Organizações Internacionais
e sua significância enquanto espaço
geográfico.
William
Torres Laureano da Rosa1
1
Mestrando em Relações Internacionais pela UNICAMP – Programa “San Tiago Dantas”
de Pós-graduação em Relações Internacionais (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e
pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INEU).
Orientador: Andrei Koerner (UNICAMP)
RESUMO
A questão do espaço geográfico é de grande importância
para a geografia. É, para alguns, o conceito chave que determina todo o estudo
desse campo de conhecimento. Esse mesmo espaço pode ser entendido como a
sociedade inserida em fluxos no interior da rede. As Organizações Internacionais
também ganham sua existência a partir de relações sociais e comunicacionais que,
em parte, são passíveis de análise a partir da categoria de espaço geográfico.
Essa aproximação permite uma melhor compreensão do processo atual do capitalismo
global e do papel que essas organizações ganham depois da crise.
Palavras chaves: Organizações Internacionais, redes, fluxos, espaço
geográfico.
ABSTRACT
The question of the
geographic space is important for geography. It is, for someone, the concept key
that determines all the study of this part of knowledge. This same space can be
understood as the society inserted in flows that exist in the interior of the
net. The International Organizations also gain its existence from social and
communicational relations that, in part, are possible to understand starting
with the category of geographic space. This approach allows an better
understanding of the current process of the global capitalism and the paper that
these organizations earn after the crisis.
Keywords:
International Organizations,
nets, flows, geographic space.
INTRODUÇÃO
As Relações Internacionais, enquanto ciência, passam por
grandes alterações de cunho epistemológica e ontológico no final da década de
1980 e início da década de 1990. Durante todo o século XX, esse campo de estudo
foi dominado por autores que procuraram o seu lugar nas Ciências Sociais
exatamente pela diferenciação. Vertentes denominadas de realistas e de liberais,
ou, na década de 70 e 80, de neo-realistas e neo-liberais, passaram a criar
categorias próprias de análises. Os debates giravam entorno da disputa entre
essas duas vertentes. Mesmo a possibilidade de uma teoria marxista das Relações
Internacionais foi negligenciada.
Somente na virada da década de 1980 para a década de
1990 os autores voltados para as Relações Internacionais se permitiram um maior
contato com os debates e com as categorias das demais ciências. Isso ocorre,
principalmente a partir de trabalhos de autores como Onuf, Kratochwil e Wendt,
que são os responsáveis por isso.
Essa corrente ficou conhecida como Construtivismo. Não
existe, necessariamente, um mesmo arcabouço teórico para todos os autores que se
pretendem construtivistas. Wendt é responsável por uma discussão teórica baseada
na sociologia e no debate entre agente e estrutura. Por outro lado, Kratochwil e
Onuf são aqueles que fizeram em Relações Internacionais, a chamada “virada
lingüística”, a análise a partir da comunicação e a proeminência da análise de
discurso.
Ao fazer essa aproximação, Wendt compreende que é um
cientista político que busca uma teoria baseada em um conhecimento com o qual
pouco tem contato e que foi trabalhado de forma ampla e sem uma orientação
específica (WENDT: 1999, 1). Da mesma forma, ao se utilizar questões relativas à
Geografia e a conceitos e categorias muito próprios desse campo, este trabalho o
faz de forma abrangente, não seguindo a teoria como um todo, mas se aproveitando
de determinadas idéias para a aproximação dos dois campos (da mesma forma, ver
Mathais ALBERT, 1999, em relação a Luhmann).
O presente trabalho, da mesma forma como esses autores
fizeram, tem a pretensão de pensar as Relações Internacionais a partir de outras
categorias, a dizer, as geográficas. Não se presta a buscar uma nova
geopolítica, mas sim de analisar a formação de Organizações Internacionais do
ponto de vistas das redes, dos fluxos e do conceito de espaço geográfico.
Partindo do reconhecimento da “condição pós-moderna”, em
que a aproximação entre os espaços do globo levaria à sensação de diminuição do
próprio globo e levando em consideração que os pólos se organizam a partir da
sua inserção na rede globalizada do capitalismo atual, a tentativa que se faz é
de compreender o papel das Organizações Internacionais e qual poderia ser a sua
significação a partir das categorias geográficas. Em primeiro lugar, procura-se
desenvolver o conceito de espaço geográfico e como alguns autores trataram desse
conceito, passando pela compreensão das redes e fluxos. Depois, uma tentativa de
conceituar a questão dos regimes internacionais e suas organizações para, por
fim, buscar aproximar os dois conceitos e mostrar quais os ganhos analíticos
essa aproximação pode gerar.
Aqui vale a mesma ressalva apresenta por Wendt. Assim
como ele, o contato com a geografia ocorreu de forma ampla. No mais, é a visão
de alguém fora da área, mas que pretende uma análise a partir dela.
ESPAÇO, FLUXO E REDE
O conhecimento geográfico, segundo Ruy Moreira (2004), é
aquele próximo das pessoas de forma costumeira, uma vez que moram em lugares e
se relacionam com pessoas de outros lugares. Os recursos vêm de diferentes
lugares que se transformam em objetos úteis. Há uma combinação entre esses
lugares e as diversas relações entre lugares que teceria uma unidade de espaço
geográfico, que constituiria o espaço de existência dos homens (MOREIRA: 2004,
57).
Ainda segundo Moreira, “pessoas, objetos e idéias fluem
entre esses diferentes lugares, entrecruzam-se através das artérias que os põem
em comunicação. Ajudam-se ou ignoram-se.” (MOREIRA: 2004, 57). Ruy Moreira
apropria-se do conceito de espaço geográfico a partir da idéia de processo do
trabalho. Existiria uma relação de aparência entre os dois conceitos, uma vez
que o espaço é a aparência de processos historicamente concretos do trabalho
organizado (MOREIRA: 2004, 85). Essa organização se dá, uma vez que o processo
do trabalho necessita de uma organização, no espaço. Só existe continuidade,
porque existe reprodução do processo do trabalho. O espaço gerado por esse mesmo
processo deixa de ser efêmero, se transforma, acompanhando e condicionando a
evolução das sociedades (MOREIRA: 2004, 88). Mais do que isso, o espaço é a
própria sociedade:
“Produto histórico, e por conseguinte tendo um conteúdo
histórico, o espaço é a própria sociedade. [...] O espaço é a sociedade pelo
simples fato de que é a história dos homens produzindo e reproduzindo sua
existência por intermédio do processo do trabalho.[...]” (MOREIRA: 2004, 90).
Milton Santos observa que a idéia de espaço seria o
campo específico da geografia. “Se queremos alcançar bons resultados nesse
exercício indispensável, devemos centralizar nossas preocupações em torno da
categoria – espaço – tal qual ele se apresenta, como um produto histórico”
(SANTOS: 1978, 117). Ao conceituar o espaço, M. Santos o faz a partir das
relações sociais que se manifestam em processos e funções. Seria um campo de
forças cuja aceleração é desigual, gerando formas espaciais desiguais nos
diversos lugares (SANTOS: 1978, 120).
O autor continua sua análise mostrando que a
centralidade do seu estudo se faz no sentido do fato social enquanto um fato
histórico, produtor e produto, como
“um revelador que permite ser decifrado por aqueles
mesmos a quem revela; e, ao mesmo tempo, em que adquire uma significância
autêntica, atribui sentido a outras coisas. Segundo essa acepção o espaço é um
fato social, um fator social e uma instância social” (SANTOS: 1978, 130).
Comentando sobre a importância de Por uma nova
Geografia de Milton Santos, Ruy Moreira mostra como o conceito de espaço
geográfico se torna central. Seria ao longo desse livro que M. Santos
descobriria que “a sociedade é o seu espaço geográfico e o espaço geográfico é a
sua sociedade” (MOREIRA: 2007, 27).
Ainda compreende o autor que em Por uma geografia
nova, desperta-se para a interação sociedade-espaço como uma relação
histórica em que cada sociedade se organiza na medida da organização do seu
próprio espaço. (MOREIRA: 2007, 28). O período do meio técnico-científico e
informacional de Milton Santos é aquele em que o componente internacional ganha
expressão e organiza as sociedades no âmbito de uma divisão internacional do
trabalho.
Em Milton Santos, percebe-se que “chegamos à fase
histórica em que a noção de espaço global se impõe com mais força porque as
variáveis que ajudam a tecer o
seu contexto têm uma origem cada vez mais longínqua e um
alcance mundial” (SANTOS: 1978, 167). Assim como M. Santos, David Harvey observa
o processo do trabalho e como ele se alterou chegando à “condição pós-moderna”
(HARVEY: 1992), partindo da idéia de acumulação flexível.
“A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por
um confronto direto com a rigidez do fordismo. [...] Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas [...]. Ela também
envolve um novo movimento que chamarei de „compressão do
espaço-tempo‟ no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada
de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via
satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a
difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado”
(HARVEY: 1992, 140).
O mundo se apresenta, portanto, cada vez mais próxima e
cada vez mais a realidade internacional está presente nas transformações sociais
e do trabalho. D. Harvey observa que houve dois desenvolvimentos de grande
importância.
O primeiro desenvolvimento refere-se à valorização da
informação precisa e atualizada como mercadoria importante, sendo que o acesso a
essas informações e a capacidade de analise instantânea tornaram-se essenciais
para a “coordenação centralizada de interesses corporativos descentralizados”
(HARVEY: 1992, 151).
O segundo desenvolvimento seria o “da completa
reorganização do sistema financeiro global e a emergência de poderes imensamente
ampliados de coordenação financeira” (HARVEY: 1992, 152). Foi um movimento de
concentração de poder financeiro global por um lado e por outro de
descentralização de atividades e fluxos financeiros, sendo que
“a formação de um mercado de ações global, de mercados
futuros de mercadorias (e até de dívidas) globais, de acordos de compensação
recíprocas de taxas de juros e moedas, ao lado da acelerada mobilidade
geográfica de fundos, significou, pela primeira vez, a criação de um único
mercado mundial de dinheiro e de crédito.” (HARVEY: 1992, 152).
O autor também se preocupa com a questão do espaço em
outro trabalho. Argumenta que se faz necessário trabalhar uma nova teoria do
desenvolvimento geográfico desigual, e, dessa forma, se depara com o conceito do
espaço. Para ele, a própria questão do desenvolvimento geográfico desigual se
baseia na concepção de o que é a espacialidade.
Segundo o autor, muitos geógrafos procuram rever os
argumentos filosóficos de Lefebvre, enquanto outros tendem a ver a espacialidade
de outra maneira, como ativamente produzida e como um momento ativo no interior
do processo social. Tratando o espaço como algo relacional e relativo, mais do
que como um quadro absoluto (absolute framework) para a ação social, torna-se
possível ver os caminhos em que a acumulação de capital, por exemplo, cria não
somente espaços, mas diferentes formas de espacialidades (através de alguns
movimentos, como a organização do mercado financeiro no ciberespaço) (HARVEY:
2006, 77).
O autor rememora algumas passagens existentes em
Social Justice and the City, para desenvolver a sua idéia de espaço. Para
ele, faz-se necessário voltar os estudos de filosofia da ciência para melhor
desenvolver essa idéia. Assim ele escreve:
“If we regard space
as absolute it becomes a „thing in itself‟ with an existence
independent of matter. It then possess a structure which we can use to
pigeon-hole or individuate phenomena. The view of relative space proposes that
it be understood as a relationship between objects which exists only because
objects exist and relate to each other. There is another sense in which space
can be viewed in the manner of Leibniz, as being contained in objects in the
sense that an object can be said to exist only insofar as it contains and
represents within itself relationships to other objects” (HARVEY: 2006, 121 e em
HARVEY: 1976, 13).
Passa então, a desenvolver a idéia do espaço enquanto
tripartite através da filosofia e da física. No fim, pergunta se o espaço
(entendido como espaço e tempo) seria absoluto, relativo ou relacional, chegando
a sua idéia original de que seria os três ao mesmo tempo. (HARVEY: 2006, 125-6 e
em HARVEY: 1976, 13-14).
De H. Lefebvre, em The production of Space,
Harvey observa como o autor trabalha a questão. A divisão tripartite do
espaço se daria em espaço material – espaço experimentado – (o espaço da
experiência e da percepção aberto ao toque e sensação física), a representação
do espaço – espaço conceituado – (espaço como conceived e representado) e
espaços de representação – espaço vivo – (o espaço vivo de sensações,
imaginação, emoções e significados incorporados em como vivemos no dia-a-dia)
(HARVEY: 2006, 130).
Essas idéias levariam a uma matriz em que a divisão
tripartite de Harvey e a divisão tripartite de Lefebvre se relacionariam e em
que o encontro, a intersecção das categorias de Harvey com as de Lefebvre
sugeririam diferentes significados de espaço e de espaço-tempo.
Dessa forma, diferentes espacialidades podem ser
encontradas na intersecção dos conceitos. Paredes, pontes e ruas, por exemplo,
seriam tanto Espaço absoluto, quanto Espaço Material (espaço experimentado). O
surrealismo, assim como as descrições de Leibniz e de Benjamin, estaria na
intersecção entre o Espaço relacional, entendido enquanto tempo, e a
representação do espaço (espaço conceituado) e as visões e fantasias no encontro
do espaço relacional e do espaço vivo, entre outras representações que a matriz
permitiria.
A idéia de espaço pode ser bem compreendida se a isso
observarmos a idéia do espaço no interior da rede. Manuel Castells também parte
da idéia de que há uma transformação no espaço tempo decorrente dos novos
paradigmas da informação e de novas formas sociais introduzidas (CASTELLS: 1999,
467).
Assim ele observa que no interior das redes (entendida
enquanto estruturas comunicacionais abertas e ilimitadas que podem incluir novos
nós, desde que esses novas estruturas consigam se comunicar no interior da rede,
ou seja, compartilhem valores e objetivos comuns), as regiões se estruturariam
de forma a competir na economia global, sob o impulso de governos e de elites
empresariais (CASTELLS: 1999, 471).
Para Castells, a importância está nos fluxos. Os espaços
são espaços de fluxos e todo o tipo de fluxo (de capitais, informação,
tecnologia, interação organizacional, imagens, sons e de símbolos) representam
os processos que dominam a vida econômica, política e simbólica. “O espaço de
fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que
funcionam por meio de fluxos”. Os fluxos são seqüências intencionais,
repetitivas e programáveis de intercâmbio entre posições fisicamente
desarticuladas, mantidas nas estruturas política, simbólica e econômica da
sociedade. (CASTELLS: 1999, 501).
O espaço de fluxos seria constituído de pelo menos três
camadas. A primeira camada se referiria ao suporte material do espaço de fluxos,
entendida enquanto um circuito de impulsos eletrônicos. A segunda camada seria
“constituída por nós e por centros de comunicação”. A terceira refere-se à
“organização espacial das elites gerenciais dominantes” (CASTELLS: 1999,
501-504).
A geografia, portanto, permite observar como a estrutura
do capitalismo atual se estrutura criando novos espaços geográficos. A questão
do espaço e a forma como ele é socialmente construído permite que se observem
construções institucionais que se comunicam com os outros nós da rede e como a
partir desses espaços os fluxos criados alteram as estruturas no plano
internacional. Entre essas estruturas, encontramos as Organizações
Internacionais que bem podem se adequar ao conceito de espaço geográfico e que
existem nos fluxos da rede.
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E ESTRUTURAS DE LINGUAGEM
Existem diversas formas de estruturas internacionais. O
processo de diferenciação dessas estruturas leva a maior institucionalização das
mesmas que, a partir de um regime internacional, parte para uma Organização
centralizada e permanente. É por isso que, em geral, compreendendo o regime como
o processo e as Organizações como o resultado final, trata-se mais daquele do
que destas.
S. Krasner apresenta artigo, posteriormente editado, em
que o regime internacional é definido como um conjunto de “principles, norms,
rules, and decision making procedures around which actor expectations converge
in a given issue-area”, sendo esse conceito a tônica dos artigos que foram
reunidos juntamente com o do próprio autor (KRASNER: 1983). Acredita-se que,
quando todos cooperam a soma do jogo é maior do que zero, seguindo os trabalho
da teoria dos jogos.
R. Keohane, partindo de perspectiva considerada liberal,
entende que estudar os regimes internacionais é entender a ordem no mundo
político. Segundo o autor, os regimes funcionam em um sistema multilateral como
facilitador de acordos que de outra forma seriam muito difíceis de serem
acordadas. As questões tornam-se cada vez mais densas e demandam a estrutura de
regime que podem ou não se tornar uma Organização Internacional. (KRASNER: 1983,
171).
Para F. Kratochwil, os regimes internacionais seguem a
lógica habermasiana da ação comunicativa (HASENCLEVER, MAYER, RITTBERGER: 2004,
176). Os autores, dessa forma, fazem a mesma distinção que Habermas quanto às
ações estratégicas e as ações comunicativas (HABERMAS: 2003). As ações
estratégicas são instrumentais e estão ligadas ao controle eficiente da
sociedade, de tal forma que as pessoas respeitem as normas. O regime
internacional, por sua vez, buscaria conduzir o comportamento dos Estados
segundo as normas e regras estabelecidas.
O constrangimento externo garantiria que os atores
seguissem as normas pelo tempo em que fosse interessante para eles. Essa seria a
idéia por trás de teóricos racionalista de regimes, entre os quais o próprio
Keohane (HASENCLEVER, MAYER, RITTBERGER: 2004,176).
Em contraposição está a ação comunicativa que busca a
aceitabilidade racional, coordenando as ações dos atores através de argumentos
persuasivos. A
questão central é a do discurso em que as normas e a
interpretação dessas se dariam por meio do debate entre os próprios membros.
Quando se analisa a partir da ação comunicativa, os
regimes deixam de ter a características apresentadas por Krasner, e passa a ser
apresentado como o produto de um processo em que a comunidade tem a
possibilidade de se interpretar e se definir, em resposta ao contexto de mudança
(“the product of an on-going process of community self-interpretation and
self-definition in response to changing context”) (HASENCLEVER, MAYER,
RITTBERGER: 2004, 179).
O sucesso ou
fracasso de um regime estaria ligado, aos acontecimentos durante o próprio
discurso internacional, uma vez que “the parties, themselves must interpret
each other‟s moves and
constantly renegotiate the reality in which the operate” (HASENCLEVER,
MAYER, RITTBERGER: 2004, 179). Os autores
utilizam-se de Habermas para apresentar as condições de sucesso de um discurso
e, assim, do regime.
Haveria dois pontos fundamentais. O primeiro ponto
refere-se ao às normas de interação social que fazem parte da dinâmica do
discurso, como por exemplo, a igualdade entre as partes. Segundo, sendo o
discurso uma questão de interpretação e avaliação das ações particulares, não é
cabível que argumentos incontestáveis existam como pano de fundo sobre como é a
melhor maneira no plano internacional HASENCLEVER, MAYER, RITTBERGER: 2004,
180).
Os autores ainda mostram que as ações devem ser
explícitas e com normas claras, tornando mais claro qual é o comportamento que
os Estados estão compartilhando (HASENCLEVER, MAYER, RITTBERGER: 2004, 181),
facilitando a necessária constante renegociação da realidade internacional
(HASENCLEVER, MAYER, RITTBERGER: 2004, 185).
Em seu trabalho, F. Kratochwil busca mostrar a questão
epistemológica por trás da teoria de relações internacionais e, então, quais as
implicações para o estudo dos regimes internacionais. A partir da crítica às
condições impostas por K. Popper, procura mostrar que a experiência do plano
internacional ocorre a partir de “três mundos”: “o mundo dos fatos observáveis,
o mundo das intenções e o mundo dos fatos institucionais.” (KRATOCHWIL: 1988,
263ss). Para cada mundo, o autor vislumbra um critério epistemológico diferente,
compreendendo que somente quando o terceiro mundo, dos fatos institucionais, é
constituído, abre-se a possibilidade de acessar a realidade social (KRATOCHWIL:
1988, 266), uma que no mundo dos fatos institucionais seria o mais apropriado
porque no jogo – forma como Kratochwil às vezes trata os regimes – promessas e
contratos fazem parte (KRATOCHWIL: 1988, 272).
Assim, Kratochwil mostra que os regimes têm elementos
com regras e referências e leis e cortes da sociedade civil que também podem
interpretar essas normas. Não basta observar o comportamento, faz-se necessário
ir até as normas produzidas intersubjetivamente que constituem a prática social
e que devem ser descoberto por uma epistemologia interpretativa (KRATOCHWIL:
1988, 277).
As Organizações Internacionais ganham validade e
existem, portanto, dentro de um quadro maior de compreensão dos fatos sociais no
plano internacional. Existem enquanto estrutura normativa e sua prática se
ocorrem por meio da comunicação. Essas organizações também atuam segundo a
lógica do capitalismo global, criando uma situação de desenvolvimento desigual
(MURPHY, 2005) e como instrumento hegemônico das potências capitalistas (COX,
1999).
CONCLUSÃO
Em Relações Internacionais, esses conceitos geográficos
apresentados devem ser flexibilizados. Podemos sim ver as organizações
internacionais como um espaço em que há o fluxo de idéias e que se presta a uma
reprodução social. Mas também, devemos perceber que o tipo de reprodução é
diferente. Em tese, as Organizações Internacionais servem aos interesses do
Capitalismo, uma vez que são os Estados que fazem parte delas. Mas também, as
Organizações Internacionais fazem parte da geografia do homem concreto, uma vez
que Estados não se comunicam.
São indivíduos que de alguma forma fazem parte do Estado
que vão se comunicar. Essa comunicação, essa troca de idéias também vai ocorrer
em um espaço, o espaço da política internacional. E ela também vai se prestar à
reprodução da sociedade internacional enquanto tal. Um bom exemplo disso é a
importância da estrutura dual da Organização das Nações Unidas, em que há uma
Assembléia Geral, fruto da necessidade de maior democratização das Relações
Internacionais, mas que, ao mesmo tempo, como mecanismo necessário a sua
existência até os dias atuais, possui o Conselho de Segurança reproduzindo a
distribuição de poder do fim da Guerra Fria.
Segundo Ruy Moreira,
“Existiria uma relação de reciprocidade histórica do
espaço e da sociedade em que a determinação se dá na troca dialética do
determinado e do determinante analisada por Lefebvre (A re-produção das
relações de produção. Lisboa: Publicações Escorpião, 1973) e por Milton
Santos. E que faz a vez da relação sujeito-objeto, em que o espaço, uma vez
criado como objeto pelos sujeitos no processo de criação da sociedade na
história, se reverte por sua vez em criador dos próprios sujeitos de sua
criação”. (MOREIRA: 2007, 33).
As Organizações Internacionais existem também nessa
dialética na tentativa de compelir os Estados a uma determinada ação, são
criadas pelos próprios Estados, os quais passam a respeitar essas organizações,
com ressalvas, ainda que não correspondam ao seu interesse. É o caso, por
exemplo, da Organização Mundial do Comércio e do seu Sistema de Solução de
Controvérsias. Ainda que os Estados Unidos sejam condenados por tal órgão, o
regime continuará funcionando e as determinações serão cumpridas.
É claro que isso não acontece com todo o tipo de regime
e de organização. A Sociedade Internacional se organiza a partir de diversas
estruturas, entre as quais as próprias Organizações Internacionais e essas
mesmas organizações fazem parte da rede de forma diferente. Assim como as
cidades se inserem de maneira diversas, de forma mais ou menos intensa, os temas
que compões a agenda internacional geram regimes que podem ou não ter a devida
importância para os atores das relações internacionais a ponto de gerarem maior
ou menor institucionalização.
É o caso, por exemplo, do regime do meio ambiente que
não consegue, por falta de interesse dos Estados, constituir uma Organização
Internacional ou mesmo fazer com que os principais poluidores respeitem as suas
decisões. Mesmo o Conselho de Direitos Humanos que possui grande
institucionalidade deixa a desejar quando se procura pela sua efetividade.
Assim, analisar a questão das redes e o papel dos
espaços e fluxos no interior das mesmas gera ganhos analíticos importantes para
as relações internacionais. A
crise atual do capitalismo, ainda que não possa ser
explicado diretamente por questões das Organizações Internacionais, deve ser
observado a partir dessa ótica.
A economia global gerou inúmeros fóruns de discussão,
como o G7 e organizações como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial,
como a própria Organização Internacional do Comércio que tiveram grande papel em
anos anteriores e que participavam ativamente das redes internacionais de
decisão e eram um grande pólo de fluxos de decisões.
A atual crise forçou uma menor participação dessas
organizações nos fluxos de decisão que ficou por conta de outros pólos de
decisão, como o Estado e de grupos que se tornaram importantes e apareceram em
canais de comunicação como o G20. Gera-se uma nova significação para a economia
internacional que merece destaque para o seu desenvolvimento futuro, temas os
quais esse trabalho não tem a pretensão, nem o espaço necessário para.
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