DEFINIÇÃO DE PERÍMETROS DE NÚCLEOS URBANOS ISOLADOS – INTERFACES
TÊNUES ENTRE O URBANO E O RURAL – ITAÚNA, MINAS GERAIS E A COMUNIDADE DE CÓRREGO
DO SOLDADO – UM ESTUDO DE CASO
Sandra Maria Antunes
Nogueira
Programa de Pós-graduação em Geografia – Tratamento da Informação
Espacial – PUC/MG
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP – Departamento de
Arquitetura e Urbanismo
RESUMO
Ao longo do tempo, o crescimento econômico e o crescimento
demográfico podem ser considerados lentos na maioria dos países. Até o século
XIX, os homens eram essencialmente agricultores. Mas, a partir do século XX,
ocorreu uma transformação demográfica de múltiplos efeitos que passaram a ser
cada vez mais relevantes frente às mudanças econômicas, sociais, políticas e
culturais que se produziram desde o início do século XIX e acabaram por culminar
na denominada Revolução Industrial. A partir de então, a agricultura se
transformou; o comércio e os meios de transporte sofreram grande impulso. As
cidades se multiplicaram e passaram a ser cada vez mais
importantes.
A divisão entre os setores primário (agricultura e pecuária),
secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços) aumentou em escala
mundial, e a população economicamente ativa, empregada no setor secundário,
passou a assumir importância cada vez maior na força de trabalho.
Cerca de 2,5 bilhões de homens e mulheres vivem nas zonas rurais
de todo o mundo, e 2 bilhões deles são camponeses que cultivam cerca de 1,5
bilhões de hectares, ou seja, aproximadamente 10% das terras emersas. Mas a
distribuição das riquezas de que dispõem esses diferentes grupos não corresponde
à distribuição da população. E esta distribuição de riquezas e recursos é
visível, principalmente na ausência de infra-estrutura oferecida no espaço que
habita esta população.
Esta situação se incorporada à modificação dos meios rurais
(ambientes rurais) durante o século XX e início deste século, o que em muito
dificultou a sua classificação em rural frente ao urbano reconhecido até então,
coloca a necessidade de discussão de como demarcar os perímetros das sedes
urbanas e do espaço rural dos municípios.
Com a implantação obrigatória definida pelo Ministério das
Cidades, dos Planos Diretores participativos para as cidades com mais de 20.000
habitantes ou que façam parte de Regiões Metropolitanas até outubro de 2006,
esta discussão ganhou espaço entre os planejadores urbanos. Diante da realidade
diagnosticada e dos anseios colocados pela população surge, como solução, uma
nova dimensão de zoneamento das áreas rurais – os Núcleos Urbanos
Isolados.
Este trabalho apresenta um estudo de caso de demarcação do
perímetro de um destes Núcleos a partir da execução do Plano Diretor
Participativo 2005 – 2050 no município de Itaúna – M.G. e na Comunidade Rural de
Córrego do Soldado.
Palavras - chave: demarcação de perímetros urbanos e rurais,
planos diretores participativos.
ABSTRACT
Along the time, the economical and demographic growth can be
considered slow in most of the countries. Until the century XIX, the men were
essentially farmers. But, starting from the century XX, happened a demographic
transformation of multiple effects that started to be more relevant to the
changes economical, social, politics and cultural that were produced since the
beginning of the century XIX and ended for culminating in the denominated
Industrial Revolution. Starting from then, the agriculture changed; the trade
and the means of transportation had great growth. The cities multiplied and
started to be more important.
The division among the primary sections (agriculture and
livestock), secondary (industry) and tertiary (trade and services), increased in
world scale, and the population economically active, maid in the secondary
section, started to assume more importance in the workforce.
About 2,5 billion men and women live in the rural areas of the
whole planet, and 2 billion are farmers that cultivate about 1,5 billion
hectares, in other words, approximately 10% of the lands emerged. But the
distribution of the wealth that dispose those different groups doesn't
correspond to the distribution of the population. And this distribution of
wealth and resources are visible, mainly in the infrastructure absence offered
in the space that inhabits this population.
This situation if incorporate to the modification of the rural
ways (rural atmospheres) during the century XX and beginning of this century,
which hindered classification in rural front to the urban in a lot recognized
until then, it puts the discussion need of how to demarcate the perimeters of
the urban thirsts and of the rural space of the municipal districts.
With the defined obligatory implantation for the Ministry of the
Cities, of the Master plans for the cities with more than 20.000 inhabitants or
that are part of Metropolitan Areas to October of 2006, this discussion won
space among the urban planners. Due to the diagnosed reality and of the longings
put by the population appears, as solution, a new dimension of zoning of the
rural areas - the Isolated Urban Nuclei.
This work presents a study of case of demarcation of the perimeter
of one of these Nuclei starting from the execution of the Master plan 2005 -
2050 in the municipal district of Itaúna - M.G. and in the Rural Community known
as Córrego do Soldado.
key words: demarcation of urban and rural perimeters, master
plans.
- INTRODUÇÃO
Podem ser consideradas como várias e evidentes as dificuldades
conceituais e metodológicas pelas quais, há bastante tempo, os planejadores
urbanos, formuladores de políticas públicas, demógrafos e pesquisadores de
diversas áreas do conhecimento enfrentam para formular definições do que é rural
e urbano no Brasil. Aspectos como as configurações econômicas ligadas,
principalmente, às atividades que se desenvolvem em cada local, e também
sócio-espaciais são relevantes na definição de recortes espaciais mais próximos
da configuração do espaço rural e urbano no Brasil.
Segundo REIS, a partir da década de 1980, ocorreram mudanças que podem ser
consideradas significativas no meio rural brasileiro, estas mudanças incluem um
espaço rural multifuncional definido por uma maior diversificação econômica e
novas formas de produção e subsistência. “A expansão do tecido urbano sobre as
áreas rurais e o crescimento do número de pessoas ocupadas em atividades
consideradas até então como exclusivamente urbanas, indicam a existência de um
novo paradigma sócio-espacial no Brasil”. (REIS, 2006,
p.1).
Este
trabalho busca uma reflexão sobre relações entre sítio,
espaço construído, espaço vivenciado e estruturação administrativa formal na
demarcação dos perímetros das comunidades rurais que ocorreram a partir dos
processos de execução e implementação dos Planos Diretores Participativos,
ocorridos até 2006 nas cidades com mais de 20.000 habitantes ou que façam parte
de Regiões Metropolitanas. Este processo tornou-se um vasto campo de observação
de fenômenos que antecedem à demarcação de perímetros das macrozonas municipais
constituídas pela macrozona urbana e macrozona
rural.
A observação das realidades e das dinâmicas sócio-espaciais e
econômicas que se configuram nas comunidades até então classificadas como rurais
nos municípios, acaba por demonstrar que se deve repensar esta classificação.
Algumas destas comunidades possuem características essencialmente urbanas como a
divisão das glebas, a infra-estrutura instalada, o funcionamento como pólo de
serviços e até mesmo a cobrança de impostos urbanos. Neste sentido, o
planejamento urbano, principalmente o participativo, leva à instituição dos
chamados Núcleos Urbanos Isolados, um recorte espacial que mais se aproxima da
realidade diagnosticada junto à população durante o processo de execução dos
Planos Diretores Participativos.
A experiência em
cidades como Itaúna / M.G., uma cidade de aproximadamente 85.000 habitantes,
classificada como cidade média propriamente dita na região Centro-oeste do
estado, permite a
presença de um estudo de caso que oferece objeto e processos reais que
corroboram com as colocações e questões aqui
colocadas.

Figura 1 - Mapas de localização do município de Itaúna / M.G. no
Brasil e estado de Minas Gerais e municípios limítrofes. Fonte: Arquivos PDF do
Plano diretor Participativo Itaúna – 2005-2050.
- OS PLANOS DIRETORES E AS DEFINIÇÕES DAS
MACROZONAS
O Plano Diretor busca explicitar de forma clara qual o real
objetivo da política urbana. Parte de um amplo processo de leitura da realidade
local, envolvendo os mais variados setores da sociedade. A partir daí,
estabelece o destino específico de cada região do município, dando fundamentação
aos objetivos e estratégias.
Os estudos de caso sempre são colocados para promover uma conexão
com a realidade das teorias e reflexões que formam o arcabouço teórico das
pesquisas. Neste caso o Plano Diretor Participativo de Itaúna 2005-2050 servirá
como fonte de informações e plataforma de construção da hipótese aqui discutida:
demarcação de perímetros urbanos em áreas anteriormente definidas como
rurais.
A metodologia da gestão participativa promove o entendimento do
território municipal como espaço a ser definido administrativamente. Neste
sentido, os limites das zonas e as possibilidades de ocupação e desenvolvimento
estão ligados à máquina gestora – o executivo – que definirá as formas amplas ou
restritivas de gestão do território. A metodologia aqui apresentada e instituída
pelo Estatuto da Cidade prevê o anterior desenvolvimento de etapas
participativas e conseqüentemente de uma maior interação com a
realidade.
O ponto de ligação entre o zoneamento proposto (através dos
perímetros definidos) se dá pela leitura comunitária desenvolvida na primeira
etapa do Plano Diretor Participativo, que acaba por subsidiar o zoneamento
físico-territorial – legislação que determina as diretrizes de desenvolvimento
do município. A partir daí, vê-se uma maior interação entre realidade vivenciada
e a legislação proposta. Esta interação deve ser considerada condição sine qua
non para que as propostas de organização e gestão do território sejam praticadas
e aceitas por todos os atores que conformam a esfera comunitária dos
municípios.
Para a implementação do Plano Diretor Participativo e o pleno
entendimento do município de Itaúna seu território foi dividido em quadrantes
determinados pelas vias rodoviárias MG 262 e MG 431. Dentro de cada um destes
quadrantes estão inseridas as aglomerações rurais, estes quadrantes funcionam,
no âmbito de todo o território municipal, como unidades de planejamento para
implementação de instrumentos do Plano Diretor
Participativo.

Figura 2 – Contexto Municipal de Itaúna – indicação de quadrantes
de planejamento. Fonte: arquivos do Plano Diretor de Itaúna,
2006.
Esta divisão ocorreu, inicialmente, devido à sua regularidade
dimensional (os quadrantes possuem dimensões territoriais aproximadas) e as
características comuns que cada um deles possui. Pode-se ressaltar, também, a
relevância que possuem os eixos rodoviários como limites entre áreas, devido à
necessidade de transpô-los se tornar fator crucial à ocupação dos territórios. A
mesma importância possui a função de escoamento de produtos e promoção de
transporte e acesso a determinados equipamentos e locais que se agruparam ao
longo destas vias estrategicamente.
As comunidades rurais e, por conseguinte territoriais adotadas
foram, cada uma, sede de plenárias comunitárias e objeto de estudo e
levantamento dos técnicos. Estas, devido a características como densidade
populacional, sistema viário, presença de equipamentos e localização dentro do
quadrante do qual faz parte foram estudadas, nas propostas, como núcleos urbanos
isolados. Estas comunidades e os quadrantes aos quais pertencem são servidos de
uma malha de estradas vicinais que promovem o acesso aos povoados e também o
escoamento de produtos.
O Plano Diretor no município de Itaúna definiu uma Macrozona
Urbana e uma Macrozona Rural, cada uma delas foi subdividida em zonas com
especificidades que estão ligadas às vocações diagnosticadas no processo
participativo de construção do Plano Diretor. Cabe aqui ressaltar que os
chamados Núcleos Urbanos Isolados foram definidos e tiveram seus perímetros
instituídos como uma extensão do perímetro urbano ficando vigente em seu
território a legislação adotada para a zona urbana.
A comunidade analisada como estudo de caso neste trabalho, Córrego
do Soldado, está localizada no Quadrante Sudoeste e possui características
consideradas essencialmente urbanas, por isso foi considerada um Núcleo Urbano
Isolado. A definição do seu perímetro partiu de um estudo detalhado da paisagem,
a paisagem é aqui colocada como a interação entre homem, espaço e tempo. Dentro
deste conceito as modificações da paisagem considerada como rural, em diferentes
gradientes e gradações, serviu como apoio e norte na definição destes
perímetros.
- URBANIZAÇÃO DAS ÁREAS RURAIS (?) CONCEITOS DE DIFERENCIAÇÃO
ENTRE RURAL E URBANO.
Na contemporaneidade a realidade sócio-espacial torna-se cada vez
mais complexa. Rural e urbano, espacialmente, não mais podem ser compreendidos
em separado, uma vez que são realidades que não existiriam isoladamente. Tais
espaços se relacionam e se interpenetram, surgindo assim abordagens que
consideram os diferentes níveis de integração ou
distanciamento.
As definições existentes do que seja rural e urbano, de uma forma
geral, são associadas a duas grandes abordagens: a dicotômica e a de continuum.
Na primeira, a ênfase recai sobre as diferenças que se estabelecem entre estes
dois espaços, sendo o campo pensado como algo que se opõe à cidade. Na segunda,
ocorre uma aproximação entre o espaço rural e a realidade urbana. (Bertrand,
1973).
Sorokin & Zimmermann (1929) foram os primeiros a introduzir a
perspectiva do continuum rural e urbano. Essa idéia também está relacionada a
uma concepção dual, uma vez que considera o rural e o urbano como pólos extremos
em uma escala de gradação. Para evidenciar as características que marcavam a
polarização, bem como suas relações, os autores identificaram diferenças
marcantes entre os espaços rural e urbano.
A obra clássica de Sorokin & Zimmermann (1929) sugere uma série de traços essenciais na diferenciação dos
espaços urbano e rural. De acordo com esses autores, a base para o entendimento
do rural está nas particularidades de sua economia. O rural abrigaria,
preferencialmente, a produção agropecuária, sendo que todas as outras
características observadas no campo estariam vinculadas a essa atividade
econômica.
Citados resumidamente por Blume (2004), Sorokin & Zimmermann
identificam uma série de diferenças empíricas marcantes entre as áreas rurais e
urbanas que se relacionam principalmente com as seguintes
características:
1. Ocupacionais: diferenças no envolvimento das atividades. No
rural, desde jovens, as pessoas se ocupam com um único tipo de atividade, a
coleta e o cultivo;
2. Ambientais: os rurais sofrem influência direta do contato com a
natureza e das condições climáticas;
3. Tamanho das comunidades: correlação negativa entre tamanho da
comunidade e pessoas ocupadas na agricultura;
4. Diferenças na densidade populacional: as rurais são
relativamente mais baixas do que as urbanas, devido ao
cultivo;
5. Diferenças na homogeneidade e heterogeneidade da população: os
rurais tendem a adquirir características semelhantes por se envolverem nas
mesmas funções, são mais homogêneos, pois não sofrem os problemas de uma
intensiva divisão do trabalho. (BLUME, 2004)
Diante destas colocações definiu-se o conceito de Núcleos Urbanos
Isolados para o Plano Diretor Participativo de Itaúna 2005-2050. Várias foram as
comunidades rurais visitadas e diagnosticadas pelo corpo técnico formado por
arquitetos e urbanistas, geógrafos, geólogo, engenheiro florestal e economista,
que consideraram as seguintes como passíveis da classificação como Núcleos
Urbanos Isolados: Córrego do Soldado, Campos, Lopes, Cachoeirinha, Brejo Alegre,
São José de Pedras e Vista Alegre. Cabe aqui observar que esta classificação
técnica foi ratificada nas plenárias públicas que aconteceram na fase de
preparação do diagnóstico técnico final em cada uma das comunidades rurais
supracitadas.
Esta definição é bastante complexa e deve ser observada
cuidadosamente e detalhadamente caso a caso. As dinâmicas espaciais encontradas
nos municípios são extremamente variadas, dependem das relações econômicas que
este município exerce na sua região, do quanto é dependente da sua área rural,
da infra-estrutura que possui (principalmente das estradas vicinais) em relação
às suas comunidades rurais e de outros tantos aspectos que influenciam
diretamente na relação entre a sede urbana e as comunidades
rurais.
No caso de Itaúna, todos estes aspectos foram considerados, mas
frente à maciça participação popular no processo de construção dos diagnósticos
que nortearam o projeto de lei do Plano Diretor o que mais chamou atenção foi a
diversidade multifuncional que estas comunidades possuem. A população não possui
homogeneidade ocupacional e vários são os serviços ali oferecidos por esta
população com características essencialmente urbanas (salões de beleza, buffet,
etc.).
- COMUNIDADE CÓRREGO DO SOLDADO – DEFINIÇÃO DO PERÍMETRO DE NÚCLEO
URBANO ISOLADO
A comunidade de Córrego do Soldado está situada no quadrante
Sudoeste (SO) o que possui maior número de comunidades, o que lhe fornece
características mais urbanas e um maior dinamismo na mudança de paisagens. A
comunidade é considerada quase como uma zona “urbana”. Isto se deve
principalmente à presença de ocupação em forma de lotes com dimensões urbanas
(360 m²) e não unidades rurais.
Parte da área da APA Benfica (Área de Proteção Ambiental da
Barragem do Benfica – proposta do Plano Diretor Participativo) se encontra neste
quadrante, o que influenciará nas suas formas futuras de ocupação, nas
atividades e usos possíveis de se desenvolverem nesta área. Atualmente as
principais funções nesta área estão ligadas à criação de eqüinos e à
silvicultura extrativa para produção de carvão.
A comunidade de Córrego do Soldado é a maior, em termos
dimensionais, de todas as comunidades do município. Os eixos induzidos de
crescimento da mancha urbana, mais contemporâneos, são direcionados para este
quadrante. Outras comunidades que se destacam nesta porção do território
municipal são: Cachoeirinha, Campos e Lopes.
Figura
3 – Figura indicação do
quadrante SO. Retirada de arquivo base PDF do Plano Diretor de Itaúna, 2006,
Prefeitura Municipal de Itaúna.
A gradação da paisagem rural para a paisagem tipicamente urbana
acontece claramente na comunidade de Córrego do Soldado. A presença de diversos
equipamentos como: igreja, escola, centro comunitário e cemitério já evidenciam
o oferecimento de determinados serviços que fazem parte de uma infra-estrutura
presente, na maioria das vezes, nas sedes urbanas dos
municípios.
As tipologias de ocupação e uso que
configuram o espaço chamado de núcleo da comunidade são variadas e possuem uma
grande proximidade com as tipologias urbanas. Podem ser vistos os usos:
residencial unifamiliar e multifamiliar (até 02 pavimentos), misto (comércio e
residencial) e comercial. Os usos comercial e misto estão concentrados nas
proximidades da praça da Comunidade, como também a Igreja, o Centro Comunitário
e a Escola.
O uso residencial está concentrado nas zonas mais periféricas e se
modifica a medida que se distancia da praça, as residências mais próximas
possuem lotes com dimensões urbanas (360 m2) enquanto as mais distantes possuem
terrenos que se aproximam de pequenas chácaras (com até 1000 m2). O uso
residencial se diferencia pelos acabamentos utilizados e a forma como se
organizam nos lotes, quanto mais próximos da praça da Comunidade, maior a
utilização de: laje de cimento e não o telhado de telhas cerâmicas, de
esquadrias de ferro e não de madeira, de muros frontais e menor quantidade de
jardins e áreas permeáveis.
- A DEFINIÇÃO DE PERÍMETROS URBANOS ALÉM DO PERÍMETRO DA SEDE –
UMA SOLUÇÃO ESPACIAL E COERENTE COM A LEGISLAÇÃO – MAS E A
PAISAGEM?
A definição de perímetros de Núcleos Urbanos Isolados fora do
espaço definido como mancha urbana da sede municipal encontra amparo na
legislação urbanística e pode ser vista em diversos Planos Diretores. Esta
delimitação de recortes espaciais que funcionam como “ilhas” urbanas em um
grande espaço rural tenta solucionar problemas de infra-estrutura precária, mas
na maioria das vezes, é uma forma de reconhecimento de problemas da gestão
administrativa das comunidades rurais, como exemplo pode ser vista a cobrança do
Imposto Territorial Urbano e a ausência da infra-estrutura urbana que dele
deveria derivar.
Mas a paisagem corrobora com esta possibilidade colocada pela
legislação? Surge aqui um questionamento levantado durante a demarcação do
perímetro, do agora Núcleo Urbano Isolado e antes comunidade rural, Córrego do
Soldado. A resposta a esta questão, no estudo de caso citado neste trabalho, foi
pela demarcação do perímetro que classificou como espaço urbano a antiga
comunidade rural, esta resposta estava amparada por uma vontade explícita da
população neste sentido, mas também por uma vertente de pensamento que
identifica esta linha de intervenção como favorável ao estabelecimento de
relações mais complementares e simbióticas entre os mundos rural e
urbano.
A visão do arcaico mundo rural que possuía como função principal a
produção de alimentos, como atividade econômica dominante a agricultura, como
grupo social de referência a família camponesa e um tipo de paisagem que reflete
a conquista de um equilíbrio entre as características naturais e as atividades
humanas ali exercidas, não pode ser mais considerada na contemporaneidade. Uma
nova dicotomia surge, esta dicotomia tem sua raiz na industrialização da
agricultura que, segundo FERRÂO (1), é particularmente visível a partir do final
da 2ª Guerra Mundial e introduz uma inflexão importante fraturando o mundo rural
em duas realidades bem distintas: o mundo rural moderno e o mundo rural
tradicional. Assim, a oposição rural-urbano começa a não ser vista como a mais
decisiva, na medida em que a modernidade deixa de constituir um exclusivo das
áreas urbanas.
Ainda segundo FERRÃO (1), “Começa, assim, a ganhar consistência
uma nova dicotomia pós-rural/urbano, que valoriza antes a oposição existente
entre um mundo moderno (que pode ser urbano-industrial ou rural) e um mundo
arcaico (predominantemente rural)”. Dentro desta visão a relação urbano-rural
bifurca-se, dando origem a uma partição das áreas rurais em função da sua
proximidade (física, mas também funcional e sócio-econômica) aos centros
urbanos.
Assim, considerou-se nesta intervenção no perímetro urbano de
agregação das áreas das comunidades rurais, aqui citando a de Córrego do
Soldado, que as situações que podem ser vistas nas relações entre o espaço rural
e o espaço urbano na
contemporaneidade levam a crer que:
-
as
fronteiras entre espaços rurais e espaços urbanos estão diretamente ligadas à
influência do segundo sobre o primeiro e que esta situação pode acarretar
similaridades entre estes espaços que justifiquem uma mudança de classificação
de rural para urbano (ou urbano isolado);
-
as
realidades atualmente designadas por "áreas urbanas" incluem espaços urbanos,
suburbanos, rurais agrícolas e rurais não agrícolas, articulados sinergicamente
e nesta articulação podem surgir novas categorias que melhor explicitem uma
realidade local como, no caso do município de Itaúna, os Núcleos Urbanos
Isolados.
Diante do conceito de paisagem anteriormente colocado como a
relação entre homem, espaço e tempo conclui-se que a paisagem corrobora e
evidencia esta nova categoria de espaço – o Núcleo Urbano Isolado. As questões
que ainda permanecem estão voltadas para as interfaces que surgirão nestas
fronteiras entre rural e urbano e rural e “antigo” rural (agora, Núcleo Urbano
Isolado) já que a nova categoria espacial já demonstra tendências de expansão e
também quais as vantagens e desvantagens para a população residente frente às
políticas de gestão pública dos espaços urbanos, ainda incipientes e pouco
efetivas diante dos espaços que já dominam.
6.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Na execução do Plano Diretor Participativo Itaúna 2005-2050 no
capítulo de Zoneamento e na proposta dos perímetros dos Núcleos Urbanos Isolados
pode-se ver como principal objetivo a reformulação das relações que se
estabelecem entre os mundos rural e urbano, através de soluções organizacionais
do espaço, que se mostraram coerentes com a realidade diagnosticada e a desejada
pela população.
A proposta destes Núcleos procurou consolidar relações de
proximidade mutuamente benéficas e de natureza sinergética em detrimento das
relações assimétricas e predadoras do mundo rural. Dentro desta ótica, recursos
urbanos (humanos, institucionais e físicos), se considerados como externalidades
positivas, poderão ser internalizados, mesmo que parcialmente, pela população
destes Núcleos Urbanos Isolados.
Esta espacialização do perímetro também busca uma condição de
acesso, destas antes comunidades rurais, a infra-estruturas, equipamentos,
serviços e competências através de iniciativas que favoreçam o estabelecimento
de redes individuais e institucionais, a mobilidade de pessoas, bens e
conhecimentos e o desenvolvimento de soluções locais multi-uso. Assim buscou-se
uma articulação territorial, que pode ser entendida como uma coesão e uma
articulação funcional, ou integração entre as comunidades rurais, que possuíam
determinadas especificidades, e a sede urbana do município de Itaúna que pode
ser considerada como envolvente.
A situação aqui colocada e explicitada pode desdobrar-se nos
seguintes níveis apresentados por FERRÃO (1):
·
adoptar
a perspectiva de "bioregião", em que os espaços naturais asseguram contínuos
rural-urbano não apenas por razões estéticas e de fruição visual das populações
citadinas mas, factor mais importante, como garantia de funcionamento de
processos ecológicos básicos (ciclo hidrológico e respectivas redes de drenagem,
por exemplo), isto é, como medida cautelar de preservação de ecossistemas e de
sustentabilidade ambiental;
·
estimular
a construção de imagens mentais e representações sociais que considerem os
centros urbanos e as áreas rurais vizinhas como uma mesma região cognitiva,
evitando que se generalizem as concepções de "cidades fortaleza", aglomerações
bem integradas em redes nacionais e mesmo internacionais mas isoladas das suas
envolventes imediatas, e, no pólo oposto, de áreas rurais intersticiais, de
natureza inevitavelmente residual e com escassa visibilidade
própria;
·
garantir
a oferta pública de serviços especializados úteis às populações e organizações
das áreas rurais em condições de fácil acesso, tanto do ponto de vista físico
(acessibilidade) como social (mobilidade, "proximidade cultural") e econômico
(custos de deslocação e de comunicação);
·
estimular
e facilitar a construção de parcerias de proximidade que constituam redes de
produção e disseminação de informação, aprendizagens e conhecimentos
estrategicamente relevantes para as populações e as organizações das áreas
rurais;
·
recorrer,
de forma sistemática, às potencialidades das novas tecnologias de informação e
comunicação, tanto ao nível da prestação dos serviços públicos universais
(telemedicina, ensino pré-escolar, formação de adultos, etc.) como de
iniciativas visando objectivos de coesão social (integração cívica dos jovens)
ou de competitividade econômica (telecentros rurais, comércio eletrónico de
produtos regionais, etc.), numa ótica que concilie o relacionamento à distância
com o contacto físico;
·
garantir
uma articulação eficiente entre políticas de ordenamento do território e
conservação da natureza, de desenvolvimento rural, de desenvolvimento regional e
de desenvolvimento urbano, nomeadamente em torno dos conceitos de cidade média e
de rede urbana complementar;
·
conceber
uma logística para o mundo rural capaz de articular, seletivamente, aspectos dos
pontos anteriores em função das prioridades e das potencialidades de cada área.
(FERRÃO, 1999)
Assim, parece ser esta, a definição de Núcleos Urbanos Isolados,
uma forma possível e passível dentro das articulações e direcionamentos do
Estatuto das Cidades e das teorias do Planejamento Urbano Contemporâneo, de
tornar a relação dos espaços rurais e urbanos, mais compatível com as realidades
vivenciadas pela população, com os anseios que apresentam para o desenvolvimento
das áreas que habitam e para ma melhor gestão urbana dos territórios municipais.
NOTAS
(1) Este texto
tem uma dupla origem: por um lado, traduz algumas das ideias expostas numa
comunicação apresentada no Congresso Internacional de Geografia Rural "O Mundo
Rural. Desafios para o Século XXI", organizado pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto em 21 – 23 de Outubro de 1999; por outro lado, corresponde
a um conjunto de notas redigidas a pedido da equipa portuguesa responsável pelo
Estudo de Avaliação Intercalar do Programa de Iniciativa Comunitária "Leader
II". Aos coordenadores de ambas as iniciativas agradeço terem-me "obrigado" a
sistematizar algumas ideias que até aí não passavam de intuições e hipóteses
pouco organizadas.
REFERÊNCIAS
BLUME, R. Território e ruralidade: A
desmistificação do fim do rural. Porto
Alegre:
FCE, 2004.
FERRÃO,
João. Relações entre mundo
rural e mundo urbano: evolução histórica, situação actual e pistas para o
futuro. (1)
SOROKIN, P. A.; ZIMMERMAN, C.C. e GALPIN, C. J.
Diferenças Fundamentais entre o mundo rural e urbano. (1929) In: MARTINS,
J. S. Introdução Crítica à Sociologia Rural. São Paulo: Hucitec,
1986.
Apesar
de esses autores serem os primeiros a adotarem a idéia de continuum, a obra
clássica de 1929 acaba se constituindo em um forte alicerce para as
conceituações dicotômicas, uma vez que ressalta as diferenças existentes entre
os espaços rural e urbano como pólos contidos em uma escala de gradação.
Ponencia presentada en el XI Encuentro Internacional Humboldt
– 26 al 30 de octubre de 2009. Ubatuba, SP, Brasil.