Reflexões sobre Planejamento Urbano
de micro-território da realidade rural
brasileira:
Estudo
de Caso de São Bonifácio, SC – Brasil.
José
Giovani Farias1
RESUMO: Este artigo reflete
a partir da indagação: É coerente aplicar a mesma estratégia de planejamento
urbano para realidades de grandes centros urbanos, tanto quanto, para realidades
de pequenas cidades inseridas em realidade essencialmente rural? Como estabelecer Políticas Públicas de
Planejamento, Gestão e Ordenamento Territorial dirigido a população rural quando
sempre pensada a partir da realidade urbana? Verifica
recentes marcos legais de política pública de planejamento do território a
exemplo da Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, frente à experiência do Plano
Diretor de São Bonifácio, SC - Brasil. Finaliza considerando mudanças de um
planejamento funcional para um “novo” planejamento; ainda em consolidação, exige
dos técnicos, intelectuais, gestores públicos e a própria comunidade um lento
processo de construção para prática de planejamento participativo integrando
urbano/rural.
Palavras chave:
Planejamento, Micro Território, Rural, Urbano.
ABSTRACT:
This article reflects from the question: Is it consistent to apply the same
strategy of urban planning for the realities of large urban centers, as well as
to the realities of small towns entered into an essentially rural reality? How to Establish Public Policy Planning, Management
and Planning directed the rural population while always thought from the urban
reality? Notes recent legal frameworks for public policy planning of the
territory following the example of Law 10.257 of July 10, 2001, compared to the
experience of the Master Plan of São Bonifácio, SC - Brazil. Ends
considering changes to a functional planning for a "new" planning; still in
consolidation, requires the technical, intellectual and public administrators
and the community itself a slow process of building for participatory planning
practice integrating urban/rural.
Keywords:
Planning, Micro Territory, Rural, Urban.
_______________________________________________
1.
Doutorando Curso Programa Pós Graduação Geografia – Centro de Filosofia e
Ciências Humanas – Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC - Brasil. E-mail: giofenix@yahoo.com.br (48) 3224-0626 fixo e (48) 9912.8334
cel.
1. Introdução.
A preocupação é trazer para
o debate e reflexão do planejamento urbano e integração das políticas publicas e
de gestão o aspecto da complexa realidade rural brasileira. Partimos
inicialmente do “estudo de caso” do município de São Bonifácio, SC para tornar
se especificamente neste artigo, um possível laboratório de reflexão da
experiência de planejamento inserida numa realidade de pequeno município, com
características de um cotidiano eminentemente rural. Reforçamos nossa opção de
estudo de caso enquanto método por que ao estudarmos o local estamos estudando o
global. Pensamento este reforçado por Santos, (2003) ao afirmar que no paradigma
emergente o conhecimento é total: “(...) Mas sendo local, o conhecimento
pós-moderno é também total por que reconstituem os projetos cognitivos locais,
Salientando lhes a sua exemplaridade, e por sua via transforma os em pensamento
total ilustrado. (...)” (SANTOS, 2003, p. 46 – 48).
Conforme nosso enunciado,
acima exposto, cuja idéia central está em torno do questionamento das formas de
possibilitar planejamento urbano para realidades de municípios que caracterizam
se pela dimensão de micro escala do território do Brasil Rural. Realidade esta
de micro território com presença de comunidades tradicionais coloniais
constituídas de intensa agricultura familiar, impregnada de ruralidade, sem que
abandonem se questões importantes de urbanidade destes mesmos
lugares.
A preocupação em
observarmos planejamento urbano neste estudo de caso, sob contexto de micro
território colonial de São Bonifácio (ver fig. 01), reside no fato de
representar uma realidade importante da geografia econômica e social brasileira.
Existe um amplo debate entre as diferentes correntes de pensamento do
ordenamento do território brasileiro que envolve diferentes escalas entre o
local, regional, estadual e nacional. Porém, nosso objeto neste ensaio é abordar
na escala do local – municipal ou micro território - sua importância e possíveis
inferências posteriores de interface nas dimensões do regional, estadual e
nacional.
- Enunciado:
Nosso enunciado tem como
questão norteadora: Que instrumentos contemplam o Plano Diretor que permitam a
inclusão da realidade rural brasileira? É coerente aplicar a mesma estratégia de
planejamento urbano para realidades de grandes centros urbanos, tanto quanto,
para realidades de pequenas cidades inseridas em realidade essencialmente rural?
Como estabelecer Políticas Públicas de Planejamento, Gestão e Ordenamento
Territorial dirigido a população rural quando tradicionalmente sempre pensada a
partir da realidade urbana?
Partimos do questionamento
em quanto os instrumentos e estratégias do planejamento urbano podem estar
adequados as dispares realidades. A necessidade de considerar distintas escalas
da realidade a ser planejada e, também atentar para as diferentes hierarquias
que se estabelecem nas diferentes realidades objetivadas na
planificação.
Como destaca Alzira, (2002)
na sua dissertação sobre o papel da Constituição Brasileira de 1988, em tornar
obrigatório o planejamento urbano e a disciplina do uso do solo. Estando nosso
enunciado da questão central voltada para a realidade rural, estaremos
refletindo em quanto o papel da Lei 10.257 de julho de 2001 contempla a
realidade dos pequenos municípios do território
brasileiro.
Caracterização estudo de
caso: município São Bonifácio, SC.
Fig. 01:
Imagem geral da sede do município de São Bonifácio, SC. Imagem cedida pelo
projeto Design Marca Territorial e Identidade Local – CEART – UDESC.
2006.
Acesso pela rodovia SC-431,
ramificação da BR-282, com entrada a 10 km de Santo Amaro da Imperatriz.
Latitude 27º54'05" sul e Longitude 48º55'45" oeste (ver fig. 02). Altitude média
de 410 metros do nível do mar. Clima Sub-tropical Úmido com temperatura média
entre 15oC e 25oC. Colonização de etnia alemã com IDH
0,785. População Total de 3.271 habitantes. Área urbana com 850 habitantes. Área
rural com 2.421 habitantes e Densidade demográfica de 6,7
habitantes/Km2.
Os índios foram os
primeiros moradores de São Bonifácio. Entretanto, os primeiros colonizadores
alemães oriundos da Westphalia na Alemanha da época ainda sem configurar se um
Território Nacional, chegaram à região em 1864. Data de fundação do município:
23 de agosto de 1962. Principais atividades econômicas com produção leiteira e
agroindustrialização de laticínios, reflorestamento e beneficiamento de madeira,
apicultura, avicultura de corte, fumo, olericultura, fruticultura e turismo
rural.
O município de São
Bonifácio está inserido num vale com planícies fluvial situando-se a leste com
predomínio das Serras do Leste Catarinense composta basicamente de formação de
granitóides e a oeste as Serras Cristalinas Litorâneas compostas basicamente de
embasamentos em estilos complexos IBGE (2004). Apresenta Área de 452,48
km2. Aproximadamente 55% desse total são de Mata Atlântica preservada
e tem 22% de seu território pertencente à Unidade de Conservação Ambiental -
Parque Estadual da Serra do Tabuleiro conforme ilustra a Fig.
03.
Fig 02: Localização do município de São Bonifácio
(SC).
Fonte: Glauco Ladik Antunes.
(Mestrando Mauro de Bonis. CEART/UDESC).
O município de São
Bonifácio está distante 70 km de Florianópolis e também faz parte da região das
Encostas da Serra Geral que abriga um dos maiores e melhores remanescentes de
Floresta Atlântica no sul do Brasil, forma um corredor florístico e faunístico
natural deste bioma e corresponde a uma das principais fontes de mananciais de
água que abastecem a capital de Santa Catarina e o litoral catarinense, o que
levou ao reconhecimento pelo Ministério do Meio Ambiente como área de extrema
e/ou muito alta importância biológica. Contudo, as atividades econômicas
desenvolvidas na região têm colocado em risco o equilíbrio destes ecossistemas e
ameaçado a estabilidade de populações que deles dependem. A ocupação do
território sem planejamento, o crescimento econômico desordenado e as diversas
pressões de uso e demanda dos recursos naturais têm contribuído para a rápida
degradação ambiental, para a contaminação das águas e dos solos, a exclusão
social, além de ameaçarem a identidade cultural das comunidades que
tradicionalmente habitam esta região (EPAGRI. 2007).
Fig. 03: Ilustração (Alarcon, 2007) da situação geográfica do município
de São Bonifácio, SC com contexto e inserção territorial no Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro – PEST.
A Encosta da Serra Geral
refere-se a uma “bio-região” pertencente à área de entorno da unidade de
conservação ambiental do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro – PEST. Neste
território a questão da sustentabilidade e temas voltados ao ambiental demanda
ações de planejamento e gestão de desenvolvimento territorial
sustentável.
3. Argumentações
No contexto deste ensaio,
cujo objeto é tratar sobre planejamento urbano de cidades inseridas em
municípios da dimensão de São Bonifácio, requer esforço de uma reflexão sobre o
atual ordenamento territorial brasileiro. Este ordenamento é em parte, analisado
pelo autor José Eli da Veiga, (2003) em sua obra Cidades Imaginárias – O Brasil
é menos urbano do que se imagina: “(...). O entendimento do processo de
urbanização do Brasil é atrapalhado por uma regra muito peculiar, que é única no
mundo. Este país considera urbana toda sede de município (cidade) e de distrito
(vila), sejam quais forem suas características. O caso extremo está no Rio
Grande do Sul, onde a sede do município União da Serra é uma “cidade” na qual o
Censo Demográfico de 2000 só encontrou 18 habitantes. Nada grave se fosse
extravagante exceção. No entanto, é absurdo supor que se trate de algumas poucas
aberrações, incapazes de atrapalhar a análise da configuração territorial
brasileira. De um total de 5.507 sedes de municípios existentes em 2000, havia
1.176 com menos de 2 mil habitantes. 3.887 com menos de 10 mil habitantes e
4.642 com menos de 20 mil habitantes, todas com estatuto Legal de cidade
idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as regiões
metropolitanas, ou que constituem evidentes centros urbanos regionais. E todas
as pessoas que residem em sedes, inclusive em ínfimas sedes distritais, são
oficialmente contadas como urbanas, alimentando este disparate segundo a qual o
grau de urbanização do Brasil teria atingido 81,20% em 2000(...).” (VEIGA, 2003,
p.31):
Conforme a crítica acima
exposta, não é nosso intuito defender a tese de desconsiderar aspectos urbanos
que faz parte dos habitantes presentes no espaço geográfico abrangido pelos
4.642 pequenos municípios e, que compreende a escala com menos de 20 mil
habitantes e fundamentam a realidade rural do Brasil. Neste contexto do universo
de municípios com menos de 20 mil habitantes está inserido a realidade de nossa
reflexão do estudo de caso de São Bonifácio atualmente com 3.271 habitantes.
Cabe lembrar nosso
questionamento neste estudo: Que instrumentos contemplam o Plano Diretor que
permitam a inclusão da realidade rural brasileira? E considerando esta realidade
brasileira de nosso território nacional que envolve os pequenos municípios é
inegável a existência de reais manifestações de urbanidade do espaço urbano e
concomitantes manifestações de ruralidade no espaço rural. Cremos ser esta uma
realidade “rurbana” importante a ser considerada no planejamento. Um
planejamento que permita considerar as devidas proporções entre expressões de
ruralidade e urbanidade presente nestes municípios. Uma necessária reflexão
sobre o grau de urbanização e quanto desta urbanização compreende também
importantes e estratégicos espaços de ruralidade para as políticas públicas de
planejamento do Brasil e, especificamente para situações de cidades ou
municípios rurais. Lembrando que já existe uma classificação de municípios em:
urbanos, mistos e rurais, conforme critérios e índices de
estratificação.
Quando lançamos análise sob
a historicidade da trajetória de constituição dos municípios no Brasil,
inevitavelmente encontramos nesta clivagem histórica, um momento que poderíamos
denominar de “divisor de águas do ordenamento do espaço urbano” e que persiste
até nossos dias. Este momento divisor é estabelecido na definição de “cidade”
durante o período do Estado Novo pelo estadista Getúlio Vargas, ainda no inicio
do século XX, apontado por Veiga, (2003): “(...). Foi o Decreto-Lei 311, de
1938, que transformou em cidades todas as sedes municipais existentes,
independentemente de suas características estruturais e funcionais. Da noite
para o dia, ínfimos povoados, ou simples vilarejos, viraram cidades por norma
que continua em vigor, apesar de todas as posteriores evoluções institucionais.
Não somente as dos períodos pós-1946 e pós-1964 e pós-1988, mas também as que
estão sendo introduzidas pelo novíssimo Estatuto da Cidade. (VEIGA, 2003, p.
63)”.
Outro aspecto importante da
formação socioeconômica e ambiental que envolve o planejamento destes
micro-territórios reside no fato de representar um segmento importante da
geografia econômica e social brasileira. O segmento da agricultura familiar
brasileira que congrega 84% dos estabelecimentos rurais e emprega 70% da mão de
obra no campo é responsável por 40% do valor bruto da produção agropecuária e
respondeu por cerca de 10% do PIB brasileiro. Desempenha significativo papel
estratégico nas políticas de planejamento e estudos estratégicos de
desenvolvimento dos micro-territórios rurais, (MDA, 2006).
4. Observando o planejamento urbano de
São Bonifácio.
A execução do Plano Diretor
Participativo de São Bonifácio não aconteceu por uma “força de viés ascendente”,
“interna” ou mesmo de esforço “endógeno” como num movimento político e social de
auto compreensão da comunidade de que – fazer Planejamento Urbano e Plano
Diretor é vital para o próprio futuro do desenvolvimento local. Comprova-se esta
realidade, pelo fato de acontecer pela primeira vez a iniciativa de planejar o
território municipal. Este ineditismo foi impulsionado
“externamente”.
O processo de construção do
Plano Diretor deste Estudo de Caso de planejamento, emerge de uma ”força de viés
descendente”, de um esforço “exógeno” a partir do Estado. Como afirma Pereira e
Santos (2008) em seu artigo – A prática participativa no planejamento urbano – o
poder público dá as cartas?
considera em suas conclusões: “que no momento parece-nos que ainda o
poder público possui um poder desigualmente mais forte no processo de construção
de alguns planos diretores participativos; no entanto, pelo menos, ele é
obrigado a jogar o jogo”. Este processo aconteceu desta forma por obedecer aos
princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade, exigência legal estabelecida na
Lei 10.257/01 e das resoluções do Conselho das Cidades em especial a resolução
25 de 18 de março de 2005. Para o caso específico de São Bonifácio trata se do
Artigo 41 do Estatuto da Cidade que
estabelece sobre os municípios obrigatoriedade para elaborar planos diretores
quando integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.
A Região Metropolitana de
Florianópolis, conforme figura 04, em Santa Catarina foi criada pela Lei
Complementar Estadual no. 162 de 06 de janeiro de 1998 e extinta pela
Lei Complementar Estadual no. 381 do ano 2007. Era constituída por
municípios conurbados (Biguaçu, Florianópolis, São José e Palhoça) e municípios
da área de expansão da região metropolitana (Alfredo Wagner, Angelina,
Anitápolis, Canelinha, Garopaba, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento,
Paulo Lopes, Rancho Queimado, São Bonifácio e São João Batista). Entretanto,
atualmente já tramita se na Assembléia Legislativa Estadual de Santa Catarina
outro Projeto Lei que criará novamente a Região Metropolitana de
Florianópolis.
Região
Metropolitana de Florianópolis, Santa Catarina – Brasil..
Fig. 04:
Mapa de localização da Região Metropolitana de Florianópolis.
Fonte: Mestrando Vinícius Constante –
Geografia UFSC. 2009.
A experiência iniciada em
2006 de planejamento urbano apresenta na construção do Plano Diretor
Participativo de São Bonifácio, SC vários documentos constituintes: Relatórios
de Leitura de Comunidade; Leitura Técnica e Municipal; Oficina de Planejamento
Estratégico e Congresso Municipal de São Bonifácio, (Plano Diretor – 2008 p.11).
Estes documentos fazem parte integrante do Projeto de Lei do Plano Diretor
Participativo. No atual momento está em processo de tramitação elaborado pelo
Executivo e sendo encaminhado para o Legislativo Municipal. No documento
Relatório de Leitura Comunitária está contido a escala hierárquica ou de
priorização dos temas segundo percentual de votos atribuídos (2006 p. 17) em
eventos de participação comunitária:
1- Desenvolvimento
Rural;
2- Infra-estrutura e
Saneamento;
3- Legislação Urbana e
Ambiental;
4- Meio Ambiente;
5- Desenvolvimento
Econômico;
6- Uso e Ocupação do Solo
(...).
Quando analisamos o
documento de planejamento urbano local, encontramos a proposta final do Projeto
lei do Plano Diretor Participativo que constam os objetivos estratégicos do
município de São Bonifácio, assim descritos no artigo XX:
I-
Promover o amplo desenvolvimento do
potencial econômico do município, criando as condições e implantando: a)
ampliação das atividades industriais e turísticas; b) Fortalecimento da
capacidade profissional e geração de emprego e renda; c) melhoria do sistema
viário; d) Qualificação urbana; e) Preservação do patrimônio histórico e
cultural do Município.
II-
Fortalecer a política municipal de
desenvolvimento rural integrado, buscando: a) Desenvolvimento sustentável sobre
os princípios de informação e gestão adequados; b) Preservação de recursos
naturais e qualificação ambiental; c) Valoração do produtor rural e combate ao
êxodo rural; d) Fortalecimento do cooperativismo, da diversidade da produção
agrícola e fortalecimento das atividades silvícolas.
III-
Fomentar o desenvolvimento social,
voltado à promoção social, resgate de identidade sociocultural e cidadania,
melhoria da qualidade de vida e fortalecimento da gestão participativa no meio
rural e urbano.
Os objetivos estratégicos
acima referidos deverão ser alcançados a partir da execução das estratégias de
desenvolvimento e qualificação territorial e urbanísticas do município assim
definidas (Plano Diretor – Titulo XX. P. 11):
1. Estratégias de promoção de
desenvolvimento rural;
2. Estratégia de saneamento
ambiental;
3. Estratégia de promoção do
desenvolvimento social e gestão participativa;
4. Estratégia de melhoria do sistema
viário.
5. Um olhar crítico da Lei a luz da
experiência de planejamento local urbano de um micro território
colonial.
Após uma breve observação sobre a experiência de planejamento urbano do
município de São Bonifácio, podemos conferir a nítida expressão de aspectos
ligados ao campo do desenvolvimento urbano, mas apresenta paralelamente
expressões de demanda pertencentes ao campo da realidade do desenvolvimento
rural. Quando na Leitura Comunitária prioritariamente é definido Estratégia de
Promoção em Desenvolvimento Rural, significa que este tema voltado a ruralidade
do local não está desvinculado das questões vinculadas à urbanidade deste mesmo
local. Assim, fica evidente o aspecto de contemplar se de forma integrada o
rural e o urbano nas políticas Públicas de Planejamentos Territorial destes
municípios de características voltadas para o rural. Nesta dimensão de
planejamento integralizado da realidade da agricultura catarinense podemos
encontrar em trabalhos de Mior, (2003) a seguinte argumentação: “Nas últimas
duas décadas do século XX testemunha-se uma transição nas concepções acerca do
desenvolvimento rural que ressalta a importância crescente da abordagem endógena
em detrimento da exógena. Da primazia de uma forte intervenção externa passa-se
a defender a mobilização social endógena as áreas rurais. Freqüentemente estas
concepções vêm associadas ao debate entre as análises que enfatizam a dicotomia
rural-urbano e as que buscam sair deste recorte setorial e defendem uma análise
territorial do desenvolvimento rural” (MIOR, 2003,
35p.).
Em contraponto quando verificamos os
recentes marcos legais de política pública de planejamento do território a
exemplo da Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 no artigo 41 dispensa de exigência
legal de Plano Diretor grande parte dos 4.642 municípios que tem menos de 20 mil
habitantes e abrangem parte significativa dos habitantes e do espaço
territorial brasileiro. Portanto,
não são todos os 4.642 municípios que estão contemplados nos critérios do artigo
41 desta Lei. Seria coerente para o Estado Brasileiro não incorporar em seus
marcos legais contemporâneos de políticas públicas de planejamento urbano
realidades a exemplo dos micros territórios municipais da
federação?
Ainda quando olhamos para o
artigo 40 da Lei no § 2o que estabelece: o plano diretor deverá
englobar o território do Município como um todo. Porém, no mesmo artigo 40 reza
que: o plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana. Aqui apresenta se uma
contraditoriedade. Se de um lado é preciso abordar o território municipal como
um todo, de outro lado a Lei em seu escopo conceitual não considera os aspectos
de rural e sua respectiva ruralidade.
Podemos assim, nesta ampla
e polêmica arena de debate do planejamento urbano defender a imperiosa
necessidade que nossos atuais marcos legais incorporem o conceito de realidades
“rurbanas” ou de noção sistêmica e holística integrando a noção de rural e
urbano. Este pensamento é argumentado por MIOR (2003 p. 38) em seu trabalho de
tese que em se confirmando a existência de uma maior integração entre rural e o
urbano há a necessidade de um conceito mais abrangente e que incorpore ambos. Na
prática do planejamento urbano desta realidade a exemplo de São Bonifácio
constatamos nas diretrizes do Plano Diretor local uma integralidade de rural e
urbano. O que não está perfeitamente claro e estabelecido no marco legal da Lei
10.257 de 10 de julho de 2001.
Ainda é possível
identificarmos nos documentos de Leitura Comunitária da construção do Plano
Diretor Participativo de São Bonifácio a presença marcante da temática ambiental
relacionada ao desenvolvimento territorial destas comunidades. Estão apontados
os itens de: Legislação Urbana e Ambiental e Meio Ambiente. Estas temáticas
relacionadas à sustentabilidade no planejamento urbano são evidenciadas na obra
- A duração das cidades, por Henri Acselrad (org.), (2001): “(...) A associação
da noção de sustentabilidade com o debate sobre desenvolvimento das cidades tem
origem nas rearticulações políticas pelas quais um certo número de atores
envolvidos na produção do espaço urbano procuram dar legitimidade às suas
perspectivas, evidenciando a compatibilidade das mesmas com os propósitos de dar
durabilidade ao desenvolvimento de acordo com os princípios da Agenda 21,
resultante da Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento e Meio ambiente (...)”
(ACSELRAD (org.), 2001, p.36-37).
Cabe pensar que as questões
ambientais afeta ao planejamento não se restringe apenas as cidades, mas
conforme aponta na prática de planejamento local de São Bonifácio, as questões
ambientais estão afeta ao território na sua integralidade rural e urbana. Henri
Acselrad (org.), (2001 p. 35) aponta a questão da eqüidade na sustentabilidade
de comunidades tradicionais, preservando os aspectos de auto-suficiência
econômica de comunidades de produtores ameaçados pela difusão homogeneizadora
das relações mercantis e monetárias. Pensamento este reforçado por ODUM (2007 p.
461) em que apresenta a observação de que em culturas muito isoladas, que devem
sobreviver apenas de recursos locais, as ações prejudiciais ao futuro são
percebidas e evitadas. Esta retroalimentação local na tomada de decisão é
perdida quando as culturas isoladas são incorporadas nas grandes e complexas
sociedades industriais. Fato este confirmado na Leitura de Comunidade de São
Bonifácio. Desta forma, o mundo rural apresenta se mais complexo e plural diante
de sua nova ruralidade e multifuncionalidade. Território estratégico para
prática das políticas de planejamento e ordenamento.
6. Considerações
finais.
As estratégias para
elaboração dos Planos Diretores derivam da regulamentação dos artigos 182 e 183
da Constituição Federal, onde estabelece diretrizes gerais da política urbana e
confere outras providências. O Plano Diretor Participativo é um importante
instrumento de política pública de planejamento e gestão.
Após uma breve análise em
nosso Estudo de Caso do Plano Diretor Participativo de São Bonifácio, SC,
constatamos que a realidade deste micro-terrítório apresenta-se com alta
complexidade e intensas inter-relações indissociáveis entre urbanidade e
ruralidade. Porém, a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 não contempla em seu
escopo esta abordagem que incorpore a noção integradora entre rural e urbana.
Não apresenta se como um Marco Legal que realize intervenção do Estado nestes
micro-territórios rurais de forma orgânica entre rural e urbano. A Lei deve ser uma possibilidade de
diálogo e interface entre rural e urbano.
Podemos ir mais longe,
afirmando em nossas conclusões, que diante do papel importante dos pequenos
municípios para os atuais aspectos econômicos, sociais e ambientais do
desenvolvimento, há certa omissão do Marco Legal Estatuto da Cidade em não
estabelecer obrigatoriedade de Planos Diretores, raro algumas exceções
estabelecidas no Artigo 41 da referida Lei, para aquelas cidades inseridas na
escala que compreendem os 4.642 municípios com menos de 20 mil habitantes.
Em pleno inicio do século
XXI o Brasil tem um novo contexto de planejamento territorial, o Plano Diretor
que assume posição estratégica no processo de gestão municipal como um todo,
conforme estabelece o artigo 40 em seus parágrafos 01 e 02, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as
diretrizes e as prioridades neles contidas. Portanto, ainda temos um longo
caminho a percorrer no processo de construção dos mecanismos que promovam
inclusão social nas políticas de planejamento urbano, principalmente deste
“outro Brasil Rural”.
Sabemos que o processo de
planejamento e gestão dos municípios brasileiros percorre um processo difícil de
mudança e transformação conceitual, bem citado na introdução do Projeto Lei do
Plano Diretor Participativo de São Bonifácio (2008) e que demanda uma profunda
revisão do modo como o desenvolvimento urbano vem sendo conduzido nas últimas
décadas.
Diante de nossa indagação
inicial: É coerente aplicar a mesma estratégia de planejamento urbano para
realidades de grandes centros urbanos, tanto quanto, para realidades de pequenas
cidades inseridas em realidade essencialmente rural? Como estabelecer Políticas Públicas de
Planejamento, Gestão e Ordenamento Territorial dirigido a população rural quando
sempre pensada a partir da realidade urbana? A resposta não se esgota neste
documento, mas é possível afirmar que a realidade plural dos pequenos municípios
tem peculiaridades e dinâmicas intrínsecas a sua própria realidade que os difere
dos grandes centros urbanos. Desta forma requer avançarmos para formas adequadas
de Planejamento e Gestão voltadas para a realidade rural e, sempre considerando
a complementaridade das diferentes realidades entre o rural e urbano. O momento
histórico atual e perfil de nossa sociedade brasileira percorrem período de
transição pós-regime Militar, com advento da República Nova e Constituinte 1988.
As mudanças de um planejamento funcional para um “novo’ planejamento urbano;
ainda em consolidação, exige dos técnicos, intelectuais, gestores públicos e a
própria comunidade um lento processo de construção para prática de planejamento
participativo integrando urbano/rural (WOODS, 2009).
Finalmente estar-se atento
nos processos de planejamento para as relações entre Desenvolvimento e questões
ligadas aos temas da Sustentabilidade e reflexos Ambientais. A interface entre
estes temas afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas e suas
respectivas cidadanias. Tanto a ruralidade quanto a urbanidade retratam estes
aspectos do modo de vida do rural e do urbano, autoestima, identidade local e
sentimento de pertencimento destas comunidades interioranas do Brasil.
Planejamento e Gestão de Micro Territórios remetem a conceito de ordem
territorial na superação da visão setorial.
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Progress
in Human Geography. UK. 33(6) (2009) pp. 849
– 858.
Ponencia
presentada en el XII Encuentro Internacional Humboldt "El Capitalismo como
Geografía", La Rioja, Argentina - 20 al 24 de setiembre de 2010.