AGROECOLOGIA:
UM NOVO PARADIGMA DE
PRODUÇÃO E UM ESTUDO DE CASO
Fabrício Manuel Alves Correa
UFMG
fabriciogeouni@yahoo.com.br
Resumo: Este artigo trata
do modelo de produção agroecológico utilizado pelo Centro de Agricultura
Alternativa do Norte de Minas – CAA-NM, partindo das conseqüências promovidas
pela Revolução Verde de meados do século XX. Nesse sentido, o trabalho teve como
objetivos abordar o processo de modernização da agricultura brasileira frente
aos impactos ambientais, sociais e econômicos sobre a região Norte de Minas e
analisar o processo de produtividade agroecológico do CAA-NM, através de
pesquisa empírica. A metodologia da pesquisa consiste em revisão literária sobre
o tema tratado, pesquisa de campo e entrevista com o coordenador da Área de
Experimentação e Formação em Agroecologia – AEFA, onde são feitos os
experimentos agroecológicos do CAA-NM. Conclui-se que a agricultura alternativa
agroecológica se encontra pautada em um novo ideal de produção, diferenciando-se
do modelo convencional. Pois, além de produzir alimentos mais sadios, direcionam
a produção em uma lógica de respeito ao meio ambiente, contribuindo para o
desenvolvimento socioeconômico dos agricultores familiares da
região.
Palavras-chave: CAA-NM;
Agroecologia; Revolução Verde; Agricultura
Alternativa.
Introdução
A modernização da agricultura brasileira ocorreu através da
Revolução Verde de meados do século XX, que implantou um novo modelo agrícola
baseado na introdução de máquinas e insumos químicos para aumentar a
produtividade de alimentos. Com esse aumento da produtividade agrícola
desencadearam-se problemas de natureza econômica, social e ambiental, que
acabaram contribuindo para a desintegração da agricultura familiar. Quanto ao
aspecto econômico ficou difícil para o pequeno agricultor manter a produção em
suas propriedades, pois os produtos químicos, como fertilizantes, agrotóxicos e
o maquinário que facilitaria o aumento da produção, eram pouco acessíveis ao seu
poder econômico. Portanto, esse processo de modernização agrícola favoreceu aos
grandes latifundiários, que expandiram suas propriedades em detrimento do
agricultor familiar.
A falta de capital para o investimento na propriedade aliada à
dificuldade de acesso às tecnologias modernas gerou a exclusão social,
contribuindo para levar o homem do campo a abandonar suas propriedades e fez com
que ele fosse viver em aglomerações urbanas, na maioria das vezes, tendo que se
sujeitar ao subemprego, ao desemprego, a moradias e alimentações precárias. Essa
agricultura de características capitalistas dedicou-se a produzir alimentos em
quantidade e aparência, visando o mercado externo, não se preocupando com a
qualidade dos mesmos ou com o consumo local.
Além dos problemas econômicos e sociais, vem a questão ambiental,
com a perda de solos e da biodiversidade, além da contaminação dos recursos
hídricos.
Foi a partir dos problemas gerados pela modernização agrícola que
surgiu a agroecologia, como uma alternativa agrícola que se preocupa, não
somente com as questões ambientais, mas também com o social. Essa agroecologia,
difundida pelas idéias de Miguel Altieri, foi bem aceita na América Latina,
possibilitando o conhecimento, não somente dos problemas ambientais, mas também
da questão social precária em que vive essa região. Constituiu-se, ainda, como
um novo paradigma de sustentação agroecológica, que repercutiu de forma
marcante, através de organizações não-governamentais, junto ao agricultor
familiar.
Neste contexto,
justifica-se a realização deste trabalho enfocando a agricultura alternativa
através do estudo de caso do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
– CAA-NM, o qual foi criado a partir da preocupação com os impactos sobre o meio
ambiente e o agricultor familiar, provocados, especialmente, pela agricultura
convencional e pelo processo de modernização introduzidos na região na segunda
metade do século XX.
Em linhas gerais, o trabalho trata, num primeiro momento, de uma
síntese do processo de modernização da agricultura e apresenta uma breve análise
da agroecologia como forma de sustentabilidade agrícola. Continua com o contexto
histórico da criação do CAA-NM e do processo de produção agroecológico na Área
de Experimentação e Formação em Agroecologia (AEFA).
Modernização agrícola X
agroecologia
A modernização da agricultura brasileira se deu com a chamada
Revolução Verde que nasceu pós Segunda Guerra Mundial em meio aos interesses dos
Estados Unidos (capitalista) e da extinta União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) – de interesse socialista. Não obstante, o mercado de insumos
químicos buscava a ampliação de novos mercados para expandir sua produtividade.
Soma-se a isso, o crescimento da indústria mecânica que ampliou sua produção de
máquinas e equipamentos que favoreceriam o aumento da produção agrícola dos
países, até então, com uma agricultura atrasada.
No Brasil, a Revolução Verde foi implantada favorecendo os grandes
latifundiários, assim como nos demais países que veio a sofrer esse processo de
modernização. Mais do que o aumento da produtividade, a agricultura moderna veio
trazer também uma série de impactos ambientais, sociais e econômicos, já que
esse modelo de produção baseou-se na expansão da fronteira agrícola e excluiu os
agricultores descapitalizados.
Através da modernização agrícola intensifica-se a monocultura, com
conseqüente perda de biodiversidade e desgaste dos solos. Além disso, acentuou o
processo de exclusão econômica e social do agricultor
familiar.
Para Rosa (1998), a modernização da agricultura ocorreu de forma
excludente, privilegiando uma pequena parte da população, e ainda teve como
conseqüência o intenso êxodo rural.
Em oposição ao modelo convencional agrícola surge na América
Latina a agroecologia.
Altieri (2004, p. 18), conceitua a
agroecologia:
Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios
agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito
das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. [...]. O
objetivo é trabalhar com e alimentar sistemas agrícolas complexos onde as
interações ecológicas e sinergismo entre os componentes biológicos criem, eles
próprios, a fertilidade do solo, a produtividade e a proteção das
culturas.
É importante salientar que os princípios agroecológicos baseiam-se
em promover uma inter-relação entre as práticas agrícolas e o meio ambiente, em
que a forma de produção consiste no trabalho com sistemas complexos e
diversificados.
Para Hecht (1993) citado por Dayrell (2000, p.
204),
a
melhor maneira de se descrever a agroecologia é no sentido de que ela, mais do
que constituir uma disciplina específica, integra idéias e métodos de vários
subcampos. [...] Suas raízes encontram-se nas ciências agrícolas, no movimento
ambientalista, na ecologia (em particular na explosão de pesquisas sobre os
ecossistemas tropicais), na análise de agroecossistemas indígenas e nos estudos
sobre desenvolvimento rural. Cada uma dessas áreas de pesquisa [...] tem
exercido influências legítimas e importantes sobre o pensamento
agroecológico.
Portanto, as linhas de pesquisa na agroecologia podem se desdobrar
em diversos campos, sendo que compreende estudos acerca tanto das práticas
familiares de produção quanto de algumas culturas específicas, como populações
tradicionais, quilombolas e indígenas.
Baseada na policultura, plantio em curva de nível, rotação de
cultura e no sistema de agrofloresta, a agroecologia possibilita a interação de
aspectos econômicos, social e ambiental, em que o pequeno agricultor se
beneficia da renda gerada a partir da exploração da sua propriedade, reduzindo
os custos com fertilizantes e agrotóxicos, e a natureza é preservada através de
uma lógica de exploração sustentável.
O contexto histórico do Centro de Agricultura Alternativa do Norte
de Minas
A região Norte de Minas Gerais sempre foi marcada por contrastes
físicos, econômicos e sociais, que se intensificaram com a modernização
agrícola. Além disso, é caracterizada como uma faixa de transição de florestas
úmidas para a caatinga, e uma economia relativamente atrasada.
Segundo Dayrell e Rosa (2005), além dos agrotóxicos e dos
fertilizantes, essa região sofreu com os grandes latifúndios, onde se observa,
também, a atuação intensa praticada pelas empresas de reflorestamento. Isso
contribuiu para expulsar os pequenos agricultores de suas terras, fazendo com
que fossem para os centros urbanos em busca de sua sobrevivência e da própria
família.
Foi assim que, em 1985, através de um seminário realizado na
cidade de Montes Claros surge a proposta de criação do Centro de Agricultura
Alternativa do Norte de Minas. Essa proposta foi baseada nas adversidades pelas
quais estava passando o pequeno produtor rural, tanto as de ordem natural (baixa
pluviosidade, solos cansados e já quase improdutivos), como as dificuldades
econômicas e sociais impostas pela Revolução Verde, além da falta de apoio
governamental.
De acordo com Dayrell
e Rosa (2005), este, até então projeto, foi concretizado através de cooperação e
acordos firmados junto a entidades e instituições. Dentre essas, estavam a Casa
da Pastoral Comunitária da Diocese de Montes Claros, a Misereor, Assessoria
e serviços a Projetos em Agricultura
Alternativa – AS-PTA, e ainda, buscou-se apoio financeiro
junto ao Financiamento de Estudos e Pesquisas – FINEP, do Ministério de Ciências
e Tecnologia. Além do apoio da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária
(EMBRAPA), que ajudou na busca de sementes que melhor se adaptaram à região. E
por último ressalta a ligação com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural – EMATER, que contribuiu com a implantação do
CAA-NM.
O CAA-NM é composto
pelo escritório, que se localiza na rua Anhanguera, 681, no bairro Cândida
Câmara, em Montes
Claros, e a área de experimentação. A área de experimentação é
chamada de AEFA (Área de Experimentação e Formação em Agroecologia), localiza-se
na rodovia BR-135, à 40 quilômetros da cidade de Montes
Claros.
O CAA-NM constitui uma entidade não-governamental que atua no
Norte de Minas em função da promoção de desenvolvimento social, econômico e
ambiental.
Esse projeto sofreu,
em primeiro instante, a resistência dos agricultores familiares dessa região que
não acreditavam que o processo de produção agroecológico proposto pelo CAA-NM
fosse capaz de substituir os insumos químicos, oriundos da Revolução Verde. O
CAA-NM não somente teve que trabalhar com as técnicas de produção, mas também
com a reeducação dos agricultores, para que fosse possível a realização desse
trabalho.
O Processo de Produção Agroecológico na Área de Experimentação e
Formação em Agroecologia – AEFA
A AEFA ocupa uma área de 63 hectares, localizada no bioma
cerrado em transição para caatinga, possui solos rasos e pedregosos, embora
relativamente férteis, dada a sua biodiversidade. Verifica-se que 17% da área é
utilizada como reserva ambiental e 83% é destinado às experimentações, cultivo
agrícola, além da criação de animais.
Na AEFA são realizados diversos experimentos agrícolas,
respeitando as limitações da natureza e ainda contribuindo para o
desenvolvimento da agricultura familiar das comunidades vizinhas.
Pode ser observado na AEFA que o trabalho é praticado com pleno
respeito à natureza, seguindo os meios agroecológicos de produção
agrícola.
De acordo com o senhor Isaías Francisco Borges, na AEFA é praticado o
sistema de agrofloresta (Figura 1), feito através do plantio de pastagens em
consórcio com a vegetação nativa. É utilizado o sistema de curva de nível, de
forma natural, observando o caminho traçado pelos próprios animais, ou seja, os
animais ao encontrarem as árvores caminham de maneira descontínua, desviando-se
das mesmas. Isso também contribui para a conservação dos solos e da vegetação
nativa, o que é de suma importância, pois, além da biodiversidade dessa mata de
transição do cerrado para a caatinga, tem-se uma riqueza de remédios
naturais.

FIGURA 1: SISTEMA DE AGROFLORESTA,
AEFA.
Foto:
CORREA, F. M. A., 2005.
A sobrevivência desse sistema de agrofloresta é realizado através
do processo de podas, ou seja, as árvores nativas são podadas em um período de
cerca de dois anos. Isso é importante para que os raios solares penetrem e
atinjam as áreas plantadas.
Há também nessa área de agrofloresta, um sistema de capitação de
água das chuvas (enxurradas) que tem, ao mesmo tempo, o objetivo de reduzir a
velocidade da água, evitando a lixiviação, conservar as estradas dentro do
sítio, alimentar o lençol freático, aumentar a umidade do solo e beneficiar a
flora.
De acordo com o senhor Isaías Francisco Borges, diversos são os
cultivos na agrofloresta, tais como; o abacaxi (serve para corrigir a acidez do
solo), goiaba, pastagens, flores (néctar para as abelhas) e plantas medicinais.
Estes são, também, plantados no sistema de curva de nível, diminuindo a
velocidade das águas pluviais.
Segundo Altieri (1989), esse processo de agrofloresta e/ ou
agrossilvicultura trazem consigo a sustentabilidade e uma maior produtividade.
Dentro dessa sustentabilidade aumentam-se os efeitos benéficos à natureza,
através da interação entre espécies nativas, cultivos agrícolas e/ ou animais. A
maior produtividade se dá devido a essa interação ser responsável por destruir
pragas que danificam as culturas.
Cultivos
agrícolas
Espécies nativas
Animais
FIGURA 2: INTERAÇÃO NO SISTEMA DE AGROFLORESTA, PROPOSTA POR
ALTIERI, 1989.
Elaboração:
SILVA, M. N. S. da; 2007.
Para Bezerra e Veiga (2000, p. 31), os sistemas de
agrofloresta
[...] representam alternativa de produção para as propriedades
familiares[...], principalmente no que se refere à conservação florestal, a
diversificação de produtos e à geração de renda. São também indicados para a
recuperação de áreas degradadas, por propiciar controle de erosão, melhorias do
solo, contribuindo ainda para a manutenção de sua
umidade.
Segundo Isaías Francisco Borges, o sistema de roça do CAA-NM é feito em
uma área de declive, em forma de curva de nível, onde se utilizam técnicas de
preparação dos solos com o uso do rolo faca (Figura 3) e do cultivador, além de
adubos e fertilizantes de origem natural.

FIGURA 3: ROLO FACA.
Foto:
CORREA, F. M. A., 2005.
O senhor Isaías Francisco Borges disse ainda que o rolo faca é
passado sobre a terra, geralmente no mês de agosto, antes de se iniciar o
período das chuvas. Esse rolo não penetra
profundamente no solo, ele apenas faz uma mistura na camada superficial, mais
rica em matéria orgânica. Após as primeiras chuvas trabalha-se com o cultivador
que é utilizado manualmente. Tanto o rolo faca, como o cultivador servem para
misturar os nutrientes no solo, aumentando o seu poder de fertilidade. Em
seguida, faz-se o plantio em curvas de nível, pois isso contribui para que as
águas das chuvas desçam com menor velocidade, não ocasionando erosão e nem
levando a matéria orgânica para as áreas mais baixas do terreno. Nesse sistema
de roça, os agricultores do CAA-NM cavam sulcos, onde são plantados o milho, o
feijão, o andu, a mandioca, o girassol, a cana-de-açúcar e o capim. Além dessa
diversidade, utiliza-se da rotação de culturas, ou seja, não plantar um produto
várias vezes no mesmo lugar. Vale ressaltar, então, a importância da diversidade
e rotação de culturas, para ajudar no combate às pragas e contribuir para a
conservação dos solos.
Como já exposto, a plantação agrícola tem todo um cuidado com a
utilização dos solos. Para o uso desse solo, são feitas observações quanto à sua
fertilidade através de uma experiência denominada de trincheira (Figura 4).

FIGURA 4: TÉCNICA DA TRINCHEIRA.
Foto:
CORREA, F. M. A., 2005.
É feita uma escavação no solo com cerca de dois metros de
profundidade, um metro quadrado de diâmetro, onde serão observados os três
horizontes do solo, com cores diferentes. A camada mais superficial (de cor
escura) é onde se encontra a matéria orgânica, com maior teor de fertilidade; as
duas partes inferiores, mais duras, são
inviáveis para a plantação agrícola de forma direta. Aí é que se observa
a importância do rolo faca e do cultivador quanto ao preparo dos solos, pois,
ambos atingem apenas a primeira camada, fazendo uma mistura de matéria orgânica.
Se fossem feitos cortes profundos, haveria a substituição das camadas,
penetrando a matéria orgânica no subsolo e deixando a superfície desprovida de
fertilidade e, conseqüentemente, uma menor produtividade
agrícola.
De acordo com o senhor Isaías Francisco Borges, na AEFA
trabalha-se também com o cultivo de hortaliças de origem orgânica. Este sistema
de horticultura é feito a base de sustentação ecológica, onde se utilizam
sementes, além de adubos e biofertilizantes de procedência natural. A plantação
é realizada através da policultura, ou seja, são plantados vários tipos de
legumes em uma mesma área, ajudando no combate às pragas e, portanto, tem-se um
melhor aproveitamento agrícola. Essa horta beneficia as comunidades vizinhas,
que recebem as sementes excedentes para serem plantadas em suas
roças.
Portanto, o CAA-NM trabalha em consórcio com a natureza,
respeitando o meio ambiente e produzindo alimentos sadios. Para isso, o sistema
de adubação é feito de forma natural utilizando os recursos que a natureza
oferece, com o reaproveitamento de restos (cascas de frutas, capim, esterco de
gado), os quais são preparados para que depois sejam aproveitados nas
plantações.
De acordo com o senhor Isaías Francisco Borges, o processo de
preparação do adubo é um pouco demorado, levando cerca de dois meses, para
depois ser utilizado. No caso do esterco de gado, por conter urina, danifica a
lavoura. Devido a isso, deve-se colocar o esterco para curtir por trinta dias,
junto com o capim e as cascas de frutas. Após um mês, misturam-se os três
materiais no local onde ficaram curtindo, pelo mesmo espaço de tempo e, somente
assim, poderão ser usados de forma eficaz, obtendo bons
resultados.
Além da adubação orgânica é necessária a utilização de
fertilizantes para que se tenha uma produção agrícola de boa qualidade. Sendo
assim, os fertilizantes, aqui consumidos, são também feitos de forma natural,
servindo como repelentes para as pragas e, ainda, ajudando na fortificação das
lavouras.
O senhor Isaías Francisco Borges informou ainda que na AEFA são
fabricados e utilizados diversos tipos de biofertilizantes, dentre eles estão:
Urina de Vaca, Supermagro, Calda Bordalesa, Calda de Fumo com Sabão, Homeopatia
e o Chorume. Esses biofertilizantes servem, sobretudo, como repelentes no
combate às pragas e também na fortificação dos cultivos
agrícolas.
Para Zamberlam e Froncheti (2001), a urina de vaca é colhida no
momento em que é retirado o leite, após a coleta é então colocada para curtir
por um período de 10 dias em que sofrerá o processo de fermentação, sendo depois
misturada a uma certa quantidade de água que varia de acordo com a necessidade
no combate às pragas, podendo ainda ser aplicada como repelente e
micronutrientes, muito utilizados em verduras, frutas, feijão e
outros.
A Calda Bordalesa feita com cal virgem e/ ou hidratado, sulfato de
cobre e água limpa, serve como fungicida no controle e combate às doenças
em hortaliças. A utilização dessa
fungicida se intensifica quando se tem uma área mais úmida, onde é mais propícia
às doenças. Em locais menos úmidos é usada por um espaço de tempo
maior.
Zamberlam e Froncheti (2001, p. 147), destacam dentre os
biofertilizantes o Supermagro como um
produto desenvolvido [...] a partir da experiência de um técnico
com sobrenome Magro. Daí o nome de Supermagro. É um adubo líquido proveniente de
uma mistura de micronutrientes fermentado em seu meio orgânico.
A homeopatia (extraída da própria planta) e a calda de fumo com
sabão são também de origem natural e servem como repelentes contra as
pragas.
Esses fertilizantes, de base natural, são utilizados na AEFA como
meio de produção e experimentação, além de repassá-los ao pequeno agricultor
familiar contribuindo com a preservação ambiental e, ainda, com produção
agrícola de qualidade. As comunidades serão beneficiadas, uma vez que,
utilizando recursos naturais, não precisarão comprar outros insumos químicos
agrícolas, além de estarem conservando seus solos, rios e obtendo uma produção
de base natural.
Conforme destaca o senhor Isaías
Francisco Borges, o viveiro é outro importante sistema que contribui para o
desenvolvimento rural das comunidades associadas ao CAA-NM. Aqui é o local onde
se produzem mudas de plantas (frutíferas) originadas do cerrado e outras, como o
maracujá, a manga, o umbu, o coquinho azedo, acerola, goiaba etc. As mudas são
produzidas com as sementes que são retiradas das frutas na fábrica de polpas.
Essas mudas são produzidas e repassadas aos agricultores associados que as levam
para suas propriedades. Quando essas frutíferas estiverem produzindo, os frutos
serão levados para a fábrica, na própria AEFA, e serão transformados em
polpas.
Hoje o CAA-NM conta com duas fábricas de polpas, uma na localidade
de Riacho dos Campos (AEFA), situada no município de Montes Claros e outra
em Porteirinha.
Estas iniciaram suas atividades no ano de 1996 com a construção
de um projeto de beneficiamento de frutas e, a partir de 1998, começaram a
produzir. As duas fábricas têm o apoio da cooperativa Grande Sertão que trabalha
junto com o pequeno produtor na produção de polpas. O transporte das frutas é
feito pela cooperativa, que vai buscá-las nas comunidades agrícolas para serem
transformadas em polpas.
Uma vez que a polpa fica pronta, é, então, distribuída em lanchonetes e supermercados da região.
Além disso, o CAA-NM tem parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento –
CONAB, a qual compra a polpa e distribui nas escolas que a utilizam como
merenda. A produção média de polpas
é de cerca de 120 toneladas por ano.
A fábrica de polpas é de suma importância para os agricultores,
pois, de acordo com a entrevista do senhor Isaías Francisco
Borges
[...] geralmente tinha fruta do cerrado que perdia, o pessoal não
sabia o que fazer. Então, através do “sonho” de agricultores e através de
reuniões eles conseguiram o projeto de montar a fábrica para reaproveitar o que
estava apodrecendo [...] o agricultor tinha, mas não estava sendo aproveitado
[...]. Hoje é um meio de renda para eles [...].
Essa fábrica de polpas reforça a proposta da agroecologia baseada nos
defensores da corrente alternativa de produção agrícola. Pois, trata-se, aqui,
da melhoria das condições sociais, da geração de emprego e renda para os
agricultores familiares.
Outro aspecto de
destaque na AEFA se dá diante do criatório de animais (caprinos e suínos), que
compõe o processo agropecuário do CAA-NM.
De acordo com o
senhor Isaías Francisco Borges, o caprino da raça Angroviana é criado em um
sistema semi-intensivo, ou seja, preso no curral e solto nas mangas. Ele é solto
pela manhã às 9:00 horas e preso às 14:00 horas. Todo esse cuidado se dá por
causa dos orvalhos, que podem atingir os animais no fim da tarde e pela manhã. É
uma raça mista da qual se utiliza a carne e o leite, itens bem apreciados no
mercado. Seu período de gestação é de 5 meses, podendo parir de dois até três
filhotes por vez.
A suinocultura se constitui em uma outra criação feita dentro da
AEFA, que se adaptou bem dentro do bioma cerrado. Este, da raça Sorocaba, tem um período
de gestação de 3 meses e 24 dias, podendo parir de 8 até 12 filhotes por cada
vez. Além disso, com seis meses após o nascimento chegam a pesar 15
arrobas, estando bons para o
corte.
O CAA-NM faz da suinocultura um importante meio de contribuir com
as comunidades integrantes da organização, através do empréstimo de animais para
o cruzamento. Os criadores levam esses animais para suas comunidades onde ficam
por um determinado período e depois retornam para a
AEFA.
A alimentação desses animais é feita à base de ração que é
produzida com a mistura de milho, soja, farinha de trigo e sal mineral e, a
quantidade na composição se dá de acordo com as necessidades de consumo.
Essa mistura de ingredientes para a fabricação dessa ração
constitui-se em uma alimentação nutritiva e sadia, contribuindo para o
crescimento dos animais. Além
disso, reduz os custos com o aproveitamento dos diversos recursos encontrados na
propriedade.
Para Zamberlam e Froncheti (2001, p.
198):
A composição da ração deverá ser balanceada, de forma a suprir as
necessidades nutricionais dos animais em termos de fósforo, cálcio, vitaminas e
minerais, entre outros, além de atender as necessidades protéicas e energéticas
dos animais segundo a fase do seu desenvolvimento
[...].
A partir dos diversos projetos desenvolvidos pelo CAA-NM, pode ser
observado na prática, o trabalho preocupado com a preservação da natureza e
contribuindo para o desenvolvimento agrícola familiar.
Faz-se necessário esclarecer que o trabalho de assistência junto
aos agricultores familiares pode lhes conceder práticas agrícolas que visam o
desenvolvimento de suas próprias comunidades. Dentre elas, estão: Pau D’Óleo,
Americana, Tapera e Xacriabás (comunidade
indígena).
Em se tratando da
região Norte de Minas, o CAA-NM, através das suas ações pode auxiliar no
desenvolvimento de forma sustentável, possibilitando a busca de soluções dos
diversos problemas, ambientais, sociais e econômicos, além de suprir a falta de
uma política pública eficaz, com intuito de melhorar a produção e o padrão de
vida das comunidades rurais locais.
Esse projeto de agricultura alternativa baseado no paradigma
agroecológico pode favorecer também o resgate cultural da região, pois a
modernização agrícola alterou o (des)envolvimento que havia entre as comunidades
locais e seu meio ambiente.
Considerações Finais
Sem dúvida, a Revolução Verde provocou profundas alterações na
ordem social, econômica e ambiental do país. Ao mesmo tempo em que essa “nova
ordem” trouxe benefícios para a agricultura brasileira, ela também desestruturou
os núcleos agrícolas familiares e seu envolvimento, assim como causou (e ainda
causa) diversas agressões ao meio ambiente e até à saúde humana, dado o intenso
uso de insumos químicos e o desmatamento dos biomas
nativos.
Tal situação não é diferente no Norte de Minas Gerais, uma região
marcada por intensos conflitos de resistência camponesa e disparidades
socioeconômicas.
Se por um lado há uma elite composta por ruralistas e empresários,
pelo outro há a atuação do Centro de Agricultura Alternativa – CAA-NM, que busca
resgatar o pequeno agricultor de uma marginalização oriunda da modernização
agrícola e inseri-lo no contexto socioeconômico local, orientando-o que é
possível conciliar produção econômica com preservação
ambiental.
Verifica-se que o papel do CAA-NM no contexto agrícola do Norte de
Minas Gerais é fornecer suporte técnico e incentivar os pequenos agricultores
para a utilização de práticas agrícolas sustentáveis. Os processos de produção
aqui apresentados consistem em experimentos agroecológicos que podem ser
aplicados nos diversos sistemas agrícolas. O sistema de agrofloresta é um
consórcio entre vegetação nativa, produção agrícola e animais. As técnicas de
preparo do solo e contenção da drenagem superficial das águas de chuva são
fundamentais para a conservação e o manejo adequado. Os biofertizantes, os
adubos e repelentes naturais auxiliam na melhoria da produção e no combate às
pragas.
É diante desses modelos de produção agrícola sustentável que foi
sugerido neste trabalho fazer uma análise da atuação do CAA-NM, pautada nos
fundamentos da Agroecologia como um novo paradigma de produção, capaz de fazer
uma crítica ao modelo convencional de agricultura modernizada e propor novas
alternativas de produção agrícola.
Com os dados deste trabalho pode-se concluir que o CAA-NM pode
contribuir para a expansão da agroecologia entre os pequenos produtores rurais.
Essa contribuição, dentre os diversos aspectos, vem fixar o homem no campo,
fazendo com que ele não se sujeitasse a ir para os centros urbanos, onde acabam
na maioria das vezes tendo que viver em condições
precárias.
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