Territorialidade da
pequena produção agrícola orgânica
no Mato Grosso do Sul –
Brasil.
Edvaldo Cesar Moretti
Professor da Universidade Federal da Grande Dourados.
Silvana Lucato Moretti
Professora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
Resumo
O
objetivo central desta apresentação é analisar a produção agrícola orgânica
realizada no Mato Grosso do Sul e avaliar as suas possibilidades como
alternativa sócio-ambiental para pequenos produtores rurais. A base teórica esta
relacionada a idéia de que os paradigmas da modernidade estão em crise. A
identificação e avaliação das práticas sociais assumem importância significativa
no sentido de buscar no real as alternativas para o modelo de desenvolvimento
dominante contribuindo com reflexões sobre estas práticas. A área definida para
este projeto é delimitada pela abrangência da Associação dos Produtores
Orgânicos do Mato Grosso do Sul – municípios de Gloria de Dourados, Jatei, Nova
Andradina, Ivinhema, Deodápoils, Taquaruçu e Dourados , portanto, a
territorialidade ocorre na construção de relações sociais.
Abstract
The
main purpose of this presentation is analyze the agricultural organic production
practiced in Mato Grosso do Sul and evaluates the possibilities as an
alternative environment partner to small farmers. The theory of the base has
been related with the idea that the modernity paradigms are in crises. The
identification and the valuation of the socials practices has a significant
importance in the search for alternatives to a dominant model of development
contributing with reflections of these practices. The area defined to this
project is limited by the reach of the Organic Producers’ Association of Mato
Grosso do Sul – municipal districts as Gloria de Dourados, Jatei, Nova
Andradina, Ivinhema, Deodápolis, Taquaruçu and Dourados, therefore, the
territoriality occurs in the construction of social relations.
Introdução
O Grupo de Pesquisa Território e Ambiente tem realizado nos
últimos anos pesquisas relacionadas à produção territorial no Mato Grosso do Sul
com a perspectiva de análise das características que o modelo de desenvolvimento
assume neste fragmento do espaço brasileiro. As análises realizadas até o
momento tiveram dois eixos de reflexões principais: a territorialidade turística
e a problemática ambiental.
A
evolução destas análises e a participação em projetos de pesquisas permitiram
levantamentos e analises que abriram novas perspectivas de pesquisa na área
definida como Bacia do Médio Rio Ivinhema, culminando que durante o primeiro
semestre do ano de 2005 foram realizadas ações investigativas no sentido de
identificar no Mato Grosso do Sul e mais especificamente na porção sul do
Estado, práticas alternativas que possibilitem novos olhares sobre a produção do
território. Como resultado desta investigação foram identificadas diferentes
ações populares relativas a trabalhos cooperativos, associativismo, resgate
cultural relacionado com a atividade turística, práticas visando a melhoria das
condições ambientais, etc.
Entre as ações destacamos o trabalho realizado na região da
Grande Dourados, especificamente nos municípios de Glória de Dourados, Dourados,
Deodápolis, Jatei, Ivinhema, Taquarussu e Nova Andradina, por pequenos
produtores rurais com a agricultura orgânica, envolvendo a produção e a
comercialização dos produtos agrícolas. Estes produtores formaram a Associação
dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do Sul – APOMS, com sede na cidade de
Glória de Dourados. Após análises
das possibilidades de pesquisa, da capacidade técnica da equipe proponente e da
demanda por pesquisa indicada pela própria associação dos produtores, foi
escolhida esta ação para a atividade de pesquisa apresentada neste
projeto.
O momento histórico vivenciado pelo Mato Grosso do Sul,
necessidade de superação da sua base produtiva restrita ao binômio soja-gado com
base no agronegócio, encaminha para o repensar as bases deste desenvolvimento.
Esta base produtiva teve e têm significativa importância na geração da riqueza
deste Estado, mas ao mesmo tempo apresenta problemas significativos quanto aos
aspectos sociais e ambientais além de uma significativa concentração da
riqueza.
Este modelo desenvolvimento dominante teve como base de
sustentação a retirada da vegetação nativa e sua substituição por pastagem e por
produtos agrícolas destinados a atender ao mercado internacional, com destaque
para a soja.
De acordo com Suertegaray:
Considerado pela política econômica oficial o principal motor
do desenvolvimento brasileiro, o agronegócio – a produção agropecuária apoiada
em novas tecnologias e voltada para a exportação – vem provocando, segundo
diversos estudos, danos ao meio natural e transformações sociais importantes. Os
problemas já constatados em diferentes regiões do país apontam para a
necessidade de se realizar mais estudos sobre esse tema, para que processos de
degradação sejam mais bem entendidos. (2004:50)
Esse modelo,
comum ao centro-oeste brasileiro, representou o empobrecimento da
biodiversidade, a perda da qualidade do solo, a diminuição da quantidade e da
qualidade hídrica e, conjuntamente a esta transformação ambiental, ocorre o
empobrecimento populacional com a diminuição do numero de habitantes dos
municípios analisados em conseqüência da diminuição da necessidade do trabalho
na maioria dos municípios, com a conseqüente concentração populacional em Nova
Andradina, mas, especialmente em Dourados que “polariza a
região”.
Evolução do numero de habitantes nos municípios
analisados
|
1970 |
1980 |
1991 |
2000 |
Municípios |
rural |
urb |
total |
rural |
urb |
total |
rural |
urb |
total |
rural |
urb |
total |
Glória de Dourados |
34.623 |
6.449 |
41.072 |
8.375 |
7.820 |
16.195 |
3.899 |
7.990 |
11.899 |
2.827 |
7.209 |
10.036 |
Deodápolis |
- |
- |
- |
10.778 |
7.297 |
18.075 |
4.793 |
8.920 |
13.713 |
2.902 |
8.435 |
11.337 |
Ivinhema |
11.837 |
2.268 |
14.105 |
14.083 |
9.522 |
23.605 |
17.433 |
14.993 |
32.426 |
6.555 |
15.088 |
21.643 |
Nova Andradina |
4.709 |
5.682 |
10.391 |
5.917 |
15.751 |
21.668 |
7.524 |
22.294 |
29.848 |
5.499 |
29.882 |
35.381 |
Jatei |
9.293 |
479 |
9.772 |
5.681 |
1.098 |
6.779 |
3.639 |
1.347 |
4.986 |
2.751 |
1.303 |
4.054 |
Taquarussu |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
2.131 |
2.402 |
4.533 |
1.405 |
2.088 |
3.493 |
Dourados |
47.587 |
31.599 |
79.186 |
21.644 |
84.849 |
106.493 |
13.128 |
122.856 |
135.984 |
15.021 |
149.928 |
164.949 |
Total |
108.498 |
46.477 |
154.526 |
66478 |
126.337 |
192.815 |
52.547 |
180.802 |
233.349 |
21.939 |
213.913 |
235.872 |
Fonte: IBGE – Censo demográficos de
1970, 1980, 1991 e 2000.
urb. - urbano
Nas margens e a margem deste modelo de desenvolvimento centrado
na complementaridade à economia do sudeste brasileiro e no fornecimento de
matéria-prima para a exportação, ocorrem práticas alternativas de produção que
produzem para além do econômico uma territorialidade
própria.
As práticas e conseqüentes territorialidades passam a adquirir
importância significativa superando sua interioridade, ou seja, passam a ser
valorizadas externamente neste momento histórico de busca de alternativas sócias
e ambientais mais adequadas aos parâmetros de uma sociedade
sustentável.
Esta valorização deve superar os modismos e o senso comum,
neste sentido as análises destas práticas sociais devem ser acompanhadas
cientificamente e consideradas inserias na totalidade do mundo moderno, desta
forma, a pesquisa cientifica, em seus diferentes ramos do conhecimento, permite
reflexões e contribui com o avanço das ações
sociais.
Bases teóricas para repensar o
desenvolvimento
A
literatura especifica sobre a critica aos aspectos ambientais e sociais
relativos a “agricultura moderna/convencional” é ampla e abrange um leque
variado de olhares e metodologias, neste projeto foram selecionadas obras que
apontam para além do modelo dominante e que tratam da área de estudo definida
para esta pesquisa.
É
consenso na literatura analisada que o modelo de desenvolvimento agrícola
implantado no Brasil teve e tem como objetivo atender as necessidades de
exportação e, conseqüentemente, busca atingir níveis avançados de
competitividade no mercado internacional. As características desta agricultura
denominada de agronegócio, foi assim caracterizada por
Suertegaray:
Agronegócio é definido como a atividade agrícola em que a
produção destina-se basicamente ao mercado externo. Fortemente apoiado no
desenvolvimento técnico-científico atual, o agronegócio é desenvolvido em
grandes propriedades, com uso intensivo de mecanização, fertilizantes e
agrotóxicos – o que reduz a necessidade de mão-de-obra e expulsa populações de
suas áreas tradicionais. (2004:50)
Na área de estudo desta pesquisa, este modelo agrícola foi
implantado a partir da década de 1970, mas a sua estruturação ocorre desde 1940
do século XX. Conforme demonstra estudo realizado por Jocimar Lomba Albanez, com
a implantação em 1943 da Colônia Agrícola de Dourados, em consonância com
mediações políticas realizadas na época, ocorre o processo de transferência das
terras para domínio privado. Ainda, segundo este pesquisador, a
região passa por um processo intenso de incremento populacional no
período de 1960 – 1970, crescimento populacional de 257,1%, com predominância da
população rural sobre a urbana. (ALBANEZ, 2003).
Com esta base (propriedade privada da terra e contingente
populacional) associada aos aspectos naturais de solo e clima, a partir da
década de 1970, insere-se na área de estudo o modelo agrícola denominado de
“agricultura moderna/convencional”, que tem como alicerce a submissão da agricultura à industria
e a conseqüente mecanização, visando o ganho de competitividade almejando
atingir o mercado internacional, atendendo aos interesses do
agronegócio.
As conseqüências sociais deste modelo foram sistematizadas por
Roel e Arruda:
Esse padrão agrário moderno, segundo estimativas, expulsou do
campo, entre os anos 70 e 80, mais de 29 milhões de camponeses ou pequenos
produtores. (...) Dados do IBGE do Mato Grosso do Sul mostram que, entre 1985 e
1996, desapareceram 6.743 estabelecimentos com menos de 100ha e aproximadamente
13.000 famílias foram excluídas do processo produtivo.(...) Em resumo, a
modernização da agricultura no Brasil, iniciada a partir dos anos 60, condenou
um grande número de agricultores à decadência, forçou grande parte da
mão-de-obra rural a favelizar periferias urbanas, e fez dobrar ou triplicar o
número de pobres rurais, elevando a níveis insuportáveis a violência, a
destruição ambiental e a criminalidade. (2003:214).
Aprofundando esta analise, de acordo com Dulley, neste modelo
agrícola,
... os elementos dos ecossistemas natural e cultivado na sua
interface com a natureza, são considerados bens livres. Externalidades em
relação ao processo econômico de produção. Não há qualquer restrição em relação
à utilização dos meios humanos, inertes e vivos, a não ser aqueles estabelecidos
em legislação. (2003:85)
Esse entendimento de elementos da natureza como bens livres
promoveu o que ficou convencionado como problemas ambientais também gerados pela
agricultura moderna/convencional.
Neste aspecto, problemática ambiental, é possível identificar
diferentes olhares analíticos, alguns autores entendem a problemática ambiental
como uma crise fragmenada, crise que deve ser superada com a correção dos rumos
adotados pelo modelo dominante de desenvolvimento, para estes autores as
respostas a problemática ambiental provocada pela agricultura esta no avanço
tecnológico que permitirá o uso cada vez menor dos elementos da natureza para a
produção.
Para outros autores a problemática ambiental é fruto de uma
crise da modernidade e dos seus paradigmas
fundadores.
Entre estes autores se destaca Boaventura de Souza Santos que
afirma:
A partir de meados do século XIX, com a consolidação da
convergência entre o paradigma da modernidade e o capitalismo, a tensão entre a
regulação e emancipação entrou num longo processo histórico de degradação
caracterizado pela gradual e crescente transformação das energias emancipatórias
em energias regulatórias(...) Com o colapso da emancipação na regulação, o
paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final.
(2001:15).
Com essa consolidação, passou a ser dominante no Ocidente a
noção de “natureza” vinculada à expansão da burguesia e às idéias do
racionalismo. Autores com diferentes pontos de vista têm apresentado analises
nesta perspectiva, entre eles destaca CASTORIADES, que afirma ser importante
considerarmos:
a
‘coincidência’ e a convergência a partir, do século quatorze, entre o nascimento
e a expansão da burguesia, (o interesse obsessivo e crescente pelas invenções e
descobertas, a progressiva dissolução da representação medieval do mundo e da
sociedade, a Reforma, a passagem ‘do mundo fechado ao Universo infinito’, a
matematização das ciências, a perspectiva de um ‘progresso indefinido do
conhecimento’) e a idéia de que o emprego apropriado da Razão é condição
necessária e suficiente para que nos tornemos ‘senhores e possuidores da
Natureza’ (Descartes). (1992:
114).
A partir desta convergência, a natureza passa a ser entendida como
obstáculo e, ao mesmo tempo, como recurso que o conhecimento absoluto e
infinito, baseado na razão, deverá superar e transformar em meio para se atingir
um fim.
Neste contexto é importante o momento da superação da unicidade
cientifica, ocorrida no final do
século XIX, separa-se a metodologia para
estudo da natureza da metodologia para estudo da sociedade; esta mudança
metodológica ocorre de acordo com a perspectiva cartesiana, assim o resultado é
a consolidação da dicotomia sociedade-natureza na análise cientifica, portanto,
o circulo fecha-se e a natureza esta aprisionada no interior de uma idéia
dominante, portanto, vencedora que é a idéia de uma relação sociedade-natureza,
percebida como algo que ocorre entre coisas desiguais: de um lado, temos o
homem, ser superior, que contém em si a dicotomia mente-matéria, e, do outro
lado, está a natureza, que para Smith é produzida no interior do processo de
acumulação capitalista.
A reprodução da vida material fica totalmente dependente da
produção do valor excedente. Para este fim, o capital se volta para a superfície
do solo em busca dos recursos materiais; a natureza torna-se um meio universal
de produção, de modo que ela não somente provê o sujeito, o objeto e os
instrumentos de produção mas ela é em sua totalidade um acessório para o
processo de produção. (1988:87-88)
A transformação do valor de uso para o valor de troca, nas
relações da sociedade com a natureza, faz parte do processo de produzir a
natureza para atingir o objetivo definido pelo modo de produção, ou seja, a
reprodução do capital em escala ampliada.
No final da década de 60, “descobre-se” que o modelo dominante
de desenvolvimento construído pela sociedade ocidental durante o século XX, leva
à destruição da natureza e da vida, tem um limite imposto pelo ambiente natural.
O limite ambiental é definido pelo crescimento acelerado da
transformação de bens da natureza para satisfazer as necessidades humanas nem
sempre básicas para a sobrevivência pessoal.
A poluição da água leva à falta da água potável; a poluição do
ar leva à falta de ar puro; o uso de agrotóxicos na agricultura e o desmatamento
levam à destruição dos solos férteis e as doenças decorrentes da poluição da
água, dos alimentos e do ar; o uso de recursos minerais leva ao seu esgotamento.
Neste contexto, impõe-se a reflexão sobre o preço/custo a ser
pago pela corrida ao crescimento sem limites.
Cornelius Castoriadis refletindo sobre a noção de
“desenvolvimento” construído após a Segunda Guerra Mundial, demonstra a
resistência, com base na problemática ambiental, ao modelo de desenvolvimento
adotado.
Com insistência crescente, começou-se a levantar a questão do
‘preço’ que os seres humanos e as coletividades tinham de ‘pagar’ pelo
crescimento. Quase simultaneamente, ‘descobria-se’ que esse preço envolvia um
elemento importantíssimo, que até então tinha passado em silêncio, e cujas
conseqüências muitas vezes não diziam respeito diretamente às gerações
presentes. Tratava-se do acúmulo maciço e talvez irreversível de danos
infligidos à biosfera terrestre, resultante da interação destrutiva e cumulativa
dos efeitos da industrialização; efeitos desencadeadores de reações ambientais
que continuam, para além de um certo ponto, desconhecidas e imprevisíveis, e que
poderiam eventualmente desembocar em uma avalanche catastrófica final,
ultrapassando toda possibilidade de ‘controle’..(CASTORIADIS,
1987:137)
Esta resistência passa de pequenos grupos para um movimento de
massas, como se pode ler em outro autor:
Se em 1962 havia apreensão sobre o estado do meio ambiente, por
volta de 1970 havia uma insistência expressiva – freqüentemente estridente – em
mudanças para uma sociedade global aparentemente propensa à autodestruição. As
preocupações de uns poucos cientistas, administradores e grupos
conservacionistas floresceram num fervente movimento de massas que varreu o
mundo industrializado.(McCORMICK, 1992:63).
Este movimento de massas é denominado de novo movimento
ambientalista, ele nasce em ações pontuais, em pesquisas nas universidades que
demonstram a destruição do ambiente natural e em protestos isolados contra a
destruição de fragmentos do ambiente natural.
A identificação do limite ambiental e o movimento social
apontam para a necessidade de repensar o desenvolvimento, mas este repensar esta
inserido em um contexto de conflitos e idéias antagônicas do ponto de vista
político e ideológico. Neste contexto é premente reflexão sobre a idéia de
desenvolvimento.
Com as idéias a burguesia e o racionalismo sendo hegemônicas, o
desenvolvimento na modernidade é entendido como infinito, estando ligado à idéia
do poder da técnica e da racionalidade, sendo sua medida (se é positivo ou
negativo) a quantificação, “o que conta é o que pode ser contado” (CASTORIADIS,
1987:145).
Esta idéia de desenvolvimento, construída no período moderno,
possibilitou a transformação da natureza em ritmo e escala nunca antes vivido
pela humanidade.
No seu bojo o modo de produzir capitalista promove a aceleração
do tempo, sendo uma de suas leis a busca da “expansão constante” que ocorre
através da concorrência. Esta aceleração é contraditória em relação ao tempo da
biosfera que busca a estabilidade. O equilíbrio do ambiente natural é construído
através das relações orgânicas, onde o tempo tem papel fundamental enquanto
idéia de continuidade e sustentabilidade.
A aceleração do tempo vem associado à idéia do progresso
constante que esta intimamente ligada à industrialização, tendo, como base de
sustentação: o aumento quantitativo da produtividade; relações sociais baseadas
no assalariamento; e o uso de energia provenientes de fontes não-renováveis
encontradas na natureza. Portanto, estas são as base da agricultura
moderna/convencional.
Esta dependência do sistema produtivo em relação ao ambiente
natural e a “descoberta” dos limites da natureza, em relação a sua transformação
para viabilizar o desenvolvimento capitalista, geram o que ficou conhecido como
“crise ambiental” e alternativas são construídas na perspectiva de
superação.
As alternativas identificadas partem de pressupostos
diferenciados que podem ser classificados em dois: um tem como foco a correção
de falhas no modelo de desenvolvimento, têm como pressuposto a idéia de que o
desenvolvimento técnico-científico apresentará soluções para os problemas
ambientais, portanto, é uma questão de tempo, têm como proposta concreta a
internalização dos custos ambientais; outro tem como base a idéia que o problema
ambiental esta inserido na crise da modernidade e sua superação esta associada
na construção de novos paradigmas, de novas praticas que superem a idéia de
separação da dicotomia sociedade/natureza.
A análise da prática social chamada de agricultura orgânica é
entendida neste projeto como inserida nesta segunda possibilidade de superação,
ou seja, proporciona o repensar das bases paradigmáticas da produção.
Para Dulley uma teoria da produção orgânica tem como
objetivos:
1)recuperação/manutenção do equilíbrio do solo e sua
conservação; 2) adaptação do ecossistema cultivado ao meio ambiente; 3) a
manutenção de um nível elevado e sustentável de produtividade do ecossistema
cultivado em equilíbrio com a natureza; 4) considerar as condições ambientais
locais do ecossistema cultivado, que são sempre específicas; 5) valorização e
utilização do senso de observação do agricultor; 6) ação com a participação
ativa dos cidadãos, trabalhadores e clientes (consumidores) no processo de
produção. (2003:96)
No Brasil, segundo este mesmo autor, a agricultura orgânica
ocupa apenas 0,04% da área agricultada, ocupando a 49º posição entre os países
que possuem áreas destinadas a agricultura orgânica. No total, em 2001, 100.000
ha eram utilizados no Brasil para a produção de produtos orgânicos. (DULLEY,
2003).
Esta pequena
participação pode ter como significado a não inserção desta prática agrícola no
sistema produtivo dominante e, portanto aponta para a
alternativa.
Nesta pesquisa a idéia de alternativa é entendida como
explicitada por Souza Santos e Rodrigues.
No inicio do século XXI, a tarefa de pensar e lutar por
alternativas econômicas e sociais é particularmente urgente por duas razões
relacionadas entre si. Em primeiro lugar, vivemos em uma época em que a idéia de
que não há alternativas ao capitalismo conseguiu um nível de aceitação que
provavelmente não tem precedentes na história do capitalismo mundial. (...) Em
segundo lugar, a reinvenção de formas econômicas alternativas é urgente porque,
em contraste com os séculos XIX e XX, no inicio do novo milênio a alternativa
sistêmica ao capitalismo representada pelas economias socialistas centralizadas
não é viável nem desejável. (2002:24)
A organização dos produtores rurais para a produção agrícola
orgânica apresenta-se como alternativa ao modelo agrícola dominante, inserindo
idéias e praticas alternativas que indicam caminhos possíveis de superação. Cabe
a ciência a reflexão sobre esta realidade alternativa, em um processo dialético
de elaboração do conhecimento, com a análise das práticas associada a teoria
construída e em construção.
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