Crise Econômica Atual, Ruptura ou
Regulação:
Uma Visão da Teoria da Regulação sobre
Crises, os Impactos da Crise Atual
no Setor Cervejeiro Nacional e seus
Desdobramentos no Território
Eduardo
Fernandes Marcusso
Resumo: As crises
são elementos inerentes à evolução do capitalismo. Este é o principal ponto da
Teoria da Regulação: o desenvolvimento e a crise do capitalismo. É a partir
desse processo que foram pensados os conceitos básicos da teoria como formas
institucionais, regime de acumulação e modo de regulação. Esses conceitos
mostram uma nova abordagem analítica dos diversos modelos de desenvolvimento que
um Estado pode adotar. A Teoria da Regulação vai fornecer subsídios para análise
da crise, seus impactos no setor cervejeiro nacional e os eventos recentes
observados nos territórios.
Palavras-Chave:
Crise Atual; Teoria
da Regulação; Impactos Setoriais; Transformações
Territoriais.
Abstract:
Crisis are inherent elements to capitalism evolution. This is the main subject
of the Theory of Regulation: capitalism development and crisis. From this
process on, the theory basic concepts, such as institutional shapes,
accumulation regime and regulation mode were thought. These concepts show a new
analytical approach to the several developmental models nations may apply. The
Theory of Regulation provides subsidies for the analysis of the crisis, its
impact on the national brewing sector and the recent observed events is
territories.
Key-words:
Present crisis; Theory of Regulation; Sector impacts; Territorial
transformations
I. Contextualização
da Crise Atual
“Crises financeiras
são como mulheres bonitas:
difícil de definir,
mas fácil de identificar”
Charles
Kindleberger
A relação
entre a economia e a geografia sempre esteve em debate na ciência. Com a
emergência de turbulências econômicas, essa relação recebe nova dimensão, e uma
nova abordagem surge para poder desvendar as diferentes relações que se
estabelecem entre economia e geografia, em outros termos, entre o mercado e o
território. Neste momento é que o geógrafo Georges Benko (1996), autor que terá
grande contribuição neste trabalho, é bastante feliz em conduzir suas
investigações procurando as relações e as contradições dos fatos sob uma óptica
de três vertentes: geografia, economia e sociologia.
A crise
mundial afeta, de alguma forma, todos que estão envolvidos no comércio
internacional e até quem se restringe aos comércios nacionais. O fato é que a
crise tem causado sérias mudanças na estrutura do comércio, das empresas e dos
governos por todo o mundo, e essas notícias estão estampadas em todos os jornais
e revistas ao redor do planeta. Basta abrirmos o jornal hoje ou amanhã, que
veremos ao menos uma notícia sobre a crise.
Essas
notícias esboçam as transformações que estão em curso no sistema capitalista e
fornecem pistas da reorganização dos objetos no espaço, podemos dizer, da
reestruturação dos territórios, uma vez que mudanças na dinâmica econômica
provocam transformação na dinâmica espacial.
Um dos primeiros sinais dessa crise
foi o boom das empresas “pontocom”,
em 2001, com o estouro da bolha na Nasdaq. Para reaquecer a economia, o Fed
afrouxou a política de juros e, em 2003, por exemplo, os juros chegaram a cair
para 1% ao ano,
o que resultou na expansão do mercado de créditos. Neste momento, o mercado
imobiliário se expande e a demanda por imóveis cresce devido às taxas baixas de
juros nos financiamentos imobiliários e nas hipotecas. Os bancos compram os
títulos dessas hipotecas e repassaram para investidores como títulos lastreados
em hipotecas e, assim, criou-se esse ciclo de captação de dinheiro que se
difundiu em todo sistema bancário.
Em 2006, a
inflação cresceu e o Fed aumentou a taxa de juros para controlá-la. Dessa forma,
os preços dos imóveis despencaram, a hipoteca chegou a valer mais que o preço
das casas, a inadimplência cresceu exorbitantemente e os títulos perderam valor.
Teve início, então, a ajuda dos governos aos bancos que tiveram perdas
astronômicas com a desvalorização dos títulos e com a
inadimplência.
A crise nos Estados Unidos se alastra
para todo mundo, uma vez que muito do volume do comércio internacional passa
pelos EUA e circula, principalmente, no que muitos autores, como François
Chesnais (1996), chamam de tríade, que seria o comércio entre os Estados Unidos,
a Europa e o Japão.
As
conseqüências imediatas dessa crise são destaque em toda forma de mídia pelo
mundo. A Organização
Internacional do Trabalho – OIT havia, em outubro de 2008, projetado uma
estimativa de 20 milhões de desempregados. Em decorrência da crise, até o fim de
2009, os cálculos apontam para 50 milhões, e esse número pode aumentar.
As grandes
empresas de todo o mundo são o carro-chefe da onda de demissões que atinge os
mercados e os trabalhadores. O quão grande for a empresa, quão grande será sua
lista de demissões. Exemplos não nos faltam: cerca de 2,59 milhões de pessoas
nos EUA perderam seus empregos desde que o país entrou em recessão, em dezembro
de 2007. Só a fabricante de maquinaria pesada, Caterpillar, dispensou 20 mil
trabalhadores. Na Europa, o grupo bancário e de seguros holandês ING anunciou o
corte de 7 mil empregos, enquanto no Brasil a empresa aeronáutica Embraer
dispensou 4 mil funcionários.
Além das
demissões pelo mundo, verificou-se a quebradeira dos bancos nos EUA
e o estado caótico das montadoras de automóveis, a saber, a concordata da
Chysler e da GM no ocidente e no oriente, o anúncio do primeiro prejuízo da
história da Toyota,
além de quedas nas vendas em praticamente todos os setores das economias do
mundo.
Mas como fica o território em tempos de crise? E a divisão territorial do
trabalho? A organização espacial dos agentes em sociedade? Essas são perguntas
que são complicadas de se responder enquanto enfrentamos a crise, mas temos
algumas pistas que podem ser seguidas para termos uma idéia melhor do que as
crises causam na organização espacial dos agentes e objetos da
sociedade.
A história nos ensina que crises trazem modificações econômicas, sociais
e também espaciais. Uma verdadeira reestruturação territorial que, na visão do
geógrafo Edward Soja (1993), está arraigada à crise, trata-se de uma mudança
estrutural necessária, pois a ordem anterior não mais explica o
presente.
O presente artigo está dividido em nove subitens. O item I compreende
esta contextualização da crise atual e suas conseqüências imediatas. O item II é
um esboço da crise dos idos 1970 que deu origem a novas interpretações da
evolução do capitalismo, como a Teoria da Regulação, que vai guiar o
desenvolvimento das análises contidas no corpo desta pesquisa. Tal teoria e sua
explicação serão o tema central do item III. Já o item IV expõe a visão regulacionista da crise enquadrando a atual situação na
conceituação teórica proposta pelo artigo. O item V traz a abordagem
setorial da teoria da regulação, que terá seu estudo de caso. O item VI trata de
como o setor cervejeiro se comporta diante da crise e quais as implicações que
dessas transformações para a organização dos territórios produtivos desse setor.
As considerações finais, item VII, retomam a crise apontando, dentro da visão
regulacionista, suas implicações setoriais e as modificações territoriais. Por
fim, temos as referências bibliográficas, item VIII.
II. A Crise
Estrutural dos Anos 1970: Um Passo para Novas Análises
No final
da década de 1960, as grandes economias já apresentavam certa desaceleração,
evidenciando que o modelo fordista, baseado na especialização do trabalhador em
uma única atividade, em grandes estoques e em máquinas especializadas de grande
porte, havia se mostrado incapaz de aumentar a produtividade e a rentabilidade
das empresas. Já não havia mercados suficientes para vender os produtos
fabricados em grande escala.
A partir
da década de 70, o regime de acumulação fordista entra em crise, por
consecutivas baixas na rentabilidade, configurando uma verdadeira crise de
eficiência. A crise tem como principais causas as seguintes características: a
explosão salarial ocorrida no período, o colapso do sistema financeiro
internacional de Bretton Woods em 1971,
o boom de produção de 1972-3 e a
crise da OPEP de 1973 (HOBSBAWM, 1995). Tem-se, portanto, o mosaico de uma crise
estrutural montado.
O antigo
modelo baseado nos ganhos salariais e no chamado Estado de Bem Estar Social
mostrava-se um empecilho para superação da crise. A partir daí, no final da
década de 1970, o movimento neoliberal tomou grande impulso nos países centrais,
forçando grandes transformações nas instituições, necessárias para a saída do
estado de crise. A precarização das relações de trabalho, o aumento do
desemprego, e uso cada vez mais intensivo das novas tecnologias são reflexo dos
novos modos de regulação e dos novos regimes de acumulação que se implantam. “O
colapso desse sistema, a partir de 1973, iniciou um período da rápida mudança de
fluidez e de incerteza [...] caracterizado por processo de trabalho e mercados
mais flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de
consumo” (HARVEY, 2001, p.119).
A palavra chave da reestruturação do sistema produtivo fordista passa a
ser flexibilização, exatamente oposta à rigidez do antigo regime. A
flexibilidade compreende cinco formatos: os equipamentos de produção são
flexíveis, o que permite uma organização produtiva; a capacidade dos
trabalhadores em compreender a produção como um todo permite que se desloquem
pelas etapas de produção; a desburocratização e a agilidade em termos jurídicos
e de ação; a sensibilidade dos salários pela situação econômica geral; por fim,
o desvencilhamento, por parte da empresa, das regulamentações públicas, tendo [a
empresa] maior liberdade de ação. (BENKO, 1996)
Outra
mudança essencial decorrente da crise do fordismo foi a busca por novos nichos
de mercado, representada por uma demanda menor de produtos, muitas vezes mais
exclusivos e feitos em uma escala reduzida, mas que representam enormes ganhos
em relação aos produtos feitos em grande escala. Isso fez com que as empresas
tivessem que se adaptar a segmentos de mercado, lançando novos modelos e novos
produtos em uma escala muito mais rápida, para vendê-los em um mercado cada vez
mais competitivo e saturado.
Essas
inovações tiveram maior e mais rápida inserção nas pequenas empresas que
conseguiram se adaptar mais facilmente às novas tendências do mercado. Esse
fenômeno de reestruturação inovativa foi evidenciado de forma mais efetiva em
empresas de setores tradicionais do norte da Itália,
que se organizaram em rede de produção dinâmicas, baseadas na especialização, no
aumento da produtividade e da qualidade dos produtos. Essas aglomerações
geográficas de pequenas empresas ficaram conhecidas como distritos
marshallianos, (BECATTINI, 1994) nome dado em virtude dos estudos realizados
sobre tais aglomerações pelo economista britânico Alfred Mashall. Tais distritos
têm grande dimensão territorial e são associados como distritos da “Terceira
Itália”
(VEIGA, 2002)
Para
alguns autores (BENKO, 1996; BOYER, 1990; LIPIETZ, 1988) a mudança de paradigma
produtivo é chamado de pós-fordismo
ou acumulação flexível,
sendo que este deve ser visto como uma transformação do modelo fordista de
produção. Essa mudança deve ser entendida dentro do quadro de transformações
ocorridas nas instituições sociais que regiam o fordismo.
Já
Castells (1999), diferentemente, afirma que não houve um pós-fordismo com a
crise do modelo de crescimento, e sim uma reestruturação do sistema que mantém
suas bases mesmo que de forma mais flexível. O autor chama essa nova fase de
fordismo flexível, pois as formas estruturais do fordismo, como a produção em
massa, os ganhos de produtividade, entre outros, não foram superadas pelas novas
formas de organização da produção. O que ocorreu foi a reestruturação do
fordismo em novas bases mais maleáveis, ancoradas em uma produção mais
segmentada, onde passam a predominar processos de terceirização e
subcontratação.
As
tendências teóricas podem divergir entre o pós-fordismo ou fordismo flexível.
Aqui sugeriu-se, então, um chamado sistema produtivo flexível.
Tendo, então, o entendimento da passagem de paradigma produtivo, podemos dar um
passo para novas abordagens analíticas que surgiram diante da crise, sua
superação e posterior estabelecimento de uma nova ordem. Este passo é dado aqui
pela Teoria da Regulação, uma teoria econômica, que surge da crise e se
apresenta como uma nova abordagem teórica para análise da evolução do
capitalismo.
III. Breve Exposição
da Teoria de Regulação
Os
primórdios da Teoria da Regulação se concentram na publicação de Michel Aglietta
de, no original, Régulation et crises du
capitalisme em 1976,
e também no relatório Cepremap-Cordes
em 1977. A obra de Aglietta fornece as primeiras hipóteses do programa de
pesquisa regulacionista. As bases de análise da Teoria da Regulação são a crise
do capitalismo e sua principal forma de produção dos dias de então, o fordismo.
Esta obra inaugural da Teoria de Regulação contém uma severa crítica ao programa
neoclássico, que postula o caráter auto-regulador das economias de mercado se
colocando como uma alternativa à teoria do equilíbrio geral (AGLIETTA, 1976).
Esta
crítica é acompanhada pela Teoria de Regulação que se forma tomando como ponto
de partida ainda outras duas críticas, “La teoria de la regulación se construyó
a partir de una doble crítica: la del hommo economicus por um lado y la de los
enfoques estructuralistas por el outro” (BOYER; SAILLARD, 1997,
p.55).
O geógrafo
Georges Benko adere a essa teoria e tenta sintetizá-la em poucas palavras: “A
Teoria da Regulação foi desenvolvida para explicar processos de desenvolvimento
socioeconômico que apresentam grande variabilidade nos planos espacial e
temporal [...] Nessa teoria considera-se o desenvolvimento capitalista como uma
sucessão de fases regulares de desenvolvimento macroeconômico, ou de regimes de
acumulação, pontuado por crises, quando uma ordem desmorona e novas trajetórias
e novas ordens tomam o seu lugar.” (BENKO, 1996, p.110-11)
O mesmo autor ainda busca as fontes teóricas da Teoria da Regulação. Para
Benko (1996), a Teoria da Regulação vai trazer contribuições de diversas
ciências:
- do
marxismo, os teóricos da regulação vão utilizar a teoria dos ciclos longos, a
idéia do conflito de interesses, a visão histórica dos modos de produção. As
crises do sistema a serem vistas como regra, enquanto o crescimento estabilizado
e o pleno emprego são as exceções;
- da ciência política e do direito, os regulacionistas
trouxeram os estudos das instituições e das formas de organização na crise do
capitalismo dos anos 1970 e analisado-as historicamente. Porém, logo
aparecem propostas de análises a partir do surgimento de novas instituições, do
papel da difusão de novas formas de organização da produção, da distinção entre
mudanças econômicas locais e globais, do papel dessas novas instituições no
surgimento de novas relações sociais envolvidas no desenvolvimento do
capitalismo.
- uma
terceira contribuição é a dos chamados métodos heterodoxos, que se voltaram aos
problemas cognitivos do capital. Foi desenvolvida uma abordagem a partir da
economia das convenções, baseada na interpretação de que é necessária a
existência de convenções, que permitam estruturar as trocas no sistema
capitalista, já que a lógica mercantil pura não seria capaz de coordenar
satisfatoriamente essas trocas, sem que o sistema produtivo se tornasse instável
e caótico. É necessário, então, que se estabeleçam convenções que regulem o
mercado e as relações sociais, para tornar o sistema estável.Buscando, também, as origens dessa teoria,
Robert Boyer pontua as fontes de inspiração da teoria que se encontram no anexo I deste artigo após as referências bibliográficas.
A vantagem
dessa teoria é descrita pelo também geógrafo David Havey “A virtude do
pensamento da “escola da regulação” está no fato de insistir que levemos em
conta o conjunto total das relações e arranjos que contribuem para a
estabilização do crescimento do produto e da distribuição agregada de renda e de
consumo num período histórico e num lugar particular” (HARVEY, 2001,
p.118)
Dentro
dessa teoria temos certos conceitos que são essenciais para o desenvolvimento do
pensamento regulacionista, e esses termos serão abordados nesta seção. Boyer
pontua que o conceito de regime de acumulação, noção fundamental para a teoria,
é freqüentemente mal entendido (BOYER, 1994, p.122) e ele então detalha a
conceituação de regime de acumulação definindo-o “Um regime de acumulação explicita o
conjunto das regularidades que permitem uma acumulação mais ou menos coerente do
capital, isto é, que amortecem e esbatem no tempo os desequilíbrios gerados
constantemente pelo próprio processo de formação do capital”. Em termos mais
analíticos, um regime de acumulação define-se por cinco
características:
-
“Um tipo de organização da produção intra e interempresas que
define a organização do trabalho e a utilização dos meios de
produção.
-
Um horizonte temporal que serve de
referência às decisões de investimento dos empresários e que se traduz por um
conjunto de regras e/ou critérios.
-
Uma repartição dos rendimentos entre
salários, lucros e impostos, permitindo a reprodução dos diferentes grupos ou
classes sociais.
-
O volume e a composição da procura efetiva,
que exprimem o modo de vida e o processo de
socialização.
-
E, por fim, as
relações entre os modos de produção
pré-capitalistas e o capitalismo.” (BOYER, 1994,
p.122).
O mesmo
Boyer continua explicitando os demais componentes do regime de acumulação,
inserindo na discussão as formas institucionais como condutoras deste regime. As
formas institucionais são: a moeda, a relação salarial, as formas de
concorrência, a inserção internacional e o Estado. Estas formas institucionais
são também a codificação das relações sociais,
“Ellas
nacen de los conflictos, latentes o abiertos, que se originan en una doble
imposibilidad: por uno lado, ya no es posible prolongar el antiguo orden; por
otro superar las contradicciones u desequilíbrios que entonces se manifestan,
supone recurrir a una instancia que sobrepasa las interacciones horizontales
entre los protagonistas” (BOYER, SAILLARD, 1997, p.56)
O
detalhamento das formas institucionais, a seguir, será tratado sob a óptica de
Boyer e Saillard (1997). O papel da moeda como forma institucional está ligado
ao seu caráter de equivalente geral de modo de conexão entre os agentes
econômicos. A moeda transborda os limites nacionais e afeta também as relações
entre maiores espaços de circulação e troca.
A relação
salarial tem lugar de destaque entres as formas institucionais porque ela
caracteriza o tipo de apropriação do mais valor no modo de produção capitalista.
Boyer e Saillard (Op. Cit., p.59)
ainda diferenciam três formas de relação salarial:
- Competitiva, quando o consumo dos
trabalhadores não está inserido na produção capitalista;
- Tayloriana, quando a organização do
trabalho permite uma produção em massa, sem que o modo de vida dos assalariados
se veja profundamente modificado.
- Fordista, que conjuga o desenvolvimento
de normas de consumo e de normas de produção.
As formas
de concorrência indicam de que maneira se organizam as relações de produtores.
Dentro da Teoria da Regulação, a concorrência, como umas das formas
institucionais, tem seu foco de análise quando da possibilidade de transformação
do regime de acumulação.
A forma de
inserção internacional esboça a maneira do relacionamento de um Estado com o
espaço internacional. Este relacionamento não se restringe à pura economia:
debates sociais e políticos têm forte relevância. A Teoria da Regulação vai
buscar na escola norte-americana de regimes internacionais algumas definições
quanto à inserção internacional, como no caso do conjunto de normas, princípios,
regras e procedimentos de decisões que conferem a estabilidade e a coerência dos
comportamentos dos diferentes atores da economia
internacional.
As formas
de Estado demonstram como as organizações das autoridades públicas se inserem na
dinâmica econômica. O Estado, por definição, tem poder regulatório quanto ao
regime monetário (moeda), a competitividade de mercado (concorrência) e a
legislação trabalhista (relação salarial), e é exatamente por isso que as
relações entre Estado e economia são tão importantes para análise. A
especificidade da Teoria da Regulação está em prover análises sem isolar o
Estado do sistema econômico e sem colocar os determinismos econômicos sobre o
Estado.
As formas
institucionais agregadas vão ser chamadas de modos de regulação, que podem ser
entendidos como adoção de “una racionalidad ubicada em tiempo y espacio,
iluminada por una densa rede de instituiciones” (BOYER, SAILLARD, 1997, p.61).
Leborgne e Lipietz definem modo de regulação como “o conjunto de normas,
implícitas ou explícitas, das instituições, dos mecanismos de compensação e dos
dispositivos de informação que ajustam permanentemente as antecipações e os
comportamentos individuais à lógica de conjunto do regime de acumulação”
(LEBORGNE & LIPIETZ, 1994, p.224). Para Boyer, o modo de regulação
seria:
“todo
conjunto de procedimentos e de comportamentos individuais ou coletivos, com a
tripla propriedade de:
-reproduzir as
relações sociais fundamentais através da conjunção de formas institucionais
historicamente determinadas;
-sustentar
e dirigir o regime de acumulação em vigor;
-garantir
a compatibilidade de um conjunto de decisões descentralizadas, sem que seja
necessária a interiorização dos princípios de ajustamento do sistema como um
todo por toda parte dos atores econômicos” (BOYER, 1990, p.80)
Porém, a
adoção e o efetivo funcionamento do modo de regulação dependem da esfera
política dos compromissos institucionais dos grupos sociais, que formam blocos
sociais. Quando um bloco social se torna hegemônico, aí está montado o triângulo
(regime de acumulação, modo de regulação e bloco hegemônico) que se articula de
forma a constituir um modo de desenvolvimento descrito logo abaixo. Sendo assim,
o bloco hegemônico tem como condição de reprodução
“a
existência de um regime de acumulação, capaz de assegurar a satisfação das
necessidades sociais nas condições admitidas pelas partes intervenientes no
bloco (incluindo os grupos dominantes). Por seu turno, o modo de regulação (do
qual depende a realização de um regime de acumulação) não é mais do que um
conjunto de rotinas, de “habitus” e de compromissos institucionalizados no
próprio movimento pelo qual o bloco se institui, e que só perdura na medida em
que o próprio bloco os suporta. Chamemos ao conjunto “modelo de desenvolvimento”
(LEBORGNE & LIPIETZ, 1994, p.224).
Entretanto, o modo de regulação muda com o passar do tempo, transformando
as formas de crescimento e de controle dos valores econômicos e sociais em
atividade, uma vez que “nada grantiza que las formas sociales que se liberan
reproduzen siempre, a largo prazo, las relaciones de producción del modo de
producción vigente [...] el processo de adaptación de las formas institucionales
a los imperativos de la reporducción económica y de la legimitidad no tiene nada
de automático” (BOYER, SAILLARD, 1997, p.57)
Como o
regime de acumulação, que também se transforma (mas ele por si mesmo), as
grandes crises podem surgir da inadequação do modo de regulação com a realidade
econômica. Aqui podemos ver o encadeamento das noções teóricas da Teoria da
Regulação, sendo que uma forte alteração no regime de acumulação não mais
sustentará um modo de regulação que, por seguinte, modificará o dito modelo de
desenvolvimento.
Temos, então, que o modo de regulação põe em ação um conjunto de
procedimentos e de comportamentos individuais e coletivos que devem reproduzir
simultaneamente as relações sociais por meio da conjunção de formas
institucionais historicamente determinadas e sustentar o regime de acumulação
vigente. Aliado a tudo, ainda, o modo de regulação deve assegurar a
compatibilidade entre o conjunto de decisões
descentralizadas.
Dentro de todo esse processo temos as formas institucionais, como
constituintes do modo de regulação. Estas formas atuam de três maneiras nos
comportamentos individuais e coletivos descritos no parágrafo anterior. A
primeira maneira é o princípio de restrição (as leis, regras e regulamento); a
segunda, o princípio de negociação (compromisso); e, por fim, o princípio de
rotina (sistema de valores).
Podemos, assim, entender de que maneira um regime de acumulação se
estabiliza a longo prazo, dando sustentação para a estabilização do modo de
regulação, e como esses regularidades entram em crise e se
renovam.
IV. A Visão
Regulacionista de Crise
O olhar da
Teoria da Regulação quanto à crise se fixa como a terceira via na análise desse
fenômeno. Isso porque se distancia de visões extremistas que consideram a crise
ou como um mero desvio ou como final inevitável.
Em um
extremo, a visão neoclássica da crise enxerga-a como uma fase de correção do
período de expansão anterior com uma duração variável conforme a dimensão da
imperfeição dos mecanismos de ajustes, ou ainda, como choques aleatórios que
propiciam uma mudança de conjuntura. Já no outro extremo, o olhar marxista
considera que o capitalismo está submetido a crises estruturais latentes, e
inevitavelmente a eclosão dessas crises irá levar ao esgotamento do modo de
produção (BOYER, 1990).
Para o
programa de investigação regulacionista, o modelo de desenvolvimento é uma
inscrição no tempo e no espaço; nele aparecem acontecimentos imprevistos, se
sucedem ciclos, se alteram progressivamente as formas institucionais e se abre a
possibilidade de mudanças estruturais. Estas são as crises que recebem uma
tipologia da Teoria da Regulação (BOYER, SAILLARD, 1997).
O primeiro
tipo de crise é aquela dita crise exógena, crise como perturbação externa. Neste
modelo, um episódio bloqueia a reprodução econômica de uma entidade geográfica.
“A particularidade desse tipo de crise é, portanto, a de não resultar nem do
jogo normal da regulação, nem do esgotamento do próprio modo de regulação ou de
regime de acumulação” (BOYER, 1990, p.88). Essas crises são geralmente
relacionadas à escassez por conta de catástrofes climáticas ou mesmo por
guerras, muito evidenciadas nas baixas colheitas do
feudalismo.
Um segundo
tipo de crise são as endógenas ou cíclicas. Apesar de representarem mais que
choques externos, as crises endógenas não proporcionam grandes mudanças nas
formas institucionais. “Elas podem, obviamente, promover uma aceleração da
concentração e centralização financeiras, sem, entretanto, alterar a forma geral
de concorrência. Restaurar a “disciplina operária” e a distribuição da renda,
sem afetar a relação salarial dominante.” (Op. Cit., p.89). As crises endógenas
também podem ser qualificadas como pequenas crises que ocorrem no interior dos
processos que determinam o modo de regulação. (BOYER, SAILLARD,
1997).
“Para esta
segunda definição, a crise corresponde à fase de depuração das tensões e
desequilíbrios acumulados durante a expansão, no próprio interior dos mecanismos
econômicos e das regularidades sociais e, portanto, do modo de regulação
dominante num país e numa época dada.” (BOYER, 1990, p.89)
Enquanto
as pequenas crises, ou crises endógenas, apenas depuram as tensões no modo de
regulação, as grandes crises (quadro I) ou crises estruturais, são a própria
crise do modo de regulação. Podemos diferenciar as crises estruturais por sua
origem: elas são crises do modo de regulação que desestabiliza o regime de
acumulação ou, ao contrário, são as crises do regime de acumulação que afetam o
modo de regulação.
A primeira
forma pode ser definida como “o momento onde os mecanismos ligados à regulação
vigente mostram-se incapazes de reverter os desdobramentos desfavoráveis, mesmo
quando, ao menos inicialmente, o regime de acumulação mostra-se viável” (BOYER,
1990, p.90). Na segunda maneira
“la
incapacidad de las ganacias para restabelecerse y para permitir la recuperación
de la acumulación, la disolución de los determinismos económicos, el aumento de
los conflitos sociales y políticos nacionales y también internacionales [...]
permiten, y han permitido, uno diagnóstico em tiempo real de la entrada em una
crisis estructural” (BOYER, SAILLARD, 1997, p.63)
Porém, o
mesmo Boyer (1990) observa a dificuldade dessa diferenciação das crises
estruturais, uma vez que, na prática, as formas institucionais que sustentam o
regime de acumulação também interferem no modo de regulação.
Especificamente neste
caso houve uma fuga dos compromissos institucionais fordistas até então
vigentes, pois era preciso que se implantasse um novo regime de acumulação e um
novo modo de regulação para a superação da crise dos anos
1970.
Passando
para o próximo nível de crise, entramos na crise do modelo de desenvolvimento,
que pode ser definido “pelo aumento, até o limite máximo, das contradições no
interior das formas institucionais mais essenciais, daquelas que condicionam o
regime de acumulação [...] levando à crise da regulação e, portanto, do modo de
desenvolvimento como um todo” (BOYER, 1990, p.95).
Tendo as
quatro formulações de crise, anteriormente abordadas, vemos que de crise em
crise, e de renovações em renovações, sempre falamos do sistema capitalista de
produção, podendo levar ao equívoco de acreditar que este sistema possa ser
insuperável.
Este
questionamento leva ao último nível de crise, a do modo de produção. “Cercano al
concepto de crisis orgánica de la teoria marxista, esta crisis supone que ningún
nuevo régimen de acumulación puede surgir, teniendo en cuenta la capacidad de
reconposición de las formas institucionales y la evolución a largo prazo del
sistema económico” (BOYER, SAILLARD, 1997, p.63).
Após a
explanação da visão regulacionista da crise, faremos um esforço teórico para
tentar analisar como as formas institucionais, no Brasil, se comportam mediante
a crise atual.
Quadro III:
Comportamento das Formas Institucionais perante a crise atual no
Brasil
Formas
Institucionais |
Brasil
1990-2000 |
Brasil e a
Crise Atual |
A
Relação Salarial |
Flexibilidade
regressiva com uma importante economia subterrânea. Larga descentralização
das negociações salariais e individualização das remunerações. Aumento da
informalidade e da segmentação do mercado de
trabalho. |
A crise atual
promoveu uma incipiente reestruturação produtiva, o que resultou na onda
de demissões, as greves, férias coletivas. O aumento da economia
subterrânea e da informalidade entre outros fatores atingem também a
relação salarial. |
As
formas da
concorrência |
Escala
internacional intensificada com os novos oligopólios internacionais e
forte concentração do capital. Grande número de PME pouco solidárias entre
elas e submissas à concorrência. |
Não sofreu
mudanças efetivas, mas alterações no padrão da concorrência internacional
com o maior movimento das fusões-aquisões no mercado
externo. |
O
Regime Monetário |
Lançamento do
Plano Real. Prioridade da estabilidade monetária rápida e do ajustamento
interno. Forte restrição do crédito e política monetária controlada pelo
Estado, em acordo com o Banco Central e o Tesouro
Público. |
O Real ganha
mais estabilidade, mas a moeda ainda é alvo das especulações
internacionais. Banco Central busca controlar a cotação da moeda comprando
dólares no mercado externo. |
O
Estado e a Economia |
Início da
reforma do Estado: administrativa, seguridade social, reforma tributária,
privatização das grandes empresas públicas. Dilema entre combater a
inflação e uma política de desenvolvimento. |
O Estado baixa
de forma escalonar as taxas de juros, promove incentivos ao consumo, como
a redução do IPI para alguns setores. Além da abertura de créditos pelo
BNDES e pela Caixa. |
A
Inserção Internacional |
Adesão aos
princípios do livre comércio, abertura comercial e liberalização
financeira. Câmbio flutuante (em relação ao
dólar). |
O país tem seu
comércio invadido pelas multinacionais e muda seu principal parceiro
comercial dos E.U.A. para a
China. |
Fonte:
PIRES, 2002, p.125, com modificações e inserção da terceira
coluna.
Como
podemos ver, essas mudanças são apenas conseqüências da crise, não
necessariamente irão promover a alteração das formas institucionais no Brasil.
Da situação onde nos encontramos, podemos notar que o país moldou suas formas
institucionais na era do fordismo periférico, pois a economia fora conduzida por
uma estratégia de substituição de importações que privilegiava grandes empresas
multinacionais e seus planos de internacionalização, porém, simultaneamente, não
foi acompanhado por um pacto salarial típico da produção em massa, acentuando a
fragmentação social do mercado de trabalho.
O que determina a preponderância de um desses dois aspectos é
assumidamente a inserção internacional, que vai direcionar a ação do Estado, a
relação salarial, as formas de concorrência e o regime monetário nos países
subdesenvolvidos, em outras palavras, o modo que um país, como o Brasil,
subdesenvolvido, se abre para o mercado internacional irá reestruturar as formas
institucionais construídas no interior do país.
Como podemos ver, o Brasil entra de forma voluntária no mercado
internacional, provocando profundas modificações na estruturas das formas
institucionais do país.
VI. O Setor
Cervejeiro Nacional e a Crise: Implicações
Territoriais
Neste momento,
podemos entrar no estudo de caso do artigo, analisando como o setor cervejeiro
se comporta com a crise e quais as implicações territoriais. Contudo, como é
muito cedo para apontarmos as mudanças estruturais que a atual crise traz para
todo o sistema econômico, pontuamos (como no quadro III) alguns indícios de
transformações que podem ocorrer com o passar do tempo, já que a crise ainda não
foi superada e continuamos vivendo no clima caótico das turbulências
econômicas.
Algumas análises da crise surgem no cenário econômico. Paul Krugman,
Nobel de economia em 2008, aponta para a “hora da virada”
e comenta “Eu diria que os mercados cresceram mais rapidamente do que as
regras”.
Esta afirmação de Krugman vem ao encontro da Teoria da Regulação quando das
discussões sobre as regras e normas que sustentam o regime de acumulação e o
modo de regulação.
Nesta linha de pensamento, temos a contribuição de Bernard Pecqueur,
demonstrando a importância das regras e normas na regulação de um sistema: “A
regulação é feita de regras e normas de comportamento que são explícitas e
institucionais, mas também implícitas e informais.” (PECQUEUR, 2000,
p.49)
Posta esta relação, podemos ver que a crise atual pode ser considerada
como uma fuga das normas e regras que conduziam, até então, ao crescimento. Foi
a expansão do sistema capitalista sob a égide do capital financeiro. Este
movimento de financeirização da economia já foi, há muito, apontado por François Chesnais (1996, 1998). O crescimento se mostrou
insustentável, e conduziu a políticas de regulação dessas movimentações, como
proposto recentemente pela União Européia.
Tendo essa crise o
seu cerne no capital financeiro, os setores econômicos mais ligados a essa
atividade sofrem maiores impactos do que outros setores menos vulneráveis a
oscilações dessa espécie. É claro que todos os setores foram atingidos pela
crise, no entanto, em alguns, as conseqüências foram calamitosas, como já
descrito na contextualização da crise.
Podemos, então, perceber que essa crise se tornou fortemente ligada à
restrição do crédito,
atingindo, dessa forma, mais os setores
dependentes de empréstimos e mais ligados a investimentos externos. Por outro
lado, os setores de bens de consumo sofreram diferentes impactos da
crise.
A crise afetou diretamente
os setores da indústria de base, como na queda de receita líquida consolidada do
Grupo Gerdau, do ramo siderúrgico, de 22%, e prejuízos operacionais, com a queda
do preço do aço, na casa dos R$ 53,3 milhões. Já a mineradora Vale do Rio Doce
viu seu lucro operacional recuar em 8%. No outro lado da moeda, as empresas de
bens de consumo mostram desempenho animador para tempos de crise. A AmBev,
companhia de bebidas, registrou aumento na sua receita líquida em 11%, e a
varejista Hering de 32%.
Como podemos ver, os setores de bens de consumo tiveram uma diferente
reação à crise devido, em grande parte, às características do setor. O setor
cervejeiro nacional será agora detalhado para que possamos identificar as
implicações econômicas e territoriais decorrentes da
crise.
O
desempenho do setor cervejeiro diante da crise é constantemente
noticiado. Por
se tratar de um setor de bens de consumo, a crise teve impactos menores aqui, e
percebe-se resultados positivos neste início de ano, mesmo que 2008 tenha sido
um ano conturbando fora das fábricas, com a alta nos preços das matérias-
primas, a Lei Seca, as mudanças na tributação e o baque da crise no final do
ano. Segundo dados do
Instituto Nielsen, os brasileiros consumiram 5,454 milhões de litros de cerveja
de janeiro a setembro de 2008, o que representa um acréscimo substancial sobre
os 5,145 milhões de litros vendidos em igual período de 2007.
A
companhia de bebidas AmBev encerrou o terceiro trimestre do ano com 67,2% de
participação de mercado. O presidente da AmBev para a zona América do Norte
(Estados Unidos e Canadá), Luiz Fernando Edmond, enfatiza “Crise não é problema
para quem vende cerveja”, e também declarou “Não estamos sofrendo com a crise,
nem aqui dentro, nem lá fora”.
A FEMSA
Cerveja Brasil proprietária de marcas como Sol, Kaiser e Bavária, também
comemorou os números do terceiro trimestre e o crescimento consecutivo durante
os nove primeiros meses de 2008. De acordo com o balanço divulgado pelo Grupo
FEMSA, o volume de vendas no País aumentou 8% no período em relação ao mesmo
intervalo de 2007.
Já a Schincariol, mesmo com a especulação sobre a crise financeira, não
mudará seu plano de negócio no próximo ano. “Nosso calendário de lançamentos e
investimentos em marketing não será alterado em 2009”, afirmou Marcel Sacco,
diretor de marketing da Schincariol. Em 2008, o Grupo ainda anunciou a aquisição
da cervejaria artesanal Eisenbahn e da marca Cintra. O Grupo também inaugurou
sua 14a unidade de produção em Horizonte, no Ceará. Com um
investimento de R$ 160 milhões, a nova planta possui mais de um milhão de metros
quadrados, sendo 45 mil construídos.
A
Cervejaria Petrópolis investiu R$ 200 milhões na nova fábrica de Rondonópolis,
no Mato Grosso. A nova planta é localizada estrategicamente para atender às
necessidades das regiões Centro Oeste e Norte, nichos de mercado valorizados
pela empresa. A quarta unidade do Grupo possui 28 mil metros quadrados de área
construída e 36 mil metros quadrados pavimentados em um terreno de 400 mil
metros quadrados.
Os índices
acima mostram o dinamismo desse mercado no país, mas a maior movimentação do
setor foi, sem dúvida, a compra pela cervejaria belgo-brasileira InBev da
americana Anheuser-Busch, fabricante da marca de cerveja mais popular do mundo,
a Budweiser. Depois de meses de especulações, a compra totalizou 52 bilhões de
dólares e dá origem ao maior grupo de cerveja e a uma das cinco maiores empresas
de bens de consumo do mundo. Com 26% do mercado global, três das cinco maiores
marcas de cerveja e uma produção anual de 460 milhões de hectolitros, o grupo
estará 60% à frente do segundo maior grupo cervejeiro do
mundo.
Todos
esses números corroboram a tese de que a crise não causa prejuízos catastróficos
a todos os setores. Os dados evidenciam o crescimento do setor cervejeiro
nacional e suas positivas projeções para este ano de 2009. Como podemos notar,
isso implica em diversas transformações
territoriais.
As
transformações territoriais de que estamos falando são semelhantes às que
ocorreram após a crise do fordismo na década de 1970. Naquele momento, surgiram
algumas alternativas ao fordismo, uma reestruturação produtiva e uma busca
incessante de um novo regime de acumulação.
Essas
alternativas podem enquadrar-se com a idéia de flexibilidade defensiva e
flexibilidade ofensiva proposta por Daniéle Leborgne e Alain Lipietz (1994,
p.239), sendo que a flexibilidade, mais que um movimento interno do ramo
econômico, seria o afloramento de projetos territoriais correspondentes a blocos
sociais dirigentes. Sendo assim, a flexibilidade defensiva estaria
“privilegiando a desregulação da relação salarial, o agravamento do fosso entre
“conceptores” e “executantes”, as formas mais pobres de subcontratação”,
enquanto que a flexibilidade ofensiva aceita “um novo compromisso nos locais de
trabalho, traçando a implicação dos assalariados, na luta pela qualidade e pela
produtividade, por diversas garantias e vantagens sociais”. Sendo assim, I e IV
basear-se-iam na flexibilidade defensiva e II e III na flexibilidade
ofensiva.
Pode-se
atestar, então, que a crise atual, ao suscitar mudanças nas formas
institucionais, na organização das nações e das empresas, permite que
transformações espaciais ocorram. No estado atual, as transformações
territoriais ficam por conta das alterações nas dinâmicas nacionais e
internacionais das nações e também da dinâmica produtiva, alterações estas que
têm seu visível rebatimento espacial.
VII.
Considerações Finais
Na aurora
do século XXI, a evolução do capitalismo tem trazido transformações fundamentais
em sua própria organização e estrutura, bem como na organização e estrutura da
sociedade como um todo (ARRIGUI, 1996). E essas transformações estão provocando
o que Benko afirma ser a recomposição dos espaços, quando “assiste-se a uma nova
configuração das entidades territoriais. As uniões econômicas e as regiões
tornaram-se conjuntos econômicos e políticos de pleno direito, por intermédio da
edificação de uma nova estrutura da ordem coletiva.” (BENKO, 2001,
p.11).
Neste
movimento, o Estado é forçado a conduzir o planejamento da nação deslocando-se
para os blocos econômicos e para as regiões internacionais. Desses deslocamentos
é que surgem neologismos como “glocalização” termo designado para as
articulações expandidas dos territórios locais em relação à economia mundial.
No sentido
apontado por Benko, de inter-relacionamento entre as esferas de poder, “la
teoría de la regulación há evolucionada hacia concepción que busca integrar el
reconocimiento de uma relativa autonomía de lo regional y lo local, com el peso
de las instituiciones internacionales y su papel em la regulación económica de
conjunto, y com el mantenimiento de lãs especificidades nacionales” (SAILLARD,
1997, p. 96).
As transformações acima discutidas e o surgimento de novas regulações vêm
no intuito de propostas de saída da crise, crise esta cujo surgimento foi
alertado por Robert Boyer e Daniel Drache (1996, p.15): “o processo de dominação
dos mercados financeiros pode e deve ser derrubado”. O que, em outras palavras,
pode ser entendido como o desenvolvimento do capitalismo sob a égide do
financeiro ser insustentável.
Assim, a crise atual é mais um passo na evolução do capitalismo. As
conseqüências dela serão mais bem analisadas no futuro próximo, onde os ajustes
nas formas institucionais serão mais visíveis, bem como os desdobramentos
territoriais.
3
VIII.
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