Formas Espaciais Simbólicas na
Paisagem de Uso Turístico – Um Olhar Sobre o Patrimônio Cultural
Edificado
Ulisses da Silva
Fernandes*
Universidade Federal
Fluminense
u.zarza@uol.com.br
Resumo
O
presente trabalho é fruto de uma discussão acerca dos conceitos de monumento e
paisagem empreendida ao longo da elaboração da dissertação de mestrado “A
Natureza Monumental do Copacabana Palace Hotel: a Antevisão de uma Paisagem”,
apresentada no ano de 2006 ao Programa de Pós-graduação em Geografia da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, para a obtenção do título de mestre em
Geografia.
Na
revisão bibliográfica empreendida para tal intento, abarcou-se uma discussão
sobre a relação do turismo com o trato das edificações históricas, resultante de
uma das mais vigorosas formas de identificação da atividade enquanto consumo
abstrato. Em assim sendo, a relação estabelecida entre o visitante–turista e o
patrimônio indicado tem gerado uma série de questionamentos acerca das
impactações positivas e negativas desta interação.
Neste
sentido, o artigo visa remontar às origens da caracterização dos monumentos, bem
como das formas edificadas as quais, em conjunto com as primeiras, passaram a
constituir o denominado patrimônio cultural edificado. Não obstante, a
caracterização deste patrimônio encerra a necessidade de se estabelecer sua
correlação com a paisagem urbana na qual se insere como um todo, bem como as
ações necessárias para a sua manutenção e uso turístico.
Deste
modo, espera-se contribuir para o desenvolvimento da atividade turística em
escala local, salvaguardando a necessidade imperiosa de preservação do
patrimônio histórico edificado, incluindo o seu entorno, como forma de assegurar
não apenas uma fonte de recursos oriunda da atividade turística, mas também da
preservação da própria identidade dos habitantes os quais nele
coabitam.
*
doutorando em Geografia – PPG da Universidade Federal
Fluminense.
Artigo
O
presente trabalho é fruto de uma discussão acerca dos conceitos de monumento e
paisagem empreendida ao longo da elaboração da dissertação de mestrado “A
Natureza Monumental do Copacabana Palace Hotel: a Antevisão de uma Paisagem”,
apresentada no ano de 2006 ao Programa de Pós-graduação em Geografia da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, para a obtenção do título de mestre em
Geografia.
O
turismo tem na visitação aos monumentos e edificações históricas uma de suas
mais vigorosas formas de identificação enquanto atividade de consumo abstrato,
tendo, portanto, a relação estabelecida entre o visitante–turista e o patrimônio
indicado, gerado uma série de questionamentos acerca das impactações positivas e
negativas desta interação.
Neste sentido, o presente artigo visa
remontar às origens da identificação de formas espaciais simbólicas enquanto
monumentos, bem como outras formas de trato urbano as quais, em conjunto com as
primeiras, passaram a constituir um patrimônio cultural edificado. Deste modo,
espera-se contribuir para o desenvolvimento da atividade turística em escala
local, salvaguardando a necessidade imperiosa de preservação do patrimônio
histórico edificado, incluindo o seu entorno, como forma de assegurar não apenas
uma fonte de recursos oriunda da atividade turística, mas também da preservação
da própria identidade dos habitantes os quais nele
coabitam.
Remontar às origens da concepção inicial
dos monumentos não garantiria a possibilidade de expressá-la em acordo com a sua
atual compleição. Seria necessário percorrer as distintas considerações que
foram feitas ao longo da história acerca dos monumentos, para, aí sim, alcançar
tal objetivo. Em considerando as palavras da historiadora francesa Françoise
Choay (2001, p. 18-19), “o papel do monumento (...) foi perdendo
progressivamente a sua importância nas sociedades ocidentais, tendendo a se
empanar, enquanto o termo adquiria outros significados”. Torna-se necessário,
então, revisitar distintas referências dadas aos monumentos através da história,
mas sem perder de vista ser esta uma consideração tipicamente alusiva à
civilização ocidental.
Sendo
assim, o que seria um monumento em seu primeiro significado? As raízes
etimológicas da palavra estão no latim, monumentum, que por seu turno deriva
de monere, vocábulo que faz
referência à idéia de lembrar. Choay (2001, p. 18) destaca, pois, que “a
natureza afetiva de seu propósito é essencial: não se trata de apresentar, de
dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva”,
ressaltando, ainda, a “função antropológica” do monumento, por conta de sua
relação com o tempo e a memória.
Para o
historiador Le Goff (1985), monumentos se expressam, inicialmente, em
documentos, pois guardam um legado à memória coletiva das gerações futuras. O
caráter memorial está impresso nas duas formas, documentos e monumentos, ao
fazer perpetuar afetivamente os feitos do passado de um dado grupo ou sociedade.
Choay (2001) destaca as idéias de um
outro historiador, o austríaco Aloïs Riegl,
para atestar aos monumentos caracteres variados conforme o avanço da História –
ele seria um “monumento intencional”
até a Idade Média, prevalecendo a sua função de exaltação ou comemoração
patriótica, por isso intencional no que diz respeito a deixar um legado de força
às gerações futuras; no Renascimento os monumentos perderiam o seu caráter
intencional e passariam a ser avaliados por sua condição artística, tendo por
base estética o próprio classicismo; ainda nesta condição, de não intencionais,
chegariam ao século XX tratados não mais pelos rígidos valores do classicismo,
mas por um questionável valor artístico. Finalmente, Choay ainda destaca que
todos os monumentos intencionais ou não intencionais que transbordem em muito o
seu tempo de existência serão reconhecidos por este próprio mérito, o de
resistirem ao tempo.
A
autora expressa a nítida transfiguração do valor atribuído ao monumento com o
passar dos tempos: do caráter memorial ao caráter arqueológico, como testemunho
histórico da grandeza de civilizações do passado, bem como passando a ser
reconhecido por seu encanto artístico. E cita Quatremère de Quincy,
onde este observa que, “aplicada às obras de arquitetura”, essa palavra “designa
um edifício construído para eternizar a lembrança de coisas memoráveis, ou
concebido, erguido ou disposto de modo que se torne um fator de embelezamento e
de magnificência das cidades”. É ainda do urbanista francês a idéia de que
caracterizaria monumento quando o efeito produzido pela edificação fosse mais
importante do que a sua própria destinação.
A obra
de Françoise Choay (2001), “A Alegoria do
Patrimônio”, é rica em demonstrar como monumentos se converteram em
patrimônio histórico
e, principalmente como os monumentos foram adquirindo um viés de trato muito
mais de reverência histórica do que memorial. Não obstante, a reverência
histórica guarda, intrinsecamente, uma reverência memorial, mas a
intencionalidade já não está mais presente. O dado afetivo é mantido e pode ser
visto como referência na “Carta de
Atenas”,
documento produzido em 1931 como resultado da primeira Conferência Internacional
para a Conservação de Monumentos Históricos, citada por Choay (2001). No trecho
final da carta, a conferência diz estar
profundamente
convencida de que a melhor garantia de conservação dos monumentos e das obras de
arte vem do afeto e do respeito do povo, e considerando que este sentimento pode
ser favorecido com uma ação apropriada de instituições
públicas.
Neste
mesmo documento não há uma definição clara do que posteriormente passou a ser
denominado de patrimônio, mas apenas referências “à preservação dos monumentos
artísticos e históricos”. Talvez o ponto mais importante tenha sido o de
atestar, “em referência à conservação da escultura monumental, que o traslado
dessas obras fora do contexto para o qual foram criadas deve considerar-se, como
princípio, inoportuno”. A importância dessa consideração reforça a tese, a ser
desenvolvida mais à frente, de que o trato do caráter monumental não pode estar
desvinculado do seu entorno.
Como
resultado do II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos
Históricos, reunido em Veneza, de 25 a 31 de maio de 1964,
aprovou-se um texto o qual passou a ser denominado de “Carta de Veneza”
. Neste texto já há uma definição clara de monumento histórico, ao
considerar que
A
noção de monumento histórico compreende, além da obra arquitetônica em si, os
sítios urbanos e rurais, testemunhos de uma civilização de terminada de um, a
evolução significativa, e de fato histórico. Compreende as grandes criações, e
também as obras modestas, que, através do tempo, adquiriram valor cultural
significativo.
Este
mesmo texto mantém a idéia de que “o monumento é inseparável do ambiente em que
se situa e do qual é testemunho histórico”. Monumentos intencionais, do passado,
evocam essa necessidade, de vincular-se ao seu entorno tanto quanto os não
intencionais, cuja escala de tempo, hoje, transforma a designação “histórico” em algo ao menos
questionável, conforme indica Choay (2001). Mas o ponto crucial permanece na
relação entre o fixo, monumento, e o seu entorno, ou seja, a paisagem na qual
está contido ou se fez conter.
Já foi
visto o quanto o monumento perde de seu legado inicial e incide dinâmica de
transformação de reverência memorial e estética. Uma outra grande transformação
diz respeito ao que Françoise Choay (2001, p. 20) chama de “desenvolvimento,
aperfeiçoamento e difusão das memórias artificiais”. A autora enfatiza o
surgimento da imprensa como o mote de maior responsabilidade em determinar fim à
hegemonia memorial dos monumentos. A difusão das obras literárias emprestaria à
disciplina História o poder de memória viva, pois “as próteses da memória
cognitiva são nefastas para a memória orgânica” (Ibidem, p.
21).
Cabe
aqui uma retomada da referência ao historiador Jacques Le Goff (1985) a relação
intrínseca entre monumento e documento – ela já existia. Mas, a produção de
documentos era restrita demais para poder alçar a mesma importância obtida com o
advento da imprensa. E, para além da difusão das obras escritas, o século XIX
traz também “o aperfeiçoamento de novas formas de conservação do passado:
memória de técnicas de gravação da imagem e do som, que aprisionam e restituem o
passado sob uma forma mais concreta, porque se dirigem diretamente aos sentidos
e à sensibilidade” (CHOAY, 2001, p. 21).
Haverá
uma transferência da razão signo do
monumento para a razão sinal.
Seja intencional ou não, ou com apelo memorial distinto do original, o fato é
que a presença física do monumento guarda sua capacidade de expressar-se para
além do conteúdo aparente do objeto. Através da imagem, ocorre o que Françoise
Choay (2001, p. 22) chama de semantização do monumento-sinal: “pela mediação de
sua imagem, por sua circulação e difusão, na imprensa, na televisão e no cinema,
que esses sinais se dirigem às sociedades contemporâneas”.
Finalizando,
destacam-se duas noções fundamentais dos monumentos: em primeiro lugar, há de se
considerar que “o monumento histórico é uma invenção, bem datada, do Ocidente”
(CHOAY, 2001, p. 25). Além disso, baseando-se no equilíbrio das considerações de
Aloïs Riegl, a mesma historiadora destaca ser
o
monumento é uma criação deliberada cuja destinação foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto o
monumento histórico não é, desde o princípio, desejado e criado como tal; ele é
constituído a posteriori pelos
olhares convergentes do historiador, do amante da arte, que o selecionam na
massa dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas
uma pequena parte (Ibidem, p. 25).
As
leituras em respeito ao trato do patrimônio urbano edificado, especialmente a
obra citada de Françoise Choay (2001), geraram o questionamento chave do que se
disserta, pois há nela referência ao urbanista Gustavo Giovannoni e sua obra
original: “Vecchie Città ed Edilizia
Nuova”. Nesta obra, seu autor qualifica o caráter quase que cirúrgico a ser
adotado nas velhas cidades italianas quando da sua adaptação às novas exigências
do moderno consignadas pela expansão capitalista.
O
urbanista italiano identifica a importância da manutenção dos monumentos no
tecido urbano e, indo além, preconiza que o caráter simbólico dos monumentos
está associado à apreciação do seu entorno, ou seja, o trabalho de reforma
urbana deve ser meticuloso o suficiente para diagnosticar o grau de relevância e
manutenção de segmentos do tecido urbano que estejam vinculados ao monumento
nele existente.
Giovannoni
chamaria de diramento
a técnica empregada para tal fim. O termo deriva da botânica e, como muitas
outras expressões do urbano, carreiam informações oriundas das ciências
biológicas, visto ainda ser relevante naquele momento a influência do darwinismo
no âmbito das ciências sociais, como tal qual já está presente em Patrick Geddes, também
citado por Choay (2001) contemporâneo ao italiano, uma expressão similar, a de
“cirurgia conservatória”. Em um
trecho de sua obra, “Vecchie Città”, o autor bem expressa o sentido do diramento ao considerar
que
a
reabilitação dos bairros antigos é obtida mais a partir do interior que do
exterior dos quarteirões, especialmente restituindo casas e quarteirões a
condições tanto quanto possível próximas das originais, porque a habitação tem a
sua ordem, sua lógica, sua higiene e sua dignidade próprias (GIOVANNONI, 1931,
p. 252 apud CHOAY, 2001, p. 201-202).
O que
depreender desta lição? Não se reconhece caráter monumental apenas ao fixo que
pelo senso comum venha a ser assim reconhecido. Sua relevância é imanente à
cultura do grupo que assim o consagrou, portanto, o entorno no qual se localiza
não pode ser defenestrado pura e simplesmente quando da avaliação do grau de
importância do monumento, ou do seu simples
reconhecimento.
Na
verdade, Giovannoni propõe uma das hoje difundidas formas de tratamento dos
monumentos – assunto também tratado na obra de Choay (2001) – acerca da
reconfiguração original dos monumentos, descortinando-os a partir da supressão
de elementos incorporados para além de sua originalidade. Se não é uma linha de
conduta indiscutível entre aqueles que tratam o patrimônio histórico, como
ressalta Choay (2001), tem sido posta em prática por aqueles que a defendem –
exemplo mais claro seria a recuperação do Paço Imperial,
na Cidade do Rio de Janeiro, no início dos anos oitenta, no século passado.
Ocorre
abstrair da idéia original do urbanista italiano o mote já enunciado: o
monumento como um todo requer a justaposição da sua paisagem de entorno e, para
além disso, sublinhar as palavras do arquiteto: “uma cidade histórica constitui
em si um monumento” (Giovannoni, apud CHOAY, 2001, p. 200), mas, em conjunto com
a própria leitura da autora, “o conceito de monumento histórico não poderia
designar um edifício isolado, separado do contexto das construções no qual se
insere” (Ibidem, p. 200). A tônica
deste discurso é refletida na elaboração das atas da Conferência de Atenas, já
citada, da qual Gustavo Giovannoni participou – deste entendimento, pode-se
destacar que
a
própria natureza da cidade e dos conjuntos urbanos tradicionais, seu ambiente,
resulta dessa dialética da ‘arquitetura maior’
e de seu entorno. É por isso que, na maioria dos casos, isolar ou ‘destacar’ um
monumento é o mesmo que mutilá-lo. O entorno do monumento mantém com ele uma
relação essencial (CHOAY, 2001, p. 200-201).
Por
outro lado, há ainda a questão da intencionalidade, considerando esta vinculada
às possibilidades de leitura dos monumentos destrinchada por Françoise Choay
(2001) a partir da obra original de Aloïs Riegl.
Coube aos historiadores questionar a validade da intencionalidade do monumento –
considerando que sua expressão cultural variou de significado conforme o passar
dos tempos, admitindo-se, então, que obras de arte e edifícios, por exemplo,
viessem a ser considerados como tal. A autora supracitada deixa claro,
inclusive, que a apropriação do mesmo enquanto “patrimônio cultural”
enlevou uma distinção de caráter planetário dada aos Estados que os promoviam,
restauravam e conservavam, daí os mesmos se multiplicaram numa escala
questionada por esses mesmos historiadores – o que pode hoje ser considerado
monumento histórico salta da casa dos séculos para a casa das décadas, se
muito.
Em
sendo assim, considera-se o artigo do geógrafo Miguel Angelo Ribeiro (2005),
onde articula a refuncionalização, no caso basicamente para fins turísticos, da
Fortaleza de Santa Cruz, situada na cidade de Niterói, antiga capital do Estado
do Rio de Janeiro. Apóia-se ele em um “fixo social enquanto atração turística e
de lazer” (Ibidem, p. 02), reconhecida enquanto patrimônio histórico brasileiro
pelo Iphan desde 1939, mas onde não há, em sua gênese inicial, o intuito de
consagrá-lo como um monumento e, tão pouco, como patrimônio histórico nacional.
Em verdade, a fortaleza por séculos honrou sua existência, a de tentar, ao
menos, proteger a Baía de Guanabara e as cidades nela encontradas, notadamente a
do Rio de Janeiro, de ataques estrangeiros inimigos.
A
evolução técnica dos tempos progressivamente inibe essa função notória inicial e
aos poucos ganhará ela o status de estrutura edificada que resiste ao tempo e
marca a paisagem com os feitos do passado do grupo social que a produziu –
mantém-se sob os auspícios do poder militar, mas responde por novo significado:
o de patrimônio histórico. Ao mesmo tempo, como bem destaca Ribeiro (2005, p.
06), “expressa uma monumentalidade fantástica, destacando-se na paisagem da Baía
de Guanabara” – uma vez mais ratifica um princípio: aquele no qual nenhum
monumento pode ser julgado livre da paisagem que lhe dá entorno. O caráter
monumental deriva do fato de se impor afetivamente impresso na vastidão
espacial, causa maior de sua grandiloqüência.
Enquanto
patrimônio urbano edificado, conforme Choay (2001), a fortaleza responde como um
monumento tanto quanto o Paço Imperial, na cidade do Rio de Janeiro, aqui já
citado. A questão da intencionalidade é discutível e tem apelos diferenciados
entre distintas ciências sociais e autores idem. A identidade, por seu turno,
melhor qualifica a compreensão da paisagem pelo grupo social que dela se
apropria e a faz refletir tal qual seu próprio espelho: ela é humana, mesmo
sendo puramente natural, pois é lida por aqueles que dela se apropriaram
enquanto idéia ou forma de expressão.
O uso
turístico de formas pretéritas deve considerar as análises aqui sistematizadas,
tendo por base os autores relacionados. O monumento tem uma clara carga afetiva
correlacionada a sua paisagem de entorno, resultante da própria interação
emocional do grupo social o qual nele próprio se identifica. Esta identidade
corresponde a um bem imaterial impreterível quando da consideração de qualquer
patrimônio edificado para uso turístico.
Deste
modo, o uso turístico de tais formas pode agregar sentidos paradoxais: a
expressão turística do patrimônio edificado pode produzir ou ampliar vínculos de
identidade afetiva nas comunidades locais. A atividade é capaz de produzir uma
“mis-en-valeur” (CHOAY, 2001) do patrimônio em função da sua maior difusão
pública. Mas esta valorização pode também ser responsável pela massificação do
uso turístico dessas formas pretéritas e, com ela, carrear toda uma série de
desconfortos para as próprias comunidades locais.
Em
sendo assim, deve ser reforçada a idéia da preservação das formas pretéritas não
apenas como um bem de uso turístico, mas das próprias comunidades locais. Não
preservá-las é querer tensionar um dos elementos mais preciosos na
potencialidade de seu uso, que é a identidade local. Não apenas as formas mais
eloqüentes de um conjunto arquitetônico devem ser mantidas e preservadas, mas
também todo o seu entorno, o que pode ser a conservação de uma paisagem dita
natural ou as formas arquitetônicas menores.
A
massificação turística – pela própria teia de serviços e infra-estrutura
necessários, atração de investimentos e mão-de-obra – pode por em risco a
harmonização de todo um conjunto, sendo este reforçado sempre pela
imaterialidade da relação afetiva. Desta forma, a intensificação do uso
turístico deve ser mediada pelo poder público, de forma a estimular a atividade,
como forma de ampliação de renda e de identidade local, mas também ordenar usos,
formas, alterações paisagísticas e todas e quaisquer outras modificações que
possam por em risco não apenas a atividade, o turismo, mas também a própria
relação da comunidade com o que deve ser chamado de “seu
lugar”.
Monumentos,
conjuntos monumentais edificados e paisagens de entorno, pelo visto, são
construções humanas, não apenas do ponto de vista concreto, mas também abstrato.
A atividade turística toma por base o concreto para fazer valer sua existência,
mas não pode esquecer de pressupor uma consideração abstrata que a qualifique
como tal. O caráter memorial-afetivo dos monumentos e similares manteve-se com o
tempo, mesmo atravessando correções ideológicas pertinentes ao avanço da própria
história. Este elemento imaterial presente na grandeza do patrimônio
histórico-urbano não pode ser desvinculado da sua existência, sob pena de
comprometer a própria atividade turística e, principalmente, a vida das
populações locais. Massificar a atividade turística, em muitos casos, funciona
como o estopim da quebra desta relação harmoniosa entre os diversos interesses
comunitários – o da identidade local e o da geração de renda,
principalmente.
BIBLIOGRAFIA:
CHOAY,
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São Paulo: Ed. UNESP, 2001. 283 p.
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O Signo. São Paulo: Ática, 2001. 80
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LE
GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa
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RIBEIRO, Miguel
Ângelo. Categorias Analíticas do Espaço e Turismo: O Exemplo da Fortaleza de
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Científicas e Coordenadas do 6º Encontro Nacional da ANPEGE. Fortaleza,
2005. 1 CD-ROM.
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Cristiane Moreira. Monumentalidade e
Poder na Construção das Cidades: Um
Estudo Sobre os Projetos Urbanos Não Realizados no Rio de Janeiro da Segunda Metade do Século XIX. 2000.
201 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia, Instituto de Geociências – Universidade
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