O CONCEITO DE REGIÃO NO ESTUDO DE ÁREAS
RURAIS
Danton Leonel de Camargo
Bini[1]
Resumo:
O
conhecimento de uma atividade produtiva em uma região exige o estudo de todo seu
circuito espacial de produção e da infra-estrutura existente no espaço
geográfico em rede dentro e fora da região em estudo. Fazendo a crítica
histórica do uso do conceito de região, o trabalho apresenta uma proposta de
metodologia para a pesquisa científica da região de Araçatuba, localizada no
oeste do estado de São Paulo.
Palavras-chave: região; agrícola; teoria;
metodologia.
Abstract:
The
knowledge of a productive activity in a region requires the study of its entire
circuit of production space and infrastructure in the geographical area in a
network within and outside the region under study. Making use of historical
criticism of the concept of region, the work proposes a methodology for
scientific research in the region of Araçatuba, located in the west of São Paulo
state.
Keywords: region; agriculture; theory,
methodology.
1)
Introdução
Os Estados Nacionais, independentes de suas proporções territoriais, são
divididos em localidades administrativas: destacam-se as províncias (ou estados)
e os municípios como divisões características de todo Estado. Cada Estado-Nação
é um conjunto de províncias. Cada província é um conjunto de municípios. Assim,
podemos determinar a existência, para fins de gestão e planejamento, de escalas
territoriais hierárquicas: numa escala menor temos o Estado Nacional, numa
escala intermediária está a província e numa escala maior o município.
Essas divisões dos territórios nacionais são divisões políticas. São as
ações políticas que hierarquizam as divisões territoriais: no modelo
federalista, presente na maioria dos Estados Nações, as leis municipais não
podem contradizer a lei estadual ou provinciana, nem as duas anteriores podem
infringir a lei federal, que é suprema.
No atual período histórico em que vivemos, com a globalização e a
universalização das relações entre os Estados Nacionais, impõe-se e negocia-se,
de forma cada vez mais abrangente – em todos os setores da política – regras
supranacionais. Dessa forma, a autonomia dos governantes dos Estados Nações é
relativa. Sobre essas transformações, Milton Santos (2002:270) diz que
“... através das
redes, podemos reconhecer, grosso modo, três tipos ou níveis de solidariedade,
cujo reverso, são outros tantos níveis de contradições. Esses níveis são o nível
mundial, o nível dos territórios dos Estados e o nível local. (...) O mundo
aparece como primeira totalidade, empiricizada por intermédio das redes. É a
grande novidade do nosso tempo, essa totalidade de uma produção não apenas
concreta, mas, também, empírica. (...) A segunda totalidade é o território, um
país e um Estado – uma formação socioespacial -, totalidade resultante de um
contrato e limitada por fronteiras. Mas a mundialização das redes enfraquece as
fronteiras e compromete o contrato, mesmo ainda se restam aos Estados numerosas
formas de regulaç ão e controle das redes. (...) O lugar é a terceira
totalidade, onde fragmentos da rede ganham dimensão única e socialmente
concreta, graças a ocorrência, na contigüidade, de fenômenos sociais agregados,
baseados num acontecer solidário, que é fruto da diversidade e num acontecer
repetitivo, que não exclui a surpresa”.
A ONU (Organização das Nações Unidas), através de suas instâncias
setoriais, constrói consensos normativos a serem seguidos pelos países
integrantes da instituição. Como disse BINI (2002), a OMC (Organização Mundial
do Comércio) é o órgão basilar da ONU nos ditames da atual política neoliberal
no mundo. Segundo Carlos Munoz (1997:79),
“... o eixo
central da nova estratégia, implementada a partir de 1989, consiste
essencialmente em passar toda a dinâmica econômica do Estado e a distribuição de
renda como núcleo articulador do sistema para a iniciativa privada e para as
forças do mercado”.
Fica a serviço dos “Estados Mínimos”
legitimar, regular e direcionar as atuações da iniciativa privada nos diversos
setores da atividade produtiva[2],
nacionais e internacionais, quebrando os gargalos e refuncionalizando regiões e
segmentos econômicos com os projetos de infra-estrutura demandados pela
produtividade e competitividade globais.
2)
Fundamentação
Teórica
A Geografia se oficializa enquanto ciência no século XIX embasada
teoricamente no positivismo. Junto ao marxismo,
“... o paradigma
clássico, em essência determinista e generalizante, guiou as pesquisas
geográficas, tanto através da vertente positivista como da
dialético-materialista. Ambas trouxeram avanços e problemas para a pesquisa
regional” (CASTRO, 1997:57).
Com o positivismo, a escala regional se impôs como ponto de partida
metodológico. A região era a base fundamental do método geográfico e todos os
fenômenos podiam ser percebidos e explicados nessa escala. A indução, que
restringia a análise científica aos aspectos visíveis e sensitivos,
circunscrevia todo trabalho científico ao domínio da aparência dos fenômenos.
Através de princípios como o da “individualidade” – onde cada lugar teria uma
feição, que lhe e própria e que não reproduz de modo igual em outro lugar –
postulava-se que cada região da Terra se caracterizava como um conjunto de
agrupamentos humanos autônomos e estáveis determinados pelas leis
naturais[3].
De acordo com Roberto Lobato Correa (1987), em reação ao determinismo
ambiental, surge na França, no final do século XIX, e nos Estados Unidos, na
década de 1920, um outro paradigma da Geografia tradicional positivista: o
possibilismo. A visão focalizada por essa escola se manifestava através da
relação entre o ser humano e o meio natural, mas não considerando a natureza
como determinante do comportamento das pessoas. A natureza foi considerada como
fornecedora de possibilidades para que os seres humanos se modificassem,
melhorando suas condições técnicas, sendo eles neste caso, o principal agente
geográfico.
Vidal de La Blache, com o conceito de gêneros de vida, foi quem melhor
explanou as justificativas dessa corrente da Geografia nos estudos regionais.
Mesmo considerando que os seres humanos poderiam exercer influências sobre o
meio, La Blache defendia a existência da estabilidade das regiões e seu caráter
autônomo. Para ele
“Os gêneros de vida tem uma
autonomia que se vincula a personalidade humana e a segue. Não apenas o beduíno
e o felá apresentam compleição diferente, mas também o pastor valáquio e o
cultivador búlgaro e, mesmo em nossa costa, o marinheiro e o camponês. A alma de
um parece ser formada por um metal diferente da dos outros” (BLACHE,
1954:136).
Conjuntos de técnicas, os gêneros de vida foram colocados como formas
ativas de adaptação do grupo humano ao meio geográfico. Por serem autônomos,
refletiriam com fidelidade as propriedades do meio geográfico vivido: clima,
solo, vegetação, relevo. Não seria possível separar a descrição de um tipo de exploração do
solo no qual se equilibra uma cultura.
Desdobramento das formulações de La Blache, a Geografia Regional se
oficializou como área de estudo da ciência geográfica. O conceito de região se
legitimou como unidade de análise: a região não seria apenas um instrumento
teórico de pesquisa, mas também um dado da própria realidade. Escala de análise,
unidade espacial, dotada de individualidade, em relação às suas áreas
limítrofes. Assim, pela observação, seria possível estabelecer a dimensão
territorial de uma região, localizá-la e traçar seus limites. Estes seriam dados
pela ocorrência de traços diferenciadores, aqueles que lhe conferem um caráter
individual, singular, independente e sem contato com as regiões vizinhas. Dessa
forma, a Geografia seria prioritariamente um trabalho de identificação das
regiões do Gl obo.
Max Sorre, nas décadas de 1940 e 1950, a partir dos escritos de La
Blache, questionou o conceito de gêneros de vida e apresentou novas propostas de
entendimento da categoria de análise região. O autor argumenta que, com a
expansão da divisão social e territorial do trabalho, cada região tende a se
especializar e depender de outras regiões:
“Na França, já há muito
tempo a camponesa não fia mais lã nem linho. E também não assa mais seu pão. Chegou, pois, um
momento em que a diferenciação dos gêneros de vida, baseada na diferenciação
profissional – poderíamos dizer, de bom grado, o desdobramento dos gêneros de
vida, - traduz-se no empobrecimento das atividades do grupo, pelo menos em certo
sentido. Ao mesmo tempo, o grupo perde algo de sua autonomia, torna-se mais
dependente dos grupos que praticam atividades complementares. A própria noção de
gêneros de vida se transforma” (SORRE, 1984:108).
Sorre retratou que a quebra dos gêneros de vida tradicionais ocorreu com
a separação funcional e territorial dos grupos agrícola e industrial. A
atividade do grupo (região) não compreende mais a satisfação da totalidade de
suas necessidades (alimentares, de instrumentos de trabalho e de abrigo, como o
vestuário). Complementando ele indaga:
“A extraordinária expansão
da vida urbana é fenômeno característico de nossa época. Refletindo, perguntamos
se esta mesma expressão – gêneros de vida – pode servir para designar, ao mesmo
tempo, o comportamento de um clã de coletores ou caçadores nômades e o de
cidadãos de um aglomerado de vários milhões de almas. Mas por que a
substituiríamos no segundo caso? Trata-se sempre de atividades coletivas sobre
as quais repousa a vida de um grupo. Mas é evidente que a noção não é mais
idêntica à anterior. Nas disciplinas do homem, a linguagem não tem o rigor de
uma álgebra: o conteúdo dos termos de seu vocabulário muda com o tempo,
carregando-se de novos sentidos” (SORRE, 1984:117).
Esses questionamentos de Sorre são embasadores das propostas de trabalhos
junto ao conceito ‘região’ no período atual. Sua reformulação frente ao conceito
‘gêneros de vida’, é a reformulação histórica do conceito ‘região’. A citação
abaixo, mostra o vislumbre que o autor já tinha de uma ‘polarização em rede’[4]
ocasionada pela intensificação da circulação e “mobilidade do
ecúmeno”:
“... as grandes áreas
industriais são caracterizadas pela riqueza das redes que as serve. As
facilidades de fornecimento de matérias-primas ou energia, as comodidades de
escoamento dos produtos fabricados são condições indispensáveis para sua
manutenção” (SORRE, 1984:115-116).
Na vertente dialético-materialista, a totalidade se impunha sobre a
unidade, eliminando as possibilidades explicativas da escala regional,
submetendo-a à escala planetária através de uma base teórica que não vislumbrava
as singularidades e particularidades. Para compreensão dessa análise, SILVEIRA
(1997:202) cita WHITEHEAD (1944:20) que diz que “um simples fato isolado é mito primário que
requer o pensamento finito, quer dizer, o pensamento incapaz de abraçar a
totalidade”.
Na busca de reordenar a região enquanto conceito e categoria de análise
geográfica no atual processo de globalização e universalização dos territórios
mundiais, CASTRO (1997:58) retrata que a “a reação romântica da corrente humanista
trouxe um novo alento para as preocupações regionais, mas o dilema fundador de
sua cientificidade não foi de todo resolvido”. Para SILVEIRA (1997:201),
“... o debate foi orientado para um contraponto entre, de
um lado, premissas do que poderia se chamar de epistemologia pós-moderna, que
admite o fim da racionalidade totalizante e, de outro lado, correntes que
indicam a totalidade concreta como a única forma de entender a
realidade”.
Diversas acepções do pós-modernismo rejeitam a idéia de totalidade,
porque ela representaria uma racionalidade superior e alheia ao empírico. Os
pós-modernistas reivindicam uma desconstrução da epistemologia que valoriza a
totalidade. A partir desse fim da racionalidade totalizante, a proposta é a
valorização do empírico-individual; o individual sendo a única coisa concreta, a
totalidade deve ser entendida como abstrata: apenas o individual é possível ser
apreendido, sendo o conhecimento científico somente apreendido a partir dele, e
a totalidade não poderia, dessa forma, conduzir à realidade empírica, perdendo
com isso o seu sentido.
Como nos apresenta SILVEIRA (1997:201),
“... nessas concepções individualistas pós-modernas, os
fatos, os sistemas parciais isolados, as facetas, as manifestações fenomênicas
estão na realidade, preexistem à teoria e, portanto, são unidade da realidade e
do conhecimento. Nesse sentido, o conhecimento é sistemático, se faz em
somatório, quer dizer, com um método de análise e de soma depois (KOSIK, 1989),
tentando a conexão entre alguns elementos”.
Nesses enfoques geográficos, o que acontece no lugar (‘região’) pode ser
explicado através dele mesmo, onde os fatores de demonstração se acham no
próprio indivíduo. A especialização e a fragmentação da produção são vistas como
a principal causa da caducidade da categoria ‘totalidade’ e, portanto, a
abordagem metodológica resulta fragmentada. É a consideração das relações entre
lugares que permite sustentar esse individualismo metodológico. Com isso vimos
uma volta ao que colocava Vidal de La Blache.
Esse pensamento ligado ao pós-modernismo dá especial ênfase à relação
entre lugares a partir de conceitos relacionais e não de categorias abrangentes
como aquela de totalidade. O todo desapareceu e o fragmento ocupa cena central.
A totalidade passa a ser a soma desses fragmentos, e não é possível atingir seu
conhecimento, porque o pensamento humano não pode abranger todos os indivíduos
do espaço. Nessa concepção, a região não é um subespaço de um espaço
total.
Para KOSIK (1989), esse mundo de partes isoladas, é um mundo da
pseudoconcrecidade: os fatos podem aparecer como isolados, como independentes e
absolutos; mas ultrapassando esse nível, chega-se até a realidade como
totalidade concreta, na qual se dá a unidade do fenômeno e da essência. SILVEIRA
(1997:203) reforça a crítica às postulações fragmentárias, dizendo
que
“... como a totalidade não é
estática, é preciso desenvolver algumas questões sobre o processo de
totalização. Sartre afirma que a primeira negação de negação aparece pela
necessidade e assim vai se dando o processo de totalização. A necessidade é uma
falta, uma carência, no interior dessa primeira totalidade. Esse movimento se dá
num tempo que é o encontro do passado e do futuro, isto é, o presente como
conjunto de possibilidades. A realização de uma dessas possibilidades da
totalidade é o evento. Cada evento é uma totalidade parcial que, no processo de
totalização, vai se fazendo o todo. Mas o evento não tem autonomia de
significação, ele retira seu significado da trama. Portanto, a partir dessa
concepção da realidade não é poss ível falar em fragmentação, senão ao nível da
aparência empírica. (...) Assim, o método não pretende conhecer todos os
aspectos da realidade, atingir um quadro total, mas o que se busca é entender o
evento como um momento do todo”.
A diferença essencial dessa concepção é a noção de que o lugar
(‘região’), não é parte, e o mundo o todo. A região não é um fragmento, é a
própria totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega,
caracterizando um subespaço do espaço global. A região é o outro da totalidade,
transformando-se numa totalidade parcial, estando ligado às outras totalidades
parciais, via totalidade global.
A totalidade se funcionaliza no evento. Essa função é, de início,
limitada num lugar, no qual o evento se materializa. Mas, em seqüência, o lugar
fica total, porque na essência – e não na sua aparência – ele tem as conexões
via totalidade com todos os outros lugares: “... consideramos que no lugar o todo se
nega mas também se afirma cada vez mais, porque o lugar não é uma parte, é o
todo mesmo concretado no local” (SILVEIRA –
1997:205).
O pensamento dialético, na última década, tem negado a existência
empírica do fragmento como independente, como parte isolada, mas reconhece o
lugar empiricamente funcionalização do todo. O lugar aparece como o outro da
totalidade, porque é a materialização dos eventos de uma trama total. Os lugares
se tornam mundiais, ainda que cada vez mais diferentes entre eles, e formam uma
totalidade concreta, empírica. As funções dos lugares vão empiricizando a trama
dos eventos que é a totalidade.
Alinhados cronologicamente, os eventos se sucedem uns aos outros.
Contudo, eles não se dão isolados. Quando consideramos o acontecer conjunto de
numerosos eventos, cuja ordem e duração não são as mesmas, verificamos que eles
se superpõem. Há eventos capazes de ter abrangência mundial, no sentido de que,
num dado momento, sua eficácia se faz sentir além dos níveis local, regional ou
nacional, interessando pontos numerosos situados em diversos países e
continentes. Podemos entender o evento como um nó, um lugar de encontro.
Imagine-se, para ilustrar, a dimensão da quebra da safra de cana-de-açúcar no
interior do estado de São Paulo e seus relés no resto do
mundo.
Assim, embora os eventos estejam ligados a uma estrutura única, eles não
perdem sua individualidade no ato de sua materialização nos lugares. Eles contêm
raridade nesse processo de totalização parcial. E o lugar se torna totalidade,
mas uma totalidade parcial, incompleta, inacabada, pois a trama dos eventos não
atinge sua completude no lugar, mas no mundo em
movimento.
Nas palavras de SANTOS (2002:155)
“... a noção de escala do
acontecer pode assim ser fundida com a noção de escala geográfica. Podemos
admitir que cada combinação de eventos ao mesmo tempo cria um fenômeno unitário,
unitariamente dotado de extensão e se impõe sobre uma área, necessária à sua
atuação solidária. Vem daí o papel central que a noção de evento pode
representar na contribuição da geografia à formulação de uma teoria social. É
através do evento que podemos rever a constituição atual de cada lugar e a
evolução conjunta dos diversos lugares, um resultado da mudança paralela da
sociedade e do espaço”.
Concluindo, como nos enfoca SILVEIRA (1997:208), “o evento é aqui entendido como a
empiricização do tempo no espaço e deve permitir a compreensão profunda do
lugar, via espaço global”.
3)
Metodologia para o Estudo de
uma Região Agrícola
Fragmento palpável, porém totalidade menor; são nas regiões onde se pode
estar em contato direto com as partes dos objetos e ações em estudo. Em países
de grandes proporções territoriais, ou países-continentes (LAMICQ, 1995), como o
Brasil, os governantes e os planejadores das províncias as dividem em regiões
administrativas. No caso do estado (província) de São Paulo se tem uma divisão
geral[5] em 15 (quinze) Regiões Administrativas.
Essas regiões são legais, ou seja, são criadas e normatizadas pelo poder
público estadual. Comparando por exemplo as formatações desses fragmentos de
território, vê-se para a província de São Paulo que as divisões regionais
aplicadas para a execução das políticas públicas variam muito. Daí a dificuldade
de tomar com rigidez uma base para estudo.
Assim, analisar a polarização exercida por uma cidade regional sobre seu
entorno, respeitando de antemão sem prioridades todas as fronteiras ‘relativas’
existentes de setor a setor, parece ser um bom começo. Essa abordagem se
enquadra nas atuais configurações territoriais da produção e consumo
globalizados
“... com a tendência à
passagem de uma polarização de tipo zona a uma polarização de tipo rede (...) A
parcela técnica da produção permite que as cidades locais ou regionais tenham um
certo comando sobre a porção de território que as rodeia, onde se realiza o
trabalho a que presidem; ... exercem esse comando técnico, ligado ao que, na
divisão territorial do trabalho, deve-se à produção propriamente dita. Este
comando se baseia na configuração técnica do território, em sua densidade
técnica e, também, de alguma forma, na sua densidade funcional a que podemos
igualmente chamar densidade informacional. Já o controle distante, localmente
realizado sobre a parcela política da produção, é feito por cidades mundiais e
os seus relés nos territórios diversos. Cidades distant es, colocadas em
posições superiores no sistema urbano (sobretudo as cidades globais), têm o
comando político, mediante ordens, disposição da mais-valia, controle do
movimento, tudo isso que guia a circulação, a distribuição e a regulação”
(SANTOS, 2002: 271-273).
Tentando desvendar, por exemplo, as funcionalidades da Região de
Araçatuba – oeste do estado de São Paulo - e a polarização e ligação que a
cidade do mesmo nome apreende e realiza junto às localidades vizinhas no atual
período - o qual denominamos período técnico-científico-informacional, (SANTOS,
1994) -, partindo de uma abordagem histórico-territorial da região, será
importante compreender quais os elos produtivos (econômicos), políticos,
técnico-científicos, culturais que a porção territorial estudada mantém com o
estado de São Paulo, com o Brasil e com o Mundo. Como a região e seu entorno se
adequa à integração funcional e territorial das redes globais de produção,
responsáveis pela intensificação das especializações locais e regionais? Qu al
sua configuração sócio-espacial interna na divisão territorial do trabalho
estadual, nacional e mundial? Como se dão os comandos técnico e político
desencadeadores da atual configuração sócio-espacial em conexão às redes
globais?
Assim, aspecto principal a se analisar será o dos usos da estrutura
fundiária direcionadora de funcionalidades para a atividade agrícola na região.
Tendo no momento atual, novamente na região de Araçatuba, a produção canavieira
como principal atividade agrícola, busca-se entender como acontece a gestão e o
planejamento da produção e industrialização desse produto nas esferas política,
econômica, cultural e, principalmente, territorial. Resumindo, questiona-se:
‘quais os elos da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, ou melhor, de seu circuito
espacial de produção, ocorrem na Região de Araçatuba e quais as intensidades dos
contatos e das relações mantidas com o restante do circuito espacial de produção
global’.
Esse mesmo tipo de análise se pode realizar com a cadeia de produção da
pecuária bovina de corte no setor agrário. A indústria do calçado infantil, que
utiliza o couro – subproduto da pecuária bovina; então pertencente ao seu
circuito espacial de produção receberá o mesmo enfoque: ‘de onde vêm as
matéria-primas para a indústria calçadista?; como são manufaturados os calçados?
(quais as tecnologias?, quais as relações trabalhistas exercidas?, etc); como
são distribuídos?; quais os mercados consumidores?.
Produtos ‘secundários’ produzidos na região, como a soja, o milho, o
amendoim e o algodão na agropecuária, e o vestuário na indústria, podem também
servir de base para se entender o processo de produção, gestão e uso do
território regional. Da análise de todas essas atividades, acredita-se poder
captar as dinâmicas da infra-estrutura (fixos) e dos fluxos de capitais,
informações, conhecimentos científicos, políticas públicas e privadas e de
consumo material e imaterial ocorrentes na região. O que sai da região para o
Mundo? O que entra do Mundo na Região?
Sendo assim, restringir o estudo de um setor produtivo em uma região
determinada (rígida) – erro que muitos cometem numa análise facilitada pelo
método quantitativo do Positivismo – não pode captar nem o significado do setor
produtivo – pois seu circuito espacial de produção ultrapassa a região – nem o
significado da região – pois uma região dificilmente se determina
territorialmente para um único setor produtivo, ou melhor, somente para o espaço
econômico.
Considerações Finais
Relatando que as construções teóricas e os esforços de planejamento têm
sido orientados para o espaço econômico – é trabalhado o caso específico da
teoria dos pólos de crescimento de François Perroux (1964) – SANTOS
(2003:165-186) não exclui o fato de as empresas influenciarem o espaço
banal[6]. A partir disso afirma (SANTOS, 2003:168-169) a
existência de
“... uma grande diferença
entre, de um lado medir inter-relações entre indústrias através, por exemplo, de
matrizes insumo-produto, e de outro lado, considerar a relação entre uma dada
estrutura de produção e outros elementos dos sistemas social e espacial. A
abordagem insumo-produto (...) só ajuda a compreender relações entre empresas
‘modernas’, consideradas dinâmicas. Essa abordagem é limitada na medida em que é
instrumento neutro ou independente de valores e não útil na construção de uma
teoria espacial universalmente válida (...) Devemos ao contrário, ir além e
tentar analisar estruturas agregadas de produção como ‘elementos’ na elaboração
de um sistema espacial, isto é, a projeção geográfica do sistema social em seu sentido mais amplo”.
É desse viés teórico que se
propõe partir!
Bibliografia
·
BLACHE,
Paul Vidal de La – “Principios de
geografia humana” – Editora Cosmos, Lisboa, 1954.
·
BINI,
Danton Leonel de Camargo – “A Mecanização
na Lavoura Canavieira e suas Implicações Sócio-Territoriais na Região de
Ribeirão Preto” – Trabalho de Graduação Individual – Departamento de
Geografia – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de
São Paulo – São Paulo, 2003.
·
CASTRO, Iná Elias de – “Problemas e alternativas metodológicas para
região e para o lugar” – In: O Novo Mapa do Mundo – Natureza e Sociedade de
Hoje: Uma Leitura Geográfica; Organizadores: Maria Adélia de Souza, Milton
Santos, Francisco Capuano Scarlato e Mônica Arroyo, Editora Hucitec/ANPUR, São
Paulo, 1993.
·
·
LAMICQ, Helene – “Os países-continentes” - In: O Novo
Mapa do Mundo – Problemas Geográficos de Um Mundo Novo; Organizadores: Maria
Adélia de Souza, Milton Santos, Francisco Capuano Scarlato e Mônica Arroyo,
Editora Hucitec/ANPUR, São Paulo, 1995.
·
MUÑOZ, Carlos – “Neoliberalismo e perspectivas das
geoeconomias regionais” – In: O Novo Mapa do Mundo – Globalização e Espaço
Latino-americano; Organizadores: Maria Adélia de Souza, Milton Santos, Francisco
Capuano Scarlato e Mônica Arroyo, Editora Hucitec/ANPUR, São Paulo,
1997.
·
SANTOS, Milton – “Economia Espacial: Críticas e Alternativas”
– Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2003.
·
________________ – “Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão
e emoção” – Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2002.
·
________________
– “Técnica, espaço, Tempo:
globalização e meio técnico-científico-informacional” – Editora Hucitec, São
Paulo, 1994.
·
SILVEIRA, María Laura – “Totalidade e fragmentação: o espaço global,
o lugar e a questão metodológica, um exemplo argentino” – In: O Novo Mapa do
Mundo – Fim de Século e Globalização; Organizadores: Maria Adélia de Souza,
Milton Santos, Francisco Capuano Scarlato e Mônica Arroyo, Editora
Hucitec/ANPUR, São Paulo, 1997.
·
SORRE, Maximilien – “Max Sorre: geografia” - Organizador: Januário Francisco Megale;
Coordenador: Florestan Fernandes, Ática, São Paulo,
1984.
[2] Vide no Brasil, com as
privatizações das empresas estatais, a criação das Agencias Reguladoras (ANATEL,
ANEEL, ANTT, ANTAq e outras).
[3] Contudo, com as
colonizações iniciadas no século XV, a realidade ditada acima era relativa. Na
América e na Ásia, os determinantes sócio-político-econômicos do colonialismo
europeu já havia quebrado a autonomia e estabilidade dos povos primitivos em
parte considerável de suas regiões.
[4] Termo o qual apresentaremos de forma
mais analítica mais adiante.
[5] Geral; generalizante, pois
cada secretaria tem sua divisão específica, a partir de seu diagnóstico ou das
forças políticas que dirigem sua atuação, que quase nunca coincide com a Divisão
Geral.
[6] Espaço Banal é o espaço de todos, ou melhor, não somente o das relações
econômicas modernas e hegemônicas, mas sim a junção deste com os circuitos
inferiores da economia e suas inter-relações no cotidiano dos diferentes
estratos sociais.
Ponencia presentada en el XI Encuentro
Internacional Humboldt – 26 al 30 de octubre de 2009. Ubatuba, SP,
Brasil.