EXCLUSÃO SOCIAL URBANA: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL
Alexandre Bergamin Vieira
FCT-UNESP – Presidente
Prudente-SP-Brasil
RESUMO
Com o acirramento das desigualdades sociais e espaciais, que se
apresentam de forma mais nítida no território das cidades, vários conceitos são
elaborados pelas ciências sociais em busca de uma explicação dos diferentes
fenômenos e/ou processos, dentre eles, poderíamos destacar a segregação
socioespacial e a exclusão social.
Nas sociedades atuais as formas de dominação, opressão e
exploração ganharam tal força que as desigualdades sociais passaram a ter status
de diferenças sociais naturais. Desse modo, as situações que contextualizam as
desigualdades sociais tendem a ser analisadas a partir do lado atingido
negativamente e não do lado dominante, opressor ou explorador. O conceito de
exclusão social, ao permitir identificar os processos que envolvem os impactos
negativos das desigualdades sociais, pode ser também, o elemento que possibilita
conhecer as matrizes excludentes e como estas são
reproduzidas.
Entendemos, portanto, que as abordagens relativas ao conceito de
exclusão social permitem-nos acessar patamares analíticos até então não
vislumbrados com tal acuidade pelos conceitos de desigualdade social e pobreza.
Pois o conceito de exclusão social é recente, embora o processo por ele
delimitado não o seja. Entretanto, atualmente, tem sido objeto de intensa
discussão, o que justifica a demanda pela formulação do conceito, como
apresentaremos neste trabalho.
ABSTRACT
With increase social
inequalities and space, which is present in more vivid in the territory of
cities, various concepts are produced by social sciences in search of an
explanation of different phenomena and / or processes, among them, could
highlight the segregation sociosaptial
social exclusion.
In
societies today the forms of domination, oppression and exploitation have gained
such force that social inequalities have been given status of natural social
differences. Thus, the situations that contextualizam social inequalities tend
to be analysed from the side and not adversely affected the next dominant,
oppressive or exploitative. The concept of social exclusion, to identify the
processes involving the negative impacts of social inequalities, can also be the
element that makes it possible to know the parent and exclusionary as they are
reproduced.
We believe therefore that the approaches to the concept of
social exclusion allow us access analytical steps so far not envisioned with
such acuity by the concepts of social inequality and poverty. Because the
concept of social exclusion is recent, although the process defined by it is
not. However, currently, has been the subject of intense discussion, which
justifies the demand for formulating the concept, as present in this
work.
1 – Introdução: Porque exclusão social
Diante do acirramento das desigualdades sociais e espaciais, que
se apresentam de forma mais nítida no território das cidades, vários conceitos
são lançados pelas ciências sociais em busca de uma explicação dos diferentes
fenômenos e/ou processos, dentre eles, poderíamos destacar a segregação
socioespacial e a exclusão social.
Entende-se, porém, que há de uma diferenciação entre os dois processos:
mudanças estruturais locais teriam um grau de influência maior no processo de
segregação do que no processo de exclusão, que também sofreria impactos, porém,
menos relevantes. No entanto, isso não quer dizer que mudanças estruturais em
escala maior não interfiram na configuração de ambos os
processos.
Os conceitos/processos apresentam, ainda, uma outra distinção em
relação à dimensão espacial, pois, a segregação socioespacial tem,
necessariamente, a questão espacial intrínseca na sua configuração e
estruturação, ou seja, a segregação se materializa no espaço, ela se configura
territorialmente e é influenciada diretamente pelo espaço, pois tanto o morador
de um condomínio fechado como o morador de um loteamento popular ou uma favela
se reconhecem e se identificam, nem sempre, espacialmente.
Por outro lado, o processo de exclusão social também recebe influências
diretas do espaço, também se territorializa e são criados os espaços da
exclusão, onde há o reconhecimento e o sentimento de pertencimento aquele
espaço. Por outro lado, há a dimensão não espacializada, ou seja, os excluídos
sem espaço, sem lugar, no qual o processo atinge apenas as pessoas ou grupos
sociais, que não se reconhecem e não tem o sentimento de pertencimento a espaço
algum.
Portanto entende-se que enquanto o conceito de segregação socioespacial
seja eminentemente geográfico, pois associa diretamente espaço e sociedade,
interagindo e complementando-se mutuamente, porque espaços e pessoas ou grupos
sociais são segregadas, o conceito de exclusão social, apesar de englobar o
espaço, tem este mais como reflexo das condições de exclusão de pessoas ou
grupos, ou seja, a influência espacial na exclusão se configura como essencial,
porém, não fundamental ou determinante do processo.
Assim, pode-se considerar que a segregação socioespacial pode se
configurar como a dimensão espacial da exclusão social e que, portanto, deve ser
inserido no debate geográfico, como observamos nos trabalhos de Haesbaert (2004)
e nas produções científicas do CEMESPP (Centro de Estudos e Mapeamentos da
Exclusão Social para Políticas Públicas) (2003,
2004).
Portanto, entende-se que a compreensão da segregação socioespacial
como a separação espacial na cidade da população por classes sociais, por renda,
cultura, política e étnica, leva grande parcela da população à perda gradativa
de seus direitos e a privação de condições mínimas de vida ou discriminação,
podendo ser considerado, portanto, como um processo indutor ou como condição
espacial do processo de exclusão social. Assim, o reconhecimento e a interação
entre as diferenças e os diferentes, que se rompe na produção espacial da
segregação, encontra-se na origem de questões como a exclusão social nas cidades
médias, pois a produção do espaço urbano não é um processo natural, mas é
resultado das contradições das relações sociais, das lutas de classe no sistema
capitalista, refletidas e expressas na organização e estruturação do espaço
intraurbano.
2 – A trajetória do conceito
Nas sociedades atuais as formas de dominação, opressão e
exploração ganharam tal força que as desigualdades sociais passaram a ter status
de diferenças sociais naturais. Desse modo, as situações que contextualizam as
desigualdades sociais tendem a ser analisadas a partir do lado atingido
negativamente e não do lado dominante, opressor ou explorador. O conceito de
exclusão social, ao permitir identificar os processos que envolvem os impactos
negativos das desigualdades sociais, pode ser também, o elemento que possibilita
conhecer as matrizes excludentes e como estas são reproduzidas, culminando com
diversos graus de pobreza, conferindo novas possibilidades de
abordagem.
Entendemos, portanto, que as abordagens relativas ao conceito de
exclusão social permitem-nos acessar patamares analíticos até então não
vislumbrados com tal acuidade pelos conceitos de desigualdade social e
pobreza.
O conceito de exclusão social é recente, embora o processo por ele
delimitado não o seja. Entretanto, atualmente, tem sido objeto de discussão, o
que justifica a demanda pela formulação do conceito, por várias áreas do
saber.
Para Burchardt (2000), o conceito de exclusão social foi
originalmente pensado nos anos 70 pela via pragmática, como referência aos
excluídos – aqueles que escapam à rede de proteção social. Castel (1998) afirma
que a exclusão social foi considerada o mais extremo ponto do processo de
marginalização, que se traduz no processo de ruptura do relacionamento entre
indivíduo e sociedade, gerando uma compreensão ampla da exclusão como processo
multidimensional e multifacetado.
Na literatura internacional, Levitas (2000), Burchardt (2000) e
Costa (1998) afirmam que a exclusão social foi primeiramente adotada pelo
discurso e pela agenda das políticas sociais, passando a ter relevância
acadêmica quando sua popularidade, principalmente pela mídia, acaba demandando
seu entendimento e conceitualização.
Na análise da bibliografia encontramos duas principais vertentes
de leitura acerca do conceito de exclusão social: a literatura francesa e a
literatura britânica.
Neste relatório acreditamos que o debate acerca das concepções
sobre exclusão social seja relevante, especialmente quando levado em conta que
políticas públicas vêm sendo formuladas a partir do que se entende por exclusão
social. Além disso, uma série de mobilizações políticas e sociais está em curso
ao redor do que o termo exclusão social evoca. Por mais problemático que isso
seja, o esforço de conceitualização não deve, portanto, ser
abandonado.
De acordo com Wanderley (2001, p. 16), tem sido atribuída a René
Lenoir a invenção da noção de exclusão. Lenoir passou a entender a exclusão “não
mais como um fenômeno de ordem individual mas social, cuja origem deveria ser
buscada nos princípios mesmos do funcionamento das sociedades
modernas”.
Segundo o autor, as causas da exclusão seriam: o rápido e
desordenado processo de urbanização; a uniformização do sistema escolar; o
desenraizamento causado pela mobilidade profissional; a desigualdade de renda e
de acesso aos serviços. Logo, seriam origens socioeconômicas que estariam por
trás do processo.
Nascimento (2000) destaca que na década de 1980 foi gerada a base
do conceito de exclusão e que em 1992 ela chega ao Brasil, como categoria
analítica importada da França. Ele também reflete sobre a relação entre
desigualdade e exclusão:
No mundo, e no Brasil, o novo movimento da internacionalização da
economia, associado à hegemonia liberal, produziu um aumento considerável das
desigualdades sociais. A questão da justiça social tornou-se o centro dos
debates internacionais e nacionais. Perguntamo-nos se o crescimento da
desigualdade – produzindo o fenômeno da exclusão – não irá criar rupturas
sociais significativas, extinguindo o sonho de uma sociedade democrática e
justa, que marcou o nascedouro da sociedade moderna no Ocidente. (NASCIMENTO;
2000, p. 57).
O autor revela sua concepção acerca da origem da exclusão social:
econômica e ideológica. De acordo com tal ponto de vista, percebemos que
exclusão social é tanto produto como produtora da destituição de bens materiais
e simbólicos e, ainda, que a origem representacional da exclusão se dá no
momento em que o chamado destituído não é tido como eixo norteador de políticas
sociais e sim é deixado de lado, sendo seu lugar e ação preenchidos com rótulos
negativos. Desta forma, destacamos a idéia de que é no processo de
internacionalização da economia juntamente com as bases ideológicas que a
amparam que se emerge uma nova face da exclusão social.
É importante reiterar que a emergência do debate em torno da
exclusão social surge num momento de falência do Estado de Bem-Estar Social das
sociedades capitalistas européias. E, posteriormente, desenvolveu-se na América
Latina e, sobretudo no Brasil, com exacerbação dos problemas urbanos das
metrópoles nos anos de 1970 e com o aprofundamento da crise econômica dos anos
de 1980, que aumentou a desigualdade social e a pobreza.
De acordo com Dupas (2000), a discussão sobre exclusão social
apareceu na Europa com o crescimento da pobreza urbana e sua orientação varia de
acordo com as conjunturas políticas e econômicas das sociedades. Para este
autor, a exclusão social representa o monopólio dos grupos sociais, fruto da
divisão socioeconômica do trabalho.
A exclusão social, em sua essência é multidimensional,
manifestando-se de várias maneiras, atingindo a sociedade de formas diferentes,
sendo os países pobres afetados com maior profundidade. Os principais aspectos
em que a exclusão social se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao
emprego, equipamentos públicos, à falta de segurança e justiça, e manifesta-se
no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos
direitos humanos (DUPAS, 2000).
O conceito de exclusão social surge sempre delimitando um processo
e acompanhado por duas outras situações transitórias, mas que se intensificam e
se perpetuam para imensas parcelas da população, que são a desigualdade e a
pobreza, e que às vezes são confundidos com a exclusão social, daí entendermos
necessário abrir um parêntese e, sucintamente, esclarecer as diferenças entre os
conceitos.
As desigualdades sociais são inerentes a natureza humana e a
qualquer sociedade e revela como é realizada a distribuição das riquezas
materiais ou simbólicas produzidas e apropriadas em um determinado contexto
histórico-social e, por sua vez, possibilitam identificar os valores sociais que
orientam essa distribuição, como apontam Escorel (1999, p.24) e Nascimento
(2000, p.58).
Na sociedade e no modo de produção capitalista, a desigualdade
social é definida por uma estrutura de classes sociais estabelecidas por um
“sistema de relações distribuídas em uma escala de acesso às riquezas e de
valores que lhes atribui determinadas posições” (ESCOREL; 1999, p.25),
portanto:
As modalidades e os mecanismos mediante os quais são distribuídos
bens e recursos escassos estruturam a sociedade, atribuindo posições
diferenciadas relativas aos indivíduos e grupos quanto ao acesso aos bens, e
também quanto a uma escala de valores mediante a qual esses lugares sociais são
avaliados. Em uma dada sociedade (como a brasileira) há que se analisar,
em determinados contextos históricos, qual o fato fundamental que está na origem
da estrutura de posições e papéis sociais (propriedade da terra, artes
militares, meios de produção, trabalho, etc.). (ESCOREL; 1999, p.25, Grifo
Nosso).
As desigualdades sociais são estruturais no modo de produção
capitalista e tem sido uma característica histórica predominante no Brasil, que
se caracteriza como um dos países de maior concentração de renda e desigualdades
sociais e que entendemos ser fundamental na compreensão do processo de exclusão
social.
Outro conceito ou termo relacionado, porém distinto da exclusão
social é a pobreza. A pobreza é definida pela falta de acesso às necessidades
básicas para se ter uma vida digna ou adequada, baseada geralmente em relação á
insuficiência de renda pelos indivíduos. Para Rocha (2003) esta compreensão de
pobreza é equivocada, pois de acordo com a autora a pobreza deveria ser definida
não só a partir da insuficiência de renda, mas também pelo acesso às
necessidades básicas complementares (saúde, habitação, educação, subjetivas,
etc.).
Para Nascimento (2000, p.58):
Pobreza [...] significa a situação em que se encontram membros de
uma determinada sociedade de despossuídos de recursos suficientes para viver
dignamente, ou que não têm condições mínimas para suprir as suas necessidades
básicas. Vida digna e necessidades básicas constituem, sempre, definições
sociais e históricas, variando, entanto, no tempo e no
espaço.
Costa (1998) irá definir a pobreza como uma situação dinâmica de
privação e de falta de recursos e que:
Ambas essas condições – privação e falta de recursos – são
necessárias à definição de pobreza. Daqui resulta, por exemplo, que uma
situação de privação que não resulte da falta de recursos não significa
‘pobreza’, mesmo que possa constituir um problema social grave. Da mesma
definição decorre também que, para resolver uma situação de pobreza, não basta
resolver a privação. (COSTA, 1998, p.19)
A pobreza, da mesma forma que a desigualdade, apresenta-se como
uma situação estrutural na sociedade capitalista e não como um processo, e que,
no Brasil, apresenta-se de longa data, mantendo uma parcela considerável e não
residual da população nesta situação, seja na pobreza absoluta (na qual não há
garantias mínimas de condições de vida consideradas essenciais) ou relativa
(garantindo-se o mínimo vital, mas mantendo-se e acirrando-se as desigualdades),
como apontam vários autores, dentre eles Escorel (1999) e Rocha
(2003).
Segundo Demo (2003), a pobreza é entendida quase que
exclusivamente em seus aspectos materiais e no plano das carências objetivas.
Para este autor, além dos aspectos objetivos e da pobreza material, há também a
pobreza imaterial que seria caracterizada pela falta de qualidade política da
sociedade, ou seja, trata-se da pobreza política que pode ser ainda pior que as
outras formas de pobreza.
Dados do Programa da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, atestam que nos últimos 50 anos o número
de pobres no mundo triplicou, ao mesmo tempo em que as riquezas mundiais
cresceram 7 vezes, intensificando as desigualdades sociais. Mello (2001) também
explica que o crescimento da extrema pobreza é um fenômeno
global.
Pode-se apontar ainda que a desigualdade social e a pobreza são
dependentes e interagem, na medida em que uma reafirma ou reforça o desempenho
da outra, pois, geralmente, um aumento da desigualdade implica num reforço da
pobreza, mas, por outro lado, nem sempre uma diminuição das condições de
desigualdade melhora ou modifica as condições de
pobreza.
No Brasil, já nas décadas de 1960 e 1970, começam a aparecer
trabalhos que discutiam as questões sociais, problemáticas urbanas ligadas à
pobreza e à economia política da cidade e ainda, não menos importante, sobre o
campo.
Santos (1993) procura definir e explicar a pobreza urbana,
afirmando ser a cidade criadora de pobreza devido não somente ao seu modelo
socioeconômico, mas também, ao modelo espacial. Kowarick , no seu trabalho a
respeito dos espoliados urbanos (1979) e
também a obra de Maricato (2001), quando analisa a
crise urbana e suas alternativas,
são referências, por sua vez, para o estudo da questão em foco no
contexto da urbanização brasileira, que inibe cada vez mais a participação e
acesso de uma parte da população aos seus benefícios, principalmente a partir do
processo de globalização mundial neoliberal.
Dessa forma, entendemos ser as complexidades e as novas formas de
desigualdades sociais e de pobreza, que atingem um enorme contingente de
população das cidades brasileiras, que nos remetem às discussões acerca do
conceito de exclusão social. Pois, tanto as desigualdades sociais quanto a
pobreza são considerados fundamentais na existência, manutenção e promoção da
exclusão social, sendo a pobreza, ainda, uma condição necessária mas não
suficiente para haver exclusão social (ATKINSON; 1998, p.111) e também ser considerada como uma forma de
exclusão social, “na medida em que o pobre é excluído de alguns sistemas sociais
básicos em relação aos quais se definiu” (COSTA; 1998, p.19), como essencial
para as mínimas condições de vida.
Nascimento (2000, p.62) também assinala que pode haver exclusão
sem desigualdade e pobreza. A exclusão seria captada, então, em um âmbito que
não se limita ao estado – rico ou pobre – e sim a um processo de direcionamento
de práticas políticas. Neste sentido, a exclusão social, embora fomentada por
processos mais amplos, se materializa realmente por meio da gestão política que
evidentemente é influenciada por tais processos.
A face cruel do processo de exclusão social implica em uma
organização social, em grande parte, conivente com a desclassificação
implementada por setores que possuem a gestão das políticas sociais. Estes
setores selariam a materialização do processo de exclusão social. Para Escorel
(2000), a materialização do processo de exclusão pode ser percebida no cotidiano
e seria “um processo no qual – no limite – os indivíduos são reduzidos à
condição de animal laborans, cuja única atividade é a sua preservação biológica,
e na qual estão impossibilitados do exercício pleno das potencialidades da
condição humana.” (ESCOREL; 2000, p. 140, destaque do autor). Nestas condições
sociais, sobreviver e escapar com vida seria o padrão. Viver e gozar a vida
configuraria a exceção.
Desta forma é que vislumbramos, também, a raiz sócio cultural do
processo de exclusão social na bagagem do processo de internacionalização da
economia.
Segundo Melazzo (2004), as mudanças em curso são associadas nas
diferentes ciências sociais àquilo que veio se denominando de crise do mundo do
trabalho, onde comparecem os profundos processos de mutação da produção
capitalista, seus impactos sobre o mercado de trabalho e daí sobre os movimentos
operários e sindicais em todas as categorias e
países.
No entender de Melazzo (2004), a exclusão social na literatura
brasileira é uma ferramenta analítica que permite, ao mesmo tempo, revelar os
traços estruturais de uma sociedade marcada secularmente por intensas
desigualdades e as formas conjunturais que hoje se abatem sobre o mundo do
trabalho. Para este autor, no Brasil, o conceito de exclusão vem sendo utilizado
cada vez mais associado à idéia da desigualdade e de sua permanência secular em
nossa sociedade.
A
exclusão social está inserida, portanto, num debate teórico que vai além da
questão urbana, mas que vem sendo utilizado principalmente para discutir os
problemas das desigualdades sociais das cidades, na medida em que é discutida a
partir de uma matriz teórica multidisciplinar que se desenvolve calcada no campo
do planejamento urbano e das políticas públicas.
Deste modo, a exclusão social não é um processo
específico da cidade, mas se acentuou com a urbanização da sociedade
capitalista. Nesta perspectiva, a questão da exclusão social no Brasil ganhou
visibilidade com a urbanização que não foi capaz de atender todas as demandas de
infra-estrutura e possibilitar boas condições de vida para todos os moradores
das cidades
Dessa forma, consideramos que, embora se possa falar em exclusão
social, não se pode falar em excluído (individual). Enquanto processo social, a
exclusão dá visibilidade aos mecanismos construídos para desprezar pessoas no
interior da sociedade, possibilitando a reversão do quadro. No entanto, o rótulo
excluído apenas mostra que pessoas estão num estado patológico quase
irreversível.
É importante o que o conceito de exclusão social nos permite
desnaturalizar os processos excludentes, apresentando a possibilidade de
ultrapassarmos abordagens que generalizam demais as matrizes
excludentes.
Conferimos desse
modo, um valor ao que muitos autores apresentam como característica limitada do
conceito de exclusão social. A sua multidimensionalidade é em si uma capacidade
de transitar por diversas escalas e estabelecer correlações a partir de
dimensões diversas e diferentes entre si.
Dessa forma a exclusão social acabou sendo duplamente
interpretada. De um lado, conceito amplo, espécie de palavra-mãe (conceito
horizonte) que abriga vários significados para reunir pessoas e grupos que são
abandonados, desafiliados, deixados de lado, desqualificados, quer do mercado de
trabalho, quer das políticas sociais etc.. De outro ângulo, é um conceito
equivocado, atrasado, desnecessário (VÉRAS; 2001, p. 27) como poderemos observar
a seguir.
3 – Exclusão social: leituras divergentes
O conceito de exclusão social não é consenso e as críticas ao
conceito não devem ser ignoradas.
José de Souza Martins (1997) é um dos questionadores mais
contundente na crítica à noção (como define o autor) exclusão social, pois
segundo ele, a noção de exclusão social é errônea ou está no mínimo equivocada,
pois não se trata de um fenômeno novo (Martins, 2002) – como também aponta Demo (2002).
Martins (1997, p. 11 e 14) aponta ainda que “ao invés de a palavra
expressar uma prática, rica aliás, ela acaba induzindo a uma prática, pobre
aliás”, que “[...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe
contradição, existem vítimas de
processos sociais, políticos e econômicos excludentes.” Assim, para o
autor o uso da expressão exclusão social vem se tornando referência para aqueles
que tentam deslegitimar o debate em torno da questão, sendo consensual no
discurso de muitos.
Outro crítico do conceito exclusão social é Demo (2002) que aponta
para o modismo e o uso indevido do conceito. Segundo o autor, o debate em torno
da questão caminha bem enquanto o problema permanece ou se aprofunda.
Demo (2002) argumenta que é inviável tentar comprovar a
originalidade teórica e prática a partir de uma situação nova, porque mesmo
estando em uma outra fase do capitalismo (do ponto de vista da acumulação e da
exploração), ele ainda é o mesmo em sua essência. Por isso, nos chama a atenção
para pensarmos a exclusão social em relação ao contexto do capitalismo
globalizado e competitivo.
Segundo Demo (2002, p. 17), “busca-se distinguir entre
precariedade e exclusão, colocando a primeira como estágio anterior e aparecendo
aí a novidade do fenômeno e mesmo a emergência de um novo paradigma de pobreza”.
Guimarães et al (2002) também apontam para o fato de que apesar da
discussão sobre exclusão social ser recente, os processos geradores e
delimitados por ela não são, portanto:
O conceito de exclusão social remete, à discussão das novas
feições da pobreza e da desigualdade em suas dimensões objetiva, restando ainda
um campo aberto a ser explorado para a apreensão e compreensão dos processos
subjetivos que diferenciam social e individualmente grupos e segmentos que, cada
vez mais, perdem seu lugar e suas referências enquanto atores/participantes de
uma dada comunidade de valores.
Por
mais difuso e sujeito a controvérsias, entretanto, o conceito tem a capacidade
de jogar luz às facetas múltiplas do econômico, do social, do político e do
psicológico que se perdeu para cada um frente ao estado de destituição de
recursos de toda espécie para o enfrentamento de suas vulnerabilidades e riscos.
(GUIMARÃES et.alli., 2003, p.14)
Percebemos,
assim, ao contrário daqueles que divergem do conceito, que a exclusão social é
resultado da complexidade de vários fatores e situações de inserção social dos
indivíduos, apresentando múltiplas dimensões, como apontam Guimarães et.alli.
(2003, p.14):
Revela-se assim, a enorme complexidade de situações passíveis de
serem abarcadas pelo conceito de exclusão, sendo que os esforços teóricos devem
se dirigir, paulatinamente, para aproximar seu conteúdo das reais possibilidades
de alcançar as situações concretas de indivíduos, famílias e
comunidades.
4 – Exclusão social: um processo
multidimensional
Entendemos que a configuração do processo de exclusão social não
se dá apenas quando as rupturas societais atingem sua fase mais extrema, pois,
dessa forma, estaríamos dando um caráter de condição ao conceito de exclusão
social e não como um processo, como entendemos. Portanto, este processo se
caracteriza – além destas rupturas, que designam a máxima exclusão – também pela
ausência de recursos mínimos, pelo acesso precário, ou mesmo a falta de acesso a
recursos e aos bens de consumo básicos, pela falta de acesso à educação, saúde,
mercado de trabalho e às condições afetivas e subjetivas dignas, ou seja,
haveria uma somatória de condições, ou de critérios, para a configuração da
exclusão social, não significando, no entanto, que para efetivação do processo
os indivíduos ou grupos teriam de atingir todos estes critérios, pois como Costa
(1998) aponta:
[...] deve ter-se em atenção que a questão não se põe,
necessariamente, em termos de ter ou não ter acesso aos sistemas. Existem níveis
mais ou menos satisfatórios de acesso, os quais configuram graus diversos de
exclusão. Mesmo no caso de laços familiares, podem existir situações em que
esses laços estão enfraquecidos, mesmo quando não exista uma ruptura completa. A
noção de “graus de exclusão” também ajuda a compreender que nem toda forma de
exclusão traduz na falta de acesso a todos os sistemas sociais básicos. Uma
pessoa ou família pode ser excluída de alguns daqueles sistemas sociais, embora
não o seja em ralação a outros sistemas sociais.
A partir disso, dessa multiplicidade de formas, critérios e
dimensões sociais que se apresentam ao processo, alguns autores irão considerar
que seria mais interessante falar e pensar não em exclusão social, mas em
exclusões sociais como aponta Escorel (1999, p.
66):
A configuração do processo de exclusão social é revelada de
âmbitos e dimensões da vida em sociedade, mas, a ausência de recursos, a
exclusão do mercado de trabalho, da educação e da formação profissional, a
precariedade de habitação e de saúde constituem como um “núcleo” tão abrangente
de dimensões sociais, às quais se associa tal variedade de temas, que seria
preferível falar e pensar sobre “as exclusões sociais”.
Costa (1998) aponta a necessidade de, ao falarmos de exclusão
social, nos remetermos ao contexto de referência em questão, ou seja, é
necessário delimitar sobre qual tipo de exclusão estamos apresentando, em razão
da multiplicidade de expressões de exclusões sociais (que podem estar
sobrepostas em alguns casos).
Costa (1998), ainda, admite o uso e a definição do processo de
exclusões sociais devido a sua complexidade e heterogeneidade, permitindo,
assim, a definição de diversos tipos de exclusão social, tais como: a) exclusão
do tipo econômico: relacionada com a pobreza e pala privação múltipla e pala
falta de recursos e caracterizada por más ou baixas condições de vida; b)
exclusão do tipo social: é uma situação de privação do tipo relacional,
caracterizada pelo isolamento e pela perda da auto-estima ou falta de
auto-suficiência; c) exclusão do tipo cultural: determinada por fatores de ordem
cultural, como os fenômenos do racismo e da xenofobia; d) exclusão do tipo
patológica: condicionada por fatores patológicos, principalmente de natureza
psicológica ou mental; e) exclusão por comportamento autodestrutivo:
trata-se da exclusão ou da
auto-exclusão provocada em conseqüência por comportamentos autodestrutivos, como
alcoolismo, prostituição e o uso de drogas.
Ainda neste sentido da multidimensionalidade do conceito de
exclusão social, encontramos no trabalho de Sposati (1996), a partir de uma
abordagem empírica e atenção especial à dimensão espacial da exclusão,
diferentes possibilidades conceituais, tais como: a) exclusão estrutural: associada
ao atual modelo de desenvolvimento econômico mundial excludente, gerando uma
contínua desigualdade e promovendo um acesso seletivo ao mercado de trabalho;
b) exclusão absoluta: decorrente da pobreza absoluta de um elevado
contingente da população, sofrendo uma privação total das condições de vida,
tanto no sentido material quanto no sentido não material ou subjetivo;
c) exclusão relativa: promovida pela restrição do acesso de boa
parte da população às riquezas socialmente geradas e das oportunidades
historicamente acessíveis para uma melhoria nas condições de vida;
d) exclusão das possibilidades de diferenciação: decorrente do
grau de homogeneização imposta nas regras de convívio entre os diferentes grupos
sociais, restringindo direitos das minorias (opção sexual, opção religiosa,
opção política etc.) gerados por intolerâncias e pela negação à heterogeneidade
de ação e pensamento;
e) exclusão da representação: gerada através do grau de
(im)possibilidades de expressão da democracia pelos diferentes grupos de
interesse e de opinião dos vários segmentos sociais nas questões públicas e,
principalmente, na relação sociedade-Estado;
f) exclusão integrativa: forma perversa de inserção precária e
temporária no processo de acumulação.
Percebemos, assim, que a exclusão social é resultado da
complexidade de vários fatores e situações de inserção social dos indivíduos,
apresentando múltiplas dimensões, sejam elas objetivas ou
subjetivas.
Nesse sentido ainda, Nascimento (2000) aponta cinco dimensões a
serem consideradas nas análises do processo de exclusão social às quais
acrescentamos uma sexta dimensão, a política.
A dimensão histórica da exclusão social, remete as desigualdades e
as diferenças existentes, desde a Antiguidade, no pleno acesso aos bens e
direitos de todos os membros de uma sociedade, como por exemplo, os escravos e
mulheres na Grécia antiga ou os índios e negros no período colonial brasileiro
e, atualmente, com a exclusão social na Europa promovida aos imigrantes, num
acirramento das idéias de racismos e xenofobia, causadas, principalmente, pelo
desemprego estrutural. Ou seja, na história da humanidade, a cada período,
haveriam excluídos sociais com características
especificas.
Tanto Nascimento (1994) como o debate público francês sobre a nova
questão social (ESCOREL, 1999, p.54) apontam, hoje, para uma outra forma de
exclusão, ou uma “nova exclusão social”, fundamentada principalmente na esfera
da produção e no processo de acumulação capitalista, na qual os “desnecessários”
– aqueles indivíduos que passam a não ser mais necessários ao desenvolvimento
econômico, tornando-se obstáculos e incômodos para a sociedade – configurariam como sendo seus
principais representantes, sendo, portanto, uma característica específica da
exclusão social no momento atual.
Podemos entender, também, como dimensão histórica da exclusão
social a sua definição como processo, ou seja, a exclusão social não surge de
repente ou de um momento para outro, mas no decorrer do tempo, da história ela
foi e continua sendo delineada e definida através de um processo de acirramento
das desigualdades inerentes ao modo capitalista de produção.
A segunda dimensão a ser apresentada pelo processo de exclusão
social seria a geográfica, ocorrendo em duplo sentido: os territórios da
exclusão social e os excluídos sem lugar.
No primeiro sentido, os espaços da exclusão social seriam aqueles
onde o processo se apresenta com maior nitidez, como seriam os casos dos países
africanos, na escala mundial, ou ainda as periferias das cidades brasileiras, na
escala mais local. Entendemos também que, além da exclusão se apresentar mais
visível, seriam estes espaços influenciadores diretos do processo excludente,
reflexos do processo de segregação socioespacial nas cidades, no caso
brasileiro, ou seja, a exclusão urbanística, resultante das múltiplas dimensões
da segregação socioespacial. Representaria, também, o território da exclusão,
onde se nasce e cresce excluído (NASCIMENTO, 1994,
p.66).
Nesse sentido, Sposati apud Koga (2003, p. 16) afirma
que:
O território é um fator dinâmico no processo de exclusão/inclusão
social, na medida em que expressa a distribuição de bens civilizatórios
direcionados para a qualidade de vida humana [...] as condições de vida
territorialmente analisadas é [...] “um dos instrumentos para concretizar a
redistribuição social no enfrentamento das desigualdades econômicas e
sociais”.
Nesta perspectiva da análise territorial, Rogério Haesbaert vêm
desenvolvendo um novo conceito: o de aglomerados urbanos de exclusão social.
Segundo ele:
Definir espacialmente os aglomerados de exclusão não é tarefa
fácil, principalmente porque eles são, como a própria exclusão que os define,
mais um processo – muitas vezes temporários – do que uma condição ou um estado
objetiva e espacialmente bem definido. Se preferirmos, trata-se de uma condição
complexa e dinâmica, mesclada sempre com outras situações, menos instáveis,
através das quais os excluídos tentam a todo instante se firmar (se
reterritorializar) (HAESBAERT, 2004, P.327).
Mas este autor desconsidera em sua formulação um outro aspecto
igualmente importante dos processos excludentes, que diz respeito à vida
daqueles excluídos que não têm sua identidade ou seu vínculo social relacionados
com lugar algum. Ou seja, diferentemente da abordagem territorial, que considera
a exclusão social como um atributo do espaço social, neste caso, estamos nos
referindo à exclusão social enquanto um atributo das pessoas e ao sentimento de
pertencimento ou de reconhecimento a um determinado lugar. Um exemplo extremo
seria o da população de rua, cuja mobilidade constante e permanente não lhes
permite a identidade com um determinado lugar.
A terceira dimensão da exclusão social seria a econômica,
relacionada principalmente ao aumento das desigualdades sociais e da pobreza,
levando uma grande parcela da população a ter acesso restrito aos bens de
consumo básicos e simbólicos, agravado pela baixa remuneração e o desemprego
estrutural.
Em relação a esta dimensão econômica do processo de exclusão
social, Lesbaupin (2001) aponta três fatores que se conjugam e reforçam entre si
e contribuem para acentuação do processo, quais sejam: a reestruturação
produtiva – possível através das inovações tecnológicas desenvolvidas desde a
década de 1970, permitindo maior flexibilidade na produção e diminuição no
número de trabalhadores e, conseqüentemente, precarização das relações/condições
de trabalho e redução de salários e desemprego estrutural – o neoliberalismo –
sucintamente definido como um afastamento ou menor intervenção estatal na esfera
social, com políticas sociais e de bem estar social inexistentes ou mínimas, em
nome da estabilidade financeira e monetária e a liberalização na esfera
econômica, com a “mínima” intervenção estatal – e o último fator seria aquilo
que atualmente se define como globalização, apresentado como um processo
inevitável e irreversível e, muito bem caracterizada por Santos (2000), como
“globalização perversa”.
A dimensão especificamente social ou dimensão sociofamiliar como
classifica Escorel (1999, p.76) seria representada por uma parcela da população
que se vê impossibilitada de participar da vida social da família ou da
comunidade, perdendo seus vínculos básicos, sendo conduzidos às formas e
estratégias mais inesperadas de sobrevivência. A situação é aprofundada pelo
desemprego, pela perda da auto-estima entre outros
fatores.
Escorel (1999, p. 76) aponta que:
Na dimensão sociofamiliar verifica-se a fragilização e
precariedade das relações familiares, de vizinhança e de comunidade, conduzindo
o indivíduo ao isolamento e à solidão. São percursos de distanciamento dos
valores e das relações que estruturam o cotidiano e trajetórias de dificuldades
em conseguir mobilizar apoios frente a situações de labilidade dos vínculos
econômicos ou políticos. As transformações da esfera produtiva e financeira
vulnerabilizam o âmbito, podendo inviabilizar os suportes, proteções e
conhecimentos aos seus membros.
Poderíamos, ainda, inserir nesta dimensão social do processo de
exclusão social a dimensão humana, na qual no limite da exclusão social a vida
ou a existência humana seria negada aos indivíduos ou grupos, cuja existência
não interessaria a sociedade e seria limitada a sobrevivência mínima do corpo
enquanto ser natural ou biológico, sendo retiradas ou negadas tanto suas
necessidades materiais quanto suas necessidades subjetivas, suas vontades e seus
desejos. Assim, nesta perspectiva a exclusão social se mostra como um
descompromisso com o ser humano, negando-lhe acessos às condições mínimas de
vida, promovendo uma situação de sobrevida em substituição “da vida” (FURINI,
2003, p.40), ou seja, as necessidades do indivíduo tornam-se desumanas.
A quinta dimensão apresentada pelo processo de exclusão social,
seria a representação social, ou seja, a forma como indivíduos ou grupos sociais sujeitos a
situações de exclusão são vistos pela sociedade como um todo, ou seja, tais
grupos são tidos como diferentes, desnecessários para uma parcela da
população.
Nesta dimensão da representação social da exclusão promove-se uma
deterioração nas relações sociais entre os diferentes grupos que nela convivem,
fazendo com que predominem nestas relações uma “lógica desumana do ‘estranho’”
(ESCOREL, 1999, p.80), onde há enormes dificuldades no reconhecimento e
aceitação do outro, do diferente, acirrando a discriminação social e que, pouco
a pouco indivíduos ou grupos excluídos “passam a ser percebidos como socialmente
ameaçantes” (NASCIMENTO, 1994, p.70), ou seja, são vistos como bandidos,
perigosos e violentos em potencial, sendo tidos como objetos de medo para a
sociedade ou uma ameaça à coesão e à ordem social, portanto:
Nos processos de exclusão social a escala da ‘estranheza’ atinge o
limite de retirar o caráter de humano do outro. A existência humana na
indigência, restrita ao atendimento da mais poderosas necessidades do processo
vital, é obscurecida e desumanizada. Esse obscurecimento da existência significa
que não se participa da esfera pública, vive-se nas sombras, sem deixar
vestígios da passagem pelo mundo. Procede-se uma desumanização, o que significa
que há uma retirada do caráter de ser humano nas interações sociais que envolvem
indivíduos pobres, relegados à condição de animal laborans. Ou “uma
diferenciação tal entre os homens que pode chegar a criar ‘espécies’ diferentes
de homens” (Buarque, 1993). (ESCOREL, 1999, p.80)
E, finalmente, a sexta e última dimensão da exclusão social seria
a dimensão política, relacionada nas possibilidades de existência e prática da
cidadania nas relações sociais, ou seja, a existência da exclusão social seria a
negação da cidadania.
Para Santos (1987, p.05) deveríamos na democracia priorizar em
primeiro lugar a cidadania e, posteriormente, os aspectos econômicos. No
entanto, nos dias de hoje, prevalece os aspectos econômicos sobre os aspectos
sociais, promovendo uma cidadania incompleta, onde os direitos mínimos não são
garantidos a todos os cidadãos, ou ainda negando a uma grande parcela da
população, ou melhor, negando aos excluídos de ter direito a ter direitos, como
podemos observar através do desrespeito à vida humana em seu sentido pleno, pois
“o direito à integridade se inclui entre as prerrogativas inalienáveis do
cidadão e se estende do campo biológico aos da cultura, da política e da moral,
isto é, inclui o patrimônio material e imaterial” (SANTOS, 1987, p.21).
Devemos ser atentos para a definição da cidadania não apenas como
acesso aos bens de consumo materiais ou apenas as melhores condições de vida no
plano material, pois desta forma, estaríamos nos equivocando e confundindo
cidadania com possibilidade de consumo pela população, o que atualmente é
facilmente percebido, dando um caráter de naturalização da falta de cidadania e,
portanto da exclusão social.
Assim, é que a exclusão social também deve ser analisada pela
ótica da cidadania, ou seja, o “reconhecimento de que o indivíduo é um
semelhante e, portanto, alguém revestido de direitos e, sobretudo, do direito a
ampliar seus direitos” (NASCIMENTO, 1994, p.73), seja a partir das lutas sociais
por melhorias nas condições materiais básicas, seja nas lutas por maior
representatividade política por parte da população menos beneficiada ou excluída
ou ainda nos movimentos reivindicatórios que confluam para além daquilo que era
o ponto inicial da luta e se converta numa forma de luta por transformações mais
amplas e coletivas para a sociedade como um todo, como aponta Kowarick (2000,
p.77).
5 – Considerações finais
Dessa forma, resultado de múltiplas dimensões, o conceito de
exclusão social exige um olhar para a totalidade dos problemas e das
desigualdades da sociedade contemporânea, nos orientando para a necessidade de
mudanças estruturais e profundas na sociedade como um
todo.
Mas, se há excluídos há também sua outra face, os incluídos e
ambos são constitutivos do mesmo processo por nós definido como exclusão social
e que, portanto, se define como um processo dialético e relativo, ou seja, o
acirramento da pobreza e das desigualdades sociais nos exige a definição de um
conceito que nos permita, ao analisar diversas realidades urbanas e,
principalmente, intraurbanas, indicar quais as necessidades e as condições
mínimas exigidas para a valorização da vida e da dignidade do cidadão,
pois:
Discutir a inclusão social significa a busca pela universalização
do ponto básico de dignidade, o qual na sociedade brasileira denota a busca pelo
padrão ainda não conquistado pela sociedade como um todo
[...]
A inclusão social significa não apenas uma posição cidadã já
alcançada, mas também desejada. A possibilidade a concretização do desejo está
justamente no fato de a situação existir em outro lugar que não o vivido.
A
medida da inclusão social surge a partir do confronto exclusão/inclusão social,
provocando um rompimento com a constatação da desigualdade, da apartação,
demonstrando a possibilidade do
desejo da inclusão social. Este movimento provocativo da medida é que faz dela
um elemento central em busca da efetivação da cidadania. (KOGA, 2003, p.176)
Ainda com relação a este ponto básico de inclusão, Koga (2003,
p.178) aponta que:
Uma característica sutil que se pode notar no padrão básico de
inclusão social é justamente o seu caráter de mobilização da sociedade, pois ele
leva necessariamente a um debate coletivo sobre que inclusão se faz necessária
para a dignidade dos cidadãos que vivem em realidades marcadas por extremas
desigualdades.
Portanto, a exclusão social seria um processo social de
descompromisso com o ser humano em geral, fechando-lhe o acesso aos benefícios e
serviços sociais (direitos sociais), gerando uma relação de sobrevida em
substituição da vida.
A exclusão social precisa ser minuciosamente contextualizada para
poder ser utilizada, pois pode ocorrer exclusão dentro da exclusão. Daí a sua
flexibilidade analítica, ou seja, ora num contexto relativo a algum grupo e ora
relativo a todo um segmento social.
A partir do conceito de exclusão social podemos descrever,
correlacionar e, enfim, identificar limites e alternativas para a superação de
parte dos problemas sociais que precarizam, estigmatizam ou eliminam
literalmente relações, áreas, pessoas ou grupos
sociais.
Não é possível falarmos em enfrentamento da
exclusão social sem olharmos para o caráter estrutural da desigualdade social e,
portanto, do modelo sócio-econômico vigente.
O enfrentamento da exclusão social deve,
portanto, ocorrer concomitantemente em diversas escalas. Na escala global por
meio da superação das estruturas que mantém e acentuam a exclusão social, como
por exemplo as formas desiguais de relação entre Estados e mercado mundial. Na
escala nacional com novas formas de planejamento e gestão que valorizem o
desenvolvimento social. E, na escala da cidade por meio do combate aos grupos de
interesses dos agentes produtores do espaço urbano que acirram ainda mais os
processos excludentes, dentre eles o mercado imobiliário e o Poder Público
Muncipal, cujos papéis apontaremos a seguir.
Em todas estas escalas, contudo, é
preciso que ocorra uma readequação de valores que confira aos grupos e segmentos
populacionais diferentes oportunidades para que ultrapassem as desigualdades,
possibilitando novas e adequadas formas de participação. O desmantelamento das
relações de subalternidade e dominação que atingem parcelas significativas das
populações mundiais, que vivem incessantes processos de exclusão social, pode
ter contribuição importante das abordagens que primam por conferir novas formas
de identificação e enfrentamento das questões sociais, como ocorre com o
conceito de exclusão social.
Em razão da multidimensionalidade e complexidade
da exclusão social, estratégias de enfrentamento se revestem também por uma
multiplicidade de ações.
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