A CHEGADA NEERLANDESA NO RECIFE: UM CAPÍTULO DA GEOGRAFIA
COLONIAL BRASILEIRA
Sidclay Cordeiro Pereira
RESUMO
A
Geografia sempre se mostrou preocupada com o entendimento da relação homem e
ambiente e o seu resultado no espaço. Porém esse interesse não necessariamente
trata exclusivamente do presente e o passado pode também ser contemplado dentro
dos estudos geográficos. Nesse contexo, a Geografia Histórica emerge como uma
vertente para contribuir nesse sentido. O artigo
aqui apresentado tem como objetivo apresentar a chegada neerlandesa em Recife no
século XVII a partir do conhecimento da Geografia Colonial. Para
a sua elaboração foram utilizadas fontes primárias neerlandesas e portuguesas
acerca do período colonial brasileiro com ênfase ao Recife; fontes
secundárias,como publicações que abordam o processo de ocupação e utilização do
espaço brasileiro e três fontes iconográficas produzidas no século XVII.
Percebeu-se que tanto a chegada portuguesa como a neerlandesa levaram em
consideração o conhecimento da Geografia Colonial produzida por ambos em seus
relatos, diários, descriçoes e mapas, uma vez que a informação disponível era
relevante para se estabelecer nas terras do Novo Mundo. Percebe-se, com esse
trabalho, que o entendimento do presente requer um conhecimento do passado e não
apenas do que ainda se encontra concretizado na paisagem. A Geografia como
ciência possui uma forte interação com a História, mas carece ainda de se
debruçar no passado para produzir pesquisa a partir das fontes primárias e
iconográficas. Os acontecimentos da primeira metade do século XVII , a
instalação portuguesa e neerlandesa repercutem até hoje na história do Recife,
sendo um dos capítulos mais importantes da Geografia Colonial brasileira.
Palavras-chave: Geografia Histórica, Geografia Colonial, período
holandês, 1630
ABSTRACT
Geography has always been concerned with the understanding of the
connection between man and environment and the result of this interaction within
space. However, this interest does not necessarily focus exclusively on the
present time and the past may also be contemplated in the geographical studies.
In this context, the Historical Geography emerges as an area to contribute to
the studies about the past. This article aims to present the Dutch arrival in
Recife on the 17th Century based on the knowledge of Colonial
Geography. In order to elaborate this paper primary sources, Dutch and
Portuguese, were used regarding the colonial period in Brazil with emphasis in
Recife as well as secondary sources such as publications that approach the
occupation process, as well as the usage of Brazilian space and three
iconographical sources produced on the 17th Century. It was possible
to realize that not only the Portuguese arrival but also the Dutch took into
consideration the knowledge of the Colonial Geography produced by both on their
reports, diaries, descriptions and maps, once the available information was
relevant to establish in the lands of the New World. The understanding of the
present requires knowledge of the past and not only of the one that is visible
in the landscape. Geography as a science has a strong interaction with History,
but it is still necessary to go back into the past to produce research from the
primary and iconographical sources. The events of the first half of the
17th Century, the Portuguese and Dutch establishment remains up to
these days in the History of Recife, being one of the most important chapters of
the Colonial Brazilian Geography.
Key words: Historical Geography, Colonial Geography, Dutch times,
1630
Considerações
Iniciais
O artigo aqui apresentado tem como objetivo apresentar a chegada
neerlandesa em Recife no século XVII a partir do conhecimento da Geografia
Colonial. Esse trabalho
foi extraído do segundo capítulo da dissertação intitulada “Caminhos na
Resistência – O Espaço do Recife durante a Ocupação Neerlandesa (1630-1637) em
Pernambuco (Brasil)”
que tinha como objetivo
levantar, caracterizar e analisar os caminhos utilizados em Recife numa
perspectiva militar e econômica durante o período de resistência à ocupação
neerlandesa (1630-1637) através da reconstrução da Geografia do passado.
Para a sua elaboração foram utilizadas fontes primárias acerca do
período colonial brasileiro com ênfase ao Recife, destacando-se relatos,
descrições de viajantes, militares e pessoas ligadas à economia e à política do
período, tanto neerlandeses, como portugueses. Foram de grande importância os relatos de Cuthbert Pudsey, Johan
Nieuhof e as Nótulas Diárias.
Como fontes secundárias, foram utilizadas publicações que abordam o processo de
ocupação e utilização do espaço brasileiro, tais como livros, teses,
dissertações, periódicos e outros impressos. Como fontes iconográficas, foram
estudados três mapas que apresentam o Recife no século XVII, “Porto e Barra de
Pernambuco de 1630” “Perspectiva
do Recife e Vila de Olinda de 1616” e “Carta de trecho da costa pernambucana,
entre a Ilha de Antônio Vaz e o Rio Pau Amarelo de 1630”.
A busca de dados em fontes impressas seguiu primeiramente a
seleção das obras, em seguida a leitura de todo o conteúdo, anotando os dados
referentes às localidades e os acontecimentos em seu entorno para depois serem
confrontados com os dois mapas.
A Geografia estudando o
passado
A
Geografia sempre se mostrou preocupada com o entendimento da relação homem e
meio-ambiente no espaço. Com isso, tornaram-se freqüentes, em suas discussões
teóricas e elaboração de trabalhos, o estudo dessa temática e a utilização do
conhecimento histórico como uma ferramenta para alcançar seus
objetivos.
Frequêntemente, a Geografia se debruça apenas no que se pode ver
ou mensurar, tratando apenas da realidade que se encontra materializada. Essa
visão está bem caracterizada na Geografia produzida no século XIX e XX. Porém
isso não implica que o tempo deva ser encarado apenas como coadjuvante numa
visão retrospectiva para se entender o presente e, para isso, abre-se a
necessidade de se trabalhar também o passado e, assim, questionar seus
procedimentos metodológicos de abordagens e conceituação. A descrição tanto do
presente como do passado pode também contribuir com a análise da atuação,
adaptação, apropriação do meio-ambiente pelo homem.
Estudar o passado dentro de uma perspectiva geográfica é uma das
tarefas da Geografia Histórica. Essa, auxilia a mostrar a relação do homem com o
espaço no passado, buscando, através de fontes primárias, secundárias e
iconográficas, uma melhor interepretação do presente. No caso aqui proposto,
dentro dentro da Geografia Colonial brasileira.
Santos (1978, p. 31) tratando da Geografia Colonial afirma que sua
utilização “como instrumento de conquista colonial não foi uma orientação
isolada, particular a um país. Em todos os países colonizadores, houve geógrafos
empenhados nessa tarefa, readaptada segundo as condições e renovada sob novos
artifícios cada vez que a marcha da História conhecia uma inflexão”. Isso está
presente nos registros de cada época, quando os estrategistas montavam suas
ações, o faziam de acordo com o conhecimento prévio de cada localidade e dos
seus interesses políticos, econômicos e militares.
A afirmação de
Santos é pertinente, principalmente quando tomamos como exemplo o século XV na
história européia. É nesse período em que ganha força o processo expansionista
ultramarino. O fortalecimento do Estado; a participação cada vez maior da
iniciativa privada; o desestímulo da importação e estímulo da exportação que
fortaleceram o Mercantilismo e a busca por novos mercados e terras para expandir
sua economia estimularam a Europa à navegação e exploração. A saída dos europeus
de seu continente foi o berço do que se pode chamar de eventos históricos
globais.
É nesse ponto que a
Geografia, considerando-se seu objeto de estudo a relação do homem com o
ambiente, tem a preocupação de estudar também eventos globais que não
priorizavam apenas a natureza. Corrobora com essa idéia Moraes (2000) ao
trabalhar, em sua obra, o processo de expansão européia e seu estabelecimento na
América. Nesse contexto, o estabelecimento do empreendimento português em terras
do Novo Mundo no século XVI e a invasão neerlandesa dessas terras no século
seguinte é um momento da Geografia Colonial brasileira.
Interesse neerlandês no Novo
Mundo
Em 1580, com a União Ibérica, o Brasil passou ao domínio da coroa
espanhola, acontecimento que vai ser fundamental para a vinda da Companhia das
Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie, ou W.I.C.) no século XVII ao Brasil.
A WIC chegou ao Brasil pela segunda vez em 1630, a primeira tentativa
de tomada foi em Salvador, seis anos antes, que fracassou. A permanência na
Capitania de Pernambuco durou 24 anos e durante esse período seus domínios se
expandiram e retraíram-se, mas sempre tendo Pernambuco como ponto central.
A chegada Neerlandesa no Brasil não se constituiu em fato isolado
da História mundial. “A WIC conquistou Pernambuco e outras cinco capitanias do
Nordeste açucareiro com o fim de diminuir a capacidade econômica da
monarquia ibérica e incrementar o seu domínio das rotas comerciais do Atlântico”
(PÉREZ & SOUZA, 2006, p. 9).
Até o fim do século XVI os Países Baixos possuíam investimentos na
então colônia portuguesa da América do Sul, o Brasil. Segundo Andrade (1984), do
ponto de vista econômico, havia a dependência dos Países Baixos, pois tanto o
comércio do açúcar, através do transporte, como os financiamentos para a
implantação de engenhos e desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar eram
controlados pelos seus comerciantes.
Esses investimentos foram ameaçados com a unificação das coroas de
Portugal e Espanha em 1580, período de sessenta anos conhecido na historiografia
como União Ibérica. Sendo assim, a relação entre os Países Baixos e Portugal
entrou em crise devido aos sucessivos embargos sofridos por navios neerlandeses
em portos ibéricos que comprometiam o suprimento de uma série de produtos
considerados indispensáveis. Tais dificuldades foram em grande parte
responsáveis pela expansão colonial neerlandesa iniciada em fins do século XVI
(MELLO, 1998).
Para controlar o capital já investido no Brasil e ainda o comércio
dos produtos oriundos dele, os neerlandeses, através da WIC, prosseguiram com a
empreitada de invadir os domínios portugueses no novo mundo. A primeira
tentativa de invasão ocorreu na capitania da Bahia, centro político da colônia,
porém, não tendo êxito, direcionaram-se para Pernambuco, centro econômico.
A incursão neerlandesa no Brasil foi facilitada por serem
conhecedores das condições econômicas e sociais das colônias portuguesas na
América, bem como o litoral e portos, fruto dos constantes contatos
mantidos com a colônia. Isso foi de fundamental importância para a execução dos
ataques tanto por mar, como por terra e a conseqüente tomada.
Pernambuco ante bellun
Antes da chegada neerlandesa, a então Capitania de Pernambuco
apresentava duas localidades bem próximas e que viriam a protagonizar os
acontecimentos referentes ao período ante bellum. A Vila de Olinda, centro das
decisões políticas e administrativas e a pequena povoação dos arrecifes. São
comuns nos trabalhos que contemplam Pernambuco, sobretudo aqueles com enfoque
antes do século XIX, tratar o Recife como se fosse todo Pernambuco.
A vila de Olinda tornou-se sede da Capitania de Pernambuco,
seguindo a opção portuguesa de se instalar em terrenos colinosos para maior
facilidade de defesa. Devido à vantagem da presença dos arrecifes, instalou-se
ao sul dessa vila, povoação dos arrecifes, que depois veio a se chamar
Recife.
Nas várzeas dos rios, os colonizadores portugueses implantaram a
área produtora de cana-de-açúcar com os canaviais e engenhos e ainda procederam
com a extração do pau-brasil que existia no litoral. Por ser a capitania mais
próxima à Europa, recebia visitas mais frequentes dos navios oriundos desse
continente fazendo prosperar o comércio. (CAPISTRANO DE ABREU,
1930)
Desde meados do século XVI, Pernambuco tornou-se centro da
expansão portuguesa pelo litoral norte. Dessa localidade partiam expedições para
colonização da Paraíba e do Rio Grande, ao norte e do que viria a ser Alagoas e
Sergipe, ao sul. Pernambuco apresentava-se ainda como rota de entrada para o interior do continente, utilizando,
principalmente, o Rio Capibaribe, pois partindo da sua foz podia-se chegar ao
agreste.
O resultado foi que
Pernambuco, nas últimas décadas do século XVI, já se conforma como
uma região colonial em formação, com uma rede de núcleos, uma estrutura de
circulação, áreas de produção especializada, divisão espacial de trabalho e
zonas de expansão definidas (MORAES, 2000, p. 312).
Com
isso, se qualificava com um centro de irradiação de povoamento costeiro. Sendo
um dos pontos que também contava com Itamaracá, Bahia, Santo Amaro e São
Vicente. Em
1630, a
capitania possuía os seguintes limites: ao sul a Capitania de Sergipe d’El-Rei e
ao norte com a Capitania de Itamaracá, tendo um litoral com extensão de
46
milhas (MELLO, 1981).
Aliás, na instalação portuguesa há claramente um conhecimento da
Geografia Colonial, pois para se instalar numa extensa faixa de terra ao longo
da costa necessitavam do conhecimento do espaço natural, com seus rios e
caminhos necessários a entrada no interior do continente. Os primeiros
mapeamentos do Brasil apontam claramente essa preocupação.
O conhecimento europeu sobre o Novo Mundo não se restringia ao
litoral, mas tinha nele seu ponto forte, os primeiros mapas de Pernambuco
mostram o interior ainda pouco cartografado, com imagens se repetindo ao fundo.
Os primeiros mapas mostram uma clara preocupação em registrar o conhecimento do
espaço que estava sendo apropriado.
O transporte sempre foi um problema a se superar desde o início da
colonização portuguesa devido a dificuldade de se locomover sobre o terreno
irregular, a falta de meios de transporte adequados e os constantes ataques
indígenas. O problema se agravava nas chuvas de inverno com os diversos alagados
que se apresentavam em todo o território.
A
utilização da rede fluvial de Pernambuco foi importante para a penetração no
continente e o escoamento da produção. As entradas eram feitas pelos rios, vias
naturais que permitiam o deslocamento rápido, facilidade no transporte de
artigos pesados e escoamento da produção para os portos. Isso acontecia
levando-se em consideração as influências das marés devido ao pouco volume
d´água.
O Recife possuía o principal porto da capitania, mas a
documentação registra freqüentemente, a utilização de outros portos ao longo da
costa brasileira. Esta evidência mostra que a produção era distribuída e não
havia, no Recife, uma centralização logística absoluta para o comércio do
açúcar.
O Recife ante bellum
O espaço do Recife antes da chegada portuguesa se caracterizava
por “coroas e bancos de areia, cordões litorâneos, arenosos e restingas,
associado tudo a pântanos de água salobra, manguezais, lagamares, esteios e
camboas, ou seja, do estuário afogado comum dos rios Capibaribe, Beberibe e
Tejipió” (LINS, 1982, p. 99) .
Essa configuração, aliada à profundidade na foz dos rios, deu ao
Recife a possibilidade de instalação de um porto natural para o atracamento de
navios com a finalidade de carregamento, descarregamento e reparos, valendo-se
da proteção oferecida pelos arrecifes como apresenta a Figura 1. No interior,
devido ao solo e aos regimes de chuva, foi possível a instalação dos engenhos
nas várzeas dos rios citados acima.
A Figura 1 é bem esquemática e informativa para a navegação. Apresenta no
lado direito, a Vila de Olinda (2), as fortificações que se encontravam entre
essa e o povoado do Recife (1) pelo istmo (6), o porto o curso baixo do Rio
Beberibe (4) e uma incipiente ocupação na Ilha de Antonio Vaz (3). Fica bem
evidente o pouco conhecimento do interior.

Para Arrais (2004) na marcha da colonização, a redução das manchas
verdes dos manguazais e o dessecamento do solo lodoso tomado aos rios atestam a
capacidade crescente dos colonizadores de coordenar trabalhos e recursos
técnicos e financeirospara abrigar uma população crescente. A expansão da área
habitada foi-se efetuando na proximidade dos mangues, dos alagados, das gamboas,
vizinhos dos veios de rio que, cortando ilhotas mal delineadas, vinham se
extinguir no interior da planície.
Na figura 2, de 1616, é visível o caminho das embarcações,
protegido por uma paliçada de madeira e um forte de terra e a ilha de Antônio Vaz, que mesmo bem
delimitada, ainda se apresenta sem ocupação. Percebe-se a preocupação
portuguesa em mapear o espaço que estavam ocupando uma vez que o conhecimento do
terreno era fundamental para a utilização econômica, bem como evitar as diversas
áreas alagadas para o transporte e instalação de engenhos.

A figura 2 demonstra a preocupação portuguesa em cartografar os
rios que serviam de entrada para o interior e escoamento da produção oriunda
dos, sendo o Rio Jordão (4), Rio Tejipió (5), Rio Capibaribe (6), Rio Beberibe
(8) e ainda áreas alagadas do atual Canal do Arruda (7).
A delimitação da vegetação é bem visível, nas margens dos rios
demonstram os alagados, enquanto as que aparecem no interior apontam as matas.
Quatro zonas se configuram bem definidas: a urbana com Olinda (2); a rural, com
os engenhos ao longo da Várzea do Capibaribe; as áreas de plantação de cana-de-açúcar (9) e o porto do Recife
(1).
Não se percebe, todavia, a presença de caminhos por terra no
interior. Porém, os desenhos de casas apontam os engenhos e os sete quadrados
(9) como áreas de plantação de cana-de-açúcar o que comprova a existência de
caminhos pelo terreno. O conhecimento do espaço do Recife não pertencia apenas
aos portugueses e espanhóis, a chegada neerlandesa comprovará isso.
Neerlandeses chegam ao
Brasil
A invasão das terras brasileiras por neerlandeses teve início em
fevereiro de 1630 com o desembarque do efetivo na barra do Rio Pau Amarelo
(Figura 3), seguindo em direção ao norte de Olinda enquanto recebiam cobertura
de barcos que os escoltavam pelo mar. A montagem da estratégia para a tomada da
Capitania de Pernambuco foi realizada a partir do conhecimento do espaço
brasileiro.
Suas tropas eram formadas por três colunas, uma com cerca de 934
homens na vanguarda, outra com 1049 na segunda coluna e na retaguarda 935. Até
chegarem ao Rio Doce sofreram alguma resistência por parte de luso-brasileiros e
indígenas, cuja tropa era formada por cerca de 650 homens, mas conseguiram
avançar. A vanguarda atingiu o Convento dos Jesuítas, a segunda coluna se
apossou do Convento dos Franciscanos enquanto a retaguarda seguiu contra o Forte
do Norte, nas vizinhanças de Olinda, só recebendo resistência mais forte no
Convento dos Jesuítas. Ao chegarem em Olinda, receberam um reforço de 500 homens
que haviam desembarcado ao sul da vila que já se encontrava sob posse
neerlandesa. Isso aconteceu devido à fuga dos habitantes e de alguns soldados
para Recife e interior.
Após a tomada de Olinda prosseguiram os neerlandeses em direção ao
sul, pelo istmo. Chegaram ao povoado de Recife e foram ao encontro do Castelo da
Terra ou Forte de São Jorge que após a luta se rendeu. No dia seguinte, o Recife
já se encontrava sem resistência, uma vez que os luso-brasileiros haviam fugido,
queimando navios e armazéns. Por fim, rendeu-se o Castelo da Água ou Forte São
Francisco. Tomando Recife e Olinda, a Capitania de Pernambuco estaria sob
domínio neerlandês nos próximos vinte e quatro anos.
A figura 3 ilustra a chegada neerlandesa, apresenta Olinda (2) ao
centro com a chegada das tropas neerlandesas pelo mar (6) e depois por terra
(7). O mapeamento do interior ainda aparece de maneira tímida, mas já é visível
o relevo colinoso a oeste de Olinda. Pode se acompanhar o caminho seguido pelas
tropas para invadir Olinda desde o desembarque em Pau Amarelo (3) até a
Vila (2), passando pelos rios Doce (4) e Tapado (5). Apresenta ainda o istmo (8)
por onde seguiram ao encontro do povoado do Recife (1) com suas
fortificações.

Caracterizando-se como uma sociedade urbana e comercial, os
neerlandeses se estabeleceram no litoral para implantar a sede de seu governo e,
desde o início, poucos se aplicaram a produção de açúcar, concentrando-se no seu
financiamento e transporte. Isso foi refletido na utilização do espaço nos anos
seguintes.
A WIC chegou ao Brasil com o fim de estabelecer uma
infra-estrutura que permitisse extrair da colônia todo o lucro que esta pudesse
gerar, principalmente, com o comércio da cana-de-açúcar. Para isso buscou
desenvolver uma ocupação e utilização racional do espaço em que se assentaram,
implementando modificações de acordo com seus interesses e necessidades.
As primeiras resoluções do comando da WIC foram a volta do
funcionamento do porto para o escoamento da produção e a fortificação dos seus
domínios. Quando da sua chegada em Recife haviam apenas duas fortificações, o
Forte São Jorge, entre Olinda e Recife, para proteger o caminho que ligava essas
duas localidades e o Forte São Francisco, também conhecido como Forte do Mar,
que protegia o principal acesso ao porto, ao norte dos arrecifes. A primeira foi
incluída no sistema de defesa neerlandês, enquanto a segunda foi transformada em
hospital.
Os neerlandeses se fixaram primeiramente na vila de Olinda, sede
da capitania, que exercia influência direta sobre quase todo o interior. Porém,
a constante guerrilha com os luso-brasileiros e a conseqüente dificuldade de
manter a defesa dessa e da povoação do Recife ao mesmo tempo fez com que
optassem por uma delas.
Segundo Andrade (1984), várias eram as vantagens de instalação da
sede do empreendimento neerlandês no Recife, uma vez que ainda não dominavam o
interior, dependiam do abastecimento remetido da Europa e só poderiam receber
esses suprimentos se dominassem o porto; como comerciantes e objetivando
conquistar a área produtora do açúcar, preferiram, localizar-se na entrada da
área mais abundante em engenhos e então partir para a conquista, garantindo o
escoamento da produção e, ocupando um istmo de pequena extensão e uma ilha ao
lado, além de grandes extensões de manguezais, teriam, assim, uma forma mais
eficiente de se proteger. Porém, as discussões sobre a localização da sede da
WIC no Brasil foram constantes nos primeiros anos, como apontam as nótulas
diárias. Em vários momentos, Itamaracá foi cogitada como possibilidade de sede
devido à capacidade de defesa e haviam ainda aqueles que defendiam a sede em
Olinda.
No
fim, optou-se por Recife para a sede da ocupação neerlandesa que tornou-se o
centro de irradiação da conquista que seguia para o norte e sul do Brasil.
A
atuação neerlandesa se estendeu também aos territórios portugueses na África com
o intuito de assegurar o fornecimento de escravos, naquela época considerados
mercadoria imprescindível para a cultura de cana-de-açúcar.
Recife
tornou-se o grande empório comercial, onde era armazenada a produção derivada do
açúcar e por onde transitavam todas as mercadorias que demandassem o porto e
nele fossem desembarcadas, considerando que era o principal centro abastecedor
de todo o interior das demais capitanias conquistadas e das colônias
neerlandesas na África. Recife,
nesse contexto, experimentou um dos momentos mais importantes da sua História ao
tornar-se nó da rede que unia Portugal, Espanha, Itália (ainda não unificada),
Inglaterra, Países Baixos, as colônias inglesas da América do Norte, África e
Ásia.
Tal fato colocou como principal ponto receptor de produtos tanto
por mar, como por terra influenciando diretamente da configuração dos caminhos
terrestres e no arcabouço militar para sua proteção. Dentro desse contexto,
Recife era a sede política, econômica e militar da ocupação neerlandesa. Era a
base para as decisões políticas, principal porto de escoamento da produção
açucareira e receptor de produtos e escravos oriundos da Europa e África, bem
como ponto de saída das expedições para conquistas de territórios, tanto ao
norte quanto ao sul do Brasil.
Aos luso-brasileiros coube a permanência no interior estabelecendo
a tática de guerrilha contra o domínio neerlandês. Os 24 anos seguintes foram
fundamentais para a História do novo mundo, repercutindo até os dias de hoje.
Considerações Finais
Salienta-se que o melhor entendimento do presente acontece quando
se há um conhecimento do passado. Não apenas dos objetos que ainda estão
presentes na paisagem, mas aqueles que tiveram sua importância em um determinado
momento e ainda os fluxos originados e modelados por eles. Sendo assim, pode-se
almejar um aprofundamento do conhecimento acerca do espaço brasileiro e suas
questões territoriais.
É frequênte em trabalhos de interesse geográfico se propor a
análise da intereção do homem com o ambiente, porém, nem sempre a execução do
trabalho alcança o propósito. Por vezes há uma descrição desse espaço e depois
uma discussão superficial sobre a sua interação com as ações humanas.
Salienta-se, contudo, que tal façanha se apresenta de maneira complexa para o
geógrafo devido as armadilhas do determinismo geográfico.
A Geografia como ciência possui vários elementos históricos, porém
quando tratando do passado, cede à História uma das suas principais ferramentas,
o mapa. Os mapas e cartas são a representação do espaço conhecido pelo homem e
constituem-se de ferramentas fundamentais para os estudos geográficos. O enorme
arsenal cartográfico elaborado pela humanidade até o presente se apresenta como
registro de um período específico, bem como ferramenta de trabalho. Os mapas
são, preliminarmente, uma linguagem de poder. Olhando-se para o passado, eram
utilizados na promoção colonial. Algumas terras estavam mapeadas antes mesmo de
serem ocupadas.
Sendo assim, o presente trabalho procurou fazer uso dessa
ferramenta ao analisar três mapas produzidos no século XVII que ilustram o
conhecimento da Geografia Colonial adquirido e
registrado.
Além das fontes iconográficas há as fontes primárias. Os diversos
regisrros do passado sejam eles relatos, descrições ou diários precisam ser
descobertos e exlorados sob à ótica da Geografia. Necessita-se analisar o
passado brasileiro sob a ótica da da História do pensamento geográfico. O enorme
volume de fontes primárias e iconográficas carecem de uma análise geográfica
mais aprofundada.
O estabelecimento português nas terras do novo mundo levou em
considerações as dificuldades de se adaptar a esse ambiente. desde cedo a
Geografia Colonial portuguesa desenvolveu técnicas e para o uso do espaço e
estratégias geopolíticas para domínio do novo mundo. Com o neerlandês, o espaço
foi ainda mais explorado, uma vez que apropriado por uma empresa que buscava
lucro e, para isso, desde cedo se preocupou em registrar todo o conhecimento
necessário para alcançar o êxito que começou com a invasão de 1630.
A chegada e o estabelecimento neerlandês no Brasil é tema de larga
discussão dentro da História, apresentando um interessante volume de pesquisas e
publicações, espera-se que o mesmo venha a acontecer com a Geografia. Novas
fontes vem sendo traduzidas e se colocam à disposição dos pesquisadores que se
interessem pelo tema. Com isso, o trabalho aqui apresentado procura contribuir
com o tema a fomentar discussões acerca do estudo do passado dentro de uma
perspectiva geográfica.
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Professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Petrolina.
Atualmente lecionando as disciplinas: Geografia de Pernambuco, História de
Pernambuco, Introdução à Ciência Geográfica e Geografia Urbana nos cursos de
graduação em Geografia e História.
Quanto à nomenclatura de localidades, há presença de nomes
portugueses e holandeses para a mesma toponímia, seguindo na maioria das vezes
ortografia do período, porém decidiu-se utilizar os nomes em português atual
para todas as toponímias apresentadas.
Uma discussão sobre o tema pode ser vista na obra “Geografia e
Modernidade” de Paulo Gomes. O autor apresenta diversas etapas vivenciadas pela
Geografia e seu tratamento quanto ao seu objeto de estudo e procedimentos
metodológicos.
Alguns autores referem a região norte do Brasil nos primeiros séculos como
Nordeste, porém essa denominação só aparece de maneira formal em princípios do
século XX com a divisão do território brasileiro em cinco macro-regiões baseada
na escola francesa de Geografia. (MORAES,
2003)
Tradução livre do texto: La Compañía
Holandesa de Índias Occidentales, conquistó Pernambuco y otras
cinco capitanías del nordeste azucarero con el doble fin de mermar la capacidad
económica de la
Monarquia Ibérica e incrementar su dominio de las rutas
comerciales del Atlántico.
Que nesse momento pertencia a coroa espanhola.
Rotas que utilizavam também o caminho pelo sul da capitania, onde
hoje é o estado de Alagoas, que através de vários rios se chegava o São
Francisco e o Rio Ipojuca, bastante utilizado pelos criadores de gado como
atesta Barbosa (2003)
Para uma descrição mais detalhada e evolutiva do espaço do Recife
ver: Barreto, Ângela M. O Recife através dos tempos – a formação da sua
paisagem. Recife: FUNDARPE, 1994. p. 21-25.
O termo várzea do Capibaribe é freqüentemente utilizado na
documentação para às localidades no interior e pode ser confundido com o atual
bairro da várzea.
Uma descrição mais detalhada ver: Hullsman, L.; Teensma, B. N.
Descrição da Conquista de Pernambuco por H.C.Lonk. In: Galindo, Marcos (Org.).
Viver e Morrer no Brasil Holandês. Recife : FUNDAJ. 2005. p. 141-174.
Calado, Manoel. Valeroso Lucideno ou Triunfo da Liberdade. 4
ed. Recife: FUNDARPE, 1985. 2v.
Que também era chamado da Barra, da Laje ou do Picão.