MAIS DEMOCRACIA, MAIS DESIGUALDADE?
NOTAS SOBRE A INSERÇÃO DOS GOVERNOS DE ESQUERDA NA AMÉRICA
LATINA
Emílio Rafael Poletto
–
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Instituto de Geociências
e Ciências Exatas – UNESP – Campus Rio Claro – São Paulo –
Brasil
Resumo
A
América Latina vem sofrendo profundamente a aplicação do projeto neoliberal,
desde o início da década de 1990, e teve como conseqüências maiores a
financeirização da economia e a precariedade do trabalho. Um modelo que
expropriou a cidadania da maioria da população do continente. Recentemente,
diversos governos ditos de “esquerda” chegaram ao poder em diversos países, mas
não significaram o crescimento da democracia. Queremos argumentar neste trabalho
que o crescimento dos governos de esquerda não representam o aumento da
democracia. E que somente a luta através dos movimentos populares pode trazer a
transformação para a região. Esses movimentos devem ter como ponto de partida um
socialismo renovado e a busca da emancipação e da liberação da sociedade. Assim,
o objetivo deste
trabalho é examinar alguns aspectos da renovada presença da esquerda na vida
política latino-americana. Presença que se observa menos nos cenários
tradicionais (o sistema de partidos e a representação parlamentar) e mais no
surgimento de uma série de governos que se identificam, vagamente, como de
“centro-esquerda” ou “progressistas”.
Palavras-chave:
América Latina;
democracia; neoliberalismo; emancipação.
More
democracy, more inequality? Notes about the integration of left governments in
Latin America
Abstract
Latin
America has underged the application of the neoliberal project, since the early
1990s, and the major consequences had the financialisation of the economy and
lack of labor. A model that expropriate the citizenship of the continent
population majority.Recently, several governments called "left" came to power in
several countries, but not meanly the growth of democracy. We argue in this
paper that the growth of left-wing governments do not represent the rise of
democracy. And that only through the struggle of popular movements can bring the
transformation to the region.These movements must have as its starting point a
renewed socialism and the search for emancipation and liberation of society. The
objective of this study is to examine some aspects of the renewed presence of
the left in Latin American political life. Presence that is seen in less
traditional settings (the system of parties and parliamentary representation)
and more in the emergence of a number of governments that are identified,
vaguely, as “center-left” or “progressive”.
Key Words:
Latin América; democracy; neliberalism; emancipation.
“J'ai vu les démocraties intervenir contre à peu près tout, sauf
contre les fascismes.”
André Malraux (1901-1976)
Escritor francês
Introdução
O conceito de globalização vem sendo utilizado com o intuito de
ressaltar a idéia de que existe uma única via possível de liberalização plena
dos mercados mundiais e de integração a eles como destino inevitável de toda a
humanidade. Esta inevitabilidade é refutada pela história, que mostrou que no
período compreendido entre as duas grandes guerras mundiais do século XX houve
um grande episodio de reversão da internacionalização. Portanto, o que vem
ocorrendo nos países centrais e periféricos coloca em evidencia a existência de
múltiplas vias de inserção na economia global.
Dessa forma, econômica, política e tecnologicamente o mundo nunca
pareceu mais livre, ou mais injusto. Estas perspectivas mistas realçam um
paradoxo perturbador. A expansão da democracia, a integração das economias
nacionais, as revoluções tecnológicas, tudo aponta para uma maior liberdade
humana e um maior potencial para melhorar a vida das pessoas. Mas, são
demasiados os países em que a liberdade parece estar sob ameaça cada vez
maior.
As democracias latino-americanas enfrentam um cenário cada vez
mais ameaçador. O inimigo da democracia na América Latina é o próprio
capitalismo, que debilitou o impulso democrático tanto no Norte desenvolvido
quanto nos países periféricos. Os mercados seqüestraram a democracia e a
cidadania perdeu seu sentido. Seu desinteresse e apatia são sintomas que
denunciam os regimes democráticos que são incapazes de honrar suas promessas e
satisfazer as esperanças que os povos haviam depositado neles.
Mas esta descoberta da falsa polis democrática, deixando o campo
livre para a ação das forças de mercado, não é suficiente para a expansão
neoliberal. A imposição do projeto capitalista neoliberal, que avança para a
mercantilização da totalidade da vida social de homens e mulheres e da própria
natureza, exige também criminalizar a pobreza e os protestos sociais,
militarizar os conflitos sociais e transformar a guerra numa cruzada infinita
contra os que se rebelam ao poder imperial.
O objetivo deste trabalho é examinar alguns aspectos da renovada
presença da esquerda na vida política latino-americana. Presença que se observa
menos nos cenários tradicionais (o sistema de partidos e a representação
parlamentar) e mais no surgimento de uma série de governos que se identificam,
vagamente, como de “centro-esquerda” ou
“progressistas”.
Dessa forma, na próxima seção examinaremos as transformações que a
maior parte dos países latino-americanos vem sofrendo coma implementação das
políticas neoliberais na região nas últimas duas décadas. Em seguida, faremos um
balanço dos governos populares e de esquerda, que foram eleitos nos últimos anos
em alguns países, focando especificamente a questão da democracia. Na seção
seguinte, através da análise de diversos autores, buscamos construir a noção de
uma nova democracia, pautada nos valores do socialismo e da libertação e que
possa ser encarada como uma democracia “real”. A seguir, fecharemos o trabalho
com um debate sobre as conclusões da presente pesquisa, mostrando como a
geografia pode auxiliar nestes estudos.
Natureza e alcance das reformas neoliberais na América
Latina
É difícil datar uma transformação tão complexa como o aparecimento
do neoliberalismo, mas pode-se dizer que ele nasce após a Segunda Guerra
Mundial, na Europa Central e nos Estados Unidos, e deve ser considerado como um
fenômeno distinto do mero liberalismo clássico, dos séculos XIX e XX. Foi uma
reação teórica, política e ideológica contra o Estado intervencionista e do
Bem-Estar. Desde 1973, quando ocorre uma séria recessão econômica mundial (a
mais grave desde o colapso de 1929), as bases para muitas das transformações que
mais tardem caracterizariam o neoliberalismo já estavam sendo criadas (ANDERSON,
2004, p. 27).
Com a chegada da crise do modelo econômico do pós-guerra, na
década de 1970, as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno, difundidas
pelos países capitalistas centrais. A partir de então, assumiu-se que as raízes
da crise estavam localizadas no poder excessivo dos sindicatos e do movimento
operário, que estariam atravancando a economia com suas pressões
reivindicatórias sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o
Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.
Esses dois processos, segundo os teóricos neoliberais da época,
estavam destruindo os níveis necessários de lucro das empresas e desencadeando
processos inflacionários que geraram uma crise generalizada das economias de
mercado. A solução, então, era clara: manter um Estado forte na sua capacidade
de quebrar o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas limitado nos
gastos sociais e nas intervenções econômicas (SADER, 2006, p. 58). A
estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para
isso, seria necessária uma disciplina fiscal com os gastos sociais e a
restauração de uma taxa “natural de desemprego”. Dessa forma, uma nova
desigualdade voltou a dinamizar as economias avançadas, então afetadas pela
estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e Beveridge
(BAER, 2002, p. 310), ou seja, a intervenção estatal e a redistribuição de
renda, as quais haviam deformado o curso normal da acumulação e do
livre-comércio.
Assim, segundo Harvey (2006, p. 145), podemos entender o
neoliberalismo como:
(…) uma prática das teorias econômicas políticas, a qual propõe
que o bem-estar humano pode ser alavancado pela maximização das liberdades
empresariais, juntamente com a institucionalização de um panorama caracterizado
pelos direitos da propriedade privada, das liberdades individuais, do livre
mercado e do livre comércio. O papel do estado é o de criar e institucionalizar
uma conjuntura institucional apropriada para tais práticas. O estado deve estar
de acordo, por exemplo, com a qualidade e a integridade do dinheiro. Ele também
deve cumprir suas funções militar, de defesa, política e jurídica necessárias
para assegurar os direitos da propriedade privada e sustentar o livre
funcionamento do mercado.
A incapacidade de fazer frente à crise estrutural que atingiu as
principais economias capitalistas nos anos 1970, sobretudo a inflação
cumulativa, criou as condições econômicas, sociais e políticas que permitiram o
estabelecimento da nova ordem social (BRENNER; THEODORE, 2002, p. 353). A tudo
isto se somou o cada vez mais evidente fracasso do modelo soviético e a
fragilidade do movimento operário.
O projeto neoliberal que se consolidou no começo dos anos 1980
pretendia, desse modo, restabelecer o poder das classes dominantes. Entre outras
coisas, este modelo aprofundou a pressão competitiva e voltou-se para a
utilização do capital financeiro como meio para assegurar a obtenção das taxas
de lucro mais elevadas possíveis, sem pensar na procedência desses lucros
(HARVEY, 2006, p. 146). Mas, naturalmente, nenhuma destas medidas poderia ter
funcionado sem a construção de um aparato estatal dócil, que implementou uma
série de processos de desregulação e privatização, assim como de ferozes ataques
ao poder sindical e ao estado do bem-estar (CECEÑA, 2005, p. 37).
Todas estas transformações causaram o abandono do aparato do
estado social-democrata, que supostamente estava interessado no bem-estar de
todos os seus cidadãos – sempre que, obviamente, não atrapalhasse o bom
andamento da acumulação capitalista – e sua substituição por um aparato estatal
neoliberal, interessado em criar um bom clima para os negócios. Desse
modo:
Os Estados do mundo inteiro sofreram uma forte pressão para que
adotassem políticas neoliberais e, com isso, as esferas locais de poder passaram
a deter maior poder de articular políticas. Isto fez com que ocorressem grandes
e severos ajustes espaciais nas normas institucionais, na criação de políticas,
na divisão do trabalho, na criação e difusão de tecnologias, no modo de vida e
consumo da população, entre outras mudanças (BRENNER; THEODORE, 2002, p.
353).
Naturalmente, este é um processo que não tem acontecido de maneira
uniforme e tão pouco se pode dizer que tenha tido um êxito total. Contudo, é
certo que se converteu numa espécie de norma universal a que todos os estados
são obrigados enfrentar (HARVEY, 2006, p. 149).
O impacto do neoliberalismo nos países centrais não tardou a
fazer-se sentir em outras partes do globo, particularmente na América Latina.
Este continente foi testemunha da primeira experiência neoliberal sistemática do
mundo, iniciando-se através do governo ditatorial de Augusto Pinochet, no Chile.
A virada continental em direção ao neoliberalismo foi sendo construída com o
governo de Salinas, no México, em 1988, seguido da chegada ao poder de Menem, na
Argentina, e de Pérez, na Venezuela, no ano de 1989, e da eleição de Fujimori,
no Peru, em 1990.
Os ajustes espaciais impostos pelo neoliberalismo são facilmente
encontrados no novo ordenamento territorial que a maioria dos Estados
latino-americanos vem sofrendo desde o começo da década de 1990. No Brasil, o processo de reestruturação produtiva
iniciou-se timidamente já na segunda metade da década de 1980, acelerando-se
rapidamente a partir dos anos 1990, quando da abertura econômica implementada
pelo Governo Collor. Atualmente, podemos citar, entre outras medidas, as
privatizações das empresas estatais, os incentivos aos agronegócios
(principalmente a soja) em detrimento da agricultura familiar, os incentivos às
exportações, o enfraquecimento dos sindicatos e da classe trabalhadora, a
diminuição de investimentos em infra-estrutura e em serviços básicos (BORON,
2006, p. 155).
O impacto dessas mudanças nos quadros das relações internacionais
e das escalas territoriais tem provocado grandes alterações estruturais. Em
primeiro lugar, elas vêm permitindo e induzindo a generalização dos novos meios
de comunicação e controle e, conseqüentemente, potencializando e aumentando o
fluxo de informações econômicas, científicas, tecnológicas, culturais e
políticas. Em segundo, as novas tecnologias facilitam o armazenamento e o
transporte de uma crescente gama de serviços, possibilitando o crescimento do
seu comércio à distância e superando a característica histórica de sua produção
e consumo simultâneo no mesmo local. Em terceiro, a mudança da base técnica na
produção de bens, com a transição de uma base tecnológica pesada para uma base
leve, e a melhoria e redução geral dos custos de transporte contribuíram para o
aumento do comércio internacional e inter-regional de bens (RIBEIRO, 2000, 2006;
SOUZA, 2006).
O resultado conjunto e contraditório desses processos tem sido um
crescente aumento dos fluxos de informação, capitais e pessoas e do comércio de
bens e serviços, aumentando as distintas formas de integração entre países e
regiões. Essas evidências levaram alguns autores e ideólogos do capitalismo
global a entenderem que o processo de globalização significaria o fim do
Estado-Nação e, sob a hegemonia do mercado e com ampla mobilidade do capital,
seriam destruídas as barreiras econômicas, culturais, políticas e sociais entre
países e regiões, criando um mundo desterritorializado, no qual as corporações
passariam a atuar de forma livre (BAER, 2002).
Contudo, ao contrário dessas interpretações e posições, o que
temos visto na América Latina nas últimas duas décadas é o aumento da pobreza e
a fragmentação social. Há divergências metodológicas significativas sobre como
medir a pobreza. Entretanto, a maior parte das fontes internacionais concorda a
respeito de uma constatação básica sobre a região: a pobreza cresceu
consideravelmente nas duas últimas décadas na América
Latina.
Segundo documento da CEPAL intitulado “Social Panorama of Latin America –
2007”, as últimas estimativas da pobreza nos países da
América Latina indicavam que, em 2006, 36,5% da população total da região (que é
de 532 milhões de pessoas) eram pobres e 13,4% eram extremamente pobres. Isso
significa um crescimento de 3,3% de pessoas pobres na região e 2,0% de pessoas
extremamente pobres, em comparação com os números de
2005.
Os números sobre crescimento da pobreza brevemente assinalados
transformam-se em necessidades e miséria angustiantes na vida diária. Mais de 10
milhões de latino-americanos não têm acesso aos serviços de saúde, e dois de
cada cinco não têm água potável e saneamento básico. Um terço da população da
América Central é analfabeta. Um terço das crianças menores de cinco anos
apresenta tamanho inferior ao normal devido a processos de insuficiências
nutricionais na mãe e na criança.
Essas e outras expressões da pobreza repercutem nas dimensões
fundamentais da vida. Criam dificuldades muito grandes para o que Amartya Sen
(2000, p. 31) chama de “as capacidades básicas de funcionamento das pessoas”,
deterioram a qualidade de vida e diminuem a esperança de vida com relação às
cifras esperadas em condições normais.
A pobreza está fortemente ligada aos difíceis problemas que se
apresentam no momento à população que busca um trabalho estável. A região tem,
antes de tudo, uma taxa de desemprego muito alta que vem crescendo. De acordo
com Kliksberg (2002, p. 18), a taxa de desemprego médio subiu de 7,2% em 1997,
para 8,4% em 2000. Quando se separa por idade, o problema é ainda mais grave
para os jovens. Segundo os cálculos do referido autor, em 1980, trabalhavam na
economia informal 40,6% da mão-de-obra não agrícola ocupada e em
2001 a
cifra subiu para 59% (KLIKSBERG, 2002, p. 18).
Convém não repetir aqui o que pode ser encontrar expresso nos
documentos da CEPAL: as últimas duas décadas foram, para os países da América
Latina, de estagnação, retrocesso e, no máximo, em alguns casos, de crescimento
medíocre.
A América Latina foi avassalada pelo neoliberalismo e continua
sobre seu domínio. Somos a região com a maior desigualdade do mundo, incluindo a
África. Internamente, a desigualdade aumentou em nossas sociedades entre o
início dos anos 1990 e o começo de 2000. México e Brasil quase não mudaram neste
período, mas sociedades mais igualitárias como Argentina e Uruguai se destacaram
por um processo de polarização social radical.
Mais democracia, mais desigualdade? Sobre a democracia real na
América Latina no início do século XXI
Estamos diante de um quadro novo na América Latina, uma vez que
diversos partidos de “esquerda”, ou ao menos ditos social-democratas, têm
conseguido vitórias no campo eleitoral: Brasil (Lula), Argentina (Kirschiner),
Bolívia (Morales), Venezuela (Chávez), Uruguai (Vázquez). Seria esse um sinal de
amadurecimento e estabilidade da democracia em dito continente, em que, enfim,
podemos utilizar a via eleitoral – sempre tão distante do povo a não ser em
tantos e quantos anos – para modificar a situação de miséria e penúria pela qual
padecem nossas sociedades há tanto tempo? Acreditamos que o sintoma que se
apresenta é um pouco mais complexo do que a primeira vista pode parecer.
Sustentamos que esta é uma crise da própria forma democracia nas sociedades
capitalistas e antes de essas vitórias eleitorais significarem a ascensão do
“povo” ao poder do Estado, ao contrário, perpetua-se sua subordinação em
detrimento da forte mobilização que o continente vem apresentando nas últimas
décadas sob jugo neoliberal. Na verdade, esses partidos exatamente ascendem ao
poder para concluir o trabalho que a direita não teria condições (por falta de
legitimidade) para acabar. Mas, faz-se necessário analisar que processos operam
em cada situação específica que faz com que as estruturas governamentais sejam
impermeáveis às demandas populares.
A “abertura democrática” na América Latina, não deve ser entendida
apenas como fruto das reivindicações e luta dos trabalhadores e setores
populares, mas como um imperativo da própria lógica de desenvolvimento atual do
capitalismo. Passamos de um governo-Estado-popular ou ditatorial, para um
capitalismo democrático, em que a “democracia” (em sua face liberal-parlamentar)
tem sido esvaída de canais efetivos de participação popular e o mais importante,
de formas e possibilidades efetivas de mudança social. É interessante salientar
como nestes lados do mundo a hiperinflação serviu (e ainda serve) como
equivalente funcional ao trauma da ditadura militar como mecanismo para induzir
“democrática” e não coercitivamente um povo a aceitar as mais drásticas
políticas neoliberais (BORON, 2004). Logo, a democracia-parlamentar (e sobretudo
a dívida externa e o controle da inflação) tem sido utilizada como substituto de
dominação pelas elites e interesses do capital transnacional e financeiro. A
eleição e permanência de partidos “de esquerda” têm servido como válvula de
escape das crescentes insatisfações populares no continente, visto que esses
governos não possuem margem de atuação fora da ordem das coisas dadas e por
vezes nem interesse em seguir outro caminho.
A alternância dessa pseudo-esquerda no poder de forma pacífica, só
é possível pela própria hegemonia do programa neoliberal e seu “combate a
hiperinflação”, austeridade fiscal e outros discursos ideológicos, e o fato do
“capitalismo democrático” e suas eleições não serem mais instrumentos de
superação da situação econômico-social. No México, por exemplo, o NAFTA, serve
também como dispositivo para diminuir a ameaça de uma abertura democrática, um
mecanismo para garantir a democracia ao estilo estadunidense, de cima para
baixo, e para facilitar diversos acordos bi e multilaterais implementados no
continente.
A globalização financeira se contradiz com o avanço das
democracias nacionais, ameaçando sua consolidação ao mesmo tempo em que fecha as
possibilidades de legitimidade e governabilidade. Hoje os presidentes podem ser
“esterilizados” por meio dos programas de ajuste da economia que são do
interesse do grande capital internacional e se apresentam acima dos governos.
Cria-se, assim, um ambiente em que praticamente não haja incertezas e mudanças
nas regras e instituições econômicas, restringindo a autoridade política dos
governos destas nações, bem como sua governabilidade. Essa necessidade do
continuísmo das políticas leva a um fator tal em que permanecendo essa linha de
raciocínio, não há possibilidade de uma alternância real do poder (que se
constitui em condição necessária para qualquer democracia), pois, é indiferente
qual partido venha a governar, sendo que há um “consenso” entre o que é a
“correta política econômica” (como ocorrido na última eleição presidencial
brasileira). Desta forma, a função do presidente se torna somente decorativa,
seu papel é passar uma boa imagem para o exterior, para que os investidores
estrangeiros confiem que o país desse presidente será um bom guardião do seu
dinheiro, sendo o Fórum Econômico de Davos a grande feira para se vender a
“credibilidade” (FIORI, 1998).
Este novo modelo de dominação corresponde ao paradigma neoliberal,
compartilhado pelos que detém o poder econômico e político, e pretendem
organizar o mundo através da lógica do mercado, da competência eleitoral e da
conformação formal de cidadania. Desta forma, a democracia resulta em um
paradoxo, pois se reduz a uma simples questão eleitoral. Os governantes e os
legisladores, sujeitos apenas às estruturas partidárias e aos seus próprios
grupos de interesses, acabam por ignorar o restante da sociedade. A única vez
que se vêem obrigados a escutar a sociedade é no dia das eleições e a única voz
que estão obrigados a escutar são as dos votos. Mas, precisamente nesse momento,
a parcela da sociedade que se expressa eleitoralmente está conformada como um
enorme agregado de indivíduos, obrigados a suspender as identidades, as
solidariedades e os vínculos que os constituem como coletivos.
O capitalismo representa o governo de classe pelo capital e limita
o poder do povo em seu significado político, submetendo a vontade popular aos
imperativos da acumulação e do lucro. No capitalismo há uma completa separação
entre a apropriação privada e os deveres públicos, o que resulta no
desenvolvimento de uma nova esfera de poder que se dedica inteiramente aos fins
dos interesses privados e não aos interesses sociais (WOOD, 2003).
Essa autonomização da esfera econômica permitiu uma extensão aos
direitos políticos, pois estes já não são capazes de interferir na apropriação
do capital e na separação clássica entre “governantes” e “governados”. Dessa
forma, o sufrágio universal só se tornou possível pela sua secundarização, isto
é, os aspectos mais decisivos do poder não participam do jogo eleitoral, pois
estes aspectos são garantidos por instâncias cooptadas do Estado pelas grandes
empresas transnacionais (BERNARDO, 2004).
O sufrágio universal tal qual adaptado a essa forma de democracia
burguesa não retira do capital o seu poder de apropriação, pois ela deixa
intacta a exploração de classe, mesmo que afirme uma abstrata igualdade cívica
que, por sua vez, não modifica a desigualdade econômica. Abstração que serve
como instrumento ideológico para negar a experiência mais direta dos cidadãos,
seus laços de solidariedade, de classe, forjados no local de trabalho, nos
bairros, nas assembléias, nas greves, nos pueblos, ao mesmo tempo em que
escamoteia as desigualdades sociais e interesses classistas.
A estrutura social do capitalismo esvazia de conteúdo social a
democracia, ao deixar intocadas as relações de propriedade e de poder, em que a
igualdade formal de direitos políticos – e sua universalização acompanhada de
uma não menor passividade – pouco interfere no tocante às desigualdades e
relações de exploração e dominação. Na contemporaneidade, o conceito de
democracia se refere mais à salvaguarda de direitos constitucionais e
processuais e ao direito a privacidade e isolamento do cidadão individual do que
o exercício ativo do poder popular e coletivo. A democracia liberal não atua nas
áreas da vida cotidiana que estão sujeitas aos poderes da propriedade, não
questiona as leis do mercado e o imperativo do lucro. Na nova asserção liberal,
o poder democrático está isolado e sem capacidade de atuação contra a esfera
econômica e o mercado, aliás, a democracia deve garantir essa autonomia
econômica. Há uma transferência dos centros decisórios, observada na
desideologização da maior parte dos partidos políticos, que não representam mais
alternativas diferentes, não há uma sistematicidade distinta de idéias, e menos
ainda, práticas efetivas que os diferencie (BERNARDO, 2004).
O mundo tem mudado profundamente neste início de século XX.
Contudo, a desigualdade que assombra a América Latina, atualmente, é de um tipo
antigo, calcada sobre um mecanismo em parte substancialmente diferente, mas com
a mesma maneira insensível e brutal dos primórdios do capitalismo
industrial. O que vem ocorrendo é
que os governos ditos da “democracia real” não conseguem fazer frente ao
processo neoliberal na região, pois eles têm uma autonomia relativa. Assim, o
que temos na América Latina é mais desigualdade e mais democracia, mas uma
democracia caída, que arrasta a liberdade.
Essa contradição cada vez mais profunda entre a democracia e o
capitalismo é um dos cernes de atuação e reivindicação dos assim chamados “novos
movimentos sociais”, como o Exército Zapatista de Libertação Nacional no México,
o Conselho Nacional Indígena do Equador, os Movimentos de Trabalhadores
Desempregados na Argentina, o Movimento Sem Terra brasileiro, entre outros. Há
um fracasso dos capitalismos democráticos na região da América Latina, que tem
gerado intensas frustrações, em decorrência da piora dramática das condições
sociais, desde o florescimento das “democracias” (pouco mais que meramente
eleitorais) a partir dos anos 1980, com suas políticas de ajuste e
estabilização, precarização do trabalho, altas taxas de desemprego, aumento da
pobreza, vulnerabilidade e endividamento externo, entre outros
fatores.
Os novos rumos da democracia na América Latina: onde estamos e
onde queremos chegar
Não pretendemos no âmbito deste artigo examinar com o merecido
cuidado estas diversas contribuições em torno dos distintos modelos de
construção democrática. Queremos, contudo, determos-nos num ponto comum a todos
os autores analisados: a reinvenção da democracia ou da “democratização da
democracia”.
Parece oportuno, em conseqüência, começar por referir-se à relação
entre mercados e democracia, um tema que aborda a exclusão – econômica, social e
política – estruturalmente gerada pela recomposição neoliberal do capitalismo e
a decadência das instituições da democracia representativa. A relação entre
mercados e democracia encontra-se no centro do debate atual da teoria e
filosofia políticas. Isso ocorre porque a radical estruturação social e
econômica precipitada pela crise do keynesianismo, desde meados da década de
1970, teve como resultado uma expansão dos mercados sem precedentes na historia
mundial do capitalismo.
Mas se trata somente da crescente globalização dos mercados,
fenômeno que, salvo o caso das transações financeiras, encontra-se exagerado na
literatura neoliberal. Também se produziu uma inédita mercantilização da vida
social, a qual foi praticamente toda redefinida em termos mercantis, o que deu
origem a um notável desequilíbrio entre mercado, Estado e sociedade, onde o
crescimento exorbitante do primeiro se fez em detrimento dos outros dois (BORON,
2003, p. 123.). Produto do anterior foi o ostensivo achatamento dos espaços
públicos nas sociedades latino-americanas, progressivamente asfixiadas pela
súbita queda das fronteiras entre o público e o privado, em beneficio deste
último, e por uma reconversão, em função de uma lógica puramente mercantil, de
antigos direitos cidadãos, tais como educação, saúde, justiça, seguridade
social, preservação do maio ambiente, em “bens” ou “serviços”.
A reconversão dos direitos em mercadorias significa não somente
uma redefinição excludente e restritiva dos mesmos, mas também que o seu uso
passa a ser mediado pela capacidade que o cidadão tem de adquiri-los no mercado.
Assim, o capitalismo neoliberal frustra qualquer tentativa de projeto
democrático:
A tensão entre capitalismo e democracia desapareceu porque a
democracia tornou-se um regime que em vez de produzir redistribuição social, a
destruiu (…) Uma democracia sem redistribuição social não tem nenhum problema
com o capitalismo; ao contrário, é o outro lado do capitalismo, é a forma mais
legítima de um Estado débil (SANTOS, 2006, p. 75).
Esta citação mostra de forma evidente a razão fundamental pela
qual o capitalismo, que combate a democracia moderna desde suas origens, no
Renascimento italiano, termina por aceitá-la. A democracia pagou um preço muito
alto por sua respeitabilidade: teve que abandonar suas bandeiras igualitárias e
libertárias e transformar-se numa forma inócua de organização do poder político
que, longe de transformar a distribuição existente do poder e da riqueza em
função de um projeto emancipatório, não somente a reproduz, como a fortalece,
dotando-a de uma nova legitimidade. Como muita razão Boron (2003, p. 156) chamou
estes regimes de “democracias de baixa intensidade”, pois são governos que,
ainda que surjam do voto popular, têm como sues principais beneficiados as
classes ricas.
Assim, como nos coloca Quijano (2004, p. 12): “A democracia no
capitalismo é o pacto pelo qual as classes subalternas renunciam à revolução em
troca de negociar as condições de sua própria
exploração”.
Assim, a democracia atualmente é entendida como a extensão do
direito ao sufrágio às camadas mais pobres da sociedade, o que torna o processo
democrático quase inexistente, quando pensamos em formas para mudar a sociedade
classista já existente.
Esta grande presença dos mercados e sua hegemonia nos crescentes
setores da vida pública contemporânea, impensáveis há apenas trinta anos,
colocou em questão um novo tema: como conciliar esta hegemonia dos mercados com
a democracia? Afinal, como sabemos, é evidente que a relação entre ambos nunca é
harmoniosa, exceto em alguns raros casos.
A reorganização da esquerda na América Latina é um imperativo para
que a idéia de democracia, tal como se mostra na consciência popular
latino-americana, se converta em realidade. À esquerda cabe refletir e
compreender a rica experiência dos movimentos populares da região no período
recente. E neste processo cabe repensar, sem dúvida, a tendência da esquerda da
década de 1960, no sentido de privilegiar as tarefas econômicas na luta
revolucionaria, o uso do Estado como fator primordial de transformação e a visão
do homem primariamente como agente transformador. A realidade da luta de classes
advém do processo produtivo e não está em discussão a definição do indivíduo
como trabalhador ou camponês. Mas trabalhador ou não, camponês ou não, o
individuo é homem ou mulher, branco, negro ou índio, é um animal que necessita
de condições ecológicas adequadas para a sua sobrevivência, entre muitos outros
aspectos. Portanto, vale refletir sobre os movimentos organizados pelas
populações mais carentes, que resistem à homogeneização dos poderosos agentes
econômicos neoliberais.
Portanto, a democracia possui uma lógica expansiva, que parte da
igualdade estabelecida na esfera política – institucionalizada no sufrágio
universal e na igualdade perante a lei – e que tenta difundir sua dinâmica
igualitária para os mais diversos terrenos da sociedade e da economia (OLIVEIRA,
1999, p. 98). Esta tem sido a história das sociedades capitalistas em nosso
século: em virtude da força e da capacidade mobilizadora dos sindicatos. Dos
partidos de esquerda e das organizações representativas de classe produziram-se
progressivas conquistas dos direitos sociais e econômicos que, pelo menos em
parte, se traduziram em benefícios tangíveis e concretos para os trabalhadores.
O resultado de tais êxitos foi um crescente processo de
“socialização de demandas” através do qual uma ampla gama de exigências e
necessidades consideradas antes “privadas” – como a saúde, a educação, a
seguridade social, etc. – se converteram em bens coletivos, cuja efetiva
provisão passou a depender de uma radical redefinição do papel tradicionalmente
jogado pelos Estados nacionais. Como sabemos, o keynesianismo foi a fórmula
política que assumiu esta mutação no regime de acumulação e no modelo de
hegemonia burguesa. Mediante o mesmo, se produziu um grande avanço no processo
de “cidadanização” e na integração das massas ao Estado, ainda que nos paises
periféricos o fenômeno tenha adquirido menor
intensidade.
Mas esta expansividade do modelo democrático se contrapõe a um
movimento em sentido contrário que se origina nos mercados. Se for verdade que
nas conjunturas de ascensão das lutas de classe e de ofensiva dos setores
populares a democratização dos capitalismos traduziu-se na mencionada
“socialização das demandas”, na fase que se constituiu a partir da
contra-ofensiva burguesa lançada nos final da década de 1970, o que se verifica
é um processo de mercantilização e privatização dos direitos civis. O resultado
de todos estes processos é a formação de um “Estado desertor” (DEL BÚFALO, 2003,
p. 21) que deixa em segundo plano as suas responsabilidades sociais em favor dos
interesses do mercado. Visto de outro ângulo, este processo pode ser chamado,
segundo Strasser (2000, p. 139), de “descidadanização” de grandes setores
sociais, vítimas do predomínio de critérios econômicos em esferas da vida que
antes eram estruturadas em função de categorias éticas, normativas e
morais.
Direitos, demandas e necessidades previamente consideradas como
assuntos públicos transformaram-se em questões individuais diante das quais os
governos de inspiração neoliberal nada devem fazer, salvo criar as condições
mais favoráveis para que seja o mercado quem se encarregue de dar uma resposta.
Se antes a saúde, a educação ou o mais elementar acesso à água potável eram
direitos constitucionais à definição de cidadania, a colonização da política
pela economia os converteu em outras tantas mercadorias a serem adquiridas no
mercado por aqueles que puderem pagar por elas.
O que se comprova no momento atual é algo bastante peculiar: uma
expressiva divisão entre a queda do neoliberalismo nos âmbitos da cultura, da
consciência pública e da política e, ao mesmo tempo, sua arraigada persistência
no crucial terreno da economia e postos-chave na política (Ministros da Fazenda
e Presidentes dos Bancos Centrais). As políticas econômicas do neoliberalismo
seguem seu curso e até se aprofundam, como vimos no Brasil. Mas diferentemente
do ocorrido nos anos 1980 e 90, já não contam com o apoio que antes lhe
garantiram uma sociedade civil que estava disposta a deixar para trás o horror
das ditaduras e aceitava a receita proposta pelo Consenso de Washington.
Considerações finais: uma aproximação entre geografia e
democracia
Ao buscar uma análise mais profunda do que ocorre no cenário
político da América Latina, enfatizando a democracia, os conceitos e as palavras
se inserem no discurso de fatos que aparecem entre contradições. Os discursos
são expressos entre dialéticas e diálogos que buscam encontrar o sentido do que
ocorre e buscam redefinir as metas e as melhores maneiras de alcançá-las. Assim,
no atual processo de definir e redefinir as alternativas ocorre que nem o
socialismo e nem a democracia atualmente existentes podem ser realmente
considerados como socialismo e democracia. Este julgamento baseia-se na
confrontação do socialismo como projeto histórico como o socialismo como
processo histórico, e confrontação da democracia que se projetou com a
democracia que se alcançou.
Apoiando-se num grande esforço de investigação comparada sobre o
funcionamento de experiências “contra-hegemônicas” de gestão de democracia no
nível local e regional em diferentes países da América Latina, Ásia e Europa,
Boaventura de Souza 1 concluiu a necessidade de promover a democracia
participativa a partir do fortalecimento de três eixos: i) a “demodiversidade”,
ou seja, o reconhecimento e potencialização das múltiplas formas que podem
historicamente assumir o ideal democrático, negado pelas correntes do mainstream
das ciências sociais, para as quais o único modelo válido é a democracia liberal
ao estilo norte-americano; ii) a articulação contra-hegemônica do local frente
ao global, indispensável para enfrentar os perigos do isolacionismo local ou os
riscos de um internacionalismo abstrato e sem conseqüências práticas; e iii) a
ampliação do chamado “experimentalismo democrático” e da participação dos mais
diversos grupos definidos em termos étnicos, culturais ou de qualquer outro tipo
(SANTOS, 2001, p. 187).
Para mudar a atual correlação de forças a favor da humanidade é
necessário aprofundar as duas principais reformas estruturais a favor dos povos
e trabalhadores. A primeira seria o cancelamento da dívida externa; a segunda, o
reconhecimento e fortalecimento dos direitos de autonomia das etnias e das
populações das localidades. O problema que subsiste a estas propostas é que o
tema crucial sobre os limites impostos pelo capitalismo a qualquer processo
democrático fica eclipsado pela consideração de um conjunto de experiências
inovadoras e fecundas, mas que, ainda assim, não conseguem ultrapassar as
rígidas fronteiras que o capitalismo impõe sobre todas as formas de soberania
popular (BORON, 2003). O neoliberalismo permite ao capital corporativo e seus
governos reforçar a hierarquia mundial de poder que abandonam a política de
dissuasão e passam para a de agressão e expansão.
Para Casanova (2002, p. 178), a democracia deveria ser o governo
de um povo livre que discute e decide com seus cidadãos e seus trabalhadores as
questões pertinentes às suas relações com outros povos, com a natureza, com a
cultura, com a sociedade, com a política, com a economia. É um sistema-movimento
que se constrói do local para o global, em meio a lutas e resistências que levam
a articular organizações e redes em regiões inteiras e entre as regiões. O local
e o global do projeto democrático vão se combinando, respeitando as diferenças,
ritmos e variações dos lugares, mas sempre com um conceito da unidade na
diversidade, que expressa o universal nos direito dos
demais.
Fazendo, desse modo, da moral pública e do diálogo público parte
de uma nova cultura de criação, produção, estilo de consumo e das relações
humanas com a natureza.
Como escreveu Amin (2004, p. 68):
A aspiração democrática pode ser particular e integradora;
particular quando inspira um movimento que luta contra uma autoridade não
democrática, integradora quando é concebida como um apoio ou palanque que
contribui para promover todas as demandas sociais.
Ao promover as demandas sociais, a aspiração democrática tem que
incluir a luta contra toda a forma de exploração e por uma distribuição do
excedente que decidam os povos, os trabalhadores e os cidadãos, não somente em
relação às grandes corporações, mas também em relação aos
impérios.
A verdadeira nova via a uma alternativa democrática não tem sido
objeto de suficientes análises teóricas (CASANOVA, 2002). A maior parte das
análises aponta para a criação de ilhas de governos locais autônomos e
livremente articulados entre si para a defesa dos interesses de suas comunidades
e para a gestão democrática de seus problemas. A tendência para ser neste, como
em outros casos, a combinação de propriedades públicas, sociais, familiares e
privadas, ao invés da idealização excludente de uma
delas.
As forças alternativas buscam redefinir o pensamento humano como
um pensamento capaz de superar o pensamento artificial e bestial das forças
dominantes. Concordamos com Casanova (2002) quando afirma que estas forças
alternativas encontram a democracia, o socialismo renovado e liberação como o
único caminho para dar um sentido realmente humanista às novas ciências e às
tecnologias predominantes. A solução vai mais além do ideológico e das posições
particulares. Corresponde a uma posição em que humanismo pode realizar-se
somente como democracia, liberação e como
socialismo.
O desenvolvimento futuro das alternativas terá muito provavelmente
um caráter não linear, em que pequenas causas produzirão efeitos
desproporcionados. Esse futuro é possível e até mesmo inevitável, quase
necessário. O que pode variar é o desenlace dos fatos atreves de duas vias: uma
alternativa que entre guerras e negociações permita a democracia como liberação,
e outra alternativa, que com as forças da paz e as negociações também permitirão
a sobrevivência da humanidade e do planeta.
O problema da negociação sem conflitos e com acumulação de forças
alternativas democráticas, libertadoras e socialistas na luta pela paz e pela
vida, é o problema central do futuro imediato. Em todo o caso, as forças
alternativas à globalização em que a democracia, a liberação e o socialismo
constituirão uma mesma luta das três lutas.
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