniciadas no campo, com base na nova política anunciada
por Lênin (1980) em Sobre Imposto em Espécie, é necessário o impulso imediato à
economia camponesa através do desenvolvimento da pequena indústria local.
As
Empresas de Cantão e Povoado (ECPs) e o socialismo
municipal
Em 1918, referindo-se à Rússia, Lênin apontou a necessidade do
restabelecimento da pequena indústria como o motor da circulação de mercadorias
entre agricultura e indústria. Preocupou-se em apresentar que a economia
camponesa é estimulada pelo desenvolvimento da pequena indústria
local.
Sal
local ou trazido de outros sítios; petróleo trazido do centro; a indústria
artesanal da madeira; artesanato que trabalha com matérias-primas locais e que
fornece alguns produtos que, sem serem muito importantes, são necessários e
úteis aos camponeses, a <<hulha verde>> (utilização das forças
hidráulicas locais de pouca importância para a electrificação), etc., etc., tudo
deve ser posto em ação para animar a circulação de mercadorias entre indústria e
agricultura, custe o que custar (LÊNIN, 1980, p.
511).
Baseando-se na Nova Política Econômica (NEP) proposta por Lênin, Deng
Xiaoping direcionou os excedentes populacionais para as chamadas Empresas de
Cantão e Povoado (ECPs). Tais empresas, de caráter coletivo, surgiram por meio
de acordos sendo estabelecidos por contratos de responsabilidade entre as
famílias produtoras e os governos locais.
Até 1983, já haviam surgido nas pioneiras províncias de Liaoning, Jiangsu
e Guangdong três tipos de contratos de responsabilidade: o primeiro através de
pequenos grupos de famílias ou trabalhadores individuais realizam em sua vila,
atividades como semear, irrigar e colher, com indicadores fixos de desempenho em
termos de quantidade, qualidade, custos, pagamento de taxas e lucro. No segundo
tipo, as famílias se comprometiam a certo nível de produção em uma determinada
área, podendo ficar com o excedente para o seu próprio grupo de trabalhadores.
No terceiro tipo, as famílias devem entregar a produção líquida para o Estado
após fornecer uma parcela de excedente para seu próprio grupo de trabalhadores
(KUEH apud MASIERO, 2006). Nós três
níveis de contratos, fica claro a vontade do Estado chinês de inserção de seus
pequenos produtores rurais ao mercado, através de melhorias no sistema de
produção, como forma de garantir uma sustentabilidade socioeconômica que garanta
um real ganho em qualidade de vida a população rural no país.
Os contratos determinavam que uma parte da colheita devesse ser vendida
com preços determinados para a vila local e o excedente poderia ser vendido ou
consumido pela família.[10] As
famílias passaram a se especializar e estabelecerem pequenas fábricas de insumos
agrícolas, além de manterem atividades relacionadas à suinocultura, avicultura,
etc.
O
processo de especialização que separa diferentes tipos de transformação dos
produtos, conduzindo à criação de um número sempre crescente de ramos
industriais, manifestando-se também na agricultura: dá origem ao aparecimento de
regiões agrícolas especializadas (e a sistemas de economia agrícola), provocando
trocas tanto entre os produtos agrícolas e os industriais quanto entre os
diversos produtos agrícolas (LÊNIN, 1982, p. 14)
Na segunda metade da década de 1980, as ECPs diversificaram suas
atividades e o setor manufatureiro contribuiu para o rápido desenvolvimento das
mesmas. Foram responsáveis pela difusão pelo mundo afora de artigos made in
China (brinquedos, roupas, tênis), sendo responsáveis, em 1993, por fornecer
cerca de 54% em mercadorias para exportação.
Elas
cresceram em torno da descentralização fiscal promulgada pelo governo em 1984,
dando margem de manobra ao recolhimento de impostos e reinvestimentos ao nível
de província, deixando clara a diferença da planificação central excessiva dos
tempos anteriores às reformas econômicas. Tais empresas operam fora da
planificação central; logo responsabilizando-se pela socialização no âmbito dos
cantões e povoados dos lucros e perdas (JABBOUR, 2006, p.
46).
As ECPs, juntamente com seus Cantões e Povoados, continuaram a
desenvolver-se vigorosamente. Milhões de camponeses se tornaram importante
mão-de-obra industrial transformando as pequenas indústrias locais à indústrias
manufatureiras de maior valor agregado, como exemplos, a Kelon, sendo a maior
produtora de refrigeradores na China e a joint venture entre a Avic II e a
Embraer na fabricação de aviões.
[...] o
desenvolvimento da economia mercantil provoca um crescimento do número de ramos
industriais distintos e independentes. Esse desenvolvimento tende a converter
não só a fabricação de cada produto, mas a fabricação mesma de cada componente
do produto num ramo industrial à parte [...] (LÊNIN, 1985, p.
13).
Este exemplo
demonstra como o desenvolvimento de setores distintos levam a um desenvolvimento
geral nas mais diversificadas áreas industriais que compõem as forças produtivas
da formação socioeconômica de um país.
Um
estudo realizado apresenta a evolução das ECPs até meados dos anos 1990,
demonstrando melhor desempenho, devido serem: pequenas, flexíveis e orientadas
para o mercado, utilizavam tecnologia apropriada, aproveitaram a baixa
tributação, a descentralização fiscal chinesa para os governos locais, ligações
com empresas do setor estatal, facilidade de entrar no mercado e competição
reduzida, dedicação dos recursos humanos, inovação e qualidade, orientação
internacional e estrutura de baixo custo (HARVIE apud MASIERO,
2006).
Porém, mesmo contando com um crescimento de 30% ao ano entre 1985 e 1995,
as ECPs ao serem comparadas com as empresas estatais, recebe recursos limitados,
tecnologias atrasadas, rentabilidade pouco clara e direitos de propriedade
vagos.
Contudo, nas palavras de Ignácio Rangel, as pessoas fazem alusão um pouco
romântica do desenvolvimento econômico, como se ele fosse um paraíso de
estabilidade, bem estar e paz. É necessário abandonar essas ilusões, pois o
desenvolvimento é um processo doloroso, repleto de privações, conflitos e
inquietação.
As
ECPs, os IEDs e as exportações chinesas
Dando continuidade ao processo de abertura e reforma econômica na China,
em 1982, foram criadas as quatro primeiras Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em
lugares estratégicos para a atração de capital estrangeiro de chineses
ultramarinos: a ZEE de Shenzen, devido a fronteira com Hong Kong; a ZEE de
Zhuhai, a qual faz fronteira com Macau; a de Xiamen voltada para Taiwan e a ZEE
de Shantou que é direcionada para as colônias chinesas asiáticas. Em 1987, todo
o litoral chinês foi aberto e voltado para zonas de exportação e, em 1992, todas
as capitais de província e região autônoma e mais 52 cidades de fronteira
(JABBOUR, 2006).
O PCCh instituiu políticas como redução de impostos para as empresas que
se situassem nas ZEEs com contratos superiores a 10 anos. Todos os contratos
entre as empresas estrangeiras e as empresas chinesas são assinados com
transferência de tecnologia.
As ECPs, através dos diferentes contratos de joint ventures, oferecem aos
produtores camponeses locais, meios diretos de exportação, passando a evitar os
controles e taxas impostos pelas empresas estatais de comércio exterior. Os
líderes locais passaram a intermediar as negociações com os investidores
estrangeiros, buscando tecnologia de ponta para incorporar na produção
industrial.
Em uma pesquisa[11], foram
analisados os determinantes do desempenho exportador das ECPs e expuseram que o
mesmo está negativamente relacionado com os custos unitários do trabalho e
positivamente relacionado com a proporção de capital estrangeiro investido (WU e
CHENG apud MASIERO, 2006). Em 1985, as ECPs eram responsáveis por 4,8% do total
de mercadorias direcionadas a exportação, em 1993 passou a corresponder por 54%
das mercadorias totais para exportação. Máquinas, computadores e bens duráveis
de consumo tem gradualmente evoluído no quadro de exportações das Empresas de
Cantão e Povoado chinesas.
Tabela 3 – Evolução das exportações das ECPs em 100 milhões de
Yuan e %
Anos |
Exportações |
Químicos |
Máquinas |
Produtos
leves |
Calçados
e têxteis |
Roupas
artesanais |
Produtos
|
1989 |
271,6 |
7,6 |
6,6 |
14,4 |
12,9 |
47,7 |
11,1 |
1992 |
904,7 |
7,4 |
8,0 |
20,5 |
8,8 |
47,7 |
7,6 |
1997 |
5.430,8 |
6,7 |
9,3 |
26,9 |
8,1 |
36,9 |
12,0 |
2002 |
9.225,5 |
6,4 |
13,2 |
29,1 |
7,1 |
31,3 |
12,9 |
Fonte:
CHINA STATISTICAL YEARBOOK apud MASIERO, 2006.
Desde o período de abertura econômica, em 1979, os Investimentos Externos
Diretos na China tem crescido rapidamente: em 1980, o país recebeu em IED US$ 57
milhões, passando a US$ 27,5 bilhões em 1993. Em 2004, os IEDs atingiram US$ 60,
4 bilhões e passando para US$ 72,4 bilhões em 2005. Cerca de 70% dos IEDs que
entram na China são originários de Hong Kong, Taiwan e dos chineses étnicos não
residentes. As ECPs não deixaram de ser beneficiadas com a entrada de capital
estrangeiro, pois a AVIC II e a Embraer, através de joint venture, estabeleceram
que a empresa brasileira deverá transferir tecnologia e dar suporte a indústria de aviões
chinesa.
O conjunto de reformas que vêm ocorrendo na China permitiu às Empresas de
Cantão e Povoado iniciar sua produção a partir de insumos agrícolas, passando
por fabricação de produtos com utilização de mão de obra intensiva e atualmente
atuando na fabricação de bens de consumo, como refrigeradores, televisores,
computadores, etc.
Considerações finais
Este artigo procurou apresentar como a China trilhou seu próprio caminho
tendo o marxismo-leninismo como base para o desenvolvimento nacional. As Quatro
Modernizações proposta por Zhou Em Lai têm a agricultura como prioridade para
fortalecer o pacto social entre PCCh e camponeses feito em 1949 através da
Revolução Comunista no país. Desta forma, com as medidas tomadas pelos
camponeses, sendo estes apoiados pelo PCCh, para modernizar a agricultura e
elevar a produtividade agrícola
Uma das primeiras medidas tomada a partir da reforma econômica em 1978
foi a extinção das comunas populares, onde foram formados lotes familiares,
sendo baseados em contratos de responsabilidades entre as famílias e o Estado. O
preço dos produtos agrícolas foram liberados e as cotas obrigatórias foram
eliminadas. Estas medidas beneficiaram diretamente os camponeses, pois a
produtividade agrícola elevou-se gradativamente tirando o país da intensa
estagnação agrícola a qual havia se inserido.
As reformas agrárias que vêm ocorrendo no país nos últimos 30 anos têm
como base a Nova Política Econômica, proposta por Lênin, a qual impulsionou a
economia camponesa através do desenvolvimento da pequena indústria local, as
Empresas de Cantão e Povoado. Estas empresas, inicialmente responsáveis pela
fabricação de insumos agrícolas, passaram nos anos 1990 a produzir os chamados
produtos made in China, sendo responsáveis, em 1993, por 54% dos produtos
exportados no país. Para Jabbour (2006, p. 64):
Empresas coletivas ligadas a unidade administração (município),
foi a responsável pela geração entre 1978 e 1999 de 120 milhões de empregos no
campo provocando uma urbanização de tipo rural, sui generis na história da
humanidade e também uma explosão de consumo e invasão de produtos têxteis e
brinquedos chineses nas décadas de 80 e 90.
Tais reformas agrárias estão ocorrendo com grande intensidade e com
características chinesas. Através da ciência, tecnologia e de grandes
investimentos, a agricultura chinesa vem integrando os camponeses a economia de
mercado gerando desta forma um desenvolvimento diversificado, tornando o próprio
camponês num potencial consumidor.
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