RECORDAÇÕES DO
PAMPA
Luiz Fernando
Mazzini Fontoura
UFRGS – Instituto de Geociências
Departamento de Geografia
Resumo: O presente trabalho visa demonstrar as recentes
transformações no pampa brasileiro, especificamente a região da Campanha gaúcha,
em função da mudança da base técnica e matriz produtiva na atividade agrícola –
lavoura e pecuária, resultando em uma nova inserção da Região da Campanha no Rio
Grande do Sul, no contexto estadual, nacional e internacional. A partir da
liberação dos últimos dados do Censo Agropecuário de 2006 realizado pelo IBGE,
vem-se desenvolvendo uma pesquisa comparativa ao comportamento das
transformações na atividade pecuária bovina de corte no Uruguai e Argentina
através dos dados disponíveis dos órgãos estatísticos destes países. Este quadro
de transformação na atividade pecuária na região pampiana abre espaço para
outras atividades de alto impacto modificador da paisagem, substituindo os
elementos formadores da identidade regional, do bioma e do modo de vida
interiorano, por outros típicos de paisagens de cultivo intensivo.
Resumen:El
presente trabajo visa demonstrar las recientes transformaciones en el pampa
brasileño, más especificamente en la región de la “Campanha gaúcha”, por los
cambios técnicos e matriz productiva en la agricultura – labra y ganadería, o
que resulta en una nueva inserción de la región de la Campanha en la província
del Rio Grande do Sul, en país y internacionalmente. Con la publicación de los
datos del Censo Agropecuário do IBGE 2006, se desarrolla una investigación
comparativa a los comportamientos de las transformaciones en ganadería uruguaya
e argentina através de los datos disponibles. Estas transformaciones en la
región pampeana cede lugar para otras explotaciones con alto impacto
transformador de la paisajem, sustituindo los elementos criadores de la
identidad regional, la ecologia de la llanura pampeana, la vida de los pueblos
del interior, que se cambió por otros de agricultura
intensiva.
Abstract:
The
present work aims to demonstrate the recent transformations in Brazilian pampa,
specifically the campanha gaúcha region, as function of the productive matrix
and agricultural activity – agriculture and livestock, as a result of a new
insertion of Rio Grande do Sul´s Campanha region in the
local, national and international context. Since 2006 last farming census data
liberation by IBGE, a research has been carried out in order to make a
comparison to the bovine livestock transformation in Uruguay and Argentina
through the available data from the statistical institutions of those countries.
This transformation depiction in livestock activity in pampa region opens space
to other activities which have high impact modification capacity over the
landscape, changing the forming elements of regional identity, of biome, and the
country way of living, by other landscapes of intensive culture.
Pampa, palavra de origem quíchua, é o nome dado as planícies de
vegetação rasteira que ocorrem no Rio Grande do Sul e nos países do Prata,
associado a ocorrência de pastagem que também se denominam savanas, estepes ou
simplesmente campo (este o termo mais adequado). É usado como adjetivo para
distinguir o animal de cara branca e o restante da pelagem de outra coloração:
gado pampa, cavalo pampa, cachorro pampa. É utilizado tanto no masculino como no
feminino. Já a Campanha, que vem do termo campo, distingue a porção das terras
baixas no estado do Rio Grande do Sul, baixas em comparação ao Planalto,
dividindo assim o estado sulista em duas metades, sul e norte respectivamente. A
Campanha vem a ser a porção do pampa brasileiro. Sua característica principal é
a extensa área de pastagem onde se desenvolveu a atividade pastoril de ovinos,
vacum e cavalar.
O casamento entre o domínio das pastagens e a pecuária
desenvolvida por espanhóis e portugueses nestas terras deu origem ao modo de
vida do gaúcho, que ultrapassa as fronteiras do Brasil, Uruguai e
Argentina.
A base física onde se localiza o pampa é o ambiente natural que
delimita uma extensão territorial aonde vai se adaptar um tipo de atividade
humana que gera um modo de vida. Do ponto de vista do meio, o pampa é um domínio
climato-botânico onde temos o predomínio de uma vegetação de gramíneas
semelhante às encontradas nas estepes e nas savanas. Portanto, o seu limite será
a extensão deste domínio.
Do ponto de vista da ocupação humana temos dois fatores que
concorrem para isto: a introdução do gado bovino a partir do Peru pela Coroa
Espanhola, através de D. Pedro de Mendoza, e pelo lado português o gado vindo da
Capitania de São Vicente. Porém, ambos servem como forma de ocupação territorial
para definir as fronteiras, espanhola e portuguesa respectivamente, originando
um modo de vida com base na atividade pastoril, que, sobre o meio e adaptado,
cria uma identidade territorial que transcende as fronteiras. A figura do gaúcho
nos três países onde a paisagem predomina funde a atividade e o
meio.
Quanto ao modo de vida, segundo Max Derruau (1982) em sua
geografia humana, refere-se sempre a uma coletividade, sendo definido como um
conjunto de hábitos pelo qual o grupo que os pratica assegura sua existência. O
modo de vida surge como um conjunto de técnicas e elementos jurídicos que vão se
estabelecendo e se diferenciando de outros modos de
vida.
Como o autor próprio define, não há modos de vida perenes, mesmo
quando não se percebe, de forma mais lenta ou mais rápida, existem modificações.
A continuidade nas relações sociais vai garantir a existência maior ou não do
modo de vida. Em todo pampa podemos dividir em etapas as modificações no modo de
vida: a formação da estância, da delimitação da fronteira (grupos armados), o
ciclo do charque, a pecuária comercial e a mudança do estancieiro para a cidade,
especialização do rebanho europeu e a frigorificação da carne, a decadência da
pecuária tradicional e as mudanças atuais na atividade. Isto vai ocorrer em
diferentes momentos e mesmo com diferente intensidade no lado brasileiro, no
Uruguai e na Argentina. As relações capitalistas na atividade pastoril têm
início nos países vizinhos já na indústria do charque e na frigorificação
A idéia de adaptação ao meio surge com a contribuição de Karl
Ritter no final do século XIX de onde a geografia francesa vai beber da idéia de
criar uma identificação da população com seu território e com isso consolidar a
unidade nacional (método este já testado e aprovado pela geografia alemã!). A
noção de região tem por base isto: identificar uma porção da superfície
terrestre dotada de uma identidade cultural sobre uma base natural. Esta porção
é apropriada pelo Estado com a legitimidade do cidadão, que se reconhece e é
reconhecido por ele como pertencente ao território, que é a porção do espaço apropriada por um
grupo ou grupos. Por isto cada estancieiro defendia suas terras em nome de cada
Estado que os reconhecia como donos, castelhanos e brasileiros
respectivamente.
Na medida em que as técnicas vão superando os obstáculos colocados
pelo meio físico, este deixa de ser o grande fator explicativo, como ressalta
Derrurau: cada vez mais, o modo de vida é a resposta de um grupo à organização
econômica e social que lhe é imposta ou ele impõe a si próprio. Portanto a
idealização de um país chamado Pampa seria um país onde as pessoas se
reconhecessem tendo como modo de vida o estilo campeiro, hoje existente muito
mais no ideário urbano que propriamente no campo. Nesta medida, a sua existência
nas tradições já é uma mostra da sua inexistência na vida real, pois se de fato
existisse estaria em plena transformação, não necessitaria ter como base a
invenção de uma tradição, aos moldes de Hobsbawn
(1982).
A forma como se deu a territorialização da atividade pecuária no
desde o tempo da ocupação do território, e a sua evolução para uma atividade
comercial com a sedentarização do gaúcho e a consolidação da estância, dá a
atividade pecuária no sul do território brasileiro um papel diferente da
atividade nos países vizinhos do Prata, revelando-se um fator limitador frente à
formação econômico social brasileira. Dirigida para a alimentação da força de
trabalho, portanto visando o consumo interno, originou-se um sistema de produção
que não estimulou o investimento, e sim a manutenção de baixos custos de
produção.
Ao contrário dos países do Prata, o custo do produto final da
carne não podia exceder o poder de compra, nem comprometer a acumulação de
outros setores da agricultura exportadora (“plantation”) e da mineração. Este
limite ao preço do produto final ainda é observado atualmente para a pecuária
moderna ou empresarial.
Frente a isto, o papel da atividade pecuária gaúcha na divisão do
trabalho passou a ser o de fornecer carne de maior qualidade para mercados mais
exigentes e genéticas para o restante do rebanho nacional. De qualquer forma,
estes dois mercados têm um tamanho limitado, e isto significa dizer de que
haverá uma seleção dos produtores que se mostrarem mais
eficientes.
A gênese desta atividade começa com a preia do gado chimarrão, ou
o gado criado à solta. Gado este que foi introduzido ainda no tempo das
capitanias hereditárias, e que, provavelmente, os jesuítas por volta de 1634
introduziram nos pagos gaúchos. Com alimentação abundante, estes rebanhos se
desenvolveram por toda margem esquerda do rio Uruguai. Atrás do couro em um
primeiro momento, e do comércio de animais nas feiras de Sorocaba a seguir,
paulistas percorreram a porção castelhana da América ao mesmo tempo em que iam
estabelecendo currais aqui e ali.
A origem da estância e do estancieiro são estas. De homens sem
posses, e que pouco a pouco foram empurrando a fronteira mais para frente. A
concessão de Sesmarias, a partir de 1732, estimulou a criação do gado ao mesmo
tempo em que o sesmeiro defendia a sua propriedade, defendendo assim, o
território luso. A constante peleia com os castelhanos fez com que estancieiros
e peões lutassem lado a lado em defesa da estância, muito embora quem sempre
garantisse a sua continuidade nestes tempos de muitas mortes foram as mulheres.
No retorno dos conflitos a hierarquia militar se reproduzia na fazenda,
garantindo a estabilidade nas relações de um sistema de produção praticamente
auto-suficiente.
A estabilização da fronteira após a Guerra Cisplatina e o fim da
Guerra dos Farrapos dá início ao período da estância comercial. O cercamento das
terras a partir de 1870 dispensa um grande contingente de pessoas que viviam nos
limites das propriedades, como posteiros e outros agregados. A conseqüência
imediata é a favelização nas cidades e o surgimento do “índio vago”, que rodava
os caminhos sem ter onde se estabelecer. Neste período uma boa parte dos
estancieiros muda para a cidade, terminando a relação mais próxima com o capataz
e os demais empregados. É também nestes anos, que começa a introdução de raças
européias, o que se tornaria um diferencial da pecuária gaúcha acompanhando a
tendência dos vizinhos do Prata.
A virada do século vem acompanhada do fim da era das charqueadas e
o começo da refrigeração da carne, implicando mudanças no tempo de abate de
novilhos. Do ciclo do couro às charqueadas, o tempo de abate ideal girava em
torno dos 7 aos 8 anos, quando o animal abatido tinha a melhor relação entre
espessura do couro, carcaça e gordura. A frigorificação exige um rebanho mais
apurado, e o tempo de abate cai para quatro anos e meio. A introdução dos
banheiros carrapaticidas em 1914, junto com outras medidas na área de sanidade
animal e manejo, conseguem diminuir o tempo de abate para 3 anos, encontrando aí
o limite, com muitos produtores utilizando o método Voisin, que consistia em um
sistema de produção que aproveitava o melhor manejo das pastagens garantindo
oferta de pastagem regular para o gado bovino. A partir dos anos 1960, alguns
produtores conseguiram diferenciar seu produto, obtendo melhores vendas para um
mercado restrito. Nesse momento começa a atividade comercial das churrascarias
“espeto corrido”, aproveitando-se da melhor qualidade da carne oriunda de raças
européias. Esta atividade, e agregada a ela o tradicionalismo gaúcho, espalha-se
por todo o mundo.
Todavia, desde o tempo das charqueadas, e mesmo com a chegada dos
frigoríficos, os produtores não mais conseguiram superar suas crises sem a
interferência do Estado.
Esta situação tende a se agravar uma vez que a capacidade de
enfrentamento das crises pelo setor, sempre foi muito pequena, pelo
gerenciamento antiquado e pela transferência de valor que sempre ocorreu da
atividade pecuária para setores urbanos, a exemplo das charqueadas e dos
frigoríficos. O parcelamento da terra com certeza, contribuiu para acelerar a
falência dos produtores. Mantiveram-se, e por vezes ampliaram os negócios,
aqueles produtores que diversificaram a atividade, como a produção de terneiros
ou a terminação de novilhos. Outra forma encontrada foi à transferência de
recursos da pecuária para compra de bens de fácil liquidez em períodos de
inflação, como carros, telefone e mesmo imóveis, intercalados em períodos de
alta e baixa do boi gordo.
Esta situação não se modifica na década de 80 e nos anos 90. Com a
chegada do Plano Real e a relativa estabilidade da inflação, a diversificação
dos produtores não funciona mais como estratégia, e a decadência da pecuária
tradicional na Campanha pode ser percebida pelo número de imóveis para venda e a
queda do preço da terra com esse destino em toda a região da Campanha gaúcha
FONTOURA (2000).
A pecuária tradicional deve, mantidas as atuais condições,
continuar em crise até que a oferta do produto se iguale ao mercado que se
abastece dela, ou seja, açougues populares e abatedouros (em maioria de abate
clandestino), que remuneram mal o produtor. Até o momento nenhum programa,
oficial ou não, envolveu de forma efetiva este grupo de produtores, pois mesmo
os programas mais recentes patrocinados pelos sindicatos não os alcançam, e não
existe a possibilidade de assimilar a informação necessária por parte dos
produtores tradicionais para produção da atividade pecuária em escala
empresarial.
Quanto à pecuária empresarial o futuro é mais promissor. Primeiro
porque a estratégia inicial independe do Estado. Começou com a mudança de
paradigma da produção pecuária, ou seja, da mudança do sistema de produção, em
meados dos anos 1980, consolidando-se na década seguinte, trabalhando
conjuntamente as variáveis: manejo, sanidade, genética e alimentação. Com isso
foi possível reduzir significativamente o tempo de abate e outros índices
importantes como mortalidade, desmame, recria e outros. Isto possibilitou a
articulação com setores industriais e de distribuição de uma forma mais eficaz
para o produtor.
A adoção de tecnologia exige do produtor uma nova forma de
gerenciamento da empresa. Para começar, associando a pecuária à agricultura,
como forma de aumentar a renda do estabelecimento e obter complementação
alimentar animal com um custo menor. A redução do tempo de abate e o aumento dos
índices de produtividade significa para o empresário da pecuária, menor tempo de
investimento, maior rotação do capital empregado.
A integração (ou associação como é chamada) com setores
industriais à montante, e com setores atacadistas à jusante, impõe ao produtor
uma posição de administrador para além do seu estabelecimento, de conhecimento
do mercado, e de associação com seus pares na defesa de seus interesses comuns.
O subsídio na forma como ocorreu a partir do Estatuto da Terra de 1964-65, e que
resultou no “boom” dos anos 70 não existe mais, onde a regra era ganhar para
produzir. Hoje, distante das relações com o Estado, o subsídio chega à forma da
isenção fiscal, ou produzir para ficar isento. Neste tipo de integração os
produtores rurais também ficam com a parte mais lenta do processo produtivo, mas
por serem grandes proprietários de terra e curso universitário têm maior domínio
político e tecnológico comparado as outras formas de integração conhecidas, como
a produção de frangos ou suínos.
No atual processo de globalização da economia, buscam mercados
específicos para a colocação de seus produtos: a carne bovina diferenciada para
um consumidor também diferenciado. Nada que surpreenda, pois esta é a tônica e o
espírito da atual fase do capitalismo.
Quanto a sua posição na atual divisão do trabalho, à montante a
pecuária empresarial vai estabelecer relações com a indústria genética, que vai
propiciar animais capazes de diminuir o tempo de produção do gado bovino, ao
mesmo tempo, em que o produtor deve encontrar como aplicar a tecnologia de
acordo com as características do seu estabelecimento. Com a lavoura e a pecuária
integradas, o produtor utiliza todos os recursos já conhecidos pela lavoura,
como máquinas, sementes, implementos, entre outros, que somado aos recursos
utilizados pela pecuária, representa um montante significativo para a indústria.
Entretanto, é através das conexões que se estabelece o maior vínculo do produtor
pecuário com a indústria à montante, o que proporciona o abate entre um e dois
anos.
A pecuária empresarial impõe um gerenciamento da empresa visando o
lucro, não apenas a criação de animais. Estes passam a ser mercadorias nas quais
existe um investimento que deve, necessariamente, ser recuperado, ampliado no
final do processo produtivo. Isto passa também, necessariamente, por novas
relações de trabalho com os funcionários, com treinamento, respeito às leis
trabalhistas e principalmente participação no crescimento da empresa,
gerenciamento do tipo qualidade total.
À jusante, a pecuária empresarial vai estabelecer vínculos de
parceria com frigoríficos e redes de supermercados, onde é responsável pelo
fornecimento regular de carne, reduzindo os estoques, diminuindo o tempo entre a
saída do estabelecimento, o matadouro e o balcão do mercado, a exemplo das
grifes de carne, novilho jovem etc. Esta agilidade aumentou o poder de barganha
dos produtores, facultando-lhes o direito de participar da divisão dos lucros na
cadeia produtiva, algo inconcebível nos tempos da pecuária
tradicional.
Esta integração da pecuária empresarial à montante e à jusante
denominamos de I-P-A (indústria-pecuária-atacado). Por
estas mudanças na gestão dos negócios e no modo de vida dos pecuaristas, é que
acreditamos que a passagem do produtor da pecuária tradicional (ciclo longo)
para a empresarial, ou moderna (ciclo curto), não depende somente da vontade do
produtor. Pois a formação de um e de outro, bem como as relações que mantém com
o mundo externo e o estabelecimento, são completamente
diferentes.
Sobre isso devemos salientar dois comportamentos que bem definem
as diferenças entre o produtor tradicional e o empresarial. A proposta que
norteia a associação ou o sindicato rural é outra.
Estas entidades passaram a ter o caráter aglutinador de produtores
e dissipador de tecnologias, procurando soluções alternativas e respeitando as
suas diferenças. As saídas visam uma reação do produtor frente as suas
dificuldades. O tipo de liderança leva em conta as realizações do líder, não
mais seus vínculos com as esferas de poder. Em muitas situações isto causa algum
tipo de atrito entre os dois tipos de produtores, mas a inserção e o sucesso do
empreendimento empresarial acabam por se impor frente às antigas estruturas
agrárias mais conservadoras. A legitimidade da atual forma associativa se
confirma a partir da participação de toda a gama de produtores nos cursos de
extensão promovidos, bem como a aceitação e a satisfação dos
entrevistados.
A participação nas conexões é outra diferença significativa entre
o pecuarista tradicional e o empresarial, que pressupõe o manejo do rebanho em
conjunto com vários estabelecimentos, além do acompanhamento de serviços
terceirizados de avaliação genética.
Observando-se a tabela abaixo, pode-se notar que o cruzamento
industrial (leia-se pecuária empresarial) é maior no estado do Rio Grande do
Sul, ou seja, o sistema de produção de ciclo curto que neste estado tem as
características de cruzamentos com raças européias, que tem maior valor
comercial e aceitação em países de maior poder
aquisitivo.
Tabela 1. Rebanho Bovino, em número de cabeças, no Brasil em
1998.
|
|
corte |
% |
|
Esta-dos |
total |
Leite |
cruzamento industrial |
outros |
leite (%) |
Cruza-mento
industrial
% |
Ou-tros (%) |
|
MG |
19.268.885 |
5.413.690 |
1.348.822 |
12.506.373 |
28,10 |
7,00 |
64,90 |
|
SP |
12.039.417 |
2.141.644 |
2.046.701 |
7.851.072 |
17,79 |
17,00 |
65,21 |
|
MS |
19.030.317 |
1.921.774 |
2.473.941 |
14.634.602 |
10,10 |
13,00 |
76,90 |
|
MT |
14.925.397 |
941.814 |
1.343.286 |
12.640.297 |
6,31 |
9,00 |
84,69 |
|
GO |
15.272.270 |
2.578.975 |
1.374.504 |
11.318.791 |
16,88 |
9,00 |
74,11 |
|
PR |
9.269.552 |
1.933.579 |
1.575.824 |
5.760.149 |
20,86 |
17,00 |
62,14 |
|
RS |
12.866.031 |
1.647.401 |
4.245.790 |
6.972.840 |
12,80 |
33,00 |
54,19 |
|
fonte: ANUALPEC/FNP 1999.
Em grande parte, o aprimoramento genético dos bovinos está sob
domínio de grupos multinacionais. Este fato já causaria a fuga do produtor
tradicional que desde o tempo da instalação dos frigoríficos temia a presença do
capital estrangeiro. Ao contrário, o produtor empresarial fortalece as conexões,
e a partir deste estágio, vislumbra novos mercados para o seu produto. Uma vez
que o aumento de produtividade da pecuária empresarial advém dos resultados dos
ganhos genéticos a partir do choque de sangue de raças diferentes, a heterose, e
da seleção e avaliação das diferenças esperadas de progênie (DEP). A
participação nas conexões tem que ser constante para obter os resultados
desejados, o que mantêm os pecuaristas sempre mobilizados para estas e outras
ações que envolvam os interesses do setor. Nos últimos anos tem crescido o
número de vendas de matrizes genéticas do Rio Grande do Sul para estados da
Região Centro – Oeste, principalmente em feiras agropecuárias, com o intuito de
melhoramento genético.
A mudança de ritmo e racionalidade da produção e dos seus atores
sociais transforma também a relação cidade-campo. As decisões tomadas no campo
são geradas em centros urbanos maiores, e as cidades que são circundadas por
zonas rurais tecnologicamente mais avançadas passam a prestar serviços
especializados e respondem imediatamente às transformações que ocorrem no campo.
Por outro lado, sedes urbanas circundadas por atividades primárias tradicionais
tendem a refletir o ritmo e a racionalidade da produção predominante,
diferenciando-se do modelo urbano-industrial. Às alterações de ritmo e
racionalidade provocadas pela elevação do patamar tecnológico, onde as relações
de produção são alteradas no meio rural, integradas às atividades
urbano-industriais, chamamos de urbanização do rural, onde as relações
capitalistas se desenvolvem integrada cidade-campo, diferenciada apenas no
campo, onde a terra ainda é o meio de produção
principal.
Já o mercado de carnes para a pecuária tradicional deve ficar
restrita ao mercado periférico, de mercados populares, pequenos retalhistas e
sedes urbanas de pequeno porte. A diferenciação na tributação, favorável para o
abate de novilhos até dois anos, o acondicionamento de carnes em mercados
diferenciados, separam cada vez mais o consumidor segundo o seu poder
aquisitivo. A convivência com o abate clandestino demonstra certa passividade
com um mercado que deve continuar a ser restrito e com poucas condições de
valorizar o seu produto, mercado este preferencial para a pecuária tradicional.
Deve encontrar um ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, determinando o
volume e número de estabelecimentos onde deverá permanecer a atividade pecuária
nos moldes tradicionais.
A baixa remuneração desse setor, sem a possibilidade de se
expandir, deve manter bolsões desta atividade, com uma tendência sempre a
diminuir.
Já o mercado para a pecuária empresarial apresenta-se de duas
formas: genética e de carnes. O primeiro tem-se ampliado na medida em que se
tornam mais vantajosos a melhoria e refinamento do rebanho zebuíno no centro do
país. Com o maior rebanho comercial do mundo, as expectativas dependem do
aumento de consumidores de carne diferenciada com maior poder aquisitivo. Esta
perspectiva se abre para os produtores que trabalham com a produção de touros,
sêmen e vacas, objetivando o aumento da precocidade e qualidade da carne. Como
alertamos anteriormente, este tipo de pecuária exige níveis maiores de
investimento e retorno mais lento.
O mercado de carnes fruto da cadeia produtiva que integra a
indústria – pecuária – atacado (I-P-A) resulta nas grifes de carnes de
qualidade que aumenta todo ano, com tendência a aumentar as cotas de exportação
na medida em que avança as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A visita dos agentes da União Européia e o credenciamento de fazendas com
capacidade de abastecimento de carne é uma comprovação disto. Com isto, a
remuneração e a produtividade devem aumentar, bem como o preço do produto ao
consumidor final. O poder aquisitivo da população entra aqui como uma variável
importante, pois deve ser correspondida pelo aumento ou diminuição da produção
devido à flexibilidade da pecuária empresarial.
O Rio Grande do Sul, junto com o Uruguai, Argentina e parte da
Austrália, formam um restrito grupo de produtores de carne com animais criados a
campo, ou seja, sem a ingestão de produtos tóxicos, longe do perigo da “vaca
louca”, portanto dentro das exigências da Comunidade Européia. O significado e a
importância deste fato devem-se à possibilidade de aumento da produção e a
imediata ampliação de toda a cadeia produtiva da carne. Em conseqüência disto,
acreditamos que isto geraria um surto de desenvolvimento da Campanha gaúcha,
pela diversidade de áreas com que se relaciona a pecuária empresarial e o
aumento da divisão do trabalho, o que teria como conseqüência imediata o aumento
do número de postos de trabalho.
Ao contrário do que o número total de cabeças no Rio Grande do Sul
possa mostrar se não houve crescimento do rebanho gaúcho, houve diminuição da
área destinada para esta atividade, o que nos faz pensar em um aumento da
produtividade pela mudança do sistema de produção, como podemos observar
abaixo.
Tabela 2. Efetivo Pecuário Bovino no
RGS
CENSOS |
nº de cabeças (bovinos) |
1960 |
8.810.312 |
1970 |
12.305.119 |
1975 |
12.692.127 |
1980 |
13.985.911 |
1985 |
13.509.324 |
1995-96 |
13.221.297 |
2006* |
13.974.827 |
fonte: Censo Agropecuário IBGE
*efetivo bovino em 31.12.2006 Pesquisa pecuária
municipal.
fonte: FEE - RS
fonte: ANUALPEC 1999.
Tabela 3. Pecuária Bovina no RGS
condição do produtor |
1975 |
1985 |
1995-96 |
proprietário |
10.269.250
ha |
9.348.018
ha |
7.711.898
ha |
|
90,02% |
88,50% |
89,67% |
arrendatário |
846.389
ha |
787.115
ha |
648.658
ha |
|
7,42% |
7,45% |
7,54% |
parceiros |
54.817
ha |
139.536
ha |
98.938
ha |
|
0,48% |
1,32% |
1,15% |
ocupante |
237.850
ha |
287.572
ha |
44.574
ha |
|
2,08% |
2,72% |
1,19% |
área total (ha) |
11.408.306 |
10.562.241 |
8.600.073 |
fonte: Censo Agropecuário IBGE.
Tabela 4. Percentual em Relação à Área
Total
ano |
área total RS (ha) |
% ocupado com bovinos |
%ocupado com arroz |
1975 |
20.575.546 |
55,44% |
8,84% |
1985 |
20.352.202 |
51,90% |
12,55% |
1995 |
21.800.887 |
39,44% |
11,41% |
Tabela 5. Número de Bovinos em Relação à Área Destinada à Pecuária
Bovina
Censo
IBGE |
nº de cabeças |
área total bovinos RS (ha) |
índice de densidade |
1975 |
12.692.127 |
11.408.306 |
1,11 |
1985 |
13.509.324 |
10.562.241 |
1,28 |
1995-96 |
13.221.297 |
8.600.073 |
1,54 |
A tabela 1.3.23
Confronto dos resultados dos dados estruturais dos Censos Agropecuários Rio
grande do Sul – 1970/2006 mostra o seguinte:
|
1970 |
1974 |
1980 |
1985 |
1995 |
2006 |
Área total (há) |
23.807.180 |
23.663.793 |
24.057.611 |
23.821.694 |
21.800.887 |
19.707.572 |
Lavouras |
4.978.173 |
5.929.490 |
6.682.613 |
6.592.085 |
5.635.392 |
7.238.843 |
Pastagens |
14.634.986 |
13.772.888 |
13.302.315 |
12.963.460 |
11.680.328 |
8.955.229 |
Matas e florestas |
1.971.601 |
1.948.864 |
2.080.235 |
2.235.460 |
2.511.631 |
2.676.805 |
Como podemos observar há um decréscimo na área destinada à
atividade pecuária bovina, o que significa que a estabilidade percebida no
número total de cabeças, aponta para um processo de várias mudanças nos sistemas
de produção existentes e dos agentes que promovem tal evento. Se a manutenção do
número de cabeças representasse estagnação, tal número teria diminuído
acompanhando a área destinada à produção. A relação número de cabeças e área
produzida reflete uma dinâmica de substituição da pecuária tradicional pela
empresarial, que associada a outras formas de inserção em mercados globalizados
e deverá resultar em um outro perfil para a Campanha gaúcha. Fato este que se
confirma nos dados preliminares do Censo de 2006, pois o total do rebanho se
mantém e a área destinada à pastagem diminui, enquanto a lavoura e a área de
matas e florestas aumentam. Importante salientar, também, que a área total
destinada à agricultura, lavoura e pecuária, diminui.
A região da Campanha no estado do Rio Grande do Sul vem se
diferenciando pela criação de raças predominantemente européias e que, mesmo com
os cruzamentos e desenvolvimento de raças sintéticas, continuará sendo um estado
exportador de raças e carnes, redimensionado sua participação frente à divisão
do trabalho, integrando-se à mundialização do
capital.
A idéia é desenvolver na próxima etapa desta pesquisa um quadro
comparativo do comportamento da atividade pecuária bovina de corte, a que se
enquadra em uma região agrícola do pampa, nos três países, pois se acredita que
as transformações que ocorrem no pampa brasileiro, ocorrem também no Uruguai e
em um estágio mais desenvolvido na pampa argentina.
De uma forma geral, a atividade pecuária bovina vem crescendo no
território brasileiro, passou de 153.058.275 para 205.886.244 cabeças, ou seja,
um crescimento de 33%. Sabe-se que parte deste aumento do plantel está
relacionada ao crescimento da área de pastagem em área de floresta na região
amazônica. Como já vimos anteriormente, no estado do Rio Grande do Sul o plantel
bovino se mantém em torno dos 13 milhões de cabeças há pelo menos três décadas.
O que aumenta é área de lavoura mecanizada e a silvicultura. Nos países vizinhos
do sul o comportamento é semelhante.
O caso argentino aponta na mesma direção. O pampa argentino também
vem sendo substituído pela lavoura mecanizada e a pecuária empresarial. Nesta
região é possível verificar que, no verão, o sistema de produção obedece a
seguinte disposição: cultivos de milho, soja, girassol e sorgo, ¾ da área, e ¼
disponibilizado para a pecuária de corte. No inverno substituem-se as lavouras
por trigo e pastagens de inverno para a alimentação bovina na mesma proporção.
Na entressafra o rebanho se alimenta da resteva (pastagem após a colheita).
BARSKY e GELMAN (2005, 367) descrevem que o processo de modernização na
agricultura, que inclui um processo social também, se apropriou de 5 milhões de
hectares que eram destinados a produção vacum, processo que tem seu início nos
anos 1960, mas que acelera-se na década seguinte. Este processo é conhecido como
“agriculturización de la región pampeana”. Pouco se observa na paisagem do pampa
os campos sem fim! Em 1988
a Argentina contava com um plantel de 47.075.156 cabeças
de bovinos, enquanto que em 2002 este número se manteve em um mesmo patamar, com
48.539.411 (INDEC 1988 e 2002).
O caso uruguaio acompanha a transformação regional. O pampa dá
lugar à pecuária leiteira, que associa forte produção de forrageiras para a
alimentação de um rebanho altamente especializado, que se distribui no caminho
de Colônia do Sacramento até o sul Maldonado – Punta del Leste, pelo litoral, e
a atividade viticultora e principalmente, a silvicultura. Sobre a maior parte da
porção do escudo cristalino, semelhante à porção gaúcha e brasileira, vamos
encontrar estas duas atividades. Na porção noroeste do território uruguaio vamos
encontrar o melhor da pecuária de corte. Criados soltos no pasto vão encontrar
espécies européias, principalmente o gado Hereford, pastando uma gramínea
homogênea que se perde em um horizonte sem cercas. Mas é pastagem melhorada, daí
a homogeneidade na paisagem. Neste lugar é produzido o “boi verde”, a “carne
ecológica”, que é a especialização do Uruguai no mercado internacional de
carnes.
Na porção do pampa gaúcho e brasileiro não é diferente. A
silvicultura encontrando terras com baixo preço deixadas pela pecuária extensiva
desenvolve-se em ritmo acelerado. A ARACRUZ, VOTORANTIM e STORA ENZO, pretendem
passar os 600 mil hectares plantados para a produção de celulose. Um número
pequeno para o Brasil Central, mas muito grande para a realidade deste estado. O
Uruguai tem um total de 684 mil há, segundo o DIEA/MGAP, o anuário estatístico
agropecuário de 2007. As lavouras para a produção de grãos como girassol e
mamona para a produção do biodiesel deve estimular estas
monoculturas.
Somado a este processo, outras atividades como o turismo rural vem
se desenvolvendo junto às estâncias e principalmente em áreas de declínio
econômico. São várias as experiências encontradas em campo em setores de
agricultura especializada, como produção de sementes e produção de
hortigranjeiros sem a utilização de agrotóxicos, os produtos orgânicos e
ecológicos.
Em vários assentamentos da Reforma Agrárias organizadas em forma
de cooperativas encontram a produção vegetal orgânica e leiteira
ecológica.
Isto significa uma reestruturação da economia agrícola na região
da Campanha gaúcha que vem substituindo a antiga forma tradicional da atividade
pecuária extensiva que apresenta sinais de declínio econômico demonstrado pelos
indicadores que exemplificam a “metade sul”. Estas novas formas de atividade
econômica e de uma nova estrutura social, formada a partir de novas relações
sociais e formas de inserção na sociedade globalizada, devem ser a base de um
novo perfil da região da Campanha nas próximas
décadas.
Estas transformações sobre a atividade pecuária extensiva vêm
transformando a paisagem, uma vez que substitui a vegetação original em simbiose
com atividade pastoril. Tanto que o debate atual traz a questão da manutenção do
“bioma pampa”. Ora, a definição de bioma diz que são ecossistemas que atingem um
grau máximo de adaptação às condições ambientais de uma área. O equilíbrio
atingido e que reconhece a preservação de animais e plantas foi desenvolvido em
trezentos anos de ocupação da pecuária extensiva, com a presença do pastoreio,
das queimadas, com rebanhos ovino, bovino e cavalar. O que garantiu este
equilíbrio foi o baixo nível de intervenção técnica, a forma do manejo da
exploração do campo. Entretanto, ficou defasado em relação ao movimento total da
sociedade se tornando área de declínio econômico e êxodo rural. Qualquer outra
atividade que venha a substituir esta irá modificar a paisagem, pois foi a
atividade pecuária extensiva que moldou o pampa. Frente a tal transformação em
área de campo deve haver uma especial preocupação da pesquisa no sentido de
entender o processo para avaliar o impacto e apresentar
alternativas.
O que acompanhamos no atual momento é a transformação do pampa em
atividades inseridas em um capitalismo global, com novas formas de inserção no
mercado e modificação de hábitos e costumes. O que sobrar do pampa será na forma
de áreas de proteção ambiental, ou como mercadoria especial através da paisagem
e sua exploração turística, ou no imaginário urbano através da tradição e do
folclore. Ou em nossas recordações.
Bibliografia
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lucrar: globalização, monopólio e exploração da cultura. IN: MORAES, Denis
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1999.
Consulta na internet:
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