A
RENDA MONOPOLISTA E AS SIMULAÇÕES: O CASO DAS CHURRACARIAS
Neudy Alexandro Demichei
Vanda Ueda
Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS.
Programa de Pós Graduação em
Geografia.
Eixo
temático:
Geografia e
Turismo
Resumo
O presente
trabalho objetiva entender o processo de apropriação e transformação de
elementos culturais através do viés econômico. Para viabilizar a pesquisa, será
tomado como estudo de caso as churrascarias, onde a partir destas se tentará
identificar e entender as relações constituídas de determinado grupo envolvido
com a rede gastronômica/social.
A proposta surge
perante a atual discussão realizada acerca da direção de um mundo supostamente
sem territórios, de um transbordamento dos territórios. É importante deixar
claro que a abordagem de território que se procurará discutir se remete ao viés
cultural e econômico, não entrando na discussão de território enquanto
compreensão política.
Palavras
chave:
renda monopolista, território, churrascarias, gastronomia, globalização.
Introdução
Atualmente, os
segredos da culinária correm rapidamente de uma região para outra, não
respeitando as fronteiras. Técnicas modernas de conservação colocam diferentes
alimentos ao alcance do consumidor mais distante. Animais, frutas e vegetais são
adaptados fora de suas regiões de origem, criados ou cultivados nas mais
diversas partes do mundo. A existência de técnicas que possibilitem aos
indivíduos terem acesso a diferentes alimentos é segundo Santos (2006) a
revolução dos meios tecnológicos que avançam de forma espantosa, facilitando a
articulação da sociedade numa escala global, intensificando as relações através
do mercado. Isto é, os territórios estão atualmente equipados para facilitar a
circulação, a comunicação, tornando-se fluídos, “no qual as fronteiras se tornam
porosas para o dinheiro e para a informação”.
Esse processo não
é atual, mas sim algo histórico. Porém, com o adicionante da tecnologia, o
processo de superação tornou-se mais veloz. Ainda em Santos (2006), podemos
dizer que os espaços são requalificados para atender aos interesses hegemônicos
da economia, da cultura e da própria política.
Hoje é possível
comer tudo em quase todos os lugares. Pelo fato da gastronomia ser um dos
componentes do território, a sua tendência também é a globalização. Porém, não é
a macdonalização da alimentação, mas sim a diversidade de técnicas e preparos,
interesse pelas diferentes culinárias de povos e grupos. Essa idéia indica que
não vivemos um período de americanização/macdonalização, mas sim uma
mundialização da modernidade, seguindo a idéia de Renato Ortiz (1994). Acabamos
chamando de americanização o atual processo pois é nos Estados Unidos que a
modernidade está mais avançada, possuindo o padrão de consumo, mas a propagação
pelo mundo acontece a partir de vários lugares, não tendo direção única e nem
saída única.
Assim, as
churrascarias se inserindo num contexto global é um exemplo do transbordamento
da cultura referendada ao gaúcho; ou mesmo a quantidade significativa de
restaurantes orientais inseridos em países considerados ocidentais. Outro caso
referente à interconexão econômica e cultural dos lugares está no fato das
pessoas não produzirem mais muito do que consomem, e produzirem muito do que não
consomem.
Parece óbvio, mas
o cuidado é imprescindível quando analisamos a difusão alimentar, pois esta não
foi repentina, sendo a difusão de certos alimentos muito mais antiga do que o
chamado processo de globalização.. A cozinha
acompanha a sociedade através dos tempos, misturando costumes, aspectos
geográficos, políticos e sociais. A sua origem sempre foi local ou regional,
embora não ficasse restrita a esses limites.
Porém, o que se
pode ver é que hoje é possível comer praticamente tudo em quase todos os
lugares, o que vem provocando uma verdadeira revolução na
gastronomia.
A relação cultura
e capital
Muitos
autores denominam que somos uma sociedade de consumo. Porém, para sermos uma
sociedade de consumo, somos antes uma sociedade capitalista. E dentro do sistema
capitalista e da sua necessidade de buscar a o lucro, os elementos do espaço se
tornam mercadorias. Para tanto, basta observar o viés da discussão ambiental,
que considera o ambiente como uma mercadoria, como algo que está para ser
consumido. Mesmo as discussões atuais de preocupação e defesa do ambiente, são
sobre uma ótica econômica. Exemplo claro são os créditos de carbono, onde você
recebe para preservar o ambiente. Veja a reportagem
“A recém-lançada organização
não-governamental britânica Cool
Earth está comemorando o Dia do Meio Ambiente com uma campanha que
incentiva as pessoas a patrocinarem a preservação de terrenos na Floresta
Amazônica para ajudar a combater o aquecimento global”.
A
instituição acima busca proteger a Floresta Amazônica a partir da venda de lotes
da floresta, podendo uma pessoa com 35 a 50 libras comprar cerca de 2 mil metros
quadrados de floresta no Brasil ou no Equador. Se apropriando da discussão
envolvendo o aquecimento global, o coordenador da ONG argumenta que
“esta é a
oportunidade ideal para que cada um de nós tenha um papel importante em mudar o
mundo”.
Mas
não é somente o ambiente, ou a defesa deste, que é apropriado e transformado em
mercadoria. A cultura, outro importante elemento do espaço tem sido cada vez
mais trabalhada e moldada para fins econômicos. E é aqui que nos deteremos com
maior profundidade, uma vez que a pesquisa se encaminha para uma discussão e
problematização da apropriação cultural pelo viés econômico.
Na
tentativa de aprofundar a discussão, Harvey (2005) faz uma reflexão muito
pertinente sobre esse processo, a distinguir a mercadoria cultura das outras demais
mercadorias. Coloca que “há a crença de que algo muito especial envolve os
produtos e os eventos culturais [...] sendo preciso pô-los à parte das
mercadorias normais, como camisas e sapatos”.
Mas
por que esse fenômeno acontece?
Como
resposta, trazemos os modos de vida para a discussão. Sabemos que pelos
diferentes lugares que passarmos iremos perceber uma infinidade de
peculiaridades, desde a relação entre os indivíduos, passando pelas paisagens
geográficas. Essa riqueza presente em cada lugar, que até pouco tempo atrás
pareceu não ser muito valorizada quando nos colocamos num campo central. Porém
essa idéia parece estar sendo modificada, passando os modos de vida, ou como
Harvey coloca, “os modos localizados de vida”, como que querendo dar mais valor
a categoria espaço, e assim, os eventos culturais ali localizados a serem vistos
como boas mercadorias. E nessa relação cultura e capital, o evento cultural
transformado em mercadoria se diferencia de outras mercadorias que não possuem
internalizadas os modos localizados de vida. A essa diferença, Harvey chama de
renda monopolista,
que surge/proporciona para os atores sociais possibilidade de maiores lucros. É
a particularidade local que permite ao produto ser diferenciado, possuidor de
qualidades únicas e especiais.
Dentro
das singularidades dos locais e localidades e na tentativa de deter o domínio
sobre elas, o poder monopolista serve para assegurar as “alegações de
singularidade e autenticidade articuladas enquanto alegações culturais
distintivas e irreplicáveis”.
Como
exemplo da disputa de poder na busca da renda monopólica, podemos mencionar as
disputas jurídicas e negociações ocorridas nas últimas décadas, iniciadas pela
indústria do vinho europeu, liderados por países como França, contra a
banalização de expressões como “champagne” em qualquer rótulo de espumante que
você produzido, independente do local de origem, deixando dessa forma de existir
a originalidade e autenticidade, e conseqüentemente a perda da renda monopólica.
Por
estas questões, os produtos culturais não podem ser colocados numa mesma
categoria que as mercadorias normais. Os primeiros possuem uma identidade, um
registro de procedência, o que lhes agrega valor e os diferencia no mercado. Já,
a mercadoria normal, não se é possível agregar valor a partir da identificação
com o local, pois sapatos e camisas, calças jeans, a pizza Express e o Big Mac
não estão ligados aos modos localizados de vida, ou totalmente
desterritorializados que não se identificam com um local de
origem.
O extravasamento
do território
Partindo da
premissa de que o sistema capitalista é expansível, onde o crescimento econômico
é baseado em contradições, tais como a escala local perante a escala global,
sendo o imperativo da acumulação também o imperativo da superação das barreiras
espaciais. Fazendo uma leitura de Harvey
sobre a teoria da acumulação de capital de Marx, o capital depende da expansão
constante da circulação, onde Marx apud Harvey coloca que “a condição
prévia da produção com base no capital é, portanto, a produção de uma esfera
constantemente maior de circulação”.
Sendo assim, o capital possui também em seu bojo, além de criar trabalho
excedente, uma tendência de criar novos pontos de troca.
Assim,
a partir da tendência de criar novos pontos de troca, temos a tendência de criar
um mercado mundial, em que deixem de existir, ou ao menos mais flexíveis, os
limites para a expansão do mercado.
Contudo, quando
afirmações como esta são colocadas, muitas são entendidas como sinônimo de fim
do território, como chega a propor Badie
e outros que vêem de forma dicotômica território e rede. Partimos de uma reorganização numa perspectiva que
busque uma maior articulação entre si, a conectividade, num binômio território,
“historicamente relativizado, a rede atuando ora com efeitos
territorializadores, ora desterritorializadores”.
Segundo o próprio Haesbaert, a passagem de um território-zona, “centrados em
dinâmicas sociais ligadas ao controle de superfícies ou à difusão em termos de
área (em geral contíguas)” para um território-rede onde “a lógica se refere mais
ao controle espacial pelo controle de fluxos, [...] uma característica muito
importante é que a lógica descontínua dos territórios-rede admite uma maior
sobreposição territorial, na partilha concomitante de múltiplos territórios”.
Ou como Veltz, quando afirma que a noção de continuidade já não serve devido às
transformações contemporâneas na comunicação. Transformações estas que não se
dão de forma homogênea no espaço, devido à extrema heterogeneidade da velocidade
das trocas, tais como pessoas, bens, informação entre outros.
A
passagem de território-zona para território-rede, a desconcentração industrial,
só foi possível a transformações estruturais que existiram, sendo que o avanço
tecnológico, científico e informacional propiciou a intensidade de tais mudanças
espaciais. Intensificou e não criou porque as trocas acontecem desde os
primórdios, quando a sociedade estava constituída do mínimo de
artificialidade.
Atrelado as
questões justapostas, o processo de globalização começa a tomar impulso, pois,
em primeiro lugar, é uma lógica do capitalismo, e em segundo, o aparato técnico
facilita esse processo natural dentro da lógica
capitalista.
Podemos, assim
partir da compreensão da globalização como uma ampliação dos intercâmbios
econômicos, culturais, tecnológicos, e a criação de mecanismos supra-nacionais
de representação política, para traçarmos uma origem histórica do fenômeno que
nos permita identificar suas conseqüências territoriais.
Portanto, é
difícil estabelecer um marco inicial para a globalização. Autores diferentes que
buscaram uma periodização da globalização chegaram a datações significativamente
díspares: alguns utilizam a Revolução Industrial como um marco inicial; outros
vêem no imperialismo do final do século XIX e início do XX o início da nova era;
outros, por fim, conseguem identificar os últimos 30 anos como aqueles que
caracterizariam a globalização. O fato é que, se tomamos como traço indicativo
da globalização a intensificação dos intercâmbios sociais pelo mundo, podemos
chegar a conclusões um tanto diferentes daquelas em voga. Como exemplo, a
disseminação da peste negra na Europa Medieval, no século XIV, por exemplo, não
poderia ter sido desencadeada não fossem os permanentes intercâmbios comerciais
do continente europeu com a Ásia.
Também
podemos afirmar que um marco significativo na intensificação dos intercâmbios
culturais e econômicos do mundo foi à conquista do continente americano pelos
europeus, a partir do século XVI. Este período foi marcado pela reorganização (e
dizimação da população, em alguns casos) das sociedades pré-colombianas de forma
a atender os interesses comerciais e políticos dos Estados europeus. A partir
deste período, houve um crescimento constante das trocas comerciais entre
Europa, Américas, África e Ásia. Com a incorporação, entre os séculos XVIII e
XIX, da Oceania a essas rotas comerciais, a maior parte do mundo já estava
inserida em uma economia de trocas intercontinentais[15].
Porém,
acreditamos que com o advento da revolução tecnológica cuja continuidade
persiste até hoje, a integração da economia mundial voltou a caminhar a passos
largos, talvez como nunca vistos antes. Nos últimos 50 anos, através da criação
de diversas formas de integração de mercados, a economia voltou ao nível de
integração anterior às guerras e, finalmente, o superou. Esta integração não se
deu sem a adoção, por parte dos diversos países, de medidas de liberalização
comercial, financeira e de investimentos produtivos. Isto se deu sobretudo a
partir dos anos 80, período selecionado por muitos autores como aquele que
marcaria o limiar da globalização.
O que
pretendemos mostrar aqui é que a globalização não é um fenômeno novo, pelo menos
não tão novo quanto alguns sugerem. O que se verifica é um movimento ascensional
que parte, talvez, desde as grandes navegações até o período atual, com rupturas
às vezes bruscas e acelerações no sentido da integração mundial, sempre
direcionadas pelas necessidades históricas de acumulação de capital.
Globalização: o
transbordamento da cultura
Para
começarmos a discorrer sobre o fenômeno da globalização e cultura, nada mais
adequada que a colocação de Sene quando comenta que “a dimensão cultural da
globalização, embora muito importante, não tem sido muito destacada,
provavelmente à hegemonia das análises economicistas”.
Por
estarmos inseridos em um sistema capitalista, faz sentido a perspectiva
econômica tomar proporções principais na análise e no desenvolvimento de
programas de empresas, governos entre outros. No entanto, não podemos separar a
cultura e a economia, uma vez que ambas são estruturas importantes para o
desenvolvimento mútuo, como colocou Eustáquio de Sene, onde “o cultural se
dissolve no econômico e o econômico, no cultural”.
Exemplo disso está em Harvey (2005) quando menciona sobre a inovação cultural
local, “como na ressureição e invenção de tradições locais, se vincula ao desejo
(do capital) de extrair e se apropriar de tais rendas”
.
O que
temos visto é o discurso sobre a padronização da cultura, a massificação dos
hábitos e costumes. Porém isso soa de forma estranha, uma vez que as
civilizações são formadas por padrões culturais diferentes, envolvendo amplos
agrupamentos culturais de pessoas e fatores de identificação, como a língua,
religião, costumes, história entre outros. Isto porque, como que uma
contradição, os empresários globais sabem que o desenvolvimento local lhes trará
rendas monopolistas. Imaginem o caso do turismo. Para um local ser atrativo,
precisa oferecer o mínimo de estrutura para abarcar os turistas que ali querem
conhecer. Se esse lugar for tão fora da realidade, não possuindo a menor
infra-estrutura, não terá valor no mercado, pois não haverá procura ou uma
pequena procura por ele.
Temos
que entender que o nível econômico da territorialidade, quanto à organização
espacial da produção e dos mercados, acarreta efeitos territoriais
diferenciados, até existindo uma homogeneização dos padrões culturais e
econômicos, mas parcial. “A globalização [e mundialização] provoca um
desenraizamento dos segmentos econômicos e culturais das sociedades nacionais,
integrando-os a uma totalidade que os distancia dos grupos mais pobres, [que se
encontram] marginais ao mercado de trabalho e de consumo”.
Nessa
idéia, a globalização dos padrões culturais e a conseqüente massificação da
indústria cultural se tornam equivocada, pois até existe uma padronização, mas
não uniforme, absoluta; mas sim parcial, atingindo as classes sociais que estão
inseridas no mercado de trabalho e de consumo. A massificação da indústria
cultural é resultado da apropriação da cultura pelo capital, fato este aos
grandes lucros proporcionados. Porém, não podemos colocar a existência de uma
americanização, ou de uma ocidentalização do mundo. Acreditamos na existência de
uma globalização da modernidade, pois a massificação parcial da indústria
cultural não possui sentido único, e nem base única, não significando a
globalização apenas a macdonalização do mundo. Isto porque o capitalismo sempre
se baseou na especulação de novos espaços, novos processos de trabalho, com a
intencionalidade de buscar a lucratividade.
Segundo Heidrich,
“com o processo de transnacionalização e globalização cresce o poder da empresa
e ela se distancia do controle pela política, à medida que os territórios são
transfigurados em mercados”.
Como os territórios são transfigurados em mercados, alguns componentes do
território, como costumes, hábitos, língua, religião também se tornam mercado.
Como exemplo podemos colocar os padrões alimentares como significativo exemplo,
algo não muito trabalhado na Geografia.
As
territorialidades alimentares
Pelo
fato da gastronomia ser um dos componentes do território, a sua tendência também
é a globalização. Porém, não a macdonalização da alimentação, mas sim a
diversidade de técnicas e preparos, interesse pelas diferentes culinárias de
povos e grupos.
Se nos
remetermos ao período do absolutismo e centralismo na França, tentando buscar
material sobre as cozinhas regionais desse período veremos que a maioria dos
escritos se refere à cozinha oficial da Realeza. Segundo Julia Csergo, “a
cozinha do povo das cidades e zonas rurais, diversa segundo os meios
geográficos, repousando quase sempre, nas produções locais, só era
ocasionalmente assinalada nos livros de cozinha, nos tratados de agronomia e nos
relatos de viagem”.
A partir da citação, fica evidente as relações de poder colocadas no período do
Antigo Regime, onde a idéia de uma única cozinha, pelo menos oficial da Realeza
existia, tentava apreender os territórios anexados ao espaço do
reino.
A
cozinha acompanha a sociedade através dos tempos, misturando costumes, aspectos
geográficos, políticos e sociais. A sua origem sempre foi local ou regional,
embora não ficasse restrita a esses limites. Porém, o que se pode ver é que hoje
comemos praticamente tudo em quase todos os lugares, o que vem provocando uma
verdadeira revolução na gastronomia.
Seguindo a idéia
de Santos,
o que provoca essa revolução são os meios tecnológicos que avançam de forma
espantosa, onde estes meios facilitam a articulação da sociedade numa escala
global, intensificando as relações através do mercado. Isto é, os territórios
estão atualmente equipados para facilitar a circulação, a comunicação,
tornando-se fluídos, “no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e
para a informação”.
Sobre a revolução provocada em torno dos meios tecnológicos, na alimentação,
pensadores projetaram como tenderia a ser a alimentação no início do século XXI,
baseada na pílula alimentar, que substituiria as refeições.
No entanto, os pensadores e as próprias pessoas não perceberam a verdadeira
mudança, que foi a corrida para comer fora de casa. E com certeza um dos motivos
disso foi a entrada da mulher no mercado de trabalho. A estrutura mudou, mas os
produtos continuam.
A
pílula alimentar não se estabeleceu, mas a entrada de novas cozinhas sim.
Atualmente se é possível comer pratos os mais variados possíveis, dos mais
variados lugares. Tudo isso graças aos avanços tecnológicos e a globalização que
tira vantagens deles. Assim, podemos afirmar que está existindo uma
macdonalização quanto ao hábito de comer, pois devido às transformações sociais,
os grandes centros urbanos apresentam uma população que realiza a maioria de
suas refeições fora de casa. A alimentação torna-se um mercado de consumo em
massa. Mas, uma contradição surge. A expansão e o conseqüente transbordamento
das cozinhas não ocorre pelo paradigma da macdonalização, mas sim da
mundialização, idéia defendida anteriormente, pois não são apenas os lanches
rápidos que se globalizam, as cozinhas orientais, latinas, árabes e africanas
entre outras também se inserem nesse processo de expansão global. Isto tudo
possibilitado pelos meios de comunicação.
Sobre
os meios de comunicação que interligam as diversas partes do planeta quase que
de forma instantânea; estes são importantes mecanismos do mercado, pois, a
especulação de novos espaços, novos processos de trabalho são importantes para o
incremento do lucro. Contudo, é desde as viagens e migrações dos povos, que os
hábitos culinários começam a transbordar os territórios, permitindo que aqueles
sejam elaborados em outras regiões. Esse processo deu início ao intercâmbio de
hábitos alimentares, que se potencializa no atual período dos meios
informacionais.
O
transbordamento dos hábitos alimentares pode levar a uma leitura de padronização
da indústria cultural pelo interesse econômico, idéia que consideramos um tanto
equívoca. Para nós, o que se pode ver é uma inovação na culinária, sendo muitos
pratos recriados de acordo com as possibilidades locais. Segundo essa idéia, a
tendência da gastronomia mundial é a de ser cosmopolita, sem nunca se esquecer,
no entanto, das raízes que cada país tem em sua culinária regional. Então
podemos afirmar que estamos a caminho de uma uniformização planetária?
Acreditamos que não, pois como coloca Fischler “enquanto suprime as diferenças e
particularidades locais, a indústria agroalimentar envia aos cinco continentes
determinadas especialidades regionais e exóticas, adaptadas ou padronizadas”.
E essas especialidades regionais e exóticas, proporcionam aos capitalistas a
renda monopólica, através de marketing do tipo, “venha provar a verdadeira
cozinha árabe”
ou “o jeito gaúcho de fazer churrasco”.
A
territorialização das churrascarias: O caso do churrasco
Com o
objetivo de trazer essa discussão para um caso mais específico, a questão da
formação de churrascarias distribuídas por todo o território brasileiro, e após
os anos 90 se expandindo para uma escala internacional, abarcando países como
Estados Unidos, Itália, França, China, Japão, Chile e muitos outros, nos
desperta demasiada curiosidade.
As
churrascarias, estabelecimentos comerciais voltados ao serviço de alimentação e
lazer segundo critérios do IBGE,
possuem como cardápio principal um prato típico dos gaúchos, o churrasco. Prato
típico do Rio Grande do Sul, não sendo um prato do cotidiano, mas sim servido
ocasionalmente, como em finais de semana ou em ocasiões especiais. Assim, o
hábito de comer churrasco no Rio Grande do Sul, se refere à idéia de comer por
prazer e não comer para viver.
Sobre
o churrasco, o mesmo é um prato muito simples de se fazer. Tradicionalmente é
feito com cortes de carnes bovinas, sendo adicionado a esta a carne suína e
carne de frango. Quanto ao preparo, se utilizam espetos onde a carne é fixada e
posteriormente colocada sobre brasas, para ser assada. O principal tempero usado
é o sal, podendo se adicionar outros temperos, principalmente nas carnes de
frango e suíno. Na carne bovina predomina apenas o tempero com sal.
Porém,
não vamos nos deter aqui a aspectos históricos de construção do churrasco e nem
nos aprofundar de forma demasiada sobre o preparo deste. A breve descrição de
como se realiza o churrasco neste momento já é suficiente, pois queremos aqui
mostrar como um prato típico de uma região do Brasil acabou se expandindo e
extravasando o território, alcançando uma escala global e suas conseqüentes
implicações. Para tanto, basta ver o episódio Simpsons vem ao Brasil, onde mostra em
determinado momento a família Simpsons numa churrascaria na cidade do
Rio de Janeiro.
Pois
bem, partimos do episódio supracitado para chegar no ponto pretendido; a forma
que este prato típico se expandiu e se transformou conhecido mundialmente. As
churrascarias, estabelecimentos comerciais que tem como prato principal o
churrasco, podem ser encontradas em escalas diferentes. Existem churrascarias de
grande porte, com capacidade para 300 ou mais pessoas, onde existe uma
qualificação profissional e um padrão de qualidade exigido, até churrascarias de
pequeno porte, estabelecimentos comerciais estruturados num trabalho de base
familiar. Mas, em ambos, a forma do churrasco ser servido é a mesma, através do
espeto corrido, onde um garçom passa pelas mesas com o espeto oferecendo a carne
aos clientes. Os que aceitam, recebem uma lasca
da carne e o garçom continua passando pelas mesas. Associado ao churrasco,
existe tradicionalmente um buffet de
saladas e pratos quentes, que servem como acompanhamento para comer o churrasco.
O que
difere entre as churrascarias de grande porte e de pequeno porte não é a forma
que se serve o churrasco, mas sim as opções/variedades de carne oferecidas aos
clientes e os acompanhamentos. Nas primeiras, se tende a ter uma maior oferta de
variedades de cortes de carnes, bem como de acompanhamentos. Outra questão é
quanto à forma que os garçons se encontram vestidos. Nas grandes churrascarias,
e aqui se inserem as que hoje extravasaram o território nacional, os
funcionários se encontram pilchados, isto é, vestidos de acordo com as roupas
clássicas do gaúcho, como bombacha (tipo de calça larga), camisa branca, lenço
(vermelho ou branco) e botas ou alpargatas, podendo diferir em alguns aspectos a
vestimenta de um estabelecimento para outro. Bem, apontamos este ponto, pois ser
compararmos os preços entre os estabelecimentos, veremos um hiato entre estes.
No primeiro, o preço tende a ser ao menos 4 a 5 vezes maior que no segundo.
No
nosso entendimento, não apenas a presença de maior variedade resulta na
diferença de preços, ou a qualificação dos profissionais, ou mesmo a qualidade
dos produtos.
Claro
que consideramos estes elementos responsáveis por um maior valor no produto
ofertado, mas o fato de existir simulações, como o de você poder comer um
churrasco realizado por gaúchos (ao menos pessoas vestidas de gaúchos) possui um
valor simbólico, que possibilita ao capital agregar maior valor ao produto
oferecido, principalmente se trabalharmos as churrascarias fora do estado do Rio
Grande do Sul, ou seja, numa escala nacional e ainda mais numa escala
internacional. A partir de tais fatos se gera uma renda monopólica que
proporciona que o D’ da fórmula DMD’ seja mais intenso.
Bibliografia
BADIE, Bertrand. O fim dos territórios. Instituto
Piaget. Lisboa. 1997.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos
territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil.
2004.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São
Paulo. Annablume. 2005.
HEIDRICH, Álvaro Luiz.
“Território, Integração socioespacial,
região, fragmentação e exclusão social”. In: Ribas, Alexandre Domingues;
Sposito, Eliseu Savério; Saquet, Marcos Aurélio (Orgs). Território e
Desenvolvimento: diferentes abordagens. Francisco Beltrão. Unioeste. 2004, p.
37-66.
MINTZ, Sidney W. Comida e antropologia: uma breve revisão.
In Revista Brasileira de Ciências Sociais, Volume 16, número 47, outubro de
2001.
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo.
Editora brasiliense. 1994
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo. Edusp.
2006.
SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. São
Paulo: Contexto. 2003.
VELTZ, Pierre. Mundializaion, ciudades y territórios.
Ariel. 1999
WALLERSTEIN, Immanuel. O sistema mundial moderno. Porto.
Afrontamento, 1990.