TURISMO E MOTIVAÇÃO RELIGIOSA: REFLEXÃO SOBRE O
TURISMO
CLAUDEMIRA AZEVEDO ITO
Resumo
Este trabalho trata das motivações das viagens e dos
deslocamentos. O turismo comparece como elemento importante na realização e na
busca da experiência da liberdade. Esta busca pela felicidade, muitas vezes, se
realiza por meio de peregrinações, romarias e visitas a lugares sagrados.
Peregrinação e turismo se assemelham nos seguintes aspectos: ambos estabelecem
uma jornada voluntária e temporal para um lugar fora de sua residência habitual;
a possibilidade de serem fenômenos de massa; o desenvolvimento de atividades que
fogem da rotina e tem reflexos socioeconômicos similares. Verifica-se que
atualmente os peregrinos desfrutam de momentos de lazer, onde a busca espiritual
e vivencia da fé permite o rompimento do cotidiano. As peregrinações passam a
ser um acontecimento social. Ou seja, observa-se que as peregrinações e festas
religiosas se revestem de novos significados, como fenômeno de forte coesão
humana, passa a ser simultaneamente cerimônia religiosa e como lazer. Observa-se
que o lazer e o consumo se entrelaçam às obrigações e ritos religiosos. Peregrinos e turistas se misturam e
disputam espaços de consumo e de lazer. Há o processo de espetacularização da
religião e construção da relação dialética entre mercado e
fé.
Palavras chaves: Turismo
religioso, turismo, peregrinação.
1. Motivações do turismo
As motivações das viagens são estudadas por diversas
especialidades. A Sociologia destaca-se, e apresenta na “Sociologia do Turismo”
as reflexões sobre as motivações das viagens e do turismo. Krippendorf (2001)
aponta em suas pesquisas as seguintes motivações das viagens: “Para desligar,
relaxar; para fugir da vida diária, mudar de ambiente; para recuperar as forças;
para entrar em contato com a natureza; para comer bem; para descansar, não fazer
nada; para ir de encontro ao sol; para ter companhia; para ver outros países,
ver o mundo; para cuidar da saúde e beleza; rever parentes e amigos; entre
outros.” p.44-45.
Desde a década de 1960, quando se torna mais visível o fenômeno
turístico, a motivação das viagens praticamente não sofreu alteração,
entretanto, a partir da década de 1970, o crescimento do turismo mais ativo. Os
turistas têm apresentado cada vez menos as respostas: “ desejo de dormir, de
descansar, de não fazer nada, em contrapartida tem crescido as categorias:
divertir-se, distrair-se, brincar, praticar esportes ou hobbies.
Macedo (2002) corrobora com este raciocínio. Afirma que a partir
da década de 1970, houve o despertar de uma visão ambientalista do turista,
foram valorizados os lugares de difícil acesso, com pouca ou inexistente
infra-estrutura, pouco povoado, onde a rusticidade impera. “ Tornam-se pontos de
atração turística praias extensas bordejadas de falésias, e coqueirais, ilhas
remotas, regiões de mata densa, vilas de pescadores” p.204. É a “busca do
Éden”.
Os “paraísos turísticos são identificados e podem passam por dois
processos diferentes. Primeiro, onde após a identificação, o lugar é protegido,
com a criação de parques, restrição de visitação ou plano de manejo. E, segundo,
onde logo após a “descoberta” o lugar passa de suas formas rústicas para
loteamento, com transformação radical de sua paisagem. Macedo (2002,p.205). Em
ambas hipóteses, inicialmente o destino é elitizado e, aos poucos, em
velocidades diferentes são popularizados, ou estandardizados.
O turista é influenciado pelas discussões da questão ambiental,
bombardeado cotidianamente com informações sobre aquecimento global e poluição
atmosférica, busca em suas viagens o “paraíso”. Dessa forma, exerce maior
demanda por destinos que apresentam características naturais, cuja paisagem se
mantenha despoluída e longe da degradação. Ao experimentar destinos “naturais” o
turista passa pelo processo de diferenciação social e cria a ilusão de estar
fora do capitalismo industrial As viagens de turismo tornam-se a possibilidade
de ruptura do cotidiano, participam do processo de afastamento do individuo das
redes relacionais do qual faz parte no dia a dia. É evasão temporária e a
sensação de liberdade denominada de “descotidianização” por Carmo
(2006)
De modo geral, as motivações das viagens podem ser agrupadas em:
Viajar é fugir; viajar é descansar e refazer-se; viajar é compensar e integra-se
socialmente; viajar é comunicar-se; viajar é alargar o próprio horizonte; viajar
é ser livre e independente; viajar é partir para a descoberta de si mesmo; e
viajar é ser feliz. Sendo que cada viajante ou turista aponta uma, duas ou mais
motivações, as quais se mesclam e se superpõem. Krippendorf (2001) justifica que
o desejo de fuga é criado pelo cotidiano urbano-industrial, e por isso aparece
como a maior prevalência nas pesquisas. “O turismo, cada vez mais, assemelha-se
a uma fuga em massa face às realidades cotidianas, em direção ao reino
imaginário da liberdade”. (KRIPPENDORF, 2001, p. 47).
O turismo comparece como elemento importante na realização e na
busca da experiência da liberdade, assim como, os avanços tecnológicos tem
grande contribuição. Tuan (1983) afirma:
Instrumentos e máquinas ampliam a sensação de espaço e
espaciosidade do homem. (...) Quando o transporte é uma experiência passiva, a
conquista do espaço pode significar a sua diminuição. A velocidade que dá
liberdade ao homem, faz com que ele perca a sensação de espaciosidade. (...) O
espaço é um símbolo comum de liberdade no mundo ocidental. (TUAN, 1983, p.
60-61)
Tuan (1983) afirma “as vidas humanas são movimento dialético entre
refúgio e aventura, dependência e liberdade” p.61. Carmo (2006) baseando-se em
Tuan (1983) analisa esta busca pela liberdade.
Os homens necessitam de espaço e de lugar, sendo o lugar a
segurança e o espaço, a liberdade. O homem está ligado ao primeiro e deseja o
segundo. Então, o espaço revela-se como algo que permite o movimento. (...) A
experiência do espaço e do tempo é primeiramente subconsciente. (CARMO, 2006,
p.28)
Dessa forma, muitos turistas ao serem questionados sobre suas
motivações respondem: “Viajar é ser livre e independente”. Krippendorf (2001)
afirma que ser livre é apresentado como possibilidade de dispor de si mesmo,
livre de coerções, liberado das obrigações e regras. Trata-se da busca da
sensação de liberdade, uma evasão: desenvolver e vivenciar atividades diferentes
do cotidiano, de forma temporária e controlada, de forma que, depois da fuga, há
a satisfação do retorno, num processo contraditório de valorização da liberdade
da opressão do meio social em que vive, e simultaneamente valorizando-o, por
novas vivencias e pelo distanciamento do habitual.
Podemos, enfim, fazer o que quisermos, mesmo que isso seja não
fazer nada. Somos livres sem pressões, somos nossos próprios senhores. (...) A
viagem é tempo livre total, a forma mais libertadora de lazer, posto que deixa o
ambiente habitual para o mais longe possível. A viagem é uma dupla liberdade: se
está livre do trabalho e longe de casa. (KRIPPENDORF, 2001, p.
49).
O mesmo autor afirma que, com menor freqüência, aparece nas
pesquisas sobre motivações: “Viajar é partir para a descoberta de si mesmo”,
denunciando o descontentamento com si mesmo, e as viagens se tornariam o
principal instrumento do autoconhecimento, onde sozinho e fora das pressões do
cotidiano haveria oportunidade para “descobrir a harmonia interior, para
compararmos a outros e descobrir nossas aptidões”. A viagem é comparada a uma
experiência de uma segunda vida, na qual seriam projetados os verdadeiros
anseios e esperanças. E, por isso, é corrente a afirmação de que viajar é ser
feliz.
Esta “busca pela felicidade” ou pelo “bem estar espiritual”,
muitas vezes, se realiza por meio de peregrinações, romarias e visitas a lugares
sagrados. Na essência “as peregrinações constituem um fenômeno ligado à natureza
do ser humano. O peregrino percebe-se como alguém que está à procura de Deus, em
busca de respostas e de socorro para as suas necessidades espirituais e
materiais” Ribeiro, 2002, p.19. Cabe salientar que, o fenômeno das peregrinações
comparece em muitas culturas, sua forma, periodicidade e lugares a serem
visitados são criados historicamente.
2. Turismo religioso
Segundo Ribeiro (2002) “desde a antiguidade, as peregrinações se
caracterizam pela movimentação das pessoas e pelos rituais que as acompanham”.
P.19. A relação com o sagrado se
confunde com a veneração e orações nos lugares santos, assim como, fazer
pedidos, render graças, fazer e pagar promessas, fazer oferendas. Abumanssur
(2003) afirma que “desde sempre” o ser humano movimenta-se em busca do sagrado para adorar,
consultar, festejar e conhecer.
Na História Ocidental, na Europa, o fim do Império Romano e a
organização da sociedade em feudos, desestimularam a realização das viagens, os
poucos deslocamentos se transformaram em aventura. Entretanto, Na Idade
Média, destacam-se a organização de peregrinações para Jerusalém ou santuários
da Europa. “Grandes expedições eram organizadas para visitação dos centros
religiosos da Europa e para libertar Jerusalém do domínio dos árabes. Talvez
tenha sido estas viagens as precursoras das viagens de grupos.” Ignarra
(2003,p.4)
Neste período, as peregrinações compõem o quadro onde a fé e as
penitencias convivem com o projeto político de conquista e ocupação de vastas
regiões. Para tal, foram ampliados os cultos aos santos, multiplicaram os
festejos e as romarias para visitar templos e túmulos. Roma e os sepulcros dos
apóstolos Pedro e Paulo, assim como, para o túmulo de Tiago. Ribeiro
(2002).
As peregrinações de cristão a Roma foram registradas desde o
século VI, dando origem à denominação de “romeiros”. No Século IX, a descoberta da
localização da tumba de Santiago de Compostela iniciou uma das rotas mais
importantes dos peregrinos do mundo.
Na Idade Média, muitas cidades tinham sua economia impulsionada
pelas peregrinações. Os peregrinos buscavam os lugares santos e as relíquias
destes, por serem supostamente miraculoso, em alguns lugares o movimento de
recursos possibilitava investimentos nas áreas das artes e arquitetura.
Abumanssur (2003,p. 53).
O questionamento sobre o “turismo religioso” merece destaque, pois
o fenômeno das peregrinações religiosas e sua estrutura de serviços e
hospitalidade criada em meio a ato de fé, de penitencia e de sacrifício, parece
ser ambíguo tratar como turismo, fenômeno associado ao lazer e ao prazer.
Silveira (2004) esclarece que o termo “turismo religioso” surgiu
na década 1960, e ganhou grande destaque nos setores ligados ao estudo do
turismo, assim como dentro da própria igreja católica. Entretanto, lembra que é
utilizado, muitas vezes, erroneamente como sinônimo de romaria e peregrinação.
Pode-se falar em turismo religioso quando o sagrado migra como
estrutura de percepção para o cotidiano, para as atividades festivas, o consumo,
o lazer, quando enfim, os turistas passam a viver eventos, como os natais, não
mais vinculados à tradição cristã e ao que ela prescreve, mas como uma
experiência inusitada, espiritual e consumista ao mesmo tempo. (SILVEIRA, 2004.
p.2)
O exemplo citado pela autora é o Natal de Gramado e Canela, que
com profusão de luzes e cores cria um evento singular que em quase nada lembra a
origem do festejo cristão. A figura do Papai Noel torna-se o centro: com
aparições pirotécnicas, acompanhados de duendes e outras figuras criadas pela
fantasia humana. Tudo para
incentivar o consumo e o deleite.
Ainda, na tentativa de diferenciar peregrinação e romaria de
turismo religioso. Steil (2003) alerta:
“ Acreditamos que o ponto fulcral reside no grau de imersão e de
externalidade que cada uma dessa experiências pode proporcionar. Enquanto as
romarias e peregrinações tendem a ser vivenciadas como um ato religioso de
imersão no sagrado, o turismo, mesmo quando adjetivado como religioso,
caracteriza-se por uma externalidade do olhar, fundamental para que um evento
possa ser considerado como turístico.”(STEIL, 2003, p.
35).
Peregrinação e romaria são termos comumente utilizados entre
peregrinos, romeiros e religiosos para sua auto-definição, marcando-a, dentro do
contexto religioso, diferentemente do termo turismo Religioso, usado no âmbito
comercial e administrativo. Dessa forma, os peregrinos e romeiros apresentam
reservas em utilizar a designação de turismo para qualificar os seus
deslocamentos motivados por sentimento religioso. Vale lembrar que não
apresentam o mesmo comportamento: o deslocamento do peregrino ocorre
estritamente por motivação espiritual, cumprir promessas, agradecer uma graça
recebida, participar de um ato religioso.
Segundo Steil (2003), há grande resistência dos agentes religiosos
em usar o termo turismo para designar romarias e peregrinações, pois há o receio
de que estes eventos saiam do controle eclesiástico e passem para o âmbito do
Estado e do mercado. Os religiosos rejeitam a idéia de que as visitas aos
lugares sagrados, incorporados aos pacotes turísticos, seja apenas um item
dentro deles, equiparando-se a uma visita a museus, casa de espetáculos ou a um
parque temático. “ Para os religiosos, esse modelo de visitas estaria retirando
a centralidade e profundidade do ato religiosos, que se perde em meio às ações
dispersivas e superficiais do turismo” Idem,p.46.
Peregrinação e turismo se assemelham nos seguintes aspectos: ambos
estabelecem uma jornada voluntária e temporal para um lugar fora de sua
residência habitual; a possibilidade de serem fenômenos de massa; o
desenvolvimento de atividades que fogem da rotina e tem reflexos socioeconômicos
similares. Dias (2003) completa, as peregrinações contemporâneas se
identificam cada vez mais com as
atividades turísticas: utilizam os mesmos meios de transporte e a mesma
infra-estrutura como todo tipo de viagem. Enfatiza, ainda que “Torna-se, deste
modo, cada vez mais fácil perceber as semelhanças entre peregrinação e turismo
do que assinalar as diferenças entre estes fenômenos sociais e, neste sentido,
peregrinação pode ser considerada como uma forma de turismo.”
p.23
Pode-se afirmar que na sua origem e motivações a peregrinação e
romarias se diferem em muito do turista. Entretanto, para alguns autores a
peregrinação é uma forma de turismo e é apontada como precursora deste, pois
existe o compartilhamento e uso comum, tanto pelo peregrino quanto do turista,
dos equipamentos e instalações turísticas. Dias (2003) afirma “Turismo religioso
é aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou
para participação em eventos de caráter religioso. Compreendem romarias,
peregrinações e visitas a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas.
p.17. Isto é, para este autor não há diferença entre turistas e
peregrinos.
Verifica-se que atualmente os peregrinos desfrutam de momentos de
lazer, onde a busca espiritual e vivencia da fé permite o rompimento do
cotidiano. As peregrinações passam a ser um acontecimento social. Ou seja,
observa-se que as peregrinações e festas religiosas se revestem de novos
significados, como fenômeno de forte coesão humana, passa a ser simultaneamente
cerimônia religiosa e como lazer. A recreação torna-se cada vez mais
presente.
3. Turismo religioso no Brasil
As peregrinações acompanharam as transformações sócio-culturais.
Anteriormente associadas às penitencias como forma de comunhão com o sagrado e
fortalecimento da fé, onde os peregrinos dedicavam o tempo às orações,
sacrifícios, cânticos, reflexão e suplicas comumente acompanhada pelo jejum.
Hoje, apropriadas pelas atividades do turismo, as peregrinações são incorporadas
pelo turismo religioso e assumem importância econômica, pois peregrinos também
são consumidores de bens e serviços: Transporte, alimentação, hospedagem,
serviços médico-hospitalares, lembrancinhas, lazer e
recreação.
As festas religiosas passaram a ser incluídas no calendário de
eventos oficiais, se qualquer diferenciação de outros eventos culturais,
independentemente de seu cunho religioso ou profano. Tornaram-se atrativos
turísticos comercializados nos mesmos moldes de outros produtos turísticos.
Dessa forma, as atividades paralelas e simultâneas às manifestações religiosas
ganham atenção, no sentido de atrair mais visitantes, assim como, prolongar sua
estadia.
Apesar do conforto proporcionado pelos setores de alimentação e
hospedagem, parte dos fieis consideram que em se tratando de peregrinação a
penitência é essencial. Para atender este público, são oferecidos roteiros
alternativos, onde a mística é resgatada, a aventura é valorizada, assim como o
contato com a natureza. Exemplos podem ser citados: Santiago de Compostela, na
Espanha, no Brasil, a fé católica criou vários caminhos: O Caminho da Padroeira,
percorrido a pé na Serra da Mantiqueira e no Vale do Paraíba, nos estados de São
Paulo e Minas Gerais; Caminho Santo de Nhá Chica em Minas Gerais; O Caminho de
Anchieta no Espírito Santo.
No Brasil as festas religiosas, ligadas ou não ao catolicismo são
muito comuns. As procissões e festas religiosas são consideradas como as mais
antigas manifestações comunitárias urbanas. Toda comunidade, freguesia,
município tem seu padroeiro, e conseqüentemente uma festa em sua homenagem. As
festas marianas são incontáveis, assim como suas denominações: Nossa Senhora do
Rosário, Nossa Senhora Aparecida, Imaculada Conceição, Nossa Senhora de Nazaré,
Nossa Senhora da Piedade, e assim por diante. Missas, vigílias, penitências,
queima de fogos e quermesses fazem parte destas
celebrações.
Em muitas localidades, as festas do ano novo têm seu ápice como o
Reisado, no dia 6 de janeiro. O festejo chegou ao
Brasil através dos colonizadores portugueses e celebra o nascimento do
Menino Jesus. Em Portugal é conhecido como Reisada ou Reseiro. No Brasil é recheado de
histórias folclóricas, mas sua essência continua a mesma, com uma mistura de
temas sacros e profanos. O Reisado é formado por um grupo de músicos, cantores e
dançarinos que percorrem as ruas das cidades e até propriedades rurais, de porta
em porta, anunciando a chegada do Messias, pedindo prendas e fazendo louvações
aos donos das casas por onde passam. As doações dos fieis, geralmente itens
alimentícios, são transformados em banquete oferecido a toda a comunidade
em festa. De
modo geral, o Reisado não exerce muita atração de visitantes, pois sua
existência está na base de solidariedade da comunidade local, e suas relações
são regidas pela fé e não pelo interesse comercial.
Entretanto, grande parte das festas religiosas passou pelo
processo de transformação em produto turístico. Nestas as procissões, cânticos,
andores, velas, flores, sacerdotes entre outros elementos são observados por
milhares de pessoas. Agentes da iniciativa privada e do poder público
transformam o ritual religioso em algo a ser comercializado. Horários, roteiros
e ritos são alterados para atender ao turista, neste caso, o freguês, que sempre
tem razão.
No Brasil, os rituais ligados às religiões afro-brasileiras têm
grande potencial de crescimento como atrativo turístico. O Candomblé, o Tambor
de Crioula entre outras já fazem parte de roteiros turísticos em diversas
localidades. As religiões de origem oriental, como o Budismo e seitas como a
Messiânica também abrem seus templos para visitação, onde a contemplação dos
jardins e da arquitetura oriental dá o toque de exotismo.
O crescimento das igrejas evangélicas, a partir da década de 1980,
foi acompanhado pela organização de grandes encontros e festivais de música
gospel, estes eventos movimentam, a cada ano, um numero maior de
fieis.
Ainda dentro da diversidade religiosa e cultural alguns lugares
merecem destaque por atrair visitantes pela motivação espiritual/esotérica: O
Vale do Amanhecer em Brasília; a Chapada dos Guimarães em Mato Grosso, São Tomé das Letras
em Minas
Gerais são os principais exemplos.
Dentre as centenas de possibilidades e exemplos de destinos
religiosos no Brasil, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, na Cidade de
Aparecida do Norte no Estado de São Paulo, ganha notoriedade, não somente por
ser Padroeira do Brasil, mas pela capacidade de atração de turistas, romeiros e
peregrinos. A Basílica de Aparecida, o maior Santuário Mariano do Mundo, em dias
festivos chega a receber mais de 150 mil pessoas por
dia.
Em Aparecida, os espaços de consumo multiplicam-se e vendem de tudo no “Shopping do Romeiro”.
Aparelhos eletro-eletrônicos, artesanato local, lembrancinhas, quinquilharias
“made in China”, convivem pacificamente com imagens sacras, rosários,
crucifixos. Silveira (2003) afirma:
Mas o elemento que marca indelevelmente o espaço urbano de
Aparecida é o consumo, atividade que envolve mais processo simbólico do que uma
unívoca racionalidade econômica, pois ao consumir nele se estabelecem relações
sociais. (SILVEIRA, 2003, p. 96)
Religião e turismo têm sua intersecção no consumo. Os fieis e
visitantes são de todos os segmentos sociais, de diferentes religiões, utilizam
de diversos meios de transporte, enfim apresentam, ou representam a diversidade
sócio-econômica da sociedade brasileira. Fazem suas súplicas, pagam promessas e
agradecem as graças recebidas, alguns pela primeira vez, outros cumprem o ritual
por vários anos, até em continuidade a seus pais e avós.
Cumprido o ritual litúrgico, acorrem às compras, fazer a refeição
e usufruir do lazer. Ou seja, transpor a fronteira e simultaneamente construir a
fluidez entre a religião e o consumo. Passar de peregrino para turista, da aura
de reflexão e sofrimento para a leveza do
consumismo.
Finalizando, verifica-se que o lazer e o consumo se entrelaçam às
obrigações e ritos religiosos.
Peregrinos e turistas se misturam e disputam espaços de consumo e de
lazer, confundem-se em meio à multidão. Há o processo de espetacularização da
religião e construção da relação dialética
entre mercado e fé.
4. Referências
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