Sustentabilidade para a Agricultura Familiar através da Agroecologia e da Organização Cooperativa
Jussara Mantelli
Carla Riethmüller Haas Barcellos
Resumo
A
inadequação do uso da terra para a produção agrícola tem ocasionado uma série de
problemas, tais como a degradação dos recursos naturais e a exclusão social
agrária. Diante desses problemas, a agricultura ecológica e a organização
cooperativa de pequenos agricultores surgem como alternativas de
sustentabilidade para a agricultura familiar. A produção e a comercialização de
produtos cultivados de forma ecológica, e a importância do cooperativismo como
meio de inserção socioeconômica e de participação política são os enfoques
principais da pesquisa. O sucesso e a viabilidade socioeconômica na produção
ecológica dependem de diversos fatores: organização de mão-de-obra, estrutura
fundiária, transporte, comércio. A organização cooperativa é um meio de inserção
no mercado, e também um espaço de socialização, educação e poder político, que
envolve toda a sociedade.
Palavras
Chave: Agricultura Familiar, Sustentabilidade, Agricultura Orgânica,
Cooperativismo.
Abstract
The
inadequate use of the land in the crop production has been provoking a row of
troubles, such as natural sources degradation and social exclusion. In face of
these problems, the organic agriculture and cooperative organization of small
farmers emerge as alternatives to sustainability of household agriculture. The
production and commerce of organic products and the importance of cooperativism
as ways of politic participation and socioeconomic insertion are the main focus
of this research. The success and socioeconomic viability of the organic
production depends on many factors: land ownership, hand labor, transport and
market. The cooperative organization is a way of market insertion, and also a
place to socialization, education and political power, which embraces all the
society.
Key
words: household farming, sustainability, organic agriculture,
cooperative.
Introdução
O recorte espacial do
estudo é a Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul que tem sofrido
sucessivas mudanças ao longo do tempo, destacando-se como mais significativos, o
período da colonização por imigrantes europeus e descendentes, e o início de um
processo de modernização da agricultura iniciado na década de 50 e que se
intensifica até a atualidade. Essas reestruturações ainda repercutem no papel do
homem do campo enquanto trabalhador, pois as políticas públicas desenvolvidas e
as inovações tecnológicas não atingem a todos, processando-se de forma seletiva
e excludente.
Frente a estas
conseqüências, os agricultores familiares buscam novas formas de produção,
diferentes daquelas utilizadas na agricultura convencional, como é o caso da
prática agrícola ecológica, que atribui respeito e preservação dos recursos
naturais. Além da produção, os agricultores também estão buscando novas
alternativas de inserção no mercado, construindo junto com a sociedade um novo
mercado para a comercialização desta produção.
Esta pesquisa teve
como foco a Cooperativa de Agricultores Familiares de Produtos Agroecológicos e
Coloniais do Noroeste do Rio Grande do Sul LTDA - NATUAGRO, cuja instituição
reúne pequenos agricultores familiares que estão em processo de transição para a
agroecologia e organizam-se através da cooperativa para a comercialização de
seus produtos, no Município de Ijuí / Rio Grande do Sul / Brasil.
Para se chegar aos
resultados finais foi realizado um levantamento histórico do uso e ocupação do
solo na Região Noroeste do Rio Grande do Sul e dos métodos de cultivo utilizados
no setor agrário do Município de Ijuí; a identificação dos agricultores que
possuem a sua atividade baseada na prática agroecológica; o grau de organização
para a comercializar a produção e, analise da viabilidade socioambiental desta
modalidade de produção para os agricultores envolvidos.
Também foram
realizadas algumas etapas consideradas importantes:
1) Análise
de imagens de coleções de fotógrafos locais como Eduardo Jaunsen cujo acervo
encontra-se no Museu Antropológico Diretor Pestana pertencente à FIDENE/UNIJUÍ e
que retrata a história da ocupação da terra desde o início da colonização
regional;
2)
Consulta de diversas bibliografias sobre agroecologia e cooperativismo para o
entendimento do tema;
3)
Entrevistas com os agricultores associados da Cooperativa NATUAGRO e
questionário aplicado aos consumidores dos produtos da
cooperativa;
4) Visitas
a campo e registros fotográficos, para ilustrar e entender o modo de organização
dos produtores rurais.
A pesquisa analisa a
viabilidade da produção e da comercialização de produtos agroecológicos. E como
aplicação, pretende-se que se constitua em uma contribuição para a organização
da cooperativa, e para a formulação de políticas públicas municipais e mais
amplas que priorizem as práticas ecológicas e de respeito ao meio ambiente
Novas Perspectivas
para a Agricultura Familiar
As políticas e
práticas voltadas para o setor agrário, visando uma produção essencialmente de
caráter comercial e não considerando os efeitos negativos, têm gerado muitas
discussões e questionamentos, pois, se atribui a elas o motivo dos diversos
problemas socioambientais existentes, como empobrecimento da população rural,
poluição e contaminação dos recursos hídricos e degradação do
ambiente.
O emprego de insumos
artificiais, de inovações químicas e mecânicas, tem provocado uma constante
reorganização do espaço agrário regional, bem como do espaço brasileiro. As
inovações tecnológicas e as políticas públicas beneficiaram principalmente
aqueles com maior poder aquisitivo, excluindo do processo o pequeno agricultor,
assim, a reestruturação do espaço agrário processa-se de forma espacialmente
seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006, p.225). No entanto, mesmo
excluídos, muitos não desistiram e continuaram a sobreviver da venda dos
produtos, “in natura” ou agro industrializados, nas áreas urbanas.
A atividade agrícola
se faz em contato direto com o meio natural, revelando uma forte inter-relação.
O uso excessivo dos recursos naturais e o manejo inadequado do solo acabam
afetando os agro ecossistemas de forma muitas vezes irreversível, por isso é
necessária a prática de uma agricultura fundamentada na preservação dos recursos
naturais, visando o menor impacto possível, numa relação de cooperação.
A pequena propriedade
rural não comporta um uso inadequado do solo e nem instabilidades climáticas. Os
métodos adotados até então por muitos agricultores familiares têm provocado uma
séria degradação do solo, que se reflete na queda da produtividade, formando uma
cadeia de problemas socioambientais, que colocam em risco a viabilidade da
produção.
Praticando uma agricultura de base ecológica, que respeita os recursos
naturais, é possível melhorar a fertilidade natural do solo, através da rotação
e diversificação de culturas, fazendo com que o agricultor não dependa apenas da
renda de um único produto, pois se ocorrer uma instabilidade climática, não
afetará toda a produção. Dessa forma, é possível garantir a sustentabilidade
econômica, social, ambiental da agricultura, promovendo uma melhor qualidade de
vida para a população rural e urbana, em qualidade e quantidade suficientes para
todos, garantindo a segurança alimentar.
O redirecionamento
das políticas agrícolas para um modelo sustentável, prevendo a recuperação e
preservação dos recursos naturais, a qualidade de vida da população e, a
eqüidade social, é uma medida necessária. Mas não basta a produção ecológica
prever apenas uma contribuição à preservação ambiental, também precisa ser
sustentável no aspecto socioeconômico, buscando não apenas o máximo resultado em
produção, mas a estabilidade para as futuras gerações. Uma produção estável só
pode se tornar realidade dentro do contexto de uma organização social que
proteja a integridade dos recursos naturais e, que assegure a interação
harmônica entre os seres humanos, o agroecossistema e o meio ambiente (ALTIERI,
2002 p.17).
Agroecologia e
Sustentabilidade da Agricultura Familiar
A agroecologia é uma
nova abordagem da agricultura que integra aspectos agronômicos, ecológicos e
socioeconômicos, na avaliação dos efeitos das técnicas sobre a produção de
alimentos e na sociedade como um todo (MARCOS, 2006, p.214). Para GUTTERRES
(2006 p. 93), a agroecologia é “um enfoque transdisciplinar que enfatiza a
atividade agrária desde uma perspectiva ecológica”. É um “enfoque teórico e
metodológico que, utilizando várias disciplinas científicas, pretende estudar a
atividade agrária desde uma perspectiva ecológica”. É uma “vinculação essencial
que existe entre o solo, a planta, o animal e o ser
humano”.
Para se implantar uma prática agroecológica, seja qual for, é preciso uma
reorganização da propriedade, em vista da forma como ela vem sendo usada pela
agricultura convencional. Essa mudança envolve desde o planejamento do plantio
até a colheita, que perpassa o manejo, de forma equilibrada, dos recursos
naturais, mantendo a harmonia entre elementos que compõem o agroecossistema com
o ser humano (MARCOS, 2006, p. 214). No entanto, a transição para a prática
agroecológica não deve ser realizada bruscamente, visto que não é possível
deixar de uma hora para outra as práticas convencionais e passar para a
agroecologia. A mudança deve ser gradativa.
É importante observar
a dinâmica dos componentes do agroecossistema, pois é a partir dessa percepção
que se deve planejar o manejo. O agricultor precisa trabalhar em sintonia com o
meio ambiente, estabelecendo condições climáticas e de nutrição adequadas para
assim proporcionar um equilíbrio biológico.
GUTTERRES, (2006, p.
20), indica alguns passos iniciais para uma transição para a agroecologia. Ele
coloca que, o solo é um organismo vivo e da forma como for tratado irá responder
e a agricultura química se preocupa apenas em tratar a planta e não o solo, o
aparecimento de insetos, fungos e plantas invasoras é decorrente dos
desequilíbrios provocados no solo e no meio ambiente. Essa prática provocou um
sério desequilíbrio no solo e por isso é preciso recuperar sua fertilidade
natural e realizar o manejo ecológico.
Aos poucos o solo vai
recuperando seu potencial de matéria orgânica, a microbiologia, o nitrogênio e
retendo umidade. Com isso, o agricultor terá uma redução nos custos com
fertilizantes sintéticos, maior facilidade no controle das plantas invasoras,
menor transferência de renda para as indústrias de insumos, maior autonomia,
maior resistência das plantas a instabilidades climáticas e maior aproveitamento
dos resíduos na propriedade, (idem, p. 21).
O mercado para
produtos agroecológicos vem crescendo muito nos últimos anos. Isso é positivo. O
agricultor pode trabalhar de forma ecológica, agregando valor ao produto, seja
in natura ou industrializado, fortalecendo assim a agricultura familiar e a
economia local e regional. É uma nova perspectiva de organização socioeconômica
que viabiliza a agricultura e garante a segurança alimentar e melhor qualidade
de vida para a população rural e urbana.
A busca pela prática
de uma agricultura de base ecológica vem crescendo muito em razão das crises e
instabilidades resultantes da agricultura convencional, que trouxeram diversos
problemas econômicos e socioambientais, já citados. A questão ambiental
necessariamente precisa ser discutida junto da questão social. Para ALTIERI
(2002 p. 547), ao examinar os problemas que dificultam o desenvolvimento e a
adoção da agricultura sustentável, é impossível separar os problemas biológicos
da prática da agricultura ecológica, dos problemas socioeconômicos, como a
inadequação do crédito, da tecnologia, da educação, da falta de apoio político e
do acesso ao serviço público.
A crise da
agricultura familiar, resultante de uma prática não condizente com a vocação
natural da propriedade, diga-se, a prática de uma agricultura de caráter
essencialmente comercial, aos poucos está sendo superada. Os agricultores estão
buscando novas formas de inserção no mercado, e construindo juntamente com a
sociedade um novo mercado não apenas para a produção alternativa, mas também a
comercialização desta produção. No entanto, muitos agricultores precisam
reaprender determinados conhecimentos e saberes que foram esquecidos e que devem
ser resgatados, pesquisados e estudados a fim de desenvolver tecnologias
voltadas para a agroecologia.
Organização
Cooperativa como Alternativa
A organização
cooperativa é um espaço de participação, de socialização das idéias, das
necessidades, dos objetivos. Ao constituir uma cooperativa é imprescindível aos
associados o espírito de cooperação, de ajuda mútua, de solidariedade. A
cooperação é
“um
processo social, embasado em relações associativas, na interação humana, pela
qual um grupo de pessoas busca encontrarem respostas e soluções para seus
problemas comuns, realizar objetivos comuns, buscar produzir resultados, através
de empreendimentos coletivos com interesses comuns” (FRANTZ, 2002,
p.17).
A participação dos associados nas atividades da cooperativa é
fundamental. A partir da participação política, em que os associados definem
seus objetivos e suas necessidades, a organização cooperativa se constitui em
espaço de poder político. Para FRANTZ (2002, p.19), “a participação política se
fundamenta na opção pelo caminho da auto-gestão cooperativa de um grupo de
pessoas associadas que decidem se instrumentalizar e somar poder” para que as
atividades produtivas aconteçam segundo “suas necessidades e interesses, no
contexto das relações de compra e venda”.
Para VEIGA (2001, p.17), o cooperativismo visa o aprimoramento do ser
humano nas suas dimensões social, econômica e cultural, “preocupa-se com o seu
entorno, com o meio ambiente e busca construir uma sociedade mais eqüitativa,
democrática e sustentável”. O grupo precisa trabalhar no sentido de buscar o
desenvolvimento sustentável para atingir o bem-estar da
coletividade.
Os espaços de socialização se constroem pelas relações, por isso, a
organização cooperativa é “um lugar social que possibilita aos envolvidos a
produção de conhecimentos a respeito da realidade social” (FRANTZ, 2002, p.9)
constituindo-se também em espaços de educação. É por meio da participação ativa
dos associados que esses podem se tornar agentes de transformação da sua própria
realidade.
Segundo SCHNEIDER (2003, p.13), a educação e a capacitação são questão de
sobrevivência numa cooperativa, “sem essas atividades, as cooperativas são
desvirtuadas ou até absorvidas pelo sistema econômico e pelo processo social
dominante que é a concorrência e o conflito”. O modelo de sociedade atual é um
modelo individualista e competitivo e, não é possível isolar-se deste, mas a
idéia de cooperativismo, necessariamente, precisa ser trabalhada todos os dias,
pois educar para a cooperação é um processo gradativo e permanente.
A Cooperativa de
Agricultores Familiares de Produtos Agroecológicos e Coloniais do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul Ltda – NATUAGRO, Ijuí/RS.
A pesquisa foi realizada entre março e novembro de 2007, e foram
entrevistados dezessete agricultores, dos vinte associados da cooperativa. O
critério para amostra de entrevistas baseia-se em Krejcie e Morgan (1970,
p.608), em que deveriam ter sido entrevistados dezenove agricultores, mas como
são apenas dezessete que fornecem produtos e freqüentam a cooperativa
semanalmente, entende-se que a amostra foi suficiente para atender à
metodologia.
Além de entrevistas também foram realizadas observações em dias e
horários diferenciados na cooperativa e visitas em propriedades rurais dos
agricultores associados. Dessa forma foi possível analisar a viabilidade da
produção e comercialização de produtos agroecológicos e também a forma de
organização dos agricultores no seu desenvolvimento.
Pode-se dizer que, a NATUAGRO é uma cooperativa “jovem”, por que apenas
dois associados têm mais de sessenta anos, os demais têm entre vinte e oito e
cinqüenta e oito anos. No caso do Município de Ijuí, esse dado contrapõe uma
tendência geral de que a população jovem migra para a cidade. Quando
questionados se pretendem continuar o trabalho na agricultura a maioria diz que
sim, mas os filhos ou pretendem dar continuidade ao trabalho agrícola ou
pretendem trabalhar na cidade, mas residir no campo,
Os lotes
de domínio dos agricultores foram adquiridos por herança ou pela compra, com a
ajuda dos pais ou de renda obtida em trabalho fora da propriedade, na cidade ou
em propriedades de terceiros. São dezessete famílias vivendo da atividade,
somando uma área total dos estabelecimentos de 264,5 hectares, variando o
tamanho de cada propriedade, de 2,3 ha a 45 ha.
De acordo
com a tabela 1, observa-se que o número de estabelecimentos com menos de
20 ha é
significativo (12 estabelecimentos) e a área total que eles ocupam
(104 ha)
é menor que os cinco estabelecimentos com mais de 21 ha, que somam 162 ha.
Tabela
1: Número de Estabelecimentos por Hectare e Área Ocupada
Área dos
estabelecimentos |
Nº de
estabelecimentos |
Área ocupada
(hectares) |
Menos
de 5
ha |
4 |
14
|
6
a
10
ha |
3 |
21,5 |
11
a
20
ha |
5 |
68,5 |
21
a
30
ha |
3 |
80 |
Mais
de 31
ha |
2 |
82 |
Fonte:
Entrevistas com os associados na NATUAGRO
A comercialização dos produtos na NATUAGRO gera um valor aproximado de R$
20.000,00 ao mês, deste total são descontados ainda, 5% para pagamento de uma
funcionária, 5% para repasse à APAE (Associação dos Pais e Amigos dos
Excepcionais), que aluga o estabelecimento sede da cooperativa e 3% fica retido
para a cooperativa realizar investimentos.
Cada agricultor recebe o pagamento semanalmente, obtendo uma renda mensal
que pode chegar a R$ 2.500,00, dependendo do produto e da prioridade que o
associado dá à NATUAGRO, pois alguns participam de outras associações ou feiras
e acabam não fornecendo toda a produção à cooperativa. Quando a NATUAGRO
participa de um evento, como feira de exposições, é possível duplicar essa
renda.
Na
Agricultura Familiar, é relevante a participação do trabalho familiar. Esse é um
fato que pode ser constatado nas famílias que fazem parte da NATUAGRO. A
mão-de-obra é exclusivamente familiar, sendo que, apenas uma família emprega
mão-de-obra externa permanente. Nesse caso é a maior propriedade
(45 ha)
e, duas famílias, eventualmente, no caso das propriedades com menos de
20 ha e
que trabalham com panificação. Um agricultor, que se encontra entre os que
possuem maior quantidade de terra, comenta que, a não contratação de mão-de-obra
externa é um limitador para o aumento da produção, mas que ainda não é possível
contratar em função do custo.
Os grupos
familiares reúnem de três a sete pessoas, os casais têm de um a três filhos e,
sete dos entrevistados têm pai e/ou mãe residindo na mesma propriedade ou
plantam juntos na propriedade dos pais. As famílias que têm os filhos estudando,
contam com o auxílio da força de trabalho somente nos finais de semana ou quando
não têm outras atividades.
A renda
das famílias é praticamente exclusiva do trabalho realizado na propriedade
rural. Apenas duas famílias têm pessoas trabalhando como assalariados na área
urbana e três famílias têm entre eles alguém trabalhando em outras propriedades,
eventualmente.
A produção
é diversificada, tendo disponíveis para comercialização cerca de oitenta
produtos, incluindo hortifrutigranjeiros, galinhas, suínos, grãos, “in natura” e
/ou agroindustrializados, como derivados de leite e de suínos, farinhas e
panificação.
O
benefício de uma produção diversificada está na renda que o agricultor pode
obter preservando os recursos naturais, por que, a partir de uma prática
agroecológica o solo tem melhor produtividade. Além de estar sempre produzindo
algum produto sem degradar.
Dez
agricultores comercializam somente produtos na NATUAGRO e oito comercializam na
NATUAGRO e em outros locais da cidade (feiras/mercados/restaurantes). A NATUAGRO
possui uma diversidade de produtos disponíveis aos consumidores, aproximadamente
oitenta produtos, como: vinho, vinagre, salame, feijão, amendoim, chá, canjica,
farinha de milho, pipoca, banha, bolachas, tortas, queijos, flores, lenha,
hortifrutigranjeiros, entre outros.
A forma de
abastecimento está organizada por uma escala, pela qual cada agricultor é
responsável por determinados produtos em dias da semana alternados, para que não
falte. Por exemplo, produtos como leite e verduras não podem faltar, e estar
disponíveis diariamente.
Para
ANDRIOLI (2007), é através da cooperativa que muitos trabalhadores conseguiram
manter ou ter acesso ao trabalho e renda. Como é o caso de um agricultor, que
retornou ao campo para produzir de forma agroecológica, com a perspectiva de
garantir a sustentabilidade de sua família. Ainda, segundo ANDRIOLI (2007), por
sua característica autogestionária, a cooperativa propicia um amplo processo de
educação dos participantes. O exercício da participação e da convivência
constrói novas relações entre as pessoas, o que também se reproduz para a
sociedade.
Desde a sua constituição, já passados
dois anos, a visão dos associados é de que a cooperativa está trazendo bons
resultados e o retorno do trabalho realizado pelos agricultores está sendo
positivo. O crescimento nas vendas e o aumento do público consumidor promovem,
nos agricultores, uma melhora da auto-estima, estendendo-se para toda a
família.
O processo
de transição para a agroecologia é um processo demorado, gradativo e contínuo.
Como para alguns dos associados da NATUAGRO a agroecologia já fazia parte da sua
prática, a transição não está sendo difícil, mas aqueles que começaram a
transição da prática convencional para a agroecológica a mudança é mais complexa
e os resultados não são imediatos, pois envolve pensar de forma diferente na
relação entre o agricultor e a natureza, que deve ser de cooperação e
respeito.
Nas
visitas às propriedades rurais, observou-se a presença de várias práticas como: adubação
orgânica, rotação de culturas, sistema de agroflorestas, consorciamento,
policultivo.
Com a prática de uma agricultura agroecológica e a organização de forma
cooperativa para a comercialização da produção é possível garantir a
sustentabilidade da agricultura familiar. A agroecologia é segura pela produção
diversificada, por que tem fauna e flora adaptadas ao ambiente, por que a venda
direta ao consumidor agrega renda, não depende do mercado externo, é bem aceita
pelo consumidor, é uma relação de economia solidária. Mas é preciso ter
conhecimento técnico para o trabalho agrícola, a produção deve ser em escala
trabalhando com as entre-safras, planejada e organizada para que não falte
produto no mercado.
O custo da produção agroecológica depende de como a propriedade está
organizada. Quanto mais diversificada a produção, mais renda pode ser agregada
ao produto e, se o agricultor conseguir transformar a sua propriedade em um
sistema em que o resto de uma cultura possa ser usado como adubo, ou alimento de
animais e os dejetos dos animais possam servir de adubo para outras culturas,
reduzirá significativamente os custos com adubos químicos e externos à
propriedade. Em uma pequena propriedade visitada, trabalha-se com a rotação de
culturas, a adubação ocorre apenas nas culturas de pipoca, feijão e milho, após
esse cultivo planta-se amendoim, que não exige muita adubação, as despesas com
essas culturas são essencialmente a mão-de-obra, para plantio e
colheita.
Alguns produtos podem ter um custo de 70 a 80% em relação ao rendimento bruto,
como ovos, carne de galinha, de porco ou de gado e, outros menos, como mandioca
em torno de 50%, feijão 40%, rúcula 15%, alface 11%, ou frutas, como laranja e
bergamota, em torno de 10% de custo. A produção de mel pode ter um custo de
apenas 5% e o leite, que é um produto consumido diariamente também pode ter um
custo de apenas 5%.
Em termos de produção e disponibilidade de mão-de-obra, a produção pode
ter um custo maior ou menor, mas nunca se sobrepõe ao rendimento líquido, tendo
sempre uma receita positiva.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A partir do estudo
realizado foi possível concluir que a agricultura de caráter comercial (soja,
trigo, milho), a monocultura, é inviável para o pequeno agricultor, uma vez que
os custos da produção são altos, chegando muitas vezes a ser mais elevados que
os rendimentos conseguidos, dependendo do tipo de cultura. Além de ser uma
atividade de risco por ser altamente dependente de insumos externos, por
degradar os recursos naturais, por destruir a biodiversidade, por não ser
resistente a instabilidades climáticas e por depender totalmente do mercado
internacional e não garantir a segurança alimentar da população.
Nesse sentido, a
agroecologia se constitui em uma alternativa viável para a agricultura familiar,
de modo que preserva os recursos naturais e a biodiversidade, trabalha a
diversidade e a rotação de culturas, o que resulta na diminuição dos custos com
a produção não dependendo de insumos externos e, melhora a produtividade do solo
de forma natural, agrega maior valor aos produtos e garante a segurança
alimentar e a sustentabilidade da agricultura familiar. A agroecologia é
sustentável do ponto de vista social, econômico, ambiental e cultural.
O estudo de caso
sobre a Cooperativa de Agricultores Familiares de Produtos Agroecológicos e
Coloniais do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Ltda – NATUAGRO, do
Município de Ijuí, revela que além da prática agroecológica, a organização
cooperativa também é fator importante para a sustentabilidade do agricultor
familiar, por que a participação política dos associados na definição dos
objetivos faz com que a cooperativa se constitua em espaço de poder político,
onde o grupo se fortalece e trabalha para o bem da coletividade. Através da
cooperativa, o agricultor tem um contato mais direto com a população
consumidora, é a relação produtor-consumidor, sem intermediários.
Mas é importante
promover encontros e espaços de educação para cooperação, para desenvolver nos
associados o sentido de ajuda mútua, ética, respeito, cooperação, coletividade,
entre outros, que se fazem necessários em uma organização cooperativa, pois essa
se constitui de pessoas que se relacionam e devem buscar juntas a
sustentabilidade do grupo.
Cada associado precisa entender o sentido da organização cooperativa e
que, os resultados obtidos são mérito do trabalho em conjunto. Também, é de vital
importância que o agricultor entenda a cooperativa como uma extensão da sua
propriedade rural.
A NATUAGRO é uma
cooperativa nova, mas vem avançando muito na sua organização. O mercado está
crescendo, o número de pessoas que busca pelos produtos agroecológicos está
aumentando e por isso é importante aumentar também a produção e a
diversificação, daí a necessidade de mais agricultores iniciar o processo de
transição para a agroecologia, por uma questão política, econômica, social,
ambiental e cultural.
E finalmente, é
preciso redirecionar as políticas públicas para um modelo sustentável, apoiar
práticas como a agroecologia, que beneficiam não somente os agricultores, mas
também a população da cidade que necessita de alimentos saudáveis, para a
obtenção de melhor qualidade de vida. Essas políticas públicas precisam ser
planejadas e trabalhadas no sentido da educação da população como um todo e, não
com soluções imediatistas, mas com perspectivas para longo prazo.
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http://www.agroecologia.com.br/conceitos.htm – acesso em
24/07/2006
Em anexo algumas
ilustrações das propriedades e da organização produtiva dos agricultores que
fazem parte da cooperativa estudada.


Foto 1 – Vista externa da Cooperativa
NATUAGRO
Fonte: Carla R. H. Barcellos, maio de
2007
Foto 2 - Vista interna da
Cooperativa NATUAGRO
Fonte: Carla R. H.
Barcellos, maio de 2007

Foto 3 – Diversidade de
produtos para comercialização
Fonte: Carla R. H.
Barcellos, maio de 2007
Foto 4 –
Diversidade de produtos para comercialização
Fonte: Carla R.
H. Barcellos, maio de 2007

Foto 5– Diversidade de produtos para
comercialização
Fonte: Carla R.
H. Barcellos, maio de 2007

Foto 5 – Adubação orgânica utilizada nas
propriedades
Fonte: Carla R. H. Barcellos, maio de
2007

Foto 6 – Estufa
com cultivo de alface
Fonte: Carla R.
H. Barcellos out/2007

Foto 7 – Utilização de Sistema Agro
florestal
Fonte: Carla R. H.
Barcellos, agosto de 2007