A desigualdade de renda e a segregação territorial na cidade de Taubaté -
SP
Anderson Luiz Martins Prado
almprado@gmail.com
Edson
Trajano Vieira2
trajano@unitau.br
TEMA: URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA NA
AMÉRICA LATINA.
RESUMO
Este
artigo tem o objetivo de apresentar a desigualdade de renda e a segregação na
cidade de Taubaté, localizada no Vale do Paraíba Paulista, a partir dos dados da
Pesquisa de Ocupação, Renda e Escolaridade - PORE, de fevereiro de 2007,
realizada pelo Núcleo de Pesquisa Econômico – Sociais da Universidade de Taubaté
- UNITAU. Os resultados demonstram que a desigualdade de renda na cidade é muito
inferior se comprada ao Brasil. Já a segregação apresenta-se como uma reprodução
do modelo brasileiro, onde os ricos se localizam nas melhores áreas da cidade
enquanto os pobres estão nas áreas periféricas.
Palavras
- Chave:
desigualdade de renda, Taubaté, segregação.
ABSTRACT
This
article shows the income distribution and the segregation on Taubaté town,
situated in Vale do Paraíba Paulista region. The figures are from the Center of
Economic and Social Researches from Taubaté University, made in February of
2007. The results presents that the income distribution in the town is better
comparing to Brazil. The segregation reproduces the Brazilian standard, where
the rich people are in the best areas of the town, whereas the poor ones are in
the peripherical areas.
.
Keywords:
income
distribution, Taubaté town, segregation.
Introdução
Com a
evolução do capitalismo contemporâneo observamos o aumento da concentração
espacial da renda, no âmbito global, e da renda individual, no âmbito local, de
tal forma que a produção de riqueza não beneficia de maneira uniforme toda a
sociedade. Esse fenômeno está presente em todos os territórios, porém, nos
centros urbanos as diferenças se tornam mais visíveis. Ao passo que a política
de crescimento econômico busca aumentar a riqueza, esse crescimento não melhora,
necessariamente, a distribuição da renda ou a qualidade de vida da
população.
Por
outro lado, nas últimas décadas, o fluxo migratório para as grandes cidades vem
se reduzindo em ritmo acentuado enquanto as médias e pequenas cidades passam a
receber crescentes fluxos das classes altas, médias e baixas que vêem nessas
cidades uma melhoria da qualidade de vida (SANTOS, 2005).
No
entanto, estamos assistindo nas pequenas e médias cidades a reprodução dos
mesmos problemas que atingiram os grandes centros que levaram à segregação
social, de forma que a segregação persiste e se multiplica em todas as cidades
brasileiras e se intensifica nas médias cidades.
Quando aliada à má distribuição da renda,
a segregação torna-se ainda mais complexa devido ao crescente distanciamento
entre ricos e pobres, pois não somente os pobres vivem em áreas afastadas, mas
também os ricos separam-se em condomínios fechados. O fato, porém, não
compromete a vida dos mais ricos ao passo que, para os mais pobres, a segregação
significa exclusão social.
Este
trabalho analisa a desigualdade na distribuição da renda e a segregação social
na cidade de Taubaté, uma cidade de porte médio, localizada no Vale do Paraíba
Paulista, a leste do Estado de São Paulo. A partir dos resultados, os
governantes poderão realizar políticas que visem amenizar as desigualdades
sociais e a redução na atuação do capitalismo na configuração do espaço urbano
de forma a reduzir a segregação social.
Com esse
objetivo o artigo é composto de três partes. Na primeira são apresentados os
problemas da desigualdade na distribuição de renda no Brasil e das formas de
segregação territorial, posteriormente, a cidade de Taubaté e a sua segregação
e, por fim, algumas considerações finais.
1
Distribuição de renda e segregação no Brasil
Em 2005, no Brasil, os 10% mais ricos possuíam uma renda 32 vezes
superior ao que ganhavam os 40% mais pobres (UNITED NATIONS, 2005). Em
2006, a diferença
entre a renda dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres, é de 24 vezes
(PNUD, 2006).
Na
paisagem urbana observa-se, portanto, a contradição entre ricos e pobres,
reflexo da sociedade dividida em classes, onde a desigualdade pode ser percebida
ao se olhar a paisagem. Segundo Carlos (2005), a paisagem urbana é uma dimensão
da história produzida pelo homem que expressa seu trabalho e modo de vida. O
aspecto que chama atenção é o choque dos contrastes, pois as diferenciações
baseiam-se no fato de que a cidade é, antes de tudo, uma concentração de pessoas
exercendo uma série de atividades concorrentes que desencadeiam uma disputa pela
utilização do solo urbano.
Com o crescimento horizontal da cidade, os imóveis mais
antigos se tornam cada vez mais centrais, por estarem cada vez mais próximos dos
investimentos públicos em infra-estrutura e serviços urbanos, que se fazem do
centro para a periferia e que são geradores de renda proveniente da valorização
imobiliária. Portanto, o “local da cidade” que apresentar uma melhor
infra-estrutura terá uma elevação em seu preço, de modo que somente aqueles que
tiverem uma condição financeira para sua aquisição, poderão ocupá-los.
A
concentração da renda agrava ainda mais a problemática urbana, pois a
especulação imobiliária no capitalismo é uma forma do proprietário da terra
receber uma renda por sua propriedade. Os mais pobres são os que mais sofrem com
a desigualdade de renda que, em grande parte está associada a um outro problema
brasileiro onde o planejamento urbano não considera as áreas pobres, visto que
... a
ação do Estado pouco variou na produção do espaço. Sua ação deu-se sempre no
sentido de intervir para ajustar a desordem, e não para suprimi-la (SCARLATO,
1996, p. 460).
Assim, a desigualdade salarial mais a falta de planejamento urbano
aumentaram a complexidade dos fenômenos urbanos, produzindo e reproduzindo novas
e antigas formas de segregação espacial, pois.
... a
urbanização brasileira, que se desenvolveu desde a consolidação das relações
capitalistas de trabalho, quando o trabalhador teve que negociar no mercado imobiliário sua moradia,
acabou gerando no interior de cada
cidade a existência de duas cidades: legal e ilegal (idem, p.
402).
...
legalidade e ilegalidade representam o verso e o reverso de uma urbanização na
qual a moradia representa a mais cara mercadoria, cuja posse e propriedade é a
grande garantia de sobrevivência e
que se adquire no jogo da especulação imobiliária (ibidem, p. 403).
Para Carlos (2005), somente
aqueles que possuem melhores condições financeiras podem habitar áreas com
melhor infra-estrutura. No entanto, este processo ocorre até que estas áreas não
apresentem aspectos negativos como poluição, barulho, congestionamento. A partir
disso, indivíduos que habitam estas regiões irão buscar um novo modo de vida em
terrenos mais amplos, arborizados, silenciosos e com maiores possibilidades de
lazer. Esses terrenos geralmente estão em condomínios fechados.
Para
a população de menor poder aquisitivo, restam as áreas centrais (caso das
metrópoles deterioradas e abandonadas pela elite) ou, ainda, a periferia,
logicamente não arborizada, mas aquela em que os terrenos são mais baratos
devido à ausência de infra-estrutura e à distância das zonas privilegiadas da
cidade.
Segundo
Villaça (1998), a inacessibilidade econômica de uma parcela da população leva o
surgimento de uma estrutura urbana que divide a cidade em duas partes que pode
ser nitidamente observada em função do próprio sistema (capitalista), que
transforma o solo urbano em mercadoria e cria espaços de uso residencial
seletivo e de uso residencial segregado.
É a
segregação das classes sociais que domina a estruturação das nossas cidades. Tal
como aqui entendida, a segregação é um processo segundo o qual diferentes
classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferente
regiões ou conjuntos de bairros. De acordo com Villaça,
a
segregação é uma manifestação da renda fundiária urbana, um fenômeno produzido
pelos mecanismos de formação dos preços
do solo, estes por sua vez, determinados pela nova divisão social e
espacial (1998 p.143).
Para
Corrêa (2002), os espaços residenciais seletivos correspondem a setores da
cidade próximos à área central ou até mesmo bairros mais afastados do centro. De
maneira geral são dotados de uma boa infra-estrutura que possibilita uma melhora
na qualidade de vida. São habitados por uma pequena parcela da sociedade com
renda, nível ocupacional e de instrução mais elevado, ou seja, o espaço seletivo
é habitado somente pela população que apresenta um “status” socioeconômico mais
alto.
A
problemática da desigualdade de renda, onde poucos ganham muito e muitos ganham
pouco, se traduz no espaço urbano.
2
A cidade
de Taubaté
A
cidade de Taubaté está localizada no médio Vale do Paraíba Paulista - VPP, a
leste do Estado de São Paulo entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. É cortada pela
Rodovia Presidente Dutra que atualmente é um dos maiores eixos de escoamento de
produção do país (gráfico 1).

Gráfico
1. Localização geográfica de Taubaté
Fonte:
Elaborado pelos autores a partir dos dados do IBGE
Segundo
Trajano (2005), a facilidade de ligação com os grandes centros consumidores,
permitiu que o VPP se tornasse um dos maiores centros de produção industrial e
tecnológica, contando com empresas nas áreas aeroespacial, petroquímica,
aeronáutica e automobilística. Boa parte dessas indústrias concentra-se no
município de São José de Campos.
Próximo
desse pólo tecnológico situa-se a cidade Taubaté, que conta com fábricas
instaladas, de grande porte, como a Ford Motores, Volkswagen do Brasil e Alston
entre outras. A cidade ainda conta
com uma atividade comercial expressiva e bastante diversificada com
estabelecimentos comerciais de diversas naturezas, um shopping center,
supermercados, faculdades e uma universidade. É considerada uma área industrial
e educacional da região (PRADO, 2005).
Em
2004, a cidade
apresentou o segundo maior Produto Interno Bruto do VPP, uma das regiões mais
ricas de São Paulo, sendo que, nesse ano, o PIB per capita (em reais correntes)
da cidade de Taubaté era de 17.488,94, valor superior ao PIB (14.820,90) do
Estado de São Paulo (SEADE, 2006).
Em
2007, a diferença
entre os 10% mais ricos em relação aos 40% mais pobres é de 6 vezes, ao passo
que a diferença entre a renda dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres
é de 3 vezes (NUPES, 2007). Tem-se, portanto, que a desigualdade de renda em
Taubaté é muito inferior à registrada em nosso país.
Os dados são da Pesquisa de Ocupação, Renda
e Escolaridade realizada pelo NUPES, quadrimestralmente, no município. Essa
pesquisa é feita por intermédio de um questionário aplicado em uma amostra
representativa da população com uma margem de erro de 4% e nível de confiança de
95%. A população na área urbana da cidade é de 254. 844 pessoas.
A área urbana foi dividida em cinco regiões
de características urbanas homogêneas. Em cada uma delas calculou-se a renda
média dos moradores (gráfico 1).

Gráfico 1. Renda
média da população, conforme região em S.M.
Obs: O salário
mínimo correspondendo a R$ 350,00.
Fonte: NUPES/07
Se
considerada a distribuição da população sobre o espaço urbano de Taubaté,
observa-se que as áreas ou regiões mais ricas estão, em sua maioria, próximas ao
centro da cidade (região C) ou de locais que dispõem de eixos que permitem fácil
ligação com a área central da cidade. São as rodovias Oswaldo Cruz e Via Dutra e
as avenidas que permitem grande mobilidade no interior na cidade facilitando o
acesso ao comércio na área central e ao shopping. Já os mais pobres estão mais
distantes do centro, o que significa que os pobres além de terem renda inferior,
são obrigados a gastar com transporte público, além de enfrentarem as longas
esperas pelos ônibus, quando há necessidade de se deslocar até o centro da
cidade (figura 2). Verifica-se que o mesmo processo capitalista que ocorreu
em São Paulo e
empurrou os mais pobres para áreas distantes do centro ocorre em
Taubaté.

Figura
2. A distribuição da
população sobre o espaço urbano Taubaté, conforme a renda
Conforme
a figura 2, observa-se que em Taubaté, da mesma forma que existem bairros pobres
distantes do centro, também existem bairros ricos. O que demonstra a
coexistência da auto-segregação e da segregação imposta, de forma
que:
...
a falta de áreas para as crianças brincarem redefine as necessidades, tendem a
influir na opção pela moradia de uma classe de renda média e alta. Estas têm
(pelo seu poder aquisitivo) maiores possibilidades de escolha. Essa produção
espacial é diferenciada e contraditória, conferindo valores de uso e,
conseqüentemente, formas de acesso diferenciado (CARLOS, 2005,
p.55).
Entretanto,
os mais pobres em função da condição financeira estão localizados longe da área
central, comprovando a existência da segregação imposta. A justificativa deste
fenômeno reside na falta de uma renda que seja suficiente para pagar o aluguel
ou para comprar um imóvel em lugar de boa infra-estrutura e por essa razão
tendem a habitar a áreas periféricas das cidades.
Observa
em Taubaté que a segregação tem crescido de duas formas: i) nas áreas
periféricas de forma desordenada em regiões precárias de infra-estrutura e
saneamento básico, com uma população que tem um rendimento por volta de 1,35 SM;
ii) perto das vias principais crescem os condomínios com a população que recebe
cerca de 11,31 SM em média. A
infra-estrutura é comum a todos e o que faz a diferença é o acesso pelas vias.
Porém,
esses resultados não esgotam o assunto, pois da mesma forma que a renda
determina o acesso ao espaço urbano, o espaço urbano acaba determinando a renda
do indivíduo, conforme apresentado por Santos (1998
p.
85)
[...]
em todas as cidades, uma parcela da população que não dispõe de condições para
se transferir da casa em que mora, isto é, para mudar de bairro, e que pode ser
explicada a sua pobreza pelo fato de o bairro de sua residência não contar com
serviços públicos, vender serviços privados a alto preço, obrigar os residentes
a importantes despesas de transporte. Nesse caso, pelo fato de não dispor de
mais recursos, o individuo é condenado a permanecer num bairro desprovido de
serviços e onde, pelo fato de ser um pobre, os produtos e bens são comprados a
preços mais altos, tudo isso contribuindo para que a sua pobreza seja ainda
maior e sua capacidade de mobilidade dentro da cidade seja igualmente
menor.
A questão de como a moradia
na região periférica pode ou não interferir na produção de renda dos indivíduos
na cidade ainda deve ser averiguada.
Considerações
finais
Este
trabalho conclui que a desigualdade na distribuição da renda e a segregação
territorial é um fenômeno em Taubaté.
Embora o município ofereça condições para que sua população
tenha uma boa qualidade de vida, este fato não é o suficiente para impedir que a
cidade apresente problemas na distribuição de sua riqueza com regiões de elevada
pobreza, sem saneamento básico e com pouco acesso aos equipamentos
urbanos.
Portanto,
a renda é um fator determinante no acesso ao espaço urbano, onde aqueles com
melhores rendas (11,31SM) optam pela auto-segregação, os que têm renda de 3,96
SM, em média, habitam a região central, e os mais pobres (1,35 SM) vão para as
áreas periféricas da cidade. Falta um planejamento urbano adequado para a
periferia e um acesso mais eqüitativo à infra-estrutura municipal.
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