OS EVENTOS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS: Breves Reflexões a partir dos Jogos
Pan-Americanos Rio 2007.
Marco de Souza
Paes
Carla
Marques
“...O
eventos são pois, todos novos. Quando eles emergem, também estão propondo uma
novahistória,nãoháescapatória...”Milton
Santos
(A Natureza do
espaço).
“...Os
movimentos sociais tendem a ser fragmentados, locais, com objetivo único e
efêmeros, encolhidos em seus mundos interiores ou brilhando por apenas um
instante em um símbolo da mídia...”Manuel Castells(A Sociedade em
Rede).
Com
a festejada conquista da prefeitura do Rio de Janeiro e do Comitê Olímpico Brasileiro em 2003 sobre a vitória carioca para a
realização dos Jogos Pan-americanos, pairou-se sobre a cidade um novo conjunto
de possibilidades econômicas e sociais de investimentos a partir de um
evento internacional em solo
brasileiro. A partir dessa nova situação temos uma gama de realizações como
projetos urbanísticos, campanhas de publicidade, apelos patrióticos, e uma
intensa demanda por recursos públicos, propiciando novas re-configurações
territoriais.
À medida que o evento se consubstanciava,
os impactos dados pela implementação e restauração dos objetos técnicos de
grande porte como Estádio João Havelange, Autódromo Nelson Piquet, Estádio de
Remo da lagoa, e Marina da Glória, repercutiam apelos e anseios populares.
O
caráter urgente das insatisfações não se restringiam apenas a questões
particulares de moradia das
comunidades afetadas diretamente com as remoções, a exemplo dos moradores de
Vila Autódromo, ou daqueles
ameaçados de perder seus espaços de lazer como os usuários do Parque do Flamengo
– mais evolveria um maior desejo de participação popular efetiva nas decisões
implementadas pelo poder público na cidade. Dessa forma, questiona-se qual é o
papel dos movimentos sociais neste evento.
A
necessidade de uma nova organização de movimento social
Uma
das formas encontradas pela sociedade civil carioca de se organizar enquanto
movimento social durante as intervenções urbanísticas na cidade, foi denominado
Comitê Social do Pan. O mesmo nasceu em abril de 2005 da união de dois fóruns
populares: o Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro e o Fórum Popular de
Acompanhamento do Plano Diretor do Rio de Janeiro. Um movimento social gerado
pela demanda popular por maiores canais de participação democrática na política
urbana de gestão autoritária e empreendedorista. Ele se constitui de
representantes de associações de moradores, profissionais ligados à cidade e sua
gestão (arquitetos, economistas, professores, geógrafos, assistentes sociais,
assessores políticos, estudantes entre outros). Todos possuem um objetivo em
comum – o de atuar criticamente nas questões relacionadas aos Jogos
Pan-Americanos de 2007- através de debates com a sociedade civil organizada,
pensando sobre a cidade nos preparativos, na realização e no legados do
Pan.
A
atuação se faz de diversas formas, seja se reunindo constantemente para discutir
as temáticas principais e traçar estratégias de ações, seja promovendo
manifestações, ou ainda atuando através de ações no Ministério Público, além de
cobrar audiências públicas a fim de abrir canais para que seja possível discutir
sobre as intervenções com os citadinos, já que o conjunto das modificações que
estão ocorrendo na cidade constituirá um legado após a realização dos
Jogos.
Movimentos
Sociais e o planejamento estratégico
O
Comitê Social do Pan é fundado no momento em que disputam a hegemonia da cidade
dois modelos de planejamento urbano antagônicos, trata-se do Planejamento
Participativo e do Planejamento Estratégico , este implementado na cidade na
gestão do Prefeito César Maia em 1993.
De
certa forma a escolha do Planejamento Estratégico como instrumento para pensar a
política urbana, explicita a escolha pelo modelo neoliberal adotado pelo grupo
que hoje ocupa o Executivo no Município do Rio de Janeiro. Pressupõe uma cidade
que tem como lógica os paradigmas da gestão de uma empresa, para que se torne
atraente e competitiva para os investimentos públicos e privados, nacionais e
internacionais.
Nesse
contexto que vem se tentando trazer para a cidade megaeventos como os jogos
Olímpicos, projeto que naufragou em 2004 pela constatação do Comitê Olímpico
Internacional de que a cidade não reunia infra-estrutura necessária para tal
magnitude. Foi então que o Pan serviu como oportunidade para que os dirigentes políticos e grandes
empresários pudessem alçar o Rio de Janeiro à categoria de “cidade mundial”.
Milton
Santos produz uma crítica ao planejamento territorial e urbano baseado nas
regras do mercado:
“As
propostas territoriais produzidas nas últimas décadas de política neoliberal
foram concebidas com essa mentalidade quanto ao futuro da globalização e
baseiam-se, geralmente, no desenvolvimento de uma grande infra-estrutura e em
operações urbanísticas voltadas para as atividades econômicas de alto valor
agregado. Enquanto isso, a coesão (emprego, integração social, direitos
cidadãos) nas zonas carentes da cidades e a sustentabilidade ambiental (local e
global) não foram abordadas como objetivos estratégicos, ficando apenas como
políticas de acompanhamento para atender os casos mais graves de exclusão e
degradação ambiental” (Santos, A Natureza de Espaço, 1999, pág
248)
O
Comitê Social do Pan se instituiu como um espaço articulado onde diferentes
movimentos e atores sociais do rio de Janeiro se articulam para intervir
criticamente na implementação dos jogos Pan-americanos, abrindo-se ao debate com
segmentos da sociedade civil organizada e com a população diretamente afetada,
em verdade o comitê tornou-se um grande fórum de discussão para questões relativas ao
Pan.
Uma
armadura conceitual para o Comitê Social do Pan
Segundo
Marcelo Lopes de Souza, o conceito de Movimento Social Urbano nasce sob
inspiração de lutas sociais travadas nos países de primeiro mundo, sendo
desenvolvido sobretudo, nos anos 70 do século XX, pioneiramente nos marcos das
grandes sínteses pré-paradigmáticas de Manuel Castells, Jordi Borja, e Jean
Lojkine. De acordo com SOUZA, o conceito de movimento Social, tanto para
Castells como Lojikine é definido
por uma ação consciente, uma prática social referida e uma transformação
social significativa. Temos neste caso um impasse teórico na qual iremos nos
aprofundar no desenvolvimento deste ensaio, já que na nossa hipótese os
movimentos sociais envolvidos com a temática dos Jogos Pan-americanos, não
apresentam essa carga ideológica. Na questão urbana por exemplo, Castells
demonstra claramente o que entende por movimento Social:
(...)
um sistema de práticas que resulta da articulação de uma conjuntura definida, ao
mesmo tempo, pela inserção dos agentes de apoio na estrutura urbana e na
estrutura social, de modo que seu
desenvolvimento tende subjetivamente para a transformação estrutural do sistema
urbano ou para uma modificação substancial da relação de força na luta de
classes, quer dizer, em última instância de poder do Estado
(...)
Analisando a literatura recente sobre os movimentos
sociais , observa-se que a dimensão organizacional vem sendo ressaltada e discutida por
diversos autores , como o grande diferencial qualitativo dos movimentos,
especialmente a partir dos anos 90, como ressalta Sherrer-Warren : “ Parte-se
da hipótese de que é nas articulações entre organizações e atores políticos e
nas subseqüentes criações de rede que vem se constituindo um movimento
social”. Segundo esta noção temos um movimento social quando se tratar de um conflito social que opõe formas sociais contrárias de utilização dos recursos e dos valores culturais , sejam
estes da ordem do conhecimento, da
economia ou da ética. Portanto,
refere-se aqui a ações
coletivas que vão além de
interesses particulares e que
buscam intervir na formação das políticas gerais de organização ou de transformação da vida
social”(Warren, “ redes de movimentos sociais”, São Paulo. Ed Loyola.
1993).
O
papel das redes sociais face a rede técnica no Evento
Pan-americano.
É
na forma de redes sociais que o Comitê Social do Pan garante sua funcionalidade.
A própria localização física das reuniões favorece esta articulação, pois
normalmente ocorrem na área central da cidade na Avenida Rio Branco, tanto na
sede do Pacs (Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul) como no Fórum
Popular de Acompanhamento do Plano Diretor, no Sindicato dos Economistas.
As
reuniões ocorrem semanalmente. Inicialmente é feito um relato dos principais
problemas que estão ocorrendo por conta das intervenções do evento. As
lideranças comunitárias fazem um relato dos transtornos na vida cotidiana dos
moradores de seus bairros, tanto no que se refere às ameaças de remoção, como os
provocados pelas obras, assim como questões relacionadas à perda de espaços
públicos que estão cada vez mais privativos, controlados por concessionárias que
cobram para serem utilizados pelos moradores.
Como
já foi citado anteriormente o Comitê se articula em rede, mesmo os que não podem
estar presentes nas reuniões participam ativamente das ações e decisões, a
comunicação entre os diversos membros é diária. Os novos acontecimentos, denúncias,
informações são transmitidos para todos que fazem parte da lista de e-mails do
Comitê. Os integrantes opinam, discutem e tiram estratégias de ação.
Para
exemplificarmos vamos citar uma denúncia feita por um integrante do Comitê
Social do Pan, na íntegra através de uma mensagem eletrônica para o
grupo:
Data:
Wed, 11 Jul 2007 19:40:21 -0300
Assunto: Agenco está brigando com a
Prefeitura,
COB e CO Rio
Companheiros
Ainda nem começou o PAN e os
antigos "sócios" já estão brigando.
Seria
interessante algum advogado companheiro nosso dar uma olhada no processo para
ver quais são as provas antecipas que a Agenco pretende produzir e porque.
Vi esse numero do processo hoje quando fui
olhar o processo da Vila do PAN no Ministério Publico.
No aguardo de informações jurídicas, deixo meu abraço
Dessa forma, a partir do
levantamento de questões referentes aos estudos de impacto de vizinhança,
licenciamento e arbitrariedades efetuadas pelas construtoras no bairro,
inicia-se uma etapa de formalização de um possível processo judicial a exemplo
da Vila Pan-americana:
Processo No
2007.001.023574-0
TJ/RJ - 11/07/2007 19:14:44 - Primeira
instância - Distribuído em 02/03/2007 Comarca da
Capital - Cartório da 4ª Vara da Fazenda
Pública
Ofício de Registro: 9º
Ofício de Registro de Distribuição Tipo de ação:
Produção antecipada de provas Autor
PAN 2007 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S A Autor
AGENCO ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES S A AGENCO Advogado
(RJ053963) JOSE ANTONIO VELASCO FICHTNER
PEREIRA Réu MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO Réu
COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO COB Réu
COMITÊ ORGANIZADOR DOS JOGOS PAN AMERICANOS RIO
2007 CO RIO
Movimento: 12 Tipo
do movimento: Conclusão ao Juiz
Decisão : (...) Neste contexto, não se pode
fixar os honorários periciais no montante pretendido pelo Município,
não obstante, pela experiência do Juízo em casos análogos,
entendemos data vênia, excessivo o valor pleiteado pela Dra. Perita.
Assim e considerando hipóteses que guardam alguma similaridade com a
presente, sem desmerecer a qualificação da Dra. Perita e sem negar a
complexidade e singularidade do trabalho a ser desenvolvido, fixo os
honorários periciais em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). À Dra.
Perita para dizer se aceita o encargo nestas condições. Após, às
partes.
Movimento:
1 Tipo do movimento:
Conclusão ao Juiz Atualizado em:
23/03/2007 Juiz: ALESSANDRA CRISTINA TUFVESSON
PEIXOTO.
Despacho: Trata-se de medida cautelar entre as
partes acima epigrafadas, em que o 1° Requerente alega que firmou
termo de compromisso com o Município do Rio de Janeiro, em que
anuíram o 2° Requerente, o COB e o CO-RIO. Afirma que firmou
Instrumento Particular de Concessão de Direito Real de Uso e de
Assunção de Obrigações e Responsabilidades Recíprocas com o CO-RIO,
em que anuíram os outros interessados. Apresentou os documentos de
fls 65/71 e 75/99 que ratificam estas alegações, solicitando
verificação do local para constatação do cumprimento de suas
obrigações e mora do Município no cumprimento das suas obrigações,
indicadas às fls 06. Entendo que os documentos referidos comprovam o
interesse dos Requerentes na realização da vistoria, uma vez que o
1° Requerente é sujeito de direitos e obrigações em razão do termo
de compromisso acostado às fls 65/71. Portanto, diante da existência
de termos para cumprimento das obrigações ajustadas, entendo
presentes as condições estabelecidas no artigo 849 do CPC. Nomeio
perito Drª Jane Freitas de Andrade tel: 2493-3335, para realização
de vistoria das obras da Vila Pan-Americana, localizada na Avenida
Ayrton Senna n° 3400, Barra da Tijuca, para constatar e registrar o
estado em que se encontram as obras. Intime-se para apresentação de
proposta de honorários. Sem prejuízo, determino a citação dos
requeridos para apresentação de quesitos e indicação de assistente
técnico. Publique-se, intimem-se e citem-se
| |
É nessa mediação da vida cotidiana que o movimento atua. Segundo
ANTUNES:
Decisivo
aqui é referir que a consciência é originada no interior da vida cotidiana. É na
cotidianidade que as questões são suscitadas e as respostas dos indivíduos e das
classes são uma constante busca de indagações que se originam na vida cotidiana,
onde as questões lhes são afloradas. As respostas às questões mais complexas
são, entretanto, mediatizadas
Segue
no entanto, o seguinte questionamento:
Qual é a base espacial da vida cotidiana?
Sugerimos
aqui algumas reflexões apoiadas no pensamento do geógrafo Milton Santos no
sentido de relacionar essa dimensão espacial da vida cotidiana a um evento
internacional como os Jogos Pan-americanos.
A
partir do mapa das localizações dos objetos, tomando a cidade em relação às
intervenções deste evento, seja na comunidade do entorno do Autódromo de
Jacarepaguá, ou no bairro do Engenho de Dentro que abrigou o Estádio Olímplico,
identificamos no meio local, “uma rede praticamente se integra e dissolve através do trabalho coletivo,
implicando um esforço solidário dos diversos atores”. Ainda no dizer de SANTOS:
“esse trabalho solidário conflitivo, é também, co-presença num espaço contínuo
criando o cotidiano da contigüidade”. O geógrafo denominou esse recorte
territorial de horizontalidade, para distingui-lo de outro recorte formado por
pontos denominado verticalidade. Dessa forma, temos na cidade do Rio de Janeiro,
espaços da horizontalidade, alvo de freqüentes transformações, “...uma ordem
espacial é permanentemente recriada onde os objetos se adaptam aos reclamos
externos e, ao mesmo tempo, encontram a cada momento uma lógica interna própria,
um sentido que é seu próprio, localmente constituído...”
O
Estádio do Engenho de Dentro é um belo exemplo de objeto requalificado. O
presidente da Associação de moradores Aníbal Antunes, pertencente ao Comitê
Social do Pan nos conta que existia ali, um campo destinado ao time amador do
bairro, onde nos finais de semana famílias inteiras usufruíam de uma extensa
área de lazer para atividades como festivais de futebol, churrascos, jogos,etc.
O bairro de tradição proletária,
localizado no subúrbio, dividido pela linha do trem era caracterizado principalmente pelas
oficinas de manutenção da rede ferroviária federal assim como pelo hospital
psiquiátrico PedroII, museu ferroviário e a escola de samba Arranco e para os
mais antigos pelo bloco de carnaval da quarta feira de cinzas alem da
tradicional malhação de judas na semana santa. A obscelescência do sistema
técnico férreo, e a acesso fácil para a linha Amarela fizeram deste objeto alvo
fácil para as mudanças necessárias para os Jogos Pan-americanos. Afinal, “o
evento é uma gota de existência e repete no microcosmo o que o universo é no
macrocosmo”. Para se adequar a modernidade urbana e a nova ordem espacial, o
antigo objeto campo de futebol foi transformado para a nova rede técnica de equipamentos
esportivos.
A
superposição dos Eventos e o desafio dos movimentos
sociais
Já
vimos ao longo deste breve ensaio que a noção de eventos relacionada como a
novidade e a tendência de movimento social encolhidos em seus mundos interiores
brilhando num instante da mídia- emerge no contexto atual- lado a lado da gestão
empreendedorista da cidade. Dessa forma, os objetos técnicos requalificados e
dispostos na cidade para o evento representam uma lógica de consumo em oposição
a coesão social(emprego, direitos, cidadania) e aos antigos objetos de valor
cultural para as comunidades. É neste sentido que conflito entre as formas de
utilização dos recursos e dos valores culturais emergem no espaço, articulado por redes
sociais de lideranças que consubstanciaram a formação do Comitê Social do Pan.
Retomado este painel conceitual podemos avançar na discussão do tópico anterior
a respeito da base territorial deste evento repensando as categorias utilizadas
como forma de apontar algumas conquistas e possibilidades para o Comitê Social
do Pan.
A categoria evento deve agora ganhar uma nova acepção, afinal a proposta
de movimento social do comitê social do pan se alinha com GOHN representando:
“ações sociopolíticas construídas por ações sociais coletivas pertencentes a
diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos
cenários da conquista sócioeconômica e política de um país, criando um campo
político de força na atual sociedade civil”. O problema deste caso é anunciado
pela autora da seguinte maneira “ todo coletivo enfrenta dificuldades a serem
superadas na sobrevivência cotidiana, a exemplo dos equipamentos coletivos de
consumo como escola, saúde, transporte, lazer etc...”(GOHN). A dificuldade seria
a preservação quando não envolveria o consumo mas o uso controlado, a exemplo
dos movimentos ecológicos”.
O caso do Estádio de Remo reflete bem o exemplo. Localizado num dos
metros quadrados mais caros da cidade (Lagoa Rodrigo de Freitas) e símbolo da
arquitetura modernista para a alta sociedade carioca em meados do século XX,
teve seu projeto remodelado para a realização do evento. A luta da “comunidade” ali presente é
justamente se opor à implementação do centro de negócios, mini-shopping center,
e salas de cinema pela concessionária GLEN, algo que de nada tem a ver tanto com
o evento tanto com a demanda do lugar. “ É justamente no lugar, um cotidiano
compartimentado entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições,
cooperação e conflito são a base da vida em comum...”
(SANTOS;1999)
Portanto, como no dizer de Lefebvre apud SANTOS 1999, devemos ver o
evento como “um momento visando à realização total de uma possibilidade”. O
autor complementa “essa possibilidade se dá, ela se descobre, e pode ser vivida
como uma totalidade, o que significa realizá-la e esgota-la”. Se conseguirmos
nos aproximar de uma conceituação espaço-tempo em que pudemos tratar de maneira
próxima a teoria da relatividade a noção de ponto-evento, trabalharemos nos
jogos pan-americanos uma noção bem próxima dos conceitos de evento e lugar. Como
visualizar agora este arranjo para os movimentos sociais?
Segundo SANTOS, através do entendimento desse conteúdo geográfico do
cotidiano poderemos, talvez contribuir para o necessário entendimento (e talvez, teorização) dessa relação
entre espaço e movimentos sociais, enxergando na materialidade esse componente
imprescindível do espaço geográfico, que é ao mesmo tempo, uma condição para a
ação; uma estrutura de controle, um limite a ação; um convite a ação, pois nada
fazemos hoje que não seja a partir dos objetos que nos cercam.
A luta do Comitê Social do Pan, atende a essas reflexões. Dentre as conquistas do movimento estão o embargo do IPHAN, pela sugestão do Ministério Público em relação às obras da nova arquibancada realizadas pela EMOP- Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro, no Estádio Remo, por ferir o projeto original que admitia uma arquibancada mais baixa, já que o espelho d'água da lagoa é tombado. E a mais polêmica delas, em relação à Marina da Glória, através de intensas manifestações no local e audiências no Ministério Público com a promotora Gisele Porto. A promotora junto ao IPHAN realizou o embargo das obras em curso pela concessionária(EBTE-Empresa Brasileira de Terraplanagem)a fim de construir um centro de negócios privativo, com shopping center, restaurantes, garagem de barcos entre outros, que flagrantemente representariam um dano ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural representados pelo espelho d´água da Baía de Guanabara e pelo Parque do Flamengo. Isso nos faz lembrar o papel dado aos eventos por LeFebvre:
“o evento se pretende livremente total, ele se esgota enquanto vivido. Toda realização como totalidade implica uma ação constitutiva, um ato inaugural. Esse ato simultaneamente cria um sentido e o libera. Sobre o fundo incerto e transitório da cotidianeidade ele impõe uma estruturação. Assim a cotidianeidade que aparecia como “real”(sólida e certa) revela-se incerta e transitória.( Lefebvre apud SANTOS:1999)
No
entanto, depois de mostrarmos como os eventos apóiam-se nos lugares através da
nossa exposição da atuação do Comitê Social do Pan, devemos nos questionar sobre
o papel destes instrumentos como emancipatórios do movimento. Se ainda não temos
condições através da pesquisa de avançar a respeito dessa vinculação entre
movimento social-evento-lugar num plano empírico com o Comitê Social do Pan, já
que o evento ainda não se esgotou, devemos delinear nossas propostas sobre os
instrumentos dos quais o movimento faz uso como, Ministério Público, Plano
Diretor, Orçamento Participativo,etc.
Fazemos
eco as reflexões de Boaventura Souza Santos, que traz à tela uma discussão
importante acerca de que tipo de
conhecimento se faz necessário para uma cultura política emancipatória, onde a
aplicabilidade de sua proposição
revela-se oportuna para pensarmos qual a cultura política que vem sendo
produzida pelos movimentos sociais contemporâneos. No momento em que o marxismo
entra em crise, uma série de paradigmas
acionados pelos Movimentos Sociais baseados nesta teoria como o exemplo
citado anteriormente na pesquisa sobre Castells , onde o proletariado era sujeito
absoluto da história , parecem não mais contemplar a complexificação do mundo nos últimos 30 anos.
SANTOS,sugere que os Movimentos Sociais lancem mão de um outro tipo de
racionalidade ( pensar numa racionalidade mais ampla, para reinventar a teoria
crítica de acordo com as necessidade dos dias atuais) .
A
reconstrução da utopia crítica é para Souza Santos o grande desafio dos
movimentos sociais, e com que
instrumentos se conta? Os instrumentos que temos hoje estão todos inscritos na
semântica do legítimo, da convivência política e social, como a democracia e da
legalidade, e esse é um grande complicador , visto fazem parte do status quo ,
ou seja instrumentalizam a
hegemonia capitalista. Para o autor temos um trabalho dobrado “ por um lado
tentar ver se os instrumentos hegemônicos podem ser usados de maneira
contra-hegemônica; e por outro lado ver nas culturas que foram marginalizadas
pela lógica Ocidental, a possibilidade de encontrarmos embriões de coisas novas”
( Souza santos , Renovar a teoria crítica, e Reinventar a emancipação social.São
Paulo , Ed ; Boitempo.2006.)
O
uso contra-hegemônico de instrumentos hegemônicos parte necessariamente do
conflito, porque hoje, não está na agenda política a transformação global ,
Santos coloca a seguinte questão :
como se mede o êxito de uma luta ? E responde: por sua capacidade de mudar os
termos do conflito, pela possibilidade de articulação das lutas
coletivas.
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