A
colonização germânica nas serras adjacentes
a
Ilha de Santa Catarina e o comércio de gêneros com a
Capital.
Paulo Rodrigo Zanin*
Resumo
A ocupação dos vales litorâneos adjacentes a
Florianópolis pelo imigrante germânico implicou
em novos usos do território e
conseqüentemente sua reorganização.
Os circuitos regionais
de abastecimento alimentar de Florianópolis, inicialmente baseado no tropeirismo
entre o
planalto e o
litoral, adquire com a
colonização alemã um
maior volume e diversificação da
produção. Porem o
ambiente pouco propicio a
atividade agrícola e
a grande quantidade de
agentes na comercialização, impediram o
colono de obter bons rendimentos
do seu trabalho. Hoje os municípios da região em estudo especializam-se em determinados
produtos, vinculados a Divisão Territorial do Trabalho ampliada pela expansão
da
rede urbana de Florianópolis.
Abstract
The occupation of
the coastal valleys adjacent to
Florianopolis by germanic immigrants resulted
in new uses of the territory and consequently your reorganization. The regional
food supply circuits of
Florianopolis,
initially based in
drover way between the plateau and the coast, acquires with the German colonization a
increased volume and diversification of production.
However a large number of agents in the marketing, prevents the settler to
obtain good yields of
their work. Today the counties of region in
under study are specializing in certain
products, linked to the Territorial Division of Labour expanded by the expansion
of the urban
network of Florianopolis.
Introdução
O presente artigo busca através da
categoria de formação sócio-espacial associar a
colonização alemã em
Santa Catarina à
gênese de alguns circuitos regionais de abastecimento alimentar de
Florianópolis. Os circuitos espaciais de
produção a escala regional, aqui investigados, compreenderiam os
fluxos produzidos a
partir das áreas de colonização alemã próximas a
Florianópolis. A relação direta com a
Capital do Estado esteve inserido em
um contexto político-econômico de
ocupação e usos do
Brasil meridional,
político devido a necessidade de uma ocupação efetiva da região garantindo o domínio português e
econômico pois a
pequena produção mercantil alemã através da policultura deveria abastecer o
mercado da capital e
interprovincial com gêneros alimentícios, resultando nas bases de
alguns circuitos regionais correspondentes a
atual divisão
territorial do trabalho da rede urbana de Florianópolis.**
A região antes do imigrante germânico
A Ilha de Santa Catarina e
região serrana adjacente antes da
chegada dos europeus era habitada
por povos de Sambaqui e índios Carijós e Xokleng, os carijós habitavam o litoral
e eram
um povo sedentário, na agricultura de subsistência cultivavam a mandioca através
da pratica da
coivara, já os
Xokleng habitavam a
região serrana e
planalto, eram um
povo nômade e
guerreiro. Com a
Chegada do Europeu houveram atritos, resultando em
uma relação
dialética na construção do espaço habitado, implicando na adaptação da cultura
dos povos
europeus que aqui se instalaram.
O
Governo Português antes do século XVIII, não teve interesse no Brasil
meridional, sendo a
ilha de Santa Catarina utilizada eventualmente por espanhóis, portugueses e
bandeirantes para
conserto de barcos e coleta de mantimentos, devido a sua localização em relação
ao Rio da
Prata. Diversos Bandeirantes tentaram estabelecer povoação na
ilha sem obter sucesso,
até que Francisco dias Velho, na segunda metade do sec. XVII funda a povoa de
Nossa
Senhora do Desterro. O povoador após incidente com piratas é assassinado em 1687
resultando no
êxodo populacional da
povoa que manteve-se com algumas dezenas de moradores.
Alguns novos povoadores surgiram com pouca contribuição ao desenvolvimento
do
povoado. Mesmo assim em 1726 Desterro é elevado a condição de freguesia.
Em
meados do século XVIII o comércio ultramarino Luso estava perdendo espaço para
os
monopólios mercantis da
Inglaterra, Países Baixos e
França (Companhia das Índias
Orientais
e Companhia das Índias Ocidentais), além de sua balança comercial se encontrar
desfavorável em
relação aos ingleses, seus principais parceiros devido ao
Tratado de Methuem
(1703), onde Portugal comprava produtos manufaturados ingleses e pagava com
as riquezas extraídas das colônias, como o
ouro retirado de Minas Gerais. Frente a
essa crise Portugal cria artifícios para superá-la, através de
meios institucionais como o protecionismo;
apoio a monopólios privados, para concorrer no mercado externo; incentivo à
produção
de manufaturas na metrópole; e incentivo à produção colonial, ai se enquadrando,
no caso sul brasileiro a
economia baleeira, baseada no
trabalho escravo e
dominada por capitais mercantis portugueses. Como a
economia Baleeira necessitava de
um aparato político-administrativo
em 1738 é criada a Capitania de
Santa Catarina com sua sede em Desterro.
Outra necessidade era a produção de alimentos, pois a única atividade no litoral
era
a pesca da baleia.
Por
outro lado, a disputa territorial com a Espanha fez surgir a necessidade de
ocupar e dar usos
ao território. A cana-de-açúcar
predominava no litoral do nordeste
e na economia da colônia
, no Brasil central se fazia a atividade da mineração enquanto no interior do
nordeste e
no sul se fazia a criação de gado para abastecimento interno. Assim, depois do
tratado de Madrid(1750),
Marques de Pombal primeiro-ministro de D. José I, incentiva a ocupação do
território,
em Desterro e adjacências frente a sua localização estratégica entre a capital,
Rio de
Janeiro, e o Rio da Prata, e também pela necessidade de produção de alimentos
para a economia
baleeira, decide-se implantar a policultura traves da pequena produção trazendo
casais
das ilhas de Açores e Madeira.
Estes chegam ao
Brasil a partir de
1748 sendo instalados pelo brigadeiro José da
Silva Paes,
administrador da Capitania, dentro do perímetro de Nossa Senhora do Desterro, se
expandindo para o
interior da ilha e
para as freguesias do
continente, como São Miguel,
Nossa
Senhora da Enseada do Brito, São José da Terra Firme, Vila Nova e Garopaba do
Sul.
Com
o tempo a mandioca se
tornaria a base alimentar dos açorianos e em trinta anos já existiam 300 pequenos engenhos, sendo alguns de
cana de açúcar,(CECCA, 1997)
Segundo
Franklin Cascaes, em entrevista a CARUSO(1997), as famílias que detinham os engenhos
processavam a produção dos produtores que não o possuíam ficando o dono do
engenho
com um terço do produto final, havendo uma diferenciação social entre os
colonos, porém o
pequeno produtor açoriano(dono de
engenho ou não) ficava em
uma situação pouco
lucrativa ao vender o excedente pois “havia
domínio interno do capital comercial de Desterro,
que manipulava os preços da comercialização. Este, todavia, era dominado pelo
capital comercial carioca, para quem Desterro vendia o
produto. Formava-se assim uma cadeia de
ação reação: a
cada pressão externa (do comerciante carioca sobre o comerciante local) havia uma resposta interna(do comerciante local sobre o
pequeno produtor).
Por conseguinte, o comerciante local para manter sua margem de lucro, tinha de
explorar
o produtor mais ou menos intensamente.”(CAMPOS,
1989) Isto, aliado ao
constante recrutamento por parte da
administração de produtos e
homens (para
se tornarem soldados), aliado a outras questões, favorece ao processo de
decadência litorânea de
ocupação açoriana. Não obstante, os
vales litorâneos continuavam praticamente
desocupados por luso brasileiros e europeus.
Com
a independência do Brasil em 1822 a necessidade de ocupar e dar usos ao
território
brasileiro era urgente, pois Brasil e
Argentina divergiam quanto a
fronteira entre seus territórios e
a grande quantidade de
indígenas resultava em
atritos com os
colonizadores Luso
- brasileiros e tropeiros. Dessa forma o governo imperial decidiu por ocupar os
espaços vazios do
território, para colonizar essas terras o
“colono deveria ser tanto um
soldado quanto
um agricultor, para poder tanto defender sua terra quanto
cultivá-la.”(WAIBEL,
1958)
O
que será feito através da vinda de imigrantes europeus, que no caso de vales e
encostas das
serras próximas a Florianópolis, será por população de origem germânica.
Alemanha no sec. XIX e a imigração
O
território alemão na passagem do sec. XVIII para o XIX encontrava-se fragmentado
sendo constituído de Reinados,
Ducados, algumas cidades livres, pequenos principados e
terras eclesiásticas independentes entre si. A
economia era predominantemente agrária, sendo que
as relações sociais feudais eram mais ou menos intensas dependendo da região.
Em
1798 decide-se por emancipar os servos da Prússia, os mais castigados pelas
relações feudais,
sendo seguido por outros Estados. Porem para o servo emancipado continuar na
terra
em que tirava o seu sustento ele deveria pagar por ela. Incapaz de pagar pela
terra ou quando
seus poucos recursos eram suficientes, incapaz de tirar o sustento da família de
sua pequena
propriedade, o camponês se expropria da terra para se tornar nômade vendendo
sua
força de trabalho para os senhores feudais ou para os chefes de oficio nas
cidades. “O
êxodo
rural na primeira metade do sec. XIX foi tão violento que a cidade de Berlim
duplicou sua
população no período de 1815 a 1850.”(SEYFERTH,
1974)
Com
pessoas insatisfeitas com a situação socioeconômica em que se encontram
e terras em abundancia no
novo mundo, começou a
se formar uma serie de
articulações entre
governos,
companhias de navegação, companhias de colonização, agentes de emigração e
mídia
especializada. Os dois últimos eram os responsáveis por recrutar os
alemães,a
mídia especializada(Jornais
e revistas) trazia informações sobre as terras a serem colonizadas, as
ofertas dos governos, relatos de
antigos emigrantes sobre o
novo mundo, alem de informações sobre como emigrar. Já
os agentes de
emigração eram os
responsáveis por
intermediar
a viagem do alemão. As migrações se tornaram um negocio altamente rentável.
Em
muitos casos os agentes e jornais contavam maravilhas sobre o novo mundo e
faziam
promessas falsas a
população. Tais artimanhas fizeram com que o
Brasil perdesse
credibilidade
em alguns estados germânicos.
Em
Santa Catarina, os imigrantes foram
instaladas em locais onde os caminhos de tropas
adentravam na mata, na
extremidade sul do
caminho do sul, próximo a Porto Alegre, foi fundada
a colônia de São Leopoldo e a
colônia de Rio Negro ao norte, na divisa de Santa Catarina
e Paraná. No caminho que seguia de Lages a São José foi fundada a colônia de
São Pedro de
Alcântara à 25
km de Florianópolis. “Povoaram as
áreas de entorno para atender as
necessidades
alimentares dos centros urbanos com problemas endêmicos de abastecimento”(WOORTMANN,
2004), como Porto Alegre e Desterro.
Na
fachada atlântica catarinense os alemães foram assentados em alguns vales das
serras do leste, de
relevo acidentado e
solo pouco fértil. Nos vales, as
colônias geralmente se localizavam em
sua porção intermediaria, nem perto do
litoral e nem perto da
nascente, constituindo
núcleos populacionais a meio caminho do
trajeto planalto-litoral.
As primeiras propriedades
agrícolas ficavam no fundo de vale, devido a proximidade com
os cursos de água
e pelas várzeas, que por serem planícies fluviais facilitavam a pratica
agrícola. Com a expansão
do povoamento as encostas também foram ocupadas.
As primeiras colônias alemãs em Santa Catarina
Em 1828 aportaram em
Desterro os navios Luiza e
o Marques de
Viana trazendo os primeiros imigrantes alemães destinados a
colonizar Santa Catarina, provenientes de Turíngia, Luxemburgo mas principalmente de
Hunsruch, terra eclesiástica do
sudoeste alemão, totalizando 635 pessoas entre colonos e
soldados. Foram levados por Silvestre José de Passos até o
vale do rio Maruim ,
cerca de 25km de Desterro para iniciarem a derrubada
da mata e construir suas casas, a cada chefe de família foi distribuído um lote
de 100 braças de
frente por 750 de
fundos, cerca de
36ha, sendo dispostos lado a
lado seguindo
o caminho de tropas. A colônia
é fundada oficialmente em 1º de
março de 1929 sendo denominada pelo Presidente da
Província, Albuquerque e
Melo, de Colônia São Pedro de
Alcântara em homenagem a
família Imperial. As
reclamações dos colonos ao diretor
da colônia eram freqüentes, os alemães queriam terras mais férteis. Desde 1829
eles reivindicavam terras do vale do Rio Cubatão, as
quais foram cedidas somente em 1836
e “simultaneamente 11
famílias
migraram,”(JOCHEM, 1992). Em
1837 sob a
direção do Coronel
Joaquim Xavier Neves é fundada a Colônia de Vargem Grande, na margem direita
do
Rio Cubatão, a 3 léguas de São Pedro de Alcântara, ao longo da estrada de Caldas do Cubatão
sentido Lages. O sitio da colônia se caracteriza por um extenso vale coberto por
vargens, bastante propicio a
pratica da agricultura. Vargem Grande se
tornou local de atração,
recebendo mais famílias de São Pedro de Alcântara e algumas famílias
brasileiras, que por sua vez não se misturaram aos alemães, se
estabelecendo
separadamente no
Morro
do Garcia.
Quando
em 1846, o Coronel Joaquim Xavier Neves, recebe do governo Imperial a tarefa de
fundar um
novo núcleo Colonial, decide-se pelas vargens descobertas por seu filho na vargem
do Rio dos Bugres. Os alemães destinados a
constituir a colônia de Santa
Isabel (hoje Rancho Queimado), aportam em
Desterro no dezembro de
1846, vindos em
três navios,
totalizando 257 imigrantes provenientes da região da Westfalia-Renana, e algumas
famílias
de cidades na Baviera, Pomerânia, Holstein, Oldemburgo, Birkenfeld e Hamburgo,
sendo
a maioria protestantes. Em 1860 e no ano posterior a colônia recebe nova remessa
de colonos alemães, recebendo 258 e
281 migrantes alemães respectivamente provenientes
das lavouras de café do Rio de Janeiro.
Em
1852 o empresário Henrique Schutel inicia a criação de um núcleo colonial no
alto vale
do rio Biguaçu, entre este rio e
o Tijucas grande, ao
norte da Colônia de
São Pedro de Alcântara, sendo vizinha desta pouco a
pouco, integra-se no
mesmo complexo socioeconômico.
Aos 55 colonos, migrantes de São Pedro de Alcântara, da recém fundada
Colônia Leopoldina(hoje Antonio Carlos) foram distribuídos lotes de
14 datas, cerca de 49ha.
No caminho de
Lages a Desterro os
transeuntes eram constantemente atacados por indígenas,
sendo necessária uma presença militar mais efetiva na região, dessa forma no janeiro de
1854 é instituída a Colônia Militar Santa Tereza, com um
efetivo inicial de
19 praças
mais suas famílias, sob o comando do Major Afonso d’Albuquerque
e Melo. A colônia foi
instalada nas margens do rio Itajaí do Sul, seguindo o caminho de tropas
“em
terras de Serafim
Muniz de Moura, em uma área de uma légua quadrada, distante dezoito léguas de
São
José”(PIAZZA,1994).
A colônia por ser militar e estar sob regime especial não produzia alimentos suficientes para a
sua demanda, sendo necessária a
importação de gêneros alimentícios,
os quais não eram baratos,
“no
entanto, prestou relevante serviço
na ligação terrestre entre o
litoral e o
planalto catarinense, porquanto, a
partir de sua fundação puderam tropas e tropeiros, com relativa segurança alcançar os
pontos terminais de suas viagens
tendo, a meio caminho, aquele punhado de soldados a protegê-los”(PIAZZA,1994).
Em junho de
1860 pelo Acto da Fazenda Provincial, fica explicito a
cobrança de imposto sobre
o gado que transitava no trajeto Planalto/Litoral. O local escolhido para a
cobrança foi a
Colônia Militar Santa Teresa, havendo dois agentes da fazenda para fiscalizar o transito do
gado e cobrar os impostos. Em 1890 o Sr. Augusto Lima acompanhado de mais alguns
colonos
de procedência germânica sobem o Rio Itajaí do Sul em busca de um local propicio
para a
pratica agrícola, se
estabelecendo na barra do
Rio Adaga e
Caeté, em barracas rústicas,
denominando o lugar de Barracão (hoje Alfredo Wagner).
Em novembro de
1859 o governo Imperial mandava instalar mais um
núcleo colonial,
denominado
Teresópolis (hoje Águas Mornas, São
Bonifacio), sobre a estrada que seguia para
Lages, a partir do rio do Cedro em demanda a oeste. O agrimensor Joaquim José de
Sousa recebe a
incumbência de achar terras férteis, medi-las e
demarcá-las para a distribuição dos lotes as
40 famílias alemãs que fundariam a
respectiva colônia. Essas famílias
chegaram ao Brasil em 1849, tinham a mesma procedência dos colonos de Santa
Isabel, e
ficaram trabalhando nas fazendas de
café no Rio de
Janeiro a espera de
suas prometidas
terras. No decorrer dos meses do mesmo ano a colônia recebeu um efetivo de
549 alemães, provenientes da
Westfalia, Solingen, Münsterland e
Holanda, região do sudoeste
germânico. As famílias se distribuíram em 6 linhas sendo elas, Cubatão, Rio
Novo, Cedro,
São Miguel, Salto e Capivari.
Na
metade do século XIX parte do contingente de açorianos instalado no litoral
catarinense encontrava-se
desprovido de um pedaço de terra, fruto da má distribuição das sesmarias e
fragmentação
da terra pelos respectivos descendentes dos colonos açorianos. Dessa forma
visando um
melhor aproveitamento do
território decide-se assentar essa mão de
obra disponível.
Em 30 de novembro de 1859 propôs o Presidente da província, Francisco Carlos
de Araujo Brusque, ao
governo Imperial a
fundação de uma colônia nacional “em terras devolutas à margem esquerda do Ribeirão de Mundéus e próxima da antiga estrada São José-Lages
com 9000 braças quadradas, ampliadas ao dobro por ato de 27 de janeiro de 1866.”(PIAZZA,1994)
A Colônia Nacional Angelina é fundada em 10 de dezembro de 1860, o local escolhido para a instalação era um local de pernoite dos tropeiros que transitavam entre o
planalto e o
litoral. Porém a
colônia de caráter nacional acaba sendo ponto de atração
para as famílias alemãs da região.
As primeiras 8 famílias a chegarem
na colônia chegaram
em 23 de março de 1861. Em 1873 recebe uma leva de 8 famílias alemãs num
total
de 48 pessoas, que ao contrario das já estabelecidas na colônia são imigrantes
vindos diretamente
dos estados germânicos.
Em
17 de julho de 1907 o Governo Federal resolveu criar mais um núcleo colonial
destinado aos
imigrantes europeus recém chegados. A região escolhida era de difícil acesso,
estando no
mesmo contexto das demais colônias, de relevo bastante acidentado e solo
pedregoso e pobre em
nutrientes. Os
imigrantes destinados a
ocupar a Colônia Federal Anitápolis só chegam
em 1911, sendo distribuídos em 32 seções
todas com nomes de rios,
sendo das mais variadas procedências Alemanha, Romênia, Rússia, Tchecoslováquia, Inglaterra, Espanha,
Boêmia, Letônia, Finlândia,
mas predominando o
imigrante germânico, nos três anos
seguintes o fluxo de imigrantes chegados a colônia foi intenso.
*O
Centro Comercial Principal se deve ao Porto de Desterro que escoava a produção
regional para o mercado interprovincial,
os Centros Comerciais Secundários correspondem aos locais onde o fluxo vindo do
planalto e das colônias era concentrado para fazer o
transporte de Lancha até o Mercado Publico na
Capital, os Centros Comerciais
Terciários são pequenas vilas que detém trapiche para o transporte embarcado
capital/continente ou vice-versa, porem devido a
não terem ligação com o
caminho de tropas escoam somente uma pequena produção
colonial.
Dinâmica local e Regional
Os alemães após receberem os
seus lotes, sementes, uma enxada e
uma espingarda, partiam para a
derrubada da mata, da
qual tiravam a madeira para construção de
suas casas de
pau-a-pique, e na
clareira aberta se
dava o inicio das primeiras lavouras com gêneros voltados a
subsistência da família como mandioca, milho e
feijão. Depois de realizadas as
primeiras atividades no
habitat rural os
colonos
tinham como prioridade a construção de
uma capela para saciar a
vida religiosa, “a simples capela era o
ponto de encontro
espiritual e cultural, meio de integração social para onde convergiam as
naturais e legitimas
aspirações da comunicação”
(JOCHEM, 1992). Como os imigrantes eram católicos ou
protestantes é comum nas colônias a presença das duas igrejas. As capelas
geralmente se estabeleciam nas sedes das colônias, quando da grande distancia com a
sede ou por divergências
na comunidade, eram construídas capelas nas linhas de ocupação. Nas sedes
se estabeleciam, alem das igrejas, a Direção da
colônia, o comercio do
sistema
colôniavenda
e alguns colonos artesãos.
Em 1845 o monarca D. Pedro II
quando em visita a
província de Santa
Catarina, decide banhar-se nas águas termais de
Caldas do Sul, hoje Caldas da
Imperatriz. “Para a passagem do monarca foi recuperado um
trecho da estrada...recuperando, arborizando e embandeirando o
trajeto...tal melhoria
foi a gota d’gua para a
transferência
definitiva do
trajeto
do vale do rio Maruim para o vale do Rio Cubatão”(JOCHEM,1992),
com a mudança do eixo comercial as
colônias da variante do
vale do rio Maruim ficaram totalmente dependentes
do mercado da capital, além de o trajeto ir se deteriorando com o passar dos
anos. As
colônias do vale do
rio Cubatão, por onde passava o
imperial caminho(denominação
dos colonos ao caminho de tropas)foram beneficiadas pela logística do
transporte do gado, e pelas consecutivas melhorias que esta recebeu, sendo hoje
parte da
moderna BR 282.
Como
muitos dos imigrantes não eram agricultores, estes adotaram a técnica agrícola
que
os Luso-brasileiros adotaram dos indígenas, idêntico ao
sistema de pousio, a
coivara ou sistema
de rotação de terras primitivo “que
consiste em queimar a mata, cultivar a clareira durante
alguns anos e depois deixá-la em descanso, revertendo em vegetação secundaria,
enquanto nova mata é
derrubada para ter o mesmo emprego”(Waibel,1958).
Os colonos aplicaram
essa técnica em suas pequenas propriedades, gerando o rápido empobrecimento
do solo comprometendo a
produção da qual teria de
tirar seu sustento, como afirma Waibel(1958)“os pequenos proprietários europeus não poderiam aplicar, por gerações o sistema
agrícola mais primitivo do mundo sem perder elementos essenciais da sua cultura
e tradição...muitos
colonos alemães, italianos, polacos e ucranianos tornaram-se verdadeiros
caboclos , gente extremamente pobre, com muita
pouca ou nenhuma educação e vivendo nas
casas mais primitivas...”.
Com o
habitat rural constituído e
a ajuda dos filhos nas lavouras as
necessidades
alimentares das famílias começaram a
ser saciadas com os
gêneros produzidos e
deste começou
a sobrar um pequeno excedente, o qual possibilitou a troca por outros gêneros.
As sedes das colônias sempre estavam dispostas sobre os
principais caminhos existentes, como a
confluência de estradas coloniais e
o trajeto
Planalto-Litoral, fator geográfico que garantia que a
sede fosse o
ponto central de
articulação entre o
hinterland rural* e
o contexto
socioeconômico provincial.
A
partir desse momento começa a diferenciação social com o
surgimento de uma serie de
pequenos comerciantes através de
uma rede de articulações
favorecidas por relações de amizade e a geografia da colônia. Devido a grande
quantidade
de pequenos vales, muitos colonos
instalados em linhas de
ocupação distante das
sedes tinham dificuldades de trazer seu pequeno excedente ate o
vendeiro localizado próximo
ao caminho de tropas, geralmente na
sede da colônia, por sua vez algum colono mais bem localizado, no
encontro do afluente com o
rio principal e/ou que possui uma
pequena
venda mas ainda pratica a agricultura, começa a fazer o intermédio entre aqueles
produtores
e o vendista da
colônia, se apropriando de parte da mais-valia do
produtor. O vendeiro
localizado na sede e/ou na intersecção de algum caminho colonial com o caminho
de
tropas, concentra a produção da colônia, (ou de parte dela quando da
concorrência com outro ponto central) e
faz o intermédio com os
tropeiros que se
deslocam no sentido planalto-litoral
ou inverso, pelo caminho de tropas, os quais trazem a produção colonial até
os
mercados consumidores. As trocas são feitas pelo escambo e a relação com os
tropeiros resultou
na aquisição de algumas cabeças de gado pelos vendeiros e posteriormente pelos
colonos.
Com
a introdução do gado nas colônias os colonos passaram a utilizar o sistema de
rotação de
terras melhorada substituindo o trabalho humano pelo animal, através do uso do
arado, conseguindo
melhores plantações. Com mais excedentes agrícolas o
colono melhora seu
nível socioeconômico, já
não mora mais em
casas de pau-a-pique e
sim em casas de enxaimel,
de forte caráter germânico. O colono que em sua terra natal era servo tinha na sua segurança alimentar produtos derivados de
animais, processados por eles mesmos, como
o queijo e o embutido, nos vales litorâneos adjacentes a Desterro, a
incorporação do gado
bovino e suíno na propriedade agrícola, alem do uso do arado, permitiu que os
colonos detentores
da técnica de processamento, produzissem queijos e embutidos para o consumo
próprio
e algum excedente para ser comercializado, no qual conseguiam melhores preços
devido
ao valor agregado no processamento da matéria prima. Porem somente os
colonos assentados
na planícies fluviais ou em áreas pouco íngremes, com bom solo, puderam ter
um pequeno excedente suficiente para adquirir alguma cabeça de
gado e também poder aplicá-la na
sua propriedade, se
diferenciando daqueles assentados em
áreas bastante
íngremes, onde o
colono tinha colheitas menores, e
se conseguisse a
custa de muito esforço
alguma cabeça de gado não poderia utilizar o arado em função da declividade do relevo,
como observa CRUZ(2008)
“a inviabilidade do arado e de técnicas mais modernas de
plantio repercutia num retardo das colheitas”.
As trilhas coloniais com o passar dos anos são
ampliadas e melhoradas, com o aumento da produção começam a surgir os primeiros
engenhos (movidos a
água ou tração animal) nas linhas de
ocupação e nas sedes das colônias, o
dono do engenho também se
diferenciava
socialmente pois ao
processar a produção
alheia recebe a terça ou a meia parte do produto final assim como na pequena produção mercantil açoriana. Para os
vendeiros o gado adquirido consistia em
uma facilidade e
aumento do transporte dos gêneros, assim muitos vendeiros passam a
se dedicar
somente a atividade comercial. No caso dos comerciantes das linhas de ocupação a
centralidade
exercida por sua venda e a Capela viria a constituir a sede de uma comunidade
e
em alguns casos, futuramente elevados a categoria de distrito, como Barra Clara
e Garcia no
atual município de Angelina. O vendeiro bem localizado, na sede ou não, que
adquirisse certa
quantidade de gado e meios de estocagem da produção, se liberta do serviço
prestado
pelo tropeiro passando ele mesmo trazer a mercadoria até Lages ou Desterro, porem no caso
de Desterro que exercia maior influencia sobre o circuito da produção colonial
devido a sua
rede urbana dentritica,
os
comerciantes ao chegar a orla litorânea, São José da Terra Firme, Palhoça e
São Miguel acabavam por intercambiar a mercadoria com os
caixeiros viajantes
os quais, através do pagamento de
frete para o transporte de
Lancha até a Ilha vendiam
as mercadorias no Mercado Publico da Capital. A grande quantidade de agentes
na
comercialização da produção colonial se deve a especificidade do sitio no qual
se fez a colonização. As
Serras do Leste catarinense constituem um
ambiente montanhoso,
dissecado
por vários cursos d’gua,
constituindo uma serie de vales, porem os cursos d’gua
não são navegáveis, ficando o
escoamento da produção regional refém da
precariedade (principalmente
após as chuvas) dos caminhos coloniais e do próprio caminho de tropas, no
qual a
irregularidade do relevo tinha de
ser vencido por caravanas de
mulas, ou por carroças.
A grande quantidade de agentes na comercialização implica em maior extração de
mais-valia do
colono, pois para o
produto ter aceitação de
mercado o preço inicial de aquisição
tem de ser baixo para sustentar o rendimento dos demais agentes.
*Compreende-se
aqui, por hinterland rural a região na qual uma localidade, vila ou cidade
exerce
influencia,
os fluxos(produtos e informações) de uma determinada região rural são
intermediados
com
o mundo exterior pela centralidade da sua sede.
Quando os
filhos estavam em
idade adulta e
casavam, os colonos que tiveram bons rendimentos
na agricultura e/ou uma pequena acumulação de capital através do comercio
puderam
comprar terras para seus filhos nas novas frentes de colonização na região,
porém os
colonos mais pobres acabaram por ter de dividir o pequeno lote colonial, que
assim como aconteceu com os
açorianos, os lotes retangulares ficaram cada vez mais estreitos e compridos, os
quais devido a
menor quantidade de
terras para o
plantio, forçavam o produtor a
reduzir o tempo de
pousio do solo acelerando seu esgotamento. Muitos descendentes de
colonos migravam em
busca de melhores terras, ou
abandonavam o campo
para vender sua força de trabalho
na cidade. Os que se mantiveram nesse habitat rural, continuaram a
usar a rotação de
terras primitiva, devido a
seu baixo custo de aplicação,
e ficaram reféns do vendista da localidade, em condições de estrema pobreza.
Com
muitos colonos, cada qual produzindo um pequeno excedente, e a logística prestada
ao
transporte do gado, pois “com
o processo de ocupação dos vales litorâneos por colonos europeus, as
relações comerciais litoral-planalto se
avolumaram...”(CAMPOS, 2004), as sedes
das colônias se transformaram em pequenas vilas, onde muitos artesãos puderam se
aplicar
somente a sua técnica, deixando
de lado a agricultura, surgindo
pequenas oficinas artesanais
com destaque para Santa Isabel e Teresópolis.
As colônias Santa Isabel e
Teresópolis tiveram uma boa diversificação nas atividades desenvolvidas na
colônia, devendo-se ao
fato de que muitos imigrantes já
eram comerciantes
e artesãos nos seus estados germânicos, Outro fator de grande importância foi
que a partir da segunda metade do sec. XIX a variante do caminho de tropas que
passa pelo vale do
Rio Cubatão torna-se o
principal eixo comercial planalto-litoral, sendo as colônias desse vale, beneficiados pela logística e
relações comercias com os tropeiros(primeiramente
escambo, depois compra/venda) entre a produção colonial(gêneros agrícolas,
derivados de matéria prima animal e semi-manufaturados) e bens não produzidos
na colônia(querosene, sal), assim como das melhorias que o
caminho recebeu. Porem o crescimento
econômico desses locais centrais era controlado pela concorrência natural que
um
exercia sobre o outro em função do
baixo adensamento populacional, pois as
funções centrais
eram as mesmas, sendo a região complementar de cada centro determinado pela
distancia
e topografia. Das iniciativas artesanais nessas colônias são raros os casos de
que tenham constituído uma acumulação de
capital consistente para resistir as
oscilações do mercado,
a Fábrica de Bebidas Leonardo Sell, em Rancho Queimado(antiga Santa Isabel) é
uma dessas iniciativas e hoje abastece todo litoral sul centro e sul de Santa
Catarina.
Com
as melhorias das estradas “
Os produtos dos municípios vizinhos começaram a chegar com mais facilidade aos pontos de
embarque até o
porto da Capital. Este movimento favorecia
o crescimento de São José, Palhoça do Estreito, locais onde se concentravam os
produtos
que seriam transportados para a Ilha.”(ANDRADE,
1981) Depois do transporte de Lancha,
com exceção do gado vivo que tinha
de nadar até a Ilha, “os
produtos vindo das colônias
e a carne de boi eram vendidos nas feiras livres, realizadas ao lado da
Alfândega, onde
hoje é o mercado publico, todas as terças- feiras.”(ANDRADE,
1981)
Desterro no
século XIX havia desenvolvido uma burguesia comercial, em
função do
comércio
de cabotagem que se utilizava de seu porto, que foi o mais importante da
província nesse século, para o escoamento da produção
da ilha e faixa litorânea, estando o capital comercial
local submetido ao capital comercial do Rio de Janeiro. Ao aumento da demanda
de
gêneros alimentícios foi
acompanhado pelo aumento da produção nas colônias alemãs que
“passaram
a se destacar na pauta de exportações com seus produtos hortigranjeiros e
semi-manufaturadas”(HUBENER,1981)como
também se observa no relato do Presidente da Província em
1877 “como é
sabido, é de Angelina, de Teresópolis e Capivari, que vem o abastecimento
semanal ao mercado da capital. É talvez a parte da província onde menos se
despende
com melhoramentos materiais, de que os habitantes se ocupam tanto quanto lhes
permitem
os fracos recursos”(JOCHEM,1992).
Na passagem para o
século XX Desterro tem seu nome mudado para Florianópolis, em homenagem
ao Presidente da Republica Floriano Peixoto. Nas primeiras décadas do século
XX
a Ilha de Santa Catarina é marcada por duas tendências, a queda da atividade
portuária, em
função do predomínio de navios a vapor, de calado maior e por isso inviáveis ao
porto da
capital, e pela estagnação da atividade agrícola, que dependia do porto para
exportação.
Com a
decadência da navegação de
cabotagem, a produção das colônias perderam
mercado,
pois o que não era consumido pela população da Capital era encaminhado para o
mercado
interprovincial pelo capital comercial de Desterro.
A
economia na Ilha estava
estagnada, se baseava nos
excedentes tributários do resto do Estado em
função da administração publica, e
esta estava ameaçada pois “Florianópolis
estava prestes a
perder a condição de
Capital, pois havia uma forte corrente política defendendo sua transferência pra outras cidades do
interior do Estado.”(ANDRADE,
1981)Essa corrente reclamava que em
função dos motivos de
estagnação acima
mencionados a
Ilha não teria meios para se
desenvolver assim como pela falta de integração
com o restante do estado devido a precariedade da ligação Ilha-Continente. Para
evitar
a mudança da Capital o Governador Hercílio Pedro da Luz contraindo empréstimos
de Bancos
Norte-Americanos inicia a construção de uma ponte afim de resolver o problema da
integração
regional. Com a construção da ponte e sua inauguração em 1926, recebendo o
nome de
Hercílio Luz, Florianópolis firmou-se enquanto Capital do
Estado, substituindo
definitivamente o
transporte por lanchas realizado de
São José e
Palhoça sentido Ilha. Dessa forma, com o melhoramento da
estrada Lages -
Palhoça e a
principal barreira do meio
físico rompida, o colono ambulante teve mais facilidade para chegar a orla
marítima, e nela
livre do serviço de transporte embarcado, podendo ele mesmo trazer sua produção
ao mercado da
capital, conseguindo
melhores preços e
gerando uma pequena acumulação pré-capitalista, sendo capaz de atuar como capital comercial no escoamento da produção
dos demais produtores “tornando-se a
base do comercio regional.”(CRUZ,2008). O surgimento do
colono ambulante diminui a
rede de comercialização, porem o
colono produtor
continua a ser explorado, enquanto o colono ambulante o qual no começo realizara
o transporte com carroças, na relação
capitalista da qual faz parte extraindo mais valia do
produtor,
capitaliza-se, e posteriormente adquire armazéns e caminhões para estocagem e
transporte
da produção.
Pós década de 30
Na
década de 30 a economia mundial estava em recessão devido a crise na Bolsa de
Nova York(1929),
as idéias de Keynes começam a ganhar força, e a intervenção do Estado passa
a ser necessária na
regulação da economia que se
encontrava organizada pelas leis do mercado.
No Brasil, Getulio Vargas inicia o
processo de industrialização
brasileira através da via Prussiana, com políticas de
substituição de importações e
criação de empresas estatais
do setor de bens de capital. Em Santa Catarina a região de colonização alemã no
vale
do Itajaí e nordeste do Estado são beneficiadas por essas políticas e
fundamentam sua industrialização. Em
Florianópolis e vales litorâneos adjacentes, devido a
condicionantes sócio-espaciais
diferentes dos núcleos coloniais anteriormente citados, como a falta de uma
pré-acumulação capitalista consistente, além da
desestruturação do porto no
começo do sec.
XX, a situação continua a mesma.
Somente após a década de 50, quando as forças capitalistas imprimem uma característica urbano industrial sobre o cenário
agro-exportador da
economia nacional é que Florianópolis é afetada pelas transformações em curso. Alem
da
transferência e criação de instituições estatais, Eletrosul e UFSC
respectivamente, sendo que
com a criação da Universidade diversas empresas de tecnologia viriam a se
instalar na região,
Florianópolis é integrada ao cenário nacional através da BR 101, no sentido
Norte-Sul acompanhando a linha de costa, concluída em 1971 e ao cenário
estadual, através do asfaltamento da
BR 282, concluído em
1981, e consecutivamente sua expansão sentido oeste.
O aprofundamento da rodoviarização permitiu que os circuitos alimentares
regionais de Florianópolis fossem atravessados por circuitos estaduais e
nacionais, que somado a redução gradual das propriedades rurais, devido as
repartições pelas sucessões hereditárias,
representou um decréscimo na produção de gêneros alimentícios por parte das
colônias.
Com a formação do Pólo Turístico e Tecnológico e a valorização fundiária gerada
pela
BR-101 e BR282 formou-se na
região um alto adensamento urbano, conurbando as cidades de
Florianópolis, São José, Palhoça e
Biguaçu. Esse inchaço populacional em grande
parte é reflexo do êxodo rural regional e estadual, alterando a base
da segurança alimentar existente até então, pois o
pequeno excedente comercializável do
colono era compensado
por haverem muitos colonos, assim suprindo as necessidades alimentares da
pequena
população urbana, com o êxodo rural
e a urbanização, ficam poucos
produtores, cada
qual produzindo seu pequeno excedente, para uma população urbana cada vez maior.
Com uma demanda maior que a
oferta o preço do
alimento
aumenta, como a
produção agrícola
da Ilha é praticamente ausente, e
as populações das áreas rurais de colonização alemã, estavam em
processo de migração campo/cidade, o
abastecimento alimentar de Florianópolis, em
grande parte provinha de
outros estados, resultando em
preços mais elevados
devido a logística do transporte.
Nesse
período, mais precisamente na década de 60, a sociedade global é marcada por uma
diversificação
do capital, com a introdução destas relações de produção no campo, através da
mecanização agrícola,
intensificação do uso de
insumos e do surgimento do
proletário rural. Essa diversificação do
capital foi denominada Revolução Verde. Como na
região serrana
próxima a Florianópolis predomina a pequena propriedade rural, os colonos por si só
não tem condições de competir ou aderir a lógica do capital agrário, sendo
necessário a intervenção
do estado. Na década de 60 os governos estaduais passam a ter autonomia na
criação de
novos municípios, antes a
cargo do governo Federal, em Santa Catarina são emancipados
96 municípios, sendo que na região serrana foram sete emancipações. Dessa
forma
a maquina estatal em sua menor escala administrativa é capaz de levar os
serviços públicos,
como saúde, educação e infra-estrutura (melhoramento das estradas vicinais) mais
próximo
dos pequenos produtores. Alem é claro de dar um impulso a economia urbana da
sede em
função dos empregos gerados pela administração publica. Segundo Noronha(1996)“o
processo de criação de municípios muitas vezes provoca efeitos colaterais
positivos
que não são facilmente detectados. Isto ocorre por exemplo, em relação ao êxodo
rural”
e principalmente regional.
A descentralização levou os
serviços mais próximos aos pequenos agricultores porem o extensionismo rural no Brasil ainda era embrionário,
em 1948 o governo de Minas Gerais em
associação com a AIA (American International Association) cria a Associação de
Crédito e Assistência Rural de
Minas Gerais (ACAR-MG) que tinha por tese a
ideologia
norteamericana
de que o
credito rural orientado associado a
assistência técnica
melhoraria as condições de
vida do homem do
campo, essa tese penetrou com muita facilidade na America
Latina, mesmo em governos de esquerda, ou seja, o capital monopolístico central
orientou sua reprodução na
periferia. Vale salientar que a
modernização do sistema alimentar,
com a elevação social do pequeno produtor transforma o campo em consumidor
de bens industriais, comprador de
energia e num processo dialético vetor de
uma nova cultura. Em
1954 o governo brasileiro assina um
convenio com o
governo dos Estados Unidos, apoiado por um
programa de ajuda aos países subdesenvolvidos deste ultimo, criando o Escritório Técnico de
Agricultura (ETA). Em
Santa Catarina foi criado o
ETAProjeto
17, o qual introduziria as bases do
extensionismo no estado em um período de até quatro
anos, a partir daí caberia ao estado catarinense desenvolver essa função. Em
1957 o
governo
Catarinense cria a Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina
–
ACARESC,
com seu primeiro escritório na cidade de São José. O trabalho de extensão visa
substituir o
conhecimento arcaico e
tradicional dos descendentes de
colonos por um conhecimento moderno, calçado na
ciência, sendo que os
trabalhos
extensionistas se
aplicavam a
projetos de suinocultura, bovinocultura, avicultura, horticultura, silvicultura, sistematização de
várzeas, através de
cursos de curta duração realizados em
centros regionais, no
caso da área de
estudo, em Florianópolis no
bairro Itacorubi, visando a profissionalização do
agricultor. Na região serrana fronteiriça a
Florianópolis os projetos mais expressivos da
ACARESC foram os
voltados a horticultura (
OLINGER, 1996). Em 1989
o governo de Santa Catarina, segue as políticas do Governo de Collor, de
abertura da economia ao
mercado internacional e
privatização estatal, e
liquida a ACARESC. A eliminação
da ACARESC se deu através da fusão desta com a EMATER, EMPASC, IASC criando a
Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Difusão de Tecnologia – EPAGRI. Esta tinha a
função de realizar pesquisa e
difundir esta para os
técnicos enquanto a
extensão
rural ficou a
cargo dos municípios, os
quais não possuíam estrutura nem conhecimento necessário
para realizar a assistência técnica aos pequenos produtores. Hoje o trabalho da
Epagri
na região serrana esta voltado para a difusão da silvicultura, com culturas
exóticas, como
o pinnus eliotis e o eucalipto. Com o surgimento da agroindústria em Santa
Catarina, surgiu
também o sistema de Integração, no
qual a agroindústria escolhe os agricultores mais bem
estruturados, estabelecendo um acordo de parceria, no qual a agroindústria impõe
um pacote produtivo ao
produtor, transformando este, indiretamente, em
seu proletário. Na região
serrana esse sistema de Integração se realiza com agentes hegemônicos
voltados a agroindústria
avícola.
Apesar do
apoio técnico na
produção o sistema de
comercialização de hortigranjeiros encontrava-se
estrangulado, não havia informação sobre o mercado e a comercialização se dava
literalmente na rua porque o produtor e/ou atravessador não tinha outro espaço
para comercializar. Na tentativa de organizar o sistema de abastecimento
alimentar das grandes cidades
o governo federal editou, em 1972, o Decreto nº 70.502 criando o Sistema
Nacional de Centrais de
Abastecimento - Sinac, que regulamentava sobre infra-estruturas denominadas CEASAs(Centrais de
Abastecimento), que concentram a
produção regional
em
um único ponto para assim facilitar sua transferência do
espaço de produção e
a distribuição ao
comercio varejista, reduzindo o
numero de intermediários e conseqüentemente
o preço final do produto. Em 1976 é criada a CEASA na cidade de São José, sendo que em
1986 “74% dos vegetais e
frutas comercializados pelos maiores supermercados
da área são adquiridos na CEASA/SC”
(ZEFERINO, 1989), porem devido a sazonalidade
da produção e do consumo, pois nos meses de verão a população da Ilha de
Santa Catarina aumenta consideravelmente em
função da atividade turística, parte da
produção é
importada da CEAGESP, localizada na
cidade São Paulo, por ser a
maior Central
de Abastecimento do país e manter
relação comercial com as
demais centrais do território
nacional, sendo que a CEASA/SC até o começo da década de 80 importava
“80%
dos
gêneros agrícolas”(Prefeitura
municipal de Florianópolis, 1978) Mais tarde, as linhas de crédito ao
pequeno agricultor garantiram uma produção regional mais competitiva, resultando em
90% a 50% de
alguns produtos hortículas consumidos na
própria região metropolitana”
(PRATES & CORRÊA, 1987).
Conclusão
A
colonização alemã na região de estudo, esteve inserida em um contexto de
ocupação dos espaços vazios do território, dando
suporte a economia tropeira no trajeto planalto-litoral, e o abastecimento
com gêneros agrícolas ao mercado da capital e através do porto de Desterro
ao
mercado interprovincial. Com a queda da atividade portuária no sec. XX tanto a
pequena produção
mercantil açoriana quanto a alemã foram afetadas, e devido a falta de uma préacumulação
de capital consistente, quando da
industrialização brasileira pós década de 30 a região permaneceu estagnada. Florianópolis desde os
primórdios da ocupação dos vales Litorâneos
adjacentes exerceu atração sobre a região, na comercialização da produção rural
e devido a
sua variada oferta de
bens e serviços atraindo fluxos de
pessoas. Com a dinamização das relações capitalistas de
produção e consecutivamente a
urbanização e conurbação de
Florianópolis e dos municípios continentais limítrofes a
ilha, a divisão territorial
do trabalho na rede urbana de Florianópolis se acentua. A especialização de cada
territorio
(município)
vai depender do capital e técnica presentes em cada fração do espaço.
Quanto
ao capital, na região este não se desenvolveu em seu viés produtivo, salvo por
raras exceções,
mas sim na esfera comercial devido aos agentes necessários ao escoamento da
produção colonial, como estes agentes por sua vez são os
mais abastados em
termos fundiários, de
acordo com as
condições de mercado serão capazes de
investir em determinada especialização produtiva rural. Quanto a
técnica, esta pode ser tradicional, trazida pelos imigrantes, ou incrustada no
meio técnico -
cientifico. Na região de colonização alemã os
trabalhos
extensionistas da ACARESC voltados a
horticultura resultariam na
especialização
produtiva de Antonio Carlos(colônia Leopoldina) e
Águas Mornas
(Colônia Vargem Grande e
parte de Santa Isabel e
Teresópolis) tanto por estabelecimentos
familiares como agroindustriais. A técnica tradicional por sua vez também
resultaria
na especialização produtiva de certos municípios, em São Bonifacio (Teresópolis-
Linha Capivari) a
técnica de processamento de
embutidos representaria uma forma de renda
para pequenos produtores. Em
Angelina a técnica de
processamento de queijos transformaria o município em
um grande produtor desse produto, sofrendo influencia da rede
urbana de Tijucas sobre a comercialização da sua produção. Vale salientar que
nesses municípios
esses produtos derivados de matéria prima animal, e que possuem melhor preço
devido ao
valor agregado na
produção, em muitos casos são o
único excedente comercializável
de pequenos produtores. Os gêneros produzidos na região de estudo são comercializados no
mercado formal e
informal. No mercado formal entraria a
produção comercializada
por redes de supermercados, isso em relação as hortaliças, e no mercado
informal representado pelas feiras e
sacolões, alem das hortaliças entrariam os
produtos derivados
de matéria prima animal, os quais só são comercializados nesse circuito devido
ao seu caráter informal, pois as
unidades de produção familiares na
grande maioria dos
casos não estão dentro das normas da
fiscalização sanitária. Os
circuitos regionais de Florianópolis
apesar da estrutura do Ceasa - São José que deveria possibilitar ao pequeno
produtor ele mesmo vender seu produto ao
varejista ou consumidor final, acaba sendo passivo
de agentes de intermediação, comerciantes locais e o colono ambulante,
detentores de
capital e informação necessária ao escoamento da produção até o mercado
consumidor, enquanto o
pequeno produtor, aquele que realmente gera o
valor do produto pelo seu trabalho,
continua em seu processo histórico de exploração.
Apoio:
*Graduando do
Curso de Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista
PIBIC/CNPq.
**Este
trabalho constitui-se de resultados parciais do projeto de pesquisa, por mim
realizado no Laboratório de Estudos do
Espaço Rural (GCN/UFSC), com apoio da
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis - PRAE/UFSC
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico - CNPq .
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