O
CONCEITO GEOGRÁFICO DE PAISAGEM
E
AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A ILHA DE SANTA CATARINA FEITAS POR VIAJANTES DOS
SÉCULOS XVIII E XIX
Renata Rogowski
Pozzo
Leandro Moraes
Vidal
Resumo
Este
ensaio objetiva fazer um breve estudo sobre o conceito geográfico de paisagem,
relacionando sua origem com a origem da geografia moderna, que é concomitante às
grandes expedições científicas na América Latina, inclusive a viagem de
Alexander von Humboldt realizada entre 1799 e 1804. Além disso, busca apresentar
algumas das representações da paisagem da Ilha de Santa Catarina descritas nos
relatos de viajantes que por ela passaram nos séculos XVIII e XIX, discutindo a
utilização destes relatos como fonte para a pesquisa histórico-geográfica e as
re-significações do conceito de paisagem (do artístico ao científico) neles
presente.
Abstract
This
essay aims to make a brief study on the geographical concept of landscape,
relating your origin with the beginning of the modern geography, at the time of
the scientific expeditions in Latin America,
including the voyage of Alexander von Humboldt, between 1799 and 1804.
Furthermore, it also aims to present some of the views about the landscape of
the Santa Catarina island, as described on the accounts from voyagers who have
been there on the eighteenth and nineteenth centuries, discussing the usefulness
of such accounts as a source for historical and geographical researches, and
also the different meanings attributed to the concept of landscape in those
accounts, from a artistic to a scientific point of view.
Introdução
Este
ensaio objetiva fazer um breve estudo sobre o conceito geográfico de paisagem,
bem como sobre as paisagens da Ilha de Santa Catarina descritas nos relatos de
viajantes que por ela passaram nos séculos XVIII e XIX.
A
origem do conceito científico de paisagem está relacionada com as expedições
européias realizadas na América e em outros continentes nos séculos XVIII e XIX.
Pode-se atribuir o primeiro uso geográfico deste conceito ao cientista-viajante
Alexander von Humboldt, cuja viagem à América Latina, realizada entre 1799 e
1804 constitui, ela mesma, uma espécie de ato fundador da geografia
moderna.
O interessante aqui é notar que o conceito de paisagem acompanha a geografia
desde o princípio, constituindo-se numa preocupação básica dos primeiros tempos
desta ciência. Os viajantes, ao
avistarem e adentrarem terras estranhas, se deparavam com a questão fundamental
para todo aquele que deixa sua terra e se lança ao mundo, e que reside no fundo
de toda investigação geográfica: por que este espaço que avisto é diferente de
outro, de onde eu venho?
“Não lhe
parece um país encantado? Meu Deus, que parte maravilhosa é esta parte do mundo
para qual me mudei? Por que a natureza aqui aspira sempre às anomalias? Por que
ela cria formas e feições tão diversas, novas e insólitas? Por que ela é aqui
tão extravagante na configuração e na formação das flores e folhas?” (Mata
Atlântica, 1817. Carta de Langsdorff a um Amigo Alemão. In: Costa, 1995, p;
23).
Em relação
a isso, este trabalho não pretende realizar uma análise profunda da visão dos
viajantes sobre a Ilha de Santa Catarina, mas apenas apresentar algumas das
representações da paisagem de Florianópolis ao longo dos séculos e discutir a
utilização dos relatos de viajantes como fonte para a pesquisa
histórico-geográfica, partindo de algumas considerações históricas e
epistemológicas sobre o significado do conceito de paisagem.
Conceito
de Paisagem
Flüsse,
Bäume, Blumen und Thiere hatten menschlichen Sinn...
Rios, árvores, flores
e animais tinham consciência humana...
Novalis
Nas artes
visuais, percebe-se o início da valorização da paisagem no final do século
XVIII. Exemplo importante desta tendência são as pinturas de Caspar David
Friedrich, pioneiro na representação pictórica dos ideais estéticos do
Romantismo, segundo os quais a arte deveria aproximar o ser humano da natureza
pura, primordial, de que havia se separado de forma trágica (Siewerdt, 2007).
Consagrando a tendência, que vinha desde o Renascimento, de abandono do
protagonismo absoluto da representação do corpo humano na arte, típica da
pintura religiosa tradicional, Friedrich dá um destaque especial para paisagens
majestosas; comumente aparecem em seus quadros pessoas de costas que as observam
com devoção.
Deve-se
observar a coincidência de que grande parte das obras de Friedrich é realizada
exatamente na época em que
Humboldt se encontra na América, ou no período imediatamente
posterior, em que este sintetiza suas volumosas “anotações de campo”,
publicando-as (na França, primeiramente) como Viagem às Regiões Equinociais do Novo
Continente. Isto serve para ilustrar o fato de que, se bem a preocupação com
o tema da paisagem tenha surgido antes nas artes, já por este período (inicio do
século XIX), a investigação do tema já se realizava por diferentes campos do
conhecimento e mesmo da técnica (como testemunha o extraordinário
desenvolvimento da arte da jardinagem na Europa burguesa do séc. XIX), num jogo
de influências mútuas.

Figura
01. Caspar David
Friedrich. Frau vor untergehender
sonne, 1818.
Segundo Salgueiro (2001), a paisagem surge na pintura como resultado da
ruptura com a visão teológica medieval, e ocupa lugar proeminente na geografia
por herança da estética naturalista e do romantismo, e por representar os
aspectos visíveis do espaço geográfico. A partir deste rompimento com a
representação ocidental cristã do mundo do medievo, surge um novo posicionamento
do homem perante o ambiente.
“Efectivamente, o
aparecimento da paisagem foi acompanhado de uma revolução científica e técnica
que libertou a natureza do concurso divino tornando-a objecto de conhecimento e
abrindo caminho à sua manipulação e transformação com diversos fins. (Salgueiro,
2001, p. 3)”.
Ora, o berço e a época em que se acalenta a idéia de paisagem não deixam
muitas dúvidas quanto à classe de homens a quem se pode atribuir a paternidade:
os pensadores e artistas da burguesia revolucionária européia, em plena
consolidação política e econômica, artífices de uma visão de mundo
individualista (a paisagem como expressão de diferentes estados de alma...),
idealista em sua relação com a natureza, e em que o espírito científico, embora
já bastante desenvolvido, deixava ainda espaço, e na verdade não competia
realmente, com o sentimento estético – e novamente em Humboldt vamos encontrar o
melhor exemplo da síntese entre o rigor científico e a sensibilidade
artística. Não nos surpreenderá,
tampouco, encontrar nas andanças de Rousseau pelos Alpes Suiços, descritas nos
Devaneios de um Caminhante Solitário,
o precedente literário deste movimento de “descoberta da
paisagem”.
O conceito de paisagem, em seu sentido pictórico, antecede e acompanha o
surgimento e a vida da ciência geográfica, e em um sentido mais amplo, ele se
liga à própria cultura burguesa em formação. Por outro lado, ele
não só é fruto de uma nova concepção filosófica do mundo ou de uma nova
concepção de arte (o romantismo), mas deita raízes no próprio desenvolvimento de
ciências cujos avanços proporcionaram novas possibilidades à imaginação, mudando
também o olhar do homem sobre o seu mundo.
A história do planeta vai se deixando revelar com o surgimento de
ciências naturais como a Geologia, e a Terra deixa de ter os 4000 anos
pretendidos pela Igreja, através de cálculos feitos a partir da expectativa de
vida dos patriarcas bíblicos. Sua paisagem passa a ter uma história, que
estende-se ao passado e ao futuro.
Ao lado do desenvolvimento experimentado no campo das ciências e das
artes, o período de que tratamos marca também a gênese do capitalismo europeu,
em que as expedições para o Novo Mundo cumprem o papel de, por um lado,
responder à ânsia de ampliação do âmbito de conhecimento científico, mas
principalmente, de tornarem mais conhecidos os recursos destes territórios do
ponto de vista do interesse econômico das potências européias, em um momento em
que a burguesia procura ampliar seus espaços de atuação para além das fronteiras
nacionais. De qualquer modo, com os viajantes o conceito de paisagem ganha tons
mais científicos, passando paulatinamente a se traduzir na expressão visível da
ordem natural do mundo (Kosmos), que
ao manifestar-se em diferentes formas para diferentes regiões, dá ensejo à
formulação de estudos comparativos que são a base da geografia moderna, como
demonstra o trabalho pioneiro de Humboldt sobre a “geografia das plantas”,
baseado em observações efetuadas em distintas latitudes e altitudes. Apesar do
rigor científico, ainda é notável entre estes viajantes a influência do
romantismo, equivale dizer, de uma paisagem exterior em íntima relação com a
vida interior do indivíduo, causadora de determinadas emoções. A estética (do
grego stesis: sensação, sentimento) da paisagem é tão importante quanto o
conhecimento de sua morfologia, refletindo a busca de uma união entre ciência e
arte, esferas que o mundo moderno, entretanto, colocava em crescente oposição,
especialmente à medida em que os intelectuais burgueses abandonavam algumas
posições mais radicais, reconciliando-se com a aristocracia e a Igreja diante da
organização da classe trabalhadora. Justamente, tal separação entre ciência,
arte e vida era objeto de crítica do movimento romântico e também do
classicismo, que exaltava a Antigüidade enquanto mundo “não-moderno, um tempo em
que ainda não havia fratura entre o sujeito e o mundo” (Stirnimann, 1994).
Humboldt
tratava a paisagem como a configuração da
superfície do globo em uma região determinada, cujos caracteres individuais
causam nas pessoas sensações e sentimentos (Santos, 2006). Segundo La Blache citado por Santos (2006), foi
Humboldt quem nos ofereceu a visão de conjunto da paisagem. Quanto à origem do
termo na literatura geográfica propriamente dita, este mesmo autor observa
que:
“Como bem colocou
Tricart, a palavra ‘paisagem’ apareceu na Europa com várias traduções, como
Landschaft em alemão, landscape em inglês, Paysage em francês. Todas tinham em comum
o fato de não possuírem nenhuma utilização científica em particular, até o
aparecimento da Geografia Alemã, em que o termo de tornou erudito” (Santos,
2006, p. 101-102).
Para melhor elucidar este ponto, torna-se interessante aqui discutir
brevemente a etimologia da palavra nas duas principais formas em que esta
aparece na literatura geográfica, seja nas línguas latinas (paysage, paisaje, paisagem...), ou
germânicas (Landschaft, landscape...). No primeiro caso
observa-se a presença do radical latino pag- , com sentido próximo a “fixar”, do
qual deriva pagus, significando um
limite fixado na terra, ou um distrito rural (Houaiss, 2001). Desta origem
derivou o vocábulo francês pays com o
sentido de “região” e, com advento do Renascimento cunhou-se termo paysage no âmbito das artes, que foi
mais tarde difundido para as outras línguas latinas, designando a extensão de
território que o olhar alcança (e que portanto o artista pode representar). Landschaft, por sua vez, deriva da raíz
germânica land-, registrada em
diversas línguas desta origem com o sentido de espaço livre, aberto, mas logo
evoluindo para o sentido de unidade administrativa (território), ou de “campo”
em oposição à “cidade”, ou ainda de “terra”, em oposição à “agua”. (Kluge,
2002). Como se vê, o sentido original pouco difere em ambos os casos, ainda mais
quando se tem em conta que, também a partir do Renascimento, o termo Landschaft passará a ser amplamente
utilizado no universo da arte, como espaço compreendido pela visão.
Observa-se assim que os termos paysage e Landschaft são, em príncipio,
perfeitamente substítuiveis um pelo outro, a julgar por sua coincidência de
significado e por sua origem etimológica. Ocorre que o desenvolvimento da
geografia no início do século XX, marcado pela rivalidade entre as escolas alemã
e francesa, irá propiciar uma significativa diferença no uso dos termos. Assim,
na literatura francesa a “paysage”
não ganhará ares científicos, sendo o conceito mesmo criticado por geógrafos da
estatura de André Cholley – que nele viam a manifestação de uma geografia
meramente descritiva, pouco dinâmica – e preterido em detrimento de outros
termos como “região”, e principalmente “meio” (milieu). Por outro lado, a geografia
alemã, principalmente a partir do trabalho de C. Troll, insistirá no uso do
termo Landschaft, delimitando-o
conceitualmente até chegar na idéia de “entidade visual e espacial total do
espaço vivido pelo homem” (Troll, 1971, apud Veado, 2006), ou seja, um complexo
natural totalmente relacionado à ação humana (paisagem cultural). Esta idéia se
aproxima do uso da noção de paisagem feito mais tarde pela escola de
geossistemas, que nela enxerga o resultado da organização espacial dos
geossistemas, ou nas palavras de Bertrand (1968, apud Veado, 2006): “[a paisagem é] numa
determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos (...) reagindo
dialeticamente uns sobre os outros”.
O conceito de paisagem estabelecido pela escola alemã de geografia é em
certa medida contemporâneo ao utilizado pelos geógrafos norte-americanos quando
Carl Sauer (Escola de Berkeley)
fundou a geografia cultural, que embutia a este conceito a idéia da relação
entre as formas físicas e culturais.
“Para Sauer a
paisagem pertence ao campo da Geografia porque ela é capaz de demonstrar a
síntese de fenômenos inter-relacionados em área” (Santos, 2006, p.
104).
Na
geografia de Sauer, a paisagem que interessa é aquela que diz respeito aos
interesses humanos de habitar, se apropriar e transformar a natureza, chegando a
considerar “uma abstração sem sentido” aquela geografia dita física que excluía
metodologicamente o homem. Para Sauer, “a paisagem cultural é a paisagem que
nasce da expressão cultural humana de
agir sobre a área” (Santos, 2006, p.107).
Algumas
das críticas a esta visão partiram de Paul Claval, segundo quem ela serviria
para explicar as civilizações tradicionais mas não as modernas, pois levava em
conta os elementos em si e não as representações feitas destes elementos; apenas
as técnicas materiais e não as imateriais. Nesta linha, um dos primeiros
geógrafos a introduzir a questão das representações e simbologias na geografia
cultural foi Pierre Deffontaines. Alguns geógrafos, a começar por Olivier
Dollfus, passam então a
considerar a paisagem como uma representação do espaço, e não um objeto
em si.
Dollfus classificou a paisagem em: paisagens naturais
(natureza virgem), paisagens modificadas (paisagem natural com pouca ação
humana, como uma transição para a paisagem organizada) e paisagens
organizadas (paisagem com interferência constante do homem sobre o meio).
Nesta
concepção, a paisagem pode ser entendida como uma forma de representação
simbólica do espaço, assim como os mapas são representações
cartográficas:
“Por não
possuir uma existência em si, mas sim ser a essência em si do espaço que
representa, podemos representa-la de várias formas. Essa representação evoluiu
na história da civilização desde as pinturas rupestres, passando pelas
aquarelas, gravuras, fotografias, etc.” (Santos, 2006, p.
140).
Ou,
Segundo a definição clássica de Milton Santos (1988, p.
61):
“[...]
tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode
ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista alcança. Não é apenas
formada de volumes, mas também de cores, movimentos, atores, sons, etc”.
A paisagem aqui é novamente confirmada como um dado humano, algo que
parte do olhar humano. Entretanto, observa-se nesta passagem uma certa limitação
no uso do termo, que perde qualquer referência dinâmica ou genética para se
configurar como a manifestação instantânea de um dado momento da realidade
geográfica, pouco mais que uma fotografia. Não se deve estranhar, portanto, a
pouca importância dada por Milton Santos ao conceito em obras teóricas
fundamentais como Por uma Geografia
Nova. Ali, a exemplo de seus mestres franceses, o ilustre geógrafo baiano
parece até querer incluir a “paisagem” em sua crítica à geografia tradicional
que “se preocupou muito mais com a forma das coisas do que com sua formação”
(Santos, 1977).
Em estudos posteriores, Milton Santos, citado por Santos (2006), avança
para uma definição mais dialética de paisagem, pensada como um conjunto de
formas heterogêneas e de idades diferentes, onde as formas modernas convivem com
as rugosidades, que nascem das condições econômicas, técnicas, políticas e
culturais - claramente falando de paisagens urbanas:
“Em verdade, a
paisagem é uma realidade provisória, que está sempre por se formar; é um quadro
de devir, nunca está pronta e muda a cada momento: em suma é uma realidade
efêmera” (Santos, 2006, p, 123).
Por fim, quando Milton Santos trata, na Natureza do Espaço, da inseparabilidade
das categorias de tempo e espaço, a qual implica na necessidade de uma
periodização baseada na implantação de formas técnicas sobre a paisagem, essa
periodização é na verdade análoga àquela própria das geociências, que lidando
numa escala de tempo consideravelmente maior, também datam o espaço em camadas de eras, definidas por padrões
ambientais que atuaram de forma diferenciada na formação da paisagem. Assim, em
escalas temporais distintas, o estudioso enxerga na paisagem aparentemente
estática o dinamismo, seja das forças naturais que atuaram no modelado do
relevo, hidrografia etc; seja das forças humanas manifestas em distintos modos
de produção e formações sociais que evoluem ao longo das gerações.
De um modo geral, contudo, o que se percebe é uma forte tendência de
abandono do conceito de paisagem pela geografia, especialmente a partir da
chamada “geografia crítica” e se é verdade que este vem sendo retomado pela
geografia cultural, por outro lado esta o faz apenas prestando atenção aos seus
aspectos estéticos, ou seja, perceptíveis pelos sentidos. Ora, por fundamentais
que sejam os dados dos sentidos para a apreensão do mundo, e por importantes que
sejam os dados culturais na nossa apropriação da realidade, não nos podemos
esquecer que, por um lado, a paisagem é feita também de inúmeros fatores
invisíveis e na verdade inapreensíveis, que são as múltiplas relações entre seus
elementos; e por outro, que os próprios valores culturais são fruto de relações
materiais concretas. Assim, a chamada “geografia da percepção” ao adotar a stesis como o próprio objeto de sua
reflexão sobre o espaço humano na verdade inverte a ordem dos termos, pois o
pressuposto da reflexão filosófica, e também da investigação científica, é que
os nossos sentidos apenas são o ponto de partida para a obtenção de um
conhecimento mais complexo da realidade, e nunca o contrário. Mas é claro que
trata-se aqui de uma forma (entre tantas) de interpretar a
paisagem.
Por outro
lado, se a realidade que vemos e sentimos diante de nós é o ponto de partida
para a pesquisa geográfica, então é inevitável concluir que a observação da
paisagem acompanha todo e qualquer trabalho geográfico, independente dos métodos
e dos demais conceitos utilizados.
Representações
em Paisagem
como Documento Histórico.
“Ao falar
da construção da paisagem pelas viagens pitorescas de artistas no Brasil na
primeira metade do século XIX, Belluzzo constata que a paisagem
pintada não deve ser atribuída simplesmente ao ‘efeito do lugar sobre o
observador’, mas fundamentalmente àquilo que chama de ‘visão pictórica’ do
observador artista” (Santos, 2006, p. 198).
Esta
visão pictórica seria uma carga cultural prévia, uma cultura técnica. No
caso dos expedicionários cientistas, havia toda uma carga filosófica em suas
maneiras de representar a paisagem avistada. A paisagem não era necessariamente
representada como fora avistada, dependia dos interesses do pintor em demonstrar
determinados elementos.
E hoje em
dia, resta lugar para os desenhos de paisagem, na era da fotografia digital?
Esta é uma pergunta recorrente, para a qual Santos (2006, p. 218), que utiliza
estes documentos em sua pesquisa sobre as cidades coloniais paulistas, formulou
boa resposta.
“Com o recurso da
fotografia a paisagem passa a ser revelada ‘a posteriori’. O fotógrafo não
vivencia todos os objetos alcançados pela visão: o campo de visão, o
detalhamento dos objetos na paisagem é dado pela capacidade da objetiva das
câmeras fotográficas; é sua objetividade técnica que possibilita a captura de
objetos e cenas que o campo e as limitações da visão humana não conseguem
capturar. [...] Os resultados e a interpretação da imagem geralmente são obtidas
e realizadas pelo fotógrafo somente quando da revelação da película. No que diz
respeito ao processo de captura da imagem o fotógrafo pode eu não vivenciar o
horizonte observado, prestes a ser fotografado.” (Santos, 2006, p.
218).
Outra
diferença em relação à fotografia, é que a ilustração cientifica da paisagem
(como no caso dos croquis ainda muito utilizados para representação
arquitetônica) dá liberdade ao desenhista-cientista de destacar linhas e
elementos conforme seu interesse, para demonstrar mais claramente determinadas
relações.
Os
Viajantes e a Paisagem da Ilha de Santa Catarina.
No Brasil,
assim como em toda
América, expedições artístico-científicas são realizadas desde
a época da conquista no século XVI até o século XIX, com destaque para a
produção deste último século. Estas
expedições, sejam elas consideradas artísticas ou científicas, contribuíram
muito para o conhecimento geográfico das regiões percorridas.
Um dos
primeiros viajantes que se tem registro de ter passado por território brasileiro
foi o alemão Hans Staden, em 1550.
Pouco depois, em 1578, tem-se o relato História de uma Viagem Feita à
Terra do Brasil, do pastor calvinista Jean de Léry, que, como o anterior, é
acompanhado de várias ilustrações da paisagem brasileira. Outros importantes
relatos sobre terras brasileiras durante o período colonial são os de Albert
Eckhout e Frans Post, que passaram por Pernambuco entre 1612 e 1680 (Artistas
Viajantes, 2007).
Muitos
viajantes passaram pela Ilha de Santa Catarina no século XVIII, mas poucos
deixaram registros em forma de desenhos de paisagem, aparecendo mais
representações em forma de mapas em seus relatos.
O Francês
Amédée François Frézier aportou em Santa Catarina no ano de 1712.
Produziu alguns mapas e perfis (Figura 02) da Ilha, e fez um relato interessante
sobre a paisagem e o cotidiano da cidade na época:
“É uma
floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro, não se encontrando nela
outros sítios praticáveis a não ser os desbravados em torno das habitações, isto
é 12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá à beira mar nas pequenas enseadas
fronteiras à terra firme; os moradores que as ocupam são portugueses, uma parte
europeus fugitivos e alguns negros; vê-se também índios, alguns servindo
voluntariamente aos portugueses, outros que são aprisionados em guerra”(Berguer,
1984, p. 23).

Figura
02. Fonte: Berguer,
1984, p. 21.
Refletindo
sobre as precárias condições de vida dos habitantes da ilha, Frézier
relata:
“Esta gente, a
primeira vista, parece miserável, mas eles são efetivamente mais felizes que os
europeus, ignorando as curiosidades e as comodidades supérfluas que na Europa se
adquire com tanto trabalho; passam eles sem pensar nelas [...]” (Berguer, 1984,
p. 24).
Frézier
expressa ainda a felicidade por ter finalmente conhecido o “arbusto que dá o
algodão”, de que desenhou um ramo para, segundo ele, lhe servir de lembrança. De
qualquer forma, o desenho demonstra uma preocupação cientifica ao descrever as
partes da planta com minúcia, fato especial em relação aos primeiros relatos
realizados no século XVIII (Figuras 03 e 04).


Figuras 03 e
04. Fonte: Berguer,
1984, p. 25 e 26.
Poucos
anos mais tarde, em 1719,
a Ilha é visitada pela expedição inglesa de Shervocke e
Betagh, que descrevem mais incidentes da viagem do que paisagens catarinenses,
além de fazerem algumas retificações às descrições de Frézier, que teriam lido
antes de viajar, o que lhes criou muita expectativa. Chamam atenção também para
a abundância de animais, inclusive onças que causavam grandes transtornos aos
moradores, e para a exuberância da mata atlântica:
“A ilha é toda
coberta de matas incansáveis, de forma que, com exceção das plantações, não
existe uma só clareira nela toda. A menor das ilhotas ao seu redor igualmente
abunda em uma grande variedade de árvores e arbustos cheios de espinhos, o que
lhes veda totalmente o acesso” (Berguer, 1984, p. 46).
George
Anson comandou a esquadra inglesa que aportou em Santa Catarina no ano de 1740.
Produziu uma bela descrição, em que já é possível notar algumas diferenças na
paisagem em relação às descrições anteriores, e alguns perfis. Nesta época,
estavam em construção os primeiros fortes da Ilha, conforme o
relato:
“O
Brigadeiro Dom José da Silva Paes, Governador desta Colônia”, tem a reputação de
ser um hábil engenheiro; e não se pode negar que ele entende de seu assunto,
pelo menos em parte, estando certo das vantagens que a construção de algumas
novas obras acarretam, porque, além da contenda de que já falei, existem ainda
três outros fortes para defender a entrada do porto, nos quais ainda trabalham,
não estando nenhum deles prontos. (Berguer, 1984, p. 64).
Percebe-se
aqui também o grande interesse militar e geopolítico que possuia este tipo de
informação, obtida muitas vezes em primeira mão por viajantes à serviço das
coroas européias. O viajante destaca o lugar privilegiado que consiste a baía
abrigada de Santa Catarina para descanso dos navios antes de seguirem para os
mares do sul. Conta que a Ilha, num passado recente, era uma terra sem lei
habitada por bandidos vindos de Portugal e de várias partes do Brasil. Porém que
recentemente fora submetida ao governo da Coroa Portuguesa, que enviara José da
Silva Paes para impor governo. Somente em 1740 a Corte Portuguesa estabeleceu
governo regular nesta Ilha. Parte das novas leis regulamentava o comércio dos
habitantes com os viajantes que ali aportavam. Se antes este comércio consistia
basicamente em troca de alimentos por qualquer produto vindo da Europa, já que o
dinheiro não valia muito num lugar praticamente desabitado, agora o governo
impunha preços exorbitantes aos produtos vendidos na Ilha, causando má impressão
entre os visitantes.
Em
1763 a
expedição francesa de Dom Pernetty faz importantes ilustrações dos fortes já
estruturados e algumas descrições de espanto quanto às moradias, às vestimentas
dos habitantes e aos pratos que lhes foram servidos no almoço e no jantar, dos
quais, segundo eles, só gostaram do vinho, que era do
Porto:
“As casas [cerca de
150] de que falo, são as construções ao rés-do-chão, como as casas dos nosso
paisanos franceses. São ordinariamente cobertas de canas e folhas de bananeiras
ou de uma outra espécie de cana ou junco. Normalmente não se vêem chaminés. Os
negros escravos aprontam suas comidas sobre um fogo aceso ao meio do quarto e
ali vivem sem se incomodarem, no meio da fumaça” (Berguer, 1984, p. 80).
Em um
capítulo do relato intitulado “História Natural da Ilha de Santa Catarina e da
Costa do Brasil”, aparece uma descrição geral do ambiente local. Os animais,
principalmente onças, macacos, serpentes e insetos, aparecem com freqüência
relacionados com os inconvenientes que causam à população - além dos peixes e
dos pássaros, que assombraram os estrangeiros por sua beleza. Alguns animais são
desenhados e descritos nos relatos (Figuras 05, 06 e 07).



Figuras 05, 06 e
07. Fonte: Berguer,
1984, p. 91.
Data de
1785 uma das primeiras ilustrações propriamente ditas da paisagem da Ilha de
Santa Catarina. De autoria de Duché de Farney, a estampa ilustra o Atlas du Voyage de La Pérouse, que acompanha a edição
Voyage de La Pérouse autour du monde,
publicada em Paris em 1797 (Figura 08).
Nesta gravura, apesar de pessoas estarem em primeiro plano, a paisagem
tem destaque óbvio, e, à esquerda, uma pessoa aparece de costas observando-a.
Esta ilustração ficou tão conhecida que foi reproduzida por vários pintores e
desenhistas para ilustrar seus relatos e estudos sobre a Ilha.

Figura
08. Fonte: Reis,
2004.
La
Perouse, quando visitou A
Ilha de Desterro, já indica a existência de cerca de 400 casas e 3.000
habitantes. Como nos relatos anteriores, percebemos a referência às descrições
de outros viajantes. Segundo Costa (1995, p. 24), como expressa a vontade
descrita por Spix e Martius, “todo viajante gosta de identificar as suas
sensações com as de seus predecessores”, mas também de percorrer caminhos
ainda não descritos.
Já em
finais do século XVIII, em 1797, Semple Lisle atraca na Ilha de Santa Catarina,
vindo antes de Laguna, fazendo alguns poucos relatos sobre o cotidiano da Ilha.
Segundo suas observações:
“A ilha de Santa
Catarina é notavelmente fértil e poderia, com pouco esforço, tornar-se um local
muito produtivo; mas tão grande é a preguiça dos seus habitantes, que muito
pouco ou nada é feito por eles, sendo que o próprio gado para consumo deve ser
trazido de Rio Grande” (Berguer, 1984, p. 126).
A primeira
expedição a passar por Santa Catarina no século XIX de que se tem registro data
de 1803 e foi organizada pelo Czar Alexander da Rússia, sendo formada por
Krusenstern, Lisiansky e Langsdorff. Krusenstern ilustra a “Veduta Della Citta
di Nuestra Senhora del Desterro Nell’Isola di S. Caterina”, segundo edição
italiana (Figura 09).

Figura 09. Fonte: Berguer, 1984, p.
135.
Segundo
suas percepções, a paisagem ainda não havia se alterado muito em relação ao
último relato sobre o local, o de La Pérouse:
“A cidade, que está
situada em local muito agradável, consiste de cerca de 100 casas mal
construídas, e é habitada por 2.000 ou 3.000 pobres e escravos negros. A casa do
Governador e o quartel são as únicas construções que se distinguem, por sua
aparência, das outras. Eles estavam, nessa época, construindo uma igreja, que em
muitos países católicos é considerada muito mais importante que hospitais ou
outras edificações úteis” (Berguer, 1984, p. 139).
Fazia
parte desta expedição também um astrônomo, Dr Horn, que realizou observações
diárias com um telescópio e localizou com precisão a localização da Ilha nas
coordenadas geográficas de latitude e longitude.
Na
tentativa de dar uma idéia do lugar para os leitores europeus, os viajantes
descrevem desta forma a paisagem que avistam e vivenciam:
“O verde luxuriante e
a rica fertilidade desta ilha favorecida formam um singular contraste com o
elemento cincunvizado. Observam-se por toda a costa laranjeiras e limoeiros,
montanhas de árvores frutíferas, vales, planícies e campos espargidos de plantas
aromáticas e de belíssimas flores, que parecem brotar espontaneamente; nossas
vistas tornam-se encantadas com a paisagem” (Berguer, 1984, p.
152).
Registram
já habitarem a Ilha cerca de 10.142 almas em 400 ou 500 casas, e a população
total da província seria de 25
a 30 mil pessoas.
Langsdorff
organizou cerca de 20 anos mais tarde uma das mais importantes expedições
científicas a passarem pelo Brasil, a qual falaremos mais tarde. No seu relato
deste ano de 1803, assim aparece descrita sua primeira impressão sobre a
paisagem avistada:
“O panorama da
paisagem a nossa frente, coberta por roupagem de um verde vivo, semeada de
flores multicolores, prometia-nos a todo instante o maior prazer durante a nossa
estada naquele lugar e o mais confortável bem-estar” (Berguer, 1984, p.
161).
Na
descrição da vegetação feita por Langsdorff, muitas espécimes já aparecem com
seu nome científico identificado.
Em 1807, o
viajante inglês John Mawe chega a Ilha se Santa Catarina. Impressiona a
diferença da paisagem urbana descrita por Mawe em relação a recente expedição de
Langsdorff:
“As casas
são bem construídas, com dois ou três andares, assoalhadas de madeira, jardins
tratados, apresentando excelente vegetação e flores. A cidade possui várias ruas
e conta de cinco a seis mil habitantes.” (Berguer, 1984, p.
190).
Os relatos
já apresentam preocupações claramente científicas, como a descrição dos tipos de
rocha que afloram na ilha e seus graus de decomposição, os tipos de solos etc.
A partir
da abertura dos portos, em 1808, as expedições pelo Brasil se intensificam,
fazendo com que Sergio Buarque de Holanda nomeasse este momento de um “novo
descobrimento do Brasil”.
“A contar
de 1808 ficam enfim suspensas as barreiras que, ainda pouco antes, motivaram o
célebre episódio daquela ordem régia mandando atalhar a entrada em terras da
Coroa de Portugal de ‘certo Barão de Humboldt, natural de Berlim’, por parecer
suspeita a sua expedição e sumamente prejudicial aos interesses políticos do
Reino” (Lahuerta, 2006).
Data deste
ano a expedição de Golovnin, que passou por Desterro, lugar que lhe chamou
atenção especial pelo seu aspecto desabitado e desértico:
“Por curiosidade
andei pelas principais ruas da cidade. Basta meia hora para ver toda a cidade:
ao todo tem umas 400 ou 500 casas. Todas elas são construídas de tijolos,
pintadas de branco e têm um ou dois andares com grandes janelas e sem vidros.
Não há nada de notável na cidade que merecesse atenção dos viajantes” (Berguer,
1984, p. 201).
Poucos
anos depois, em 1812, é o oficial norte-americano David Porter quem aporta em
terras catarinenses. Os
atributos naturais da paisagem, a paisagem das praias que acabam em morros, foi
o que mais chamou a atenção do comandante.
Entre 1815
e 1818, na expedição Rurick, o naturalista Loius Choris realiza mais registros
de paisagem da Ilha de Santa Catarina. As pranchas encontram-se detalhadamente
explicadas no relato. Observamos que a ilustração não representa uma paisagem
observada de um ponto, mas o agrupamento de elementos de destaque na natureza da
ilha que Choris escolheu para mostrar aos leitores, estes sim colocados em uma
paisagem (Figuras 10, 11, 12 e 13).


Figuras 10 e
11.Fonte: Berguer, 1984,
p. 237 e 238.


Figuras 12 e 13.
Fonte: Berguer, 1984,
p. 239 e 240.
Esta
expedição foi comandada por Otto Von Kotzebue e contou também com a participação
do botânico Adalbert Von Chamisso.
As descrições da paisagem feitas por Chamisso são impressionantes;
destacamos o seguinte trecho para demonstrar suas qualidades de
observador:
“Quase todas as
formas arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta em rica
variação. Cito as acácias com folhas multipenadas, troncos altos e ramos
espairecidos em forma de leque. Abaixo destas, e da altura de uma pessoa; ainda
de permeio, palmeiras anãs e troncos samambaiais. Cipós emaranhados erguem-se do
chão ao cimo das árvores, de lá pendendo para baixo; nos ramos mais altos
situam-se alegres jardins de orquídeas e bromeliáceas” (Berguer, 1984, p.
233).
Como nas
descrições anteriores, a paisagem natural chama atenção pela sua exuberância,
mas a paisagem urbana é apenas descrita por sua precariedade.
A
expedição do navegador francês Duperrey passa por Santa Catarina em 1822,
acompanhada pelo naturalista Lesson. Estes fazem um extenso relato sobre a
paisagem da Ilha, porém não deixando ilustrações. No relato constam inclusive
informações sobre os recentes fatos que resultaram na Independência do Brasil, e
as circunstâncias políticas atuais do país. São descritas também as outras
freguesias que compõe a Ilha e percebe-se uma evolução da urbanização da Vila de
Nossa Senhora do Desterro, que, segundo seu relato, já apresentava cerca de 600
casas e uma população de 6.000 almas. A população da ilha seria de 10.000
pessoas. Indica também a existência de alguns prédios administrativos ao redor
da praça central, 4 igrejas nos arredores desta região, e um hospital, o
Hospital de Caridade. Consta no relato de Lesson uma interessante percepção
sobre o olhar estrangeiro em relação a natureza brasileira:
“Sem querer tornar
mais belos os quadros imponentes que diversos viajantes têm feito do Brasil, o
naturalista que visita este litoral com os olhos exclusivamente habituados à
criação das zonas temperadas da Europa, não se pode furtar, à vista da produção
brasileira, de uma emoção tanto mais forte, que ela sobrepuja ainda à que sua
imaginação lhe prometia, após as relações de viagem que ele tivesse lido. Nos
primeiros dias ele pode apenas se familiarizar com esta pompa e esta grandeza
que por toda parte se mostra ao olhar. Somente algum tempo depois é que ele se
habitua a este luxo de vegetação e
ao brilhante adorno dos pássaros ou dos répteis que pululam sobre este solo
fecundo” (Berguer, 1984, p. 271).
Outras
importantes expedições destes anos foram a organizada pelo barão Gerg Heinrich
Von Langsdorff entre 1824 e 1829, cujos artistas contratados eram o desenhista
topógrafo Hercule Florence, e os pintores Rugendas e Adrien Taunay; e a
expedição Thayer chefiada pelo naturalista Louis Agassiz que percorreu o país no
ano de 1865, com registros de paisagem feitos por Jacques Burckhardt. Também, é claro, não poderíamos esquecer
que na Missão Artística Francesa participaram muitos outros artistas, entre eles
Debret.
Segundo
Lahuerta (2006):
“[...] os
viajantes que aportaram no país entre 1808 e 1822
podiam ser
classificados como: naturalistas, assim como Auguste de Saint-Hilaire,
Edward Pohl e Johann von Spix e Carl von Martius; artistas, como Jean
Debret e os membros da missão artística francesa; militares, como os
prussianos Leithold e Raugo; alguns especialistas contratados pela Coroa
para um serviço específico, como o mineralogista Eschwege; e ainda os
viajantes renomados, membros de uma burguesia comercial inglesa e
francesa, como John Luccock, Koster e Tollenare, geralmente interessados em
verificar assuntos de importância econômica”.
Poucos
anos depois, em 1825, Carl Friedrich Gustav Seidler aporta em Santa Catarina,
cheio de expectativas sobre o lugar, a partir da leitura de outros relatos de
viajantes onde ela aparecia descrita como o “Jardim do Brasil”. Grande parte de
seu relato descreve o cotidiano dos pescadores da Ilha, dos escravos e a
tradicional descrição da precariedade urbana da vila.
O relato
da expedição do suíço Trachsler, que visitou a ilha em 1828, da mesma forma
trata mais dos incidentes do cotidiano em relação a sua estadia na ilha, não
fazendo grande esforço de descrição da paisagem.
Com a
chegada do daguerreótipo no Brasil em 1839, a fotografia passa também a ser
usada como forma de registro da paisagem, entre estas estão as famosas
fotografias de Victor Frond e Marc Ferrez. A primeira técnica
fotográfica que se tem registro foi chamada de Heliografia, desenvolvida na
França em 1826 por Joseph Niepce. Este trocava correspondências com Louis
Daguirre, o inventor do daguerreótipo, participando da
concepção desta técnica de produzir imagens pelo processo positivo, vindo porém
a falecer antes do projeto ser concluído, em 1837.
Em Santa
Catarina, quase um século
mais tarde, mas ainda de forma muito rudimentar (porém revolucionário para a
época), temos os registros fotográficos da Baronesa Edla von Wangenheim (Figura
14), nascida em Santa
Catarina, mas que viveu cerca de 15 anos na Alemanha.

Figura
14 – Campeche ou
Joaquina?
Fonte: http://www.inf.ufsc.br/~awangenh/Edla/
Fotógrafa amadora, Edla retratou muitas paisagens naturais e urbanas
tanto da Ilha de Santa Catarina, como outros lugares do Estado nas décadas de
1920 e 1930, porém muitas de suas fotografias ainda não foram identificadas, em
virtude da intensa transformação dos espaços. Os originais das fotografias não
foram preservadas, apenas os negativos impressos em vidro (as revolucionárias
placas de gelatino-brometo de prata).
Considerações
Finais
“[A Paisagem é] Herança dos processos
fisiográficos e biológicos, patrimônio coletivo dos povos que historicamente a
herdaram como território de ação de suas comunidades”. Aziz Ab`Saber
Lendo os
relatos de viajantes que passaram pela Ilha de Santa Catarina, percebemos como a
imagem (visão imagética) e os escritos (visão literária) se complementam.
Também, a diferença da preocupação (e da precisão) científica, tanto nas
pinturas como nos textos, são marcantes entre o século XVIII e XIX, atestando
que vivia-se em uma época de transição, de grandes transformações. A partir do
século XIX, praticamente todas as expedições contavam com a participação de um
ou mais naturalistas, fato que raramente acontecia no século XVIII. Assim, tais
relatos, produzidos em diferentes momentos ao longo de praticamente dois
séculos, testemunham o grande avanço experimentado pelas ciências da terra no
período, o que se verifica por uma apreciação cada vez mais objetiva e
científica das paisagens vistas, diferença importante que deve ser levada em
conta também por aqueles que desejem utilizar tais relatos como ponto de partida
para estudos histórico-geográficos sobre a Ilha de Santa Catarina.
Não por
acaso, mas como partes coerentes de um mesmo fenômeno histórico, o período em
que os relatos se tornam mais ricos culmina com o da própria gênese da geografia
moderna, constituindo-se a obra de Humboldt sobre a América Latina como,
simultâneamente: a) o último e o mais completo dos relatos de viajantes feito
sobre os domínios coloniais, já que pouco depois eclodiriam os movimentos de
emancipação política da maior parte das nações latino-americanas; e b) o
primeiro tratado de uma nova ciência, a geografia.
Outra
observação necessária é a de que, nos relatos, é notável o desprezo dos
viajantes em geral pela paisagem urbana e o cotidiano dos moradores da vila do
Desterro, ocorrendo uma super-valorização da paisagem natural.
Sobre as
transformações do conceito de paisagem, concomitantemente ao abandono desta
categoria pela geografia atual notamos que esta tendência é mais típica de uma
geografia exclusivamente focada em processos sociais, já que este conceito
continua sendo desenvolvido na Geografia Física dentro da Teoria dos Sistemas,
através dos Geossistemas, ou por exemplo nos estudos da Escola de Ecologia da
Paisagem (Landscape Ecology), onde autores como Godron e Forman estudam as estruturas
da paisagem, e descrevem sua morfologia com ênfase nos fluxos de energia e
matéria. Assim, a paisagem vem avançando do conceito estático “do que a vista
alcança” e adquirindo caráter relacional. Concluímos que o conceito de paisagem,
se liberado de uma possível idéia de imobilidade ou de uma função meramente
descritiva a ele muitas vezes associada, continua a possuir uma grande
importância para a geografia, sendo mesmo um dos poucos conceitos capazes hoje
de serem igualmente manejados pelas geografias ditas “humana” e “física”,
contribuindo desta forma para uma prática geográfica mais integral, voltada à
compreensão do complexo sociedade-natureza e de suas múltiplas determinações.
E nem
poderia ser diferente, já que, como vimos, a observação da paisagem é fruto de
uma mudança de sensibilidade trazida pela época moderna que se encontra na
própria raiz do pensamento geográfico, através da figura paradigmática de
Alexander von Humboldt, geógrafo de alma artística. Além disso, é justamente a
observação “daquilo que a vista alcança”, e as sensações daí advindas, que fazem
despertar no estudioso da geografia, por natureza um viajante, a curiosidade de
estudar o mundo em que vive, induzindo-o, somente então, a ir além da mera
realidade aparente.
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