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Asunto: | [encuentrohumboldt] 149/09 - ESPAÇOS DISCURSIVOS DE TRABALHO: o não-luga r do trabalho, novas territorialidades e configura ções de subjetividades | Fecha: | Sabado, 21 de Noviembre, 2009 20:26:29 (-0300) | Autor: | Encuentro Humboldt <encuentro @..............org>
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ESPAÇOS DISCURSIVOS DE TRABALHO: o não-lugar do trabalho, novas
territorialidades e configurações de subjetividades
Carlos Alberto Máximo Pimenta
UNITAU – Universidade de Taubaté
UNIFEI - Universidade Federal de
Itajubá
Rosa Frugoli
UNITAU – Universidade de
Taubté
Resumo
Este trabalho reflete sobre as mudanças estruturais ocorridas na
sociedade contemporânea, centrado no reconhecimento das novas territorialidades
urbanas produzidas na lógica do trabalho popular e informal, exercidas nos
espaços de circulação. Assume seu ter qualitativo; etnográfico, em termos de
observação espacial, e sociológico, em termos de análise dos dados empíricos,
sem perder de horizonte as diferentes linguagens históricas de organização da
atividade humana e a referência da realidade presente em cidades e pequeno
e médio porte, a exemplo de Itajubá, sul de Minas Gerais, e Taubaté, Vale
Paraíba paulista. Conclui-se que está correndo uma ressignificação dos
espaços públicos, agora também percebidos como de circulação-trabalho, o que
gera um sentimento negativo da cidade, do sistema produtivo e das formas
tradicionais de trabalho.
Abstract
This work reflects the structural changes in contemporary society,
focusing on recognition of new urban territorialities produced in line with
popular and informal work, performed in spaces of movement. Assumes its
qualitative character, ethnographic, in terms of space observation, and
sociological in terms of analysis of empirical data, without losing the
historical horizon the different languages of organizing human activity and the
reference to reality in this city of small and medium businesses, like Itajubá,
south of Minas Gerais, and Taubaté, São Paulo Paraiba valley. It appears you're
a re public spaces, now perceived as a movement to work, which creates a
negative feeling of the city, the production system of traditional forms of
work.
Introdução
Este trabalho, parte das discussões que se trava no projeto “as
novas territorialidades e configurações de subjetividades no mundo do trabalho”.
Tem como objeto os novos arranjos sociais do mundo do trabalho.
Entende-se por arranjos sociais do mundo do trabalho as
conseqüências do processo de precarização do trabalho e perda dos direitos
trabalhistas, a implantação dos sistemas produtivos transnacionais e as
tendências de acumulação do capitalismo flexível, conforme apontados por Ricardo
Antunes (2007), Ulrich Beck (1999) e David Harvey (1993),
respectivamente 1.
A partir desse contexto, propõe-se em discutir as mudanças
estruturais ocorridas na sociedade contemporânea e seus desdobramentos no
processo de socialização (ou institucionalização), centrando-se no reconhecimento das
novas territorialidades urbanas produzidas na lógica do trabalho informal e
exercidas nos espaços de circulação de pessoas, bens e consumo.
As transformações sociais em curso, sobretudo as decorrentes da
internacionalização da economia e da reestruturação das escalas produtivas do
sistema capitalista, têm influenciado as mudanças recentes na organização e na
estrutura do trabalho e do espaço de circulação humana que vão desde os
deslocamentos rurais e urbanos até as novas formas tecnológicas de distribuição
de bens e serviços.
Tais mudanças não estariam ocorrendo somente nas relações
clássicas do trabalho, mas no campo alargado das instituições sociais e
públicas, que passariam por outra forma de ordenamento jurídico, social,
cultural, e, conseqüentemente, de subjetividades.
No contexto, há que se considerar o escopo das mudanças que afetam
o mundo do trabalho, hoje, e reconhece os nexos reais e conceituais que imbricam
a realidade das territorialidades e das configurações de subjetividades com a
concretude da vida social, na forma de novos modos de circulação de bens,
produtos e pessoas.
Portanto, tem-se como objetivo refletir sobre as mudanças
estruturais ocorridas na sociedade contemporânea e seus desdobramentos no
processo de socialização, centrando-se no reconhecimento das novas
territorialidades urbanas produzidas na lógica do trabalho informal ou de
atividades econômicas populares (venda de artesanatos, salgadinhos e produtos
importados da China ou Paraguai, como exemplos) e exercidas nos espaços de
circulação.
A proposta ganha relevância, quando se questiona a idéia de
organização urbana em torno da lógica e das formalidades esperados pelo sistema
socioprodutivo.
Na medida em que cresce o trabalho informal e, junto com ele,
vê-se a valorização, mesmo que no âmbito da tentativa de gestão pública, de
práticas organizativas e atividades de geração de renda precárias.
Por tratar-se de pesquisa qualitativa, assumiu o caráter
etnográfico, em termos de observação espacial, e sociológica, em termos de
levantamento de dados empíricos, das conversas (entrevistas informais) e análise
critica dessas informações coletadas.
Os locais de pesquisa são a cidade de Itajubá (Minas Gerais) e
Taubaté (São Paulo), em face dos discursos de políticas públicas de
desenvolvimento econômico de base empresarial
tecnológica.
a. a
cidade de Itajubá, situada na microrregião de Itajubá2, sul do estado de Minas Gerais. Sabe-se,
conforme dados do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (2007),
que essa microrregião compreende uma área de 2.979.130 Km2, com uma população de
194.144 habitantes. Ela compõe-se de 13 municípios, quais sejam: Brasópolis,
Consolação, Cristina, Delfim Moreira, Dom Viçoso, Itajubá, Maria da Fé,
Marmelópolis, Paraisópolis, Piranguinho, Virgínia e Wenceslau Braz, todos num
conjunto presente na Serra da Mantiqueira, próximo as regiões do vale do Paraíba
paulista e sul fluminense. Esta microrregião tem arrecadação bruta de ICMS, nos
anos de 2006 e 2007, em torno de R$ 102.905.941,00 e R$ 113.992.102,55,
respectivamente e, com esse quadro, apresenta-se como importante pólo de
desenvolvimento;
b. a
cidade de Taubaté, situada na região do Vale do Paraíba do
Sul3, interior
do estado de São Paulo. Esta região localiza-se no nordeste do Estado de São
Paulo, entre a
região metropolitana da capital, o sul do Estado do Rio de Janeiro e o sudoeste
do Estado de Minas Gerais. Abrange uma área pouco superior a dezesseis mil
km2, com uma
população estimada em mais de dois milhões e duzentos mil habitantes, para o ano
de 2005 (IBGE, 2006). A região encontra-se dividida entre trinta e nove
municípios (hoje, cinco deles possuem mais de cem mil habitantes).
Segundo dados do NIPPC (2008), no caso do Vale do Paraíba, esta
“estrutura direciona a maior parte dos investimentos econômicos destinados à
região para a cidade de São José dos Campos, pólo industrial diversificado”. Por
outro lado, “a outra parte é divida entre as outras quatro maiores cidades da
região (Taubaté, Jacareí, Pindamonhangaba e Guaratinguetá)”. Quanto ao restante
dos municípios, os investimentos são praticamente nulos. Trata-se de processo
universal de monopolização capitalista que acaba também a organizar a lógica das
questões culturais.
De alguma forma, a industrialização dessas regiões, respeitado as
proporções de cada uma delas, inaugura uma relação de tipo
capitalista-monopolista que passou a organizar a distribuição de investimentos
industriais e de riqueza segundo a relação centro-periferia, materializada
localmente a estrutura de organização econômica mundial (cf. ARRIGHI, 1997).
A título de esclarecimento, a predisposição do método a ser
utilizado é a de estabelecer um diálogo de fronteiras abertas entre a Sociologia
e a Antropologia, sem perder de horizonte a História e as diferentes formas de
organização da atividade humana. Ou seja, é uma possibilidade de inserção ao
mundo do trabalho informal, por intermédio do instrumento da observação
etnográfica, ao modo de vida das pessoas.
Dentro do critério de acessibilidade, estabeleceram-se conversas
informais com duas pessoas, ambos com barraca no Shopping Beira Rio (Itajubá,
MG), como é chamado, e com quatro vendedores ambulantes (Camelódromo de Taubaté,
SP). Eles 4, em face
da presença de um estrangeiro naquele local de trabalho, vieram na presença do
pesquisador questionando os por quês da presença e das fotos.
O diálogo só ganhou sentido e significação quando do
esclarecimento da proposta de pesquisa. As conversas informais duraram mais de
uma hora, nas experiências das duas cidades, e um dos sujeitos sugeriu o uso de
um gravador para registrar a conversa, o que não possível pelo caráter desta
inserção exploratória.
Vende-se de tudo neste local de atividades de geração de renda,
hoje formalizado pelas Prefeituras de Itajubá e de Taubaté: desde produtos de
papelaria, roupas e acessórios, calçados, brinquedos importados, chaveiro até
tecnologias digitais (máquinas fotográficas, computadores, CD’s, dentre
outros).
No campo de pesquisa, partiu-se da convicção de que as observações
e análise teriam uma vigilância sociológica constante, uma vez que a tradição
reflexiva da sociologia, enquanto ciência moderna e do homem, desde Weber,
afirma que só é possível produzir um entendimento satisfatório de um
questionamento científico mediante uma constante vigilância epistemológica.
Nessa vigilância epistemológica toma-se como partida a obra “A Miséria do Mundo”
organizada por Pierre BOURDIEU (2003), que sugeri critérios de referências e
elementos que permitam a segurança da reflexão e da compreensão do objeto
estudado.
Portanto, os dados até aqui coletados, embora iniciais, foram
sistematizados e levando-se em conta os seguintes
critérios:
a. Dimensões Históricas . Não perder de horizonte a contextualização de cada tempo e
espaço urbano identificado, sem desconectar a referência do processo histórico
com a existência de conflitos.
b. Elementos Objetivos e Subjetivos do Objeto de
Estudo . Outra
convicção necessária é a de que essa contextualização histórica compõe-se de
interditos objetivos (leis, normas, regras) e que é composta por elementos
subjetivos (ideologia, poderes simbólicos, características e memórias regionais, entre
outros), resultantes do próprio processo sociocultural
humano.
c. Trajeto de Análise. Parte-se do entendimento da totalidade à particularidade, das
questões macro às micros, pois é no jogo do macro (contexto político, econômico
e sociocultural de determinado tempo) ao micro (o objeto específico de pesquisa:
o cotidiano, a memória local, entre outros) que pode ser possível apreender as
contradições do processo histórico e explicar algumas ambigüidades
experimentadas em face das fragmentações, inseguranças, fluidez e
instabilidades, características das atuais relações
sociais.
d. A Pluralidade do Presente . A totalidade deverá ser vista em relação aos
seus integrantes, contudo esta mesma é parte na condição de instituição social e
possibilita a manifestação da totalidade social enquanto parte desta. Dessa
forma, os processos sociais de relação do trabalho compõem formas padronizadoras
de subjetividades (totalidade), porém o pesquisador deverá definir as
singularidades que melhor expressem, no momento da pesquisa de campo, na sua
particularidade, a pluralidade do grupo.
e. Relações de Poder . Parte-se da convicção de que o entendimento das
relações de poder
presentes nas
estruturas que sustentam o sistema produtivo contemporâneo é condição importante
e necessária. Não há como negar a influência ideológica de forças sobre as
tendências e estratégias de desenvolvimento.
No esforço de síntese, para refletir sobre as mudanças estruturais
ocorridas na sociedade contemporânea e seus desdobramentos no processo de
socialização, das novas territorialidades urbanas, da lógica do trabalho
informal e dos espaços de circulação estruturou-se este artigo em duas partes: a
primeira teórica de localização das mudanças na lógica da modernidade e a
segunda, de ordem empírica, demonstrar como essa lógica interfere nas
territorialidades urbanas e nos espaços de circulação.
O Mundo do Trabalho: dimensões teóricas
Como o percurso de pesquisa também é empírico, não se limitando às
relações produzidas no espaço específico da relação do trabalho formal,
pensa-se, por primeiro, no movimento dialético da realidade por intermédio do
trabalho informal que, cada vez mais, ganha corpo e preocupação na agenda da
organização do espaço urbano.
Por outra via, buscar o entendimento sobre o contexto particular
das cidades de Itajubá e de Taubaté, em especial das estratégias de
desenvolvimento empreendidas pelos poderes públicos e econômicos locais, não se
pode cometer o erro de separar esta realidade com as transformações de ordem
global em curso.
Sabe-se que o trabalho ganhou importante centralidade no mundo
moderno urbano e desde o final do século XX os seus modos clássicos têm dado
lugar para uma série de outras formas de atividade laboral, amplamente difundida
em uma série de arranjos socioculturais. Esses arranjos trazem transformações
contundentes ao mundo da produção e do próprio trabalho ao produzirem crescentes
precarização do trabalho, elevados índices de desemprego no mundo.
Trata-se de um movimento mundial em torno do trabalho que em seu
efeito negativo expulsa milhares de trabalhadores para o mercado informal,
especialmente quando se fala de cidades de grande e médio porte, ou desloca
milhares de pessoas das zonas rurais às cidades de maior potencial de
“desenvolvimento”.
A preocupação desta pesquisa refere-se às conseqüências do
primeiro movimento descrito e ao crescimento, agregado, de uma economia cada vez
mais informal, o que tem feito proliferar ocupações exercidas nos espaços antes
reconhecidos como de circulação (rua, praças, largos etc), modificando a lógica
do trabalho, como atividade, que agora se confunde com o espaço ampliado da
cidade.
Antes de avançar, abre-se um parêntese para explicitar as
interferências desse processo às subjetividades e ao sujeito social, uma vez que
os chamados processos globais5
(ou as recentes
transformações socioculturais decorrentes da internacionalização da economia)
têm afetado o mundo do trabalho e gerado contextos diversificados de
relações.
Autores como DUBET (1996), TOURAINE (1999), entre outros, têm
analisado o impacto dessas transformações na vida humana, em um plano de
abordagem macroeconômica, considerando suas conseqüências com problemas
decorrentes do reordenamento institucional promovido no âmbito das mudanças
estruturais em desenvolvimento.
Da perspectiva dessa abordagem macroeconômica, acentuam-se algumas
conseqüências: a interferência de agências multilaterais internacionais na
organização e estruturação dos sistemas produtivos (sobretudo em países
periféricos 6); a
mudança do discurso oficial sobre as políticas de formação e de enfrentamento às
modificações na lógica do trabalho; a introdução de mecanismos avaliativos,
baseados na produtividade, por intermédio da definição das prioridades de
investimento; o crescente processo de exclusão social; as transformações no
estatuto do sujeito contemporâneo; a ruptura ou a dissolução do papel mediador
do trabalho formal no acesso aos “benefícios” apontados pelo mercado ou pelo
consumo, entre outras.
Essas conseqüências, muito acentuadas por TOURAINE (1999) e DUBET
(1996), assentam-se na análise de que a internacionalização da economia é uma
sobredeterminação desse componente-meio para um componente-fim, que rompe não só
com a configuração e a soberania da nação, mas também com a idéia de sociedade
e, em extensão, com a idéia de sujeito (como ator social), em uma nova
combinação de fatores objetivos e subjetivos da experiência social.
TOURAINE defende a tese de que a humanidade vive sobre as ruínas
do marxismo-leninismo e da sociedade burguesa e que “sem a morte da sociedade e
do ego, a
procura e a defesa do sujeito não teriam sentido” (1999, p. 71). E denuncia de
modo incisivo: “o sujeito se acha tão ameaçado no mundo de hoje, pela sociedade
de consumo que nos manipula ou pela busca de um prazer que nos aprisiona em
nossas paixões, como o era no passado pela submissão à lei de Deus ou da
sociedade” (Idem, p. 70). Para ele, o sujeito é a procura pelo próprio
indivíduo, “das condições que lhe permitem ser o ator da sua própria história”,
configurando dois processos, ou seja, 1. “o desejo do indivíduo de ser um ator”;
2. “o desejo de individualização”.
No processo do indivíduo em ser um ator, o sujeito não é uma
simples forma da razão, mas “é liberdade, libertação e negação”. No processo da
vontade da individuação constitui-se a subjetivação quando “o indivíduo se define novamente por
aquilo que faz, por aquilo que valoriza e pelas relações sociais nas quais se
acha assim engajado”(Idem, p. 76). Dessa forma, para TOURAINE, o
sujeito
resulta da
reconstrução e recuperação da unidade do indivíduo – seu desejo de ser ator, seu
esforço de subjetivação – como unidade consciente e com uma identidade.
Permanecendo o indivíduo na dualidade, ele aceita os apelos do
mercado e cai no consumismo desenfreado e acrítico. Não tendo essa
possibilidade, sucumbe no mundo das drogas, da violência e dos excluídos do
sistema. Os sujeitos excluídos do sistema podem encontrar suas saídas na
construção comunitária, nas redes solidárias e na solidariedade.
A temática do sujeito necessita ser recheada de conteúdo social e político que ultrapasse as
demandas do Ego
e atenda as
exigências da liberdade, da igualdade e da justiça. Não são meras especulações
cognitivas, mas buscas concretas para uma melhor organização da sociedade,
tornando-a mais justa. Para tanto, TOURAINE sugere que deve haver avanços em três níveis: 1.
“o conflito aberto – exigência pessoal de liberdade quanto ao poder dos
sistemas”; 2. “o debate pelo qual se definem as condições institucionais de
respeito e encorajamento da liberdade de cada um”; e 3. “a formação geral da
eqüidade, mas, sobretudo, mais concretamente, das condições da integração social
e de uma mudança sustentável” (Idem, p. 87). Para ele, na seqüência das etapas,
a análise oscila “do sujeito pessoal para a comunicação entre os sujeitos e
depois para as instituições, à liberdade do sujeito pessoal numa análise sempre
mais cognitiva das regras de funcionamento da sociedade” (Idem, p. 87).
Este autor enquadra sua trajetória intelectual de compreensão e
interpretação do sujeito, desde a análise do movimento operário até as recentes
posições em relação aos movimentos sociais. Afirma que o lugar central dado à
idéia de sujeito
deve ser
identificado em cada momento histórico, quando talvez se localize a “imagem de
uma sociedade ideal ou historicamente necessária”, porque “muitos falam em nome
da liberdade e da justiça – e sobretudo da igualdade” (Idem, p. 91). Então, ele
sinaliza que prevalece a “exigência de cada indivíduo de se tornar um ator da
própria história, um ser humano à procura da felicidade e um cidadão que
procura, tanto para os outros como para a sua própria liberdade, a proteção da
lei” (Idem, p. 94), num mundo dividido entre o das identidades comunitárias e o
da economia mundializada.
E os sujeitos coletivos? São construídos e constituídos pelos
diferentes movimentos sociais, sindicatos, organizações de base que podem ser
abarcados pelo movimento cidadão. Assim, [...] no movimento cidadão as referências simbólicas e de ação
social dizem respeito aos valores da cidadania e da democracia, compreendendo
vários desdobramentos. A cidadania inclui as noções de direitos humanos e civis,
sociais e de terceira geração. A democracia inclui os ideários de justiça,
participação, reconhecimento das diferenças e outros que vão sendo construídos
no próprio processo de democratização (ROSSIAUD; SCHERER-WARREN, 2000, p.
35).
É na práxis dos
movimentos sociais que se burilam os sujeitos sociais, os sujeitos culturais que se constituem em sujeitos políticos. Eles constroem saberes, valores, cultura. Os processos
educativos desses sujeitos brotam das tensões, dos conflitos, das contradições,
da ordem social vigente. E [...] as lutas sociais formam os novos sujeitos
sociais em cada espaço e em cada tempo da história e este é um processo
cultural. Isto significa em síntese: a) que um grupo ou um movimento se torna
sujeito social quando se sabe sujeito, e não necessariamente no sentido
intelectual deste termo, e este saber-se sujeito implica em experimentar sua
condição em termos culturais; b) que a cultura produzida no processo que forma
sujeitos passa a ser um elo importante para a compreensão mais profunda do
próprio processo histórico (CALDARI, 2000, p. 51-52).
Em contrapartida, quando analisa o retorno do sujeito, TOURAINE
expressa sua preocupação em relação à reflexão sobre a educação e fala da
necessidade da escola do sujeito. A sociedade industrial, segundo ele, estava “centrada na produção e nas
relações de trabalho (1999, p. 317)”, dando pouca atenção à
educação7, porque
enxergava o
indivíduo como trabalhador e não mais como cidadão de uma “sociedade política”.
Também a sociedade contemporânea, segundo ele, valoriza mais a educação que
prepara para o mercado de trabalho do que para o exercício da cidadania.
Tanto para TOURAINE quanto para DUBET a educação tem papel central
no atual mundo do trabalho e ao sistema produtivo que se desenha. A questão é
que a educação, privilegiando um determinado tipo de desenvolvimento sem
sustentabilidade ou humana, desconsidera os projetos pessoais dos educandos,
sendo quase que impossível adaptar os jovens de hoje a uma profissão do
futuro.
Em DUBET, uma vez rompidos os liames tradicionais entre sujeito e
instituições, chegamos ao “fim da idéia segundo a qual o ator é um
sistema”(1996, p. 10). Dessa forma, DUBET não acredita “que a socialização se
faça mais através do aprendizado de um papel, mas através da construção de uma
experiência” (1996, p. 12). Essas perspectivas mereçam aprofundamentos dentro
dos processos sociais de trabalho, mas, sobretudo, sugerem uma possibilidade de
interpretação das novas formas de circulação do espaço urbano em torno do
consumo de bens e sobrevivência e, conseqüentemente, das configurações de
subjetividades nesse contexto.
Ocorre que o caráter dessas novas experiências de relacionamento
tem um duplo registro: o dos atores macroeconômicos e o dos atores
microeconômicos. O registro macroeconômico, já mencionado anteriormente, permite
supor que o papel do trabalho, mais que suprimido no processo de socialização,
parece ter-se deslocado para o campo do não-trabalho 8, em uma nova combinação dos fatores objetivos e
subjetivos da experiência social, que aponta para o mercado, cada vez mais, como
princípio condicionante geral.
Vale ressaltar que não se trata de pensar, por exemplo, o processo
de exclusão do trabalho como reflexo da exclusão social, mas como novos arranjos do sistema produtivo que
atingem a centralidade da idéia clássica de trabalho, impondo à sociedade, à
identidade, à subjetividade, às representações sociais e ao sujeito uma busca,
vezes interminável, por respostas e caminhos.
O Mundo do Trabalho: dimensões empíricas
No conjunto das preocupações sobre o levantamento de dados,
cotejados com a teoria privilegiada, deve ser ressaltado que a expressão
extraída do universo empírico poderá ser captada nos depoimentos orais, mais
também por imagens corporais. Na soma das conversas informais e fotos realizadas
se evidencia os novos arranjos do sistema produtivo.
O registro fotográfico de situações cotidianas coletadas do
Shopping Beira Rio e de um “carro de catar papel”, este estacionado na porta de
uma loja convencional, trazem significações e sentidos à cidade, à idéia de
urbano e de espaço de circulação de bens, pessoas e serviços e, principalmente,
à relação espaço-indivíduo, na medida em que as relações de trabalho se revelem
na “trama” da vida cotidiana.
Foto 1 : Shopping Beira Rio
Após vinte e dois anos, o que um agrupamento de pessoas começaram
a organizar pontos de venda de roupas e produtos do Paraguai, aos poucos, foi se
constituindo em um “shopping” popular de venda de mercadorias. Hoje, as
configurações caminham à venda de produtos e tecnologia chinesa. Foram se
constituindo nas margens do Rio Sapucaí, uma importante via pública da cidade de
Itajubá. Mede aproximadamente duzentos metros, em linha reta, e ocupa todo o
passeio que beira as citadas margens.
Diante dos diversos conflitos que essa “organização empresarial
popular” causou à certos setores da sociedade local, a prefeitura, por volta de
uns oito anos, passou a organizar aquela atividade de renda exigindo certa
padronização nos boxes e cobrando taxa. Exigiu, também, a institucionalização de
uma associação para estabelecer o diálogo entre poder público e trabalhadores, o
que, segunda uma das entrevistadas, tem pouco funcionalidade coletiva.
A idéia da prefeitura, conforme conversas informais com os
entrevistos, era a de dar concessão-licença de uso do espaço urbano para os
trabalhadores pobres, popularmente chamados de “camelo”, e da cidade de Itajubá.
Nos diálogos iniciais essas pessoas não se intitulam de “camelos”, muito menos
são informais, e indicaram que nem todos são de Itajubá.
Na realidade o que se almeja é uma aproximação da lógica de
organização socialmente reconhecida, embora se tenha a crença de que se trate de
uma atividade diferenciada e popular.
Parte da cidade, esta com melhor potencial de consumo, vê no
Shopping Beira Rio uma possibilidade de acesso ao consumo e aos bens. Porém, nem
todos, de acordo com os entrevistados, acham o local apropriado para negócios e
que a cidade poderia ficar mais bonita se o Shopping fosse em outro lugar e não
as margens do rio 9.
Foto 2 : Entrada do Shopping Beira Rio
O Shopping Beira Rio não é a única forma de geração de renda
popular.
Aparecem nas diversas praças públicas da cidade e na antiga
estação de trem feiras de artesanato, de barganhas e de circulação de produtos
rurais 10.
Aparecem também os “catadores de papéis” ou “sucateiros”, os quais recolhem do
comércio, dos domicílios e do espaço urbano o “lixo”. Esses movimentos têm, no
mínimo, duas funções: geração de renda e sustentabilidade ambiental.
Os fornecedores das matérias primas coletadas pelos catadores de
papeis estabelecem os horários e as regras dessa atividade. Normalmente, eles
circulam na primeira hora ou na última hora da jornada do
comércio.
Foto 3 : Veículo de “Catador de papel” estacionado na via
pública
Aproximando essas observações preliminares, pode-se acrescentar
que a informalidade (ou o trabalho informal) passa a ser uma crescente no mundo
em desenvolvimento. Portanto, entender as transformações que desencadeiam nos
arranjos à estrutura da sociedade industrial moderna se faz necessário.
Acrescentam-se, inclusive, as sugestões de AUGÉ (1994), no texto
"Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade", para promover
o entendimento do que ele chamou de: "supermodernidade", sem perder de horizonte
questões levantadas por TOURAINE (2002), em críticas à modernidade, por BAUMAN
(1999; 2001), no que diz respeito à liquidez da modernidade. Acrescenta-se,
ainda, às análises de GIDDENS (1991), quando apresenta questões relacionadas à
supermodernidade, principalmente no que se refere à noção de tempo-espaço. Isto
é, segundo GIDDENS, a concepção do encurtamento das distâncias e do tempo em
decorrência das novas tecnologias.
No contexto, utilizou-se dos apontamentos de BECK (1999) quando
indicou respostas críticas à globalização. Ao trazer o dado empírico para
reflexão teórica pode-se, em BECK, apreender com maior precisão a questão atual
da tensão capital versus trabalho, relação essa que provoca mudanças
significativas na sociedade globalizada. O que era certo e determinado passa a
ser incerto. Essas leituras são relevantes e indispensáveis para se pensar não,
somente, a precarização do trabalho, mas, essencialmente, as estratégias e
linguagens que o homem simples apresentar para superar as suas dificuldades e
necessidades.
Como afirma ROSANVALLON (1995), esse movimento não caracteriza uma
forma jurídica precisa de atividade, um tipo determinado, mas um conjunto de
práticas sociais experimentais. Esses aspectos, se bem identificados, permitem
supor que o estatuto do trabalho, no processo de socialização, passa por uma
“crise” ou “arranjos produtivos”, mas também coloca as novas possibilidades de
formação.
Por outro lado, enfatizando o aspecto microeconômico desse
trabalho, fica consignado que no registro microeconômico, embora se pressuponha
um conjunto de práticas ainda não caracterizadas no processo de socialização do
trabalho, não é possível aceitar ou enxergar esses arranjos socioculturais do
trabalho.
Contudo, não deve haver ingenuidade quanto as práticas populares
junto aos novos arranjos socioculturais do trabalho, pois, em geral, essas
práticas correspondem às tentativas de combater, ou evitar, a exclusão social,
mas de entrada a uma certa ordem social.
Na cidade de Taubaté, o procedimento de institucionalização de um
espaço de venda de produtos populares (Camelódromo), também ganha a
interferência organizativa do poder público local, o qual constituiu um espaço
apropriado ao comércio desses produtos, seguindo a mesma lógica de Itajubá.
A foto abaixo mostra o exemplo de uma estrutura de comércio
popular na cidade de Taubaté. O chamado “Camelódromo”, institucionalizado e
organizado, não sem tensão, pelo poder público.
Foto 4 – Camelódromo de Taubaté
Área central da cidade – próximo ao Mercado
Municipal
A rua, as praças públicas, as festas, os espaços de circulação são
apropriados por certos setores populares no sentido de auferir renda. Os
produtos comercializados são de caráter artesanal ou produtos tecnológicos
oriundos da China, Paraguai, dentro outros objetos de consumo de caráter
informal e popular. Essa parece ser uma tendência nos centros de grandes e
médios portes, enquanto estratégias aos setores populares de geração de renda e
de sobrevivência.
Considerações finais
Pensar o não-lugar do trabalho implica, sobremaneira, identificar as novas territorialidades
e
configurações de
subjetividades,
presentes no espaço urbano. Nesse contexto, os sujeitos, seus papéis e os
instrumentos à sua disposição é que configuravam as relações mediadoras pela
idéia de trabalho contida na moderna sociedade industrial e no processo de
socialização. No interior do movimento, passam por inúmeras transformações, cuja
repercussão recai na necessidade de produção de um novo ordenamento na
sociedade, a partir da óptica do jurídico e institucional, privado e público,
Por outro lado, ao valorizar as observações de campo, em especial dos registros
etnográficos, em que se permite realizar descrições do cotidiano do trabalhador
e do trabalho informal nas cidades de Itajubá e de Taubaté. Tudo não sem análise
reflexiva e crítica. Com essas estratégias e instrumentos pode-se apontar que
atuais arranjos sociais do trabalho, as suas dimensões objetivas (localização espacial, estilo de vida,
contrastes culturais e econômicos, entre outras percepções possíveis) e
subjetivas
(símbolos e
códigos sociais, preconceitos, constituição ideológica das novas
relações de
trabalho, entre outras possibilidades) compor e aparece em um quadro de questões
socioculturais relacionadas com a atual lógica urbana, as novas
territorialidades e as configurações de subjetividades inscritas no âmbito do
trabalho informal aparecem.
Na medida em que se observa o crescimento da economia informal, o
que tem feito proliferar ocupações exercidas nos espaços antes reconhecidos como
de circulação (rua, praças, largos etc.), modificando a lógica do trabalho, como
atividade, que agora se confunde com o espaço ampliado da cidade.
Tomado como referência a realidade dos grandes centros urbanos,
pode-se atentar que há um jeito peculiar, em termos de observação da cidade de
Itajubá, município sede da microrregião de Itajubá, de uma ressignificação dos
espaços públicos, agora percebidos como de circulação-trabalho, mas que não
deixa de gerarcausar um sentimento “negativo” de determinados setores da
cidade,
do comércio
e das formas
tradicionais de
trabalho. Esse
sentimento de negatividade aparece, inclusive, na fala de um dos entrevistados
quando diz que fala, constantemente, na “cabeça” do filho para que abandone os
importados da China e diz: “essa atividade ainda não é crime, mais vai
virar”.
Em termos de organização política, os vendedores do Shopping Beira
Rio e do Camelódromo taubateano, embora tenham representatividade em
associações, não têm força e muito menos canais de diálogos com o órgão
público.
Por outro lado, começam a perceber, pelo menos em termos de
discurso, que é na práxis dos
movimentos sociais que se burilam os sujeitos sociais, os sujeitos culturais, os quais, só assim, na ação, se constituem em sujeitos políticos. Eles percebem que estão construindo
saberes, valores e cultura.
Conclui-se que está ocorrendo uma ressignificação dos espaços
públicos, agora eles são, também, percebidos como espaço de circulação-trabalho,
o que gera um sentimento negativo de determinada parcela da cidade, do sistema
produtivo e das formas tradicionais de trabalho.
IX – REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Ensaio sobre
as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 12.
ed. São Paulo, SP. Cortez; Campinas, SP:
Editora da Universidade Estadual de Campinas,
2007.
ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do
desenvolvimento. 3 ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 1997.
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da
supermodernidade. 3. ed. Campinas, SP, Papirus,
1994.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização:
as
conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
1999.
________________. Modernidade
Líquida. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
BECK, Ulrich. O que é Globalização?
Equívocos do
Globalismo, respostas à globalização. São Paulo, Paz e
Terra, 1999.
BOURDIEU, Pierre. A Miséria do
Mundo.
Petrópolis, RJ, Vozes, 2003.
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escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000.
DUBET, François. Curso sobre exclusão social
(transcrição
de aulas ministradas na USP, entre 9 a 13/09). SP: USP,
1996.
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social.
Pobreza, emprego, Estado e o futuro do
capitalismo.
2.ed. RJ: Paz e Terra, 1999.
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da
Modernidade.
SP: UNESP, 1991.
HARVEY, David. Condição
Pós-Moderna.
São Paulo, Loyola, 1993.
NIPPC. Na Trilha da Identidade Cultural:
artistas
populares em região de tradição caipira. Taubaté, SP,
PRPPG/UNITAU. Projeto de Pesquisa, 2008.
ROSANVALLON, P. La nouvelle question social. Repenser
l’État-providence. Paris: Seuil, 1995.
ROSSIAUD, Jean e SCHERER-WARREN, Ilse.
A
democratização inacabável: as memórias do
futuro.
Petrópolis: Vozes, 2000.
SOUSA SANTOS, Boaventura. Os Processos Globais. In:
SOUSA SANTOS, B. (org.). Globalização e Ciências
Sociais. São
Paulo, Cortez, 2002, pp. 25-102.
SOUZA, Sílvia Angélica de. Coletivos de Trabalho e o Prazer e o
Sofrimento em sua Construção: um estudo de caso. Itajubá, MG, PPG
Engenharia de
Produção/UNIFEI. Mestrado, 2008.
TOURAINE, A. Podemos viver juntos? Iguais e
diferentes.
Petrópolis: Vozes, 1999.
__________. Critica da Modernidade. Petrópolis: Vozes,
2002.
1 O trabalho de Souza (2008) sobre os coletivos de
catadores de material reciclável é um exemplo dessas
conseqüências.
2 Inclusive, cabe explicitar que a população
economicamente ativa da microrregião (SENSO IBGE, 2000) divide-se em: 16.243
trabalhadores agrícolas; 17.380 industriais; 9.202 comerciários; e, 26.021 no
setor de serviços. Disponível em http://www.indi.mg.gov.br/. Acesso em outubro
de 2008.
3 Dados extraídos do IBGE (2006) e das atividades de pesquisas
do NIPPC- Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas de Práxis Contemporâneas da
UNITAU.
4 Os nomes foram suprimidos por questões
éticas.
5 Para
aprofundar sobre “os processos globais”: Boaventura de Sousa SANTOS (2002, p.
25-102).
6 A distinção entre países centrais e periféricos é uma das
referências constantes em estudos sobre a internacionalização da economia e seus
desdobramentos no campo das relações sociais. Uma visão sucinta desses
desdobramentos pode ser obtida em ARRIGHI (1997) e DUPAS
(1999).
7 Touraine remete-se ao conceito alemão de
Bildung (com o significado de formação), assim como Bourdieu. Esse ainda sinaliza com o sentido subjetivo
da palavra inglesa de cultivation.
8 Por não-trabalho se
inscreve o desemprego, a informalidade, enfim toda atividade que não está no
campo do trabalho formal. Este conceito deve ser aprofundado no desenvolvimento
deste projeto.
9 Essa questão será melhor explorada em outra
reflexão, quando avolumar-se os
dados.
10 Pretende-se
incorporar essa discussão no momento oportuno.
Ponencia presentada
en el XI Encuentro
Internacional Humboldt – 26 al 30 de octubre de 2009. Ubatuba, SP, Brasil.
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