EMPREENDEDORISMO URBANO E
ESPAÇO PÚBLICO:
O CASO DA MARINA DA GLÓRIA NO
PAN-2OO7
Fátima Cristina da
Silva Borges
Mestranda em Geografia -
UERJ
Introdução
Com
a “premiação” da cidade do Rio de Janeiro em 2003, para sediar os jogos
Pan-Americanos de 2007, diversos projetos urbanísticos, implementados pelo poder
municipal, tem sido nela realizados. Estes projetos tem como parâmetro um modelo
de planejamento urbano que compreende as cidades dentro de uma lógica
mercadológica em que ficam submetidas às mesmas condições e desafios que as
empresas. Trata-se de intervenções de cunho empreendedorista em que os espaços
públicos e democráticos estão sendo apropriados por grupos empresariais que os
destinam a um número restrito de
pessoas que podem pagar para usufruí-los.
Neste
trabalho destacaremos o projeto de “modernização” da Marina da Glória, no Parque
do flamengo, que é público e tombado pelo IPHAN (
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e tem sido alvo de investidas empeendedoristas que
pretendem ampliar consideravelmente
a área da Marina da Glória que está
sob o controle da concessionária EBTE( Empresa Brasileira de
Terraplanagem e Engenharia) que
explora o local e pretende transformá-lo num centro de negócios destinado às elites e ao turismo
internacional.
O
projeto de ampliação da Marina da Glória sofreu grandes questionamentos e
reações da sociedade civil organizada, através de denúncias feitas pelo Comitê
Social do Pan e pelo S.O.S Parque do Flamengo, levando ao embargo das obras não
aprovadas pelo IPHAN.
O
objetivo deste trabalho é realizar uma breve análise do paradigma de
planejamento urbano em que a cidade do Rio de Janeiro está inserida, as
intervenções públicas feitas pelo poder municipal num contexto mercantilista
marcado pelo mega-evento dos jogos pan-Americanos, neste caso a Marina da Glória
e a importância do movimento social impondo limites ao modelo de gestão urbana
presente.
O Planejamento
Estratégico e a Mercantilização da Cidade
O
planejamento Estratégico teve sua origem como planejamento empresarial nas
empresas privadas norte-americanas, nos anos 60, e teve seu auge enquanto modelo
de planejamento urbano na cidade de Barcelona, quando arquitetos catalães
utilizaram esse modelo de planejamento empresarial para o ordenamento dessa
cidade , formulando o “Plans Cap al 92”, posteriormente o Barcelona 2000. O planejamento estratégico já havia sido
implementado em outras administrações municipais na própria Europa , como em
Rotterdam e Madri, porém foi em Barcelona que se converteu em modelo de
planejamento urbano e tem sido
difundido para várias cidades, principalmente do Brasil e da América Latina pela
ação combinada de diferentes agências multilaterais e de consultores
internacionais, principalmente catalães.
Barcelona destaca-se no cenário mundial, pois dentro da lógica
empresarial utilizou o marketing como nova estratégia de gestão e
planejamento de cidade tendo seu ápice nas olimpíadas de
92.
Sob a ótica da atual fase do capitalismo mundial marcada pelo
neoliberalismo e pelo desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social é que
podemos compreender a inserção do planejamento estratégico em várias
cidades. Com a falência do modelo
anterior, a economia passa a ser regulamentada, cada vez mais pelas grandes
corporações transnacionais que ditam a lógica do mercado, tendo o Estado um
papel cada vez menor nas decisões sócio-econômicas, ficando a sua função de intervir para
atender aos interesses dos grupos empresariais. Fica estabelecida então uma
parceria entre o poder público e o privado no gerenciamento das cidades
para execução de planos
estratégicos. Segundo Borja “ o
planejamento estratégico é seguramente a formalização mais acabada da cooperação público-privado (Borja
1995, p.16). Daí a incansável insistência da necessidade da articulação
público-privado tanto na definição de objetivos e programas como na execução de
linhas de ação e de projetos e na
gestão de serviços” (Borja & Forn, 1996, p.46).
Nesse contexto é
importante ressaltar que o lugar onde a mercantilização se dá de forma intensa
são as cidades, criando assim um ambiente altamente competitivo entre elas.
Passam a competir entre si por investimentos de capital, tecnologia, mão- de
–obra qualificada, novas indústrias e negócios, além de se apresentarem como
competitivas no preço e na qualidade dos serviços oferecidos, criando ambientes
altamente atrativos aos investimentos empresariais, com “ espaços para
convenções e feiras, parques industriais e tecnológicos, oficinas de informação
e assessoramento a investidores estrangeiros, torres de comunicação e comércio” (Borja & forn, 1996,
p.34), como também segurança, oferta cultural entre
outros.
Enfim, a lógica do mercado vem se sobrepor à lógica da cidade e esta vem
se tornando refém dos acordos
firmados entre o poder público e o privado. A cidade, para os planos, torna-se
um produto a ser vendido e vai deixando de ser um espaço de política e
construção de cidadania.
Os planos estratégicos inseridos no discurso neoliberal, não têm como
preocupação investimentos nos setores públicos básicos, resultando no
agravamento de conflitos sociais gerados pela falta de emprego, aumento da favelização, descaso
com a saúde e principalmente pelo aumento da criminalidade. Constituem-se numa estratégia de
mobilização e de marketing da cidade. Os fatores que levariam à melhor qualidade de vida, à cidadania
e cultura estão mais relacionados à
questão da imagem, para a promoção da cidade junto aos mercados internos e
externos, como podemos verificar na cidade do Rio de Janeiro com os Jogos Pan Americanos de 2007 do
que reais medidas que procurem uma melhor equidade social.
Na cidade do Rio de Janeiro o plano estratégico foi aprovado como modelo
de planejamento urbano no final de 1995 (“Rio sempre Rio”) ainda no
primeiro governo do prefeito César Maia, sendo o seu secretário de urbanismo
Luís Paulo Conde, que o sucederia na eleição posterior, continuando o mesmo
projeto de gestão.
O ideário do plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), teve
como fonte inspiradora os planos estratégico para a cidade de Barcelona. Pelo
fato de ter sediado as olimpíadas, muitos investimentos foram feitos naquela cidade pelo poder
público e privado, impulsionando grandes transformações no ordenamento espacial
urbano, na estrutura produtiva e infra-estrutura, como podemos citar os
investimentos no setor de telecomunicações, saneamento, transporte, lazer, assim
como serviços ligados à rede hoteleira e empresas, que possibilitaram a
introdução de novas atividades, comprometidas com a competição externa dos
mercados internacionais.
De
acordo com Amendola “O futuro da
cidade de Barcelona é comandado pelos usuários – empresários e turistas. No
entanto, a população da Cidade se elitizou e os desinvestimentos nos setores
públicos básicos de saúde, educação e a geração de empregos comprometem o futuro
dos cidadãos. Barcelona garantiu o seu papel de cidade turística no circuito das
principais cidades turísticas do sul da Europa, além do papel de centro das
atividades do setor terciário superior.
O’modelo
Barcelona’ de ordenamento urbano, segundo a lógica mercadológica deixou a Cidade refém das grandes empresas. Os
investimentos no campo social são deixados de lado pelas autoridades, para darem
lugar aos investimentos por parte do poder público e atrair parcerias com o
poder privado, definindo os caminhos da Cidade. Enfim, os planos para Barcelona
alcançaram a melhor inserção da Cidade no contexto capitalista das grandes
corporações que, através do marketing urbano
alavancaram uma nova configuração urbana, porém pagando o preço de uma enorme
exclusão social’’.
Várias
cidades, dentre elas o Rio de Janeiro, fazem parte do Cideu (Centro
Iberamericano de Desenvolvimento Estratégico Urbano), uma associação entre
cidades, sediada em Barcelona que impulsiona as cidades membros à realização de
planos estratégicos urbanos, como instrumentos de ordenamento futuro das
cidades, dentro da ótica catalã. E Ainda de acordo com Amendola, “ o Cideu cria
toda uma infra-estrutura para que as cidades membros possam instituir os planos
diretores através de fóruns de debates e intercâmbios das experiências de
planificação de estratégica urbana; uma base de dados sobre oferta e demanda de
know-how; promoção do mercado de
projetos urbanos e acordos de cooperação com a Agência Espanhola de Cooperação
Internacional (AECI) e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (
BID)”
O plano
estratégio começou a ser esboçado em 1993, quando a administração municipal
firmou com a Associação comercial(ACRJ) e com a Federação das Indústrias(FIRJAN)
um acordo para a promoção de um
plano para a cidade. Posteriormente, instaura-se um consórcio mantenedor
do plano, com a participação de 46 empresas e associações empresariais, que
contratou a empresa catalã TUBSA (Tecnologies Urbanas Barcelona S.A.) entre
outros serviços profissionais que assumiriam a direção executiva do plano. No final de 1994, foi instalado o
Conselho da Cidade, considerado a
instância maior do Plano, no entanto o seu poder de influência é muito
reduzido. É formado por mais de
trezentos membros, sindicatos, entidades associativas populares, instituições
acadêmicas e empresas (Lyons Clube, Liga Independente das Escola de Samba) e
várias ONGS.
Além
do Consórcio Mantenedor, do Conselho Executivo e do Conselho da Cidade , ainda
há o Conselho Diretor,que tem entre seus membros, empresários individuais e
representantes de associações empresariais, reitores, empresas jornalísticas, o
Secretário de Urbanismo do Município,
o Secretário Estadual de Planejamento e ainda personalidades (Aspásia
Camargo, Sandra Cavalcante entre outros).
Conforme
Vainer, o Conselho da Cidade teve uma participação simbólica, pois tinha a
função só de homologar os documentos preparados , discutidos e deliberados pelo
comitê executivo e aprovados pelo Conselho Diretor. Além desses fatos a metodologia imposta
pela empresa catalã tornou o texto praticamente indiscutível e incontestável.
Podemos dessa forma concluir que o primeiro plano estratégico elaborado para a
cidade do Rio de Janeiro teve como objetivo legitimar orientações e os
interesses dos grupos empresariais que dominam a cidade . Dentro deste contexto,
podemos citar algumas realizações feitas pela administração César Maia
(Teleporto, Porto de Sepetiba, projeto dos Jogos Pan Americanos 2007) ,
apresentando enfoque autoritário e dispensando a participação popular enquanto
instância, que pensa, discute e decide
a construção da cidade onde vive.
Também
no Plano Estratégico enfatiza-se a construção de um ideário de cidade formada
por um consenso. Formou-se, assim, uma nova militância urbana, promovida pelos
meios de comunicação de massa, desencadeando alguns movimentos como Viva Rio, Reage
Rio, que se concentram na afirmação dos interesses comuns dos moradores da
cidade, na valorização da solidariedade humana e na total falta de consciência
da luta de classes. Cria-se assim
uma “naturalização” da desigualdade, em que parece que todos somos vítimas e
responsáveis pelos problemas urbanos.
Podemos
perceber a total despolitização do planejamento predominante, pois ele não se
propõe a apresentar políticas que possam solucionar os problemas básicos que os
citadinos enfrentam no seu dia-a-dia, como: saneamento básico, falta de moradia,
desemprego, violência, enchentes,
entre outros. O que nos é perceptível é que os problemas estão cada vez
mais agudos , como as últimas reportagens sobre o abandono dos hospitais e das
escolas públicas e o caos em que a cidade ficou com as constantes ondas de violência ,
vitimando vários moradores, principalmente das áreas mais carentes. Vivemos numa
cidade que promove cada vez mais a exclusão social, tornando-se progressivamente
mais fragmentada, em que os
benefícios só atendem a alguns poucos moradores.
Como
já foi dito, o Planejamento estratégico constitui-se muito mais num projeto de
marketing, de promoção da cidade, do que num projeto definido de
desenvolvimento econômico e social, ou seja, vive-se em busca de ocasiões para negociá-la. Dessa maneira, temos os grandes eventos
e neles a projeção da cidade e de seus administradores em escala mundial.
Qualquer mega-evento é bem aceito, não importa de que natureza seja, mas sim que
propicie grande rentabilidade para os diferentes empreendedores que nele
investirão.
Nesse aspecto, temos a cultura como a mercadoria principal, como podemos
verificar em Arantes, “ a cultura
seria a ‘mercadoria vedete’ na próxima roda do capitalismo, exercendo a mesma
função estratégica desempenhada nos ciclos anteriores pela estrada-de-ferro e
pelo automóvel. A alienação chegaria ao seu grau máximo”.
O Planejamento Estratégico e o Pan-2007
O Rio de Janeiro, em 1996, concorreu para sediar as olimpíadas de 2004, o
processo teve ampla participação popular e inúmeros projetos urbanísticos
destinados para o evento, sendo que estes tiveram maior participação da
sociedade civil organizada,
“resultando
numa perspectiva de intervenção urbanística pautada na redistribuição espacial
dos equipamentos, no aproveitamento racional dos recursos e da infra-estrutura
existente, e na revitalização de áreas”
(Mascarenhas,
2005). No entanto, a cidade perdeu
a concorrência para Atenas, mas em 2003 conquistou o direito de sediar os Jogos
Pan Americanos de 2007, evento que tem menor repercussão que o anterior, mas que
tem alcance internacional e tem sido o principal projeto de governo da atual
gestão do prefeito César Maia..
O projeto dos Jogos Pan-Americanos dissocia-se do anterior. A gestão do prefeito está imbuída da
visão mercadológica, constante no planejamento estratégico. As mudanças na cidade não têm atendido às demandas
populares por participação. Vários ordenamentos tem sido feitos sem que as
pessoas atingidas sejam consultadas, como despejos de comunidades para
instalações de equipamentos esportivos, expulsando a população mais carente do
seu entorno. É necessário lembrar que os investimentos estão sendo alocados nas
áreas mais nobres da cidade (entorno da Barra da Tijuca), em detrimento das
áreas que são de alcance popular. A Vila olímpica, financiada com recursos do
FAT( Fundo de Amparo ao Trabalhador) não ficará para uso popular, mas será
destinada à classe média e alta, se
transformará, após os jogos, num moderno
bairro residencial.
Como tentativa de fiscalizar os gastos e ações do poder público foi
criado o Comitê Social do Pan, uma articulação do Fórum popular do orçamento do
RJ, Federação das Associações de Moradores do Município do Rio, Fórum popular de
acompanhamento do Plano Diretor do RJ, além de instituições acadêmicas, entre
outras entidades ligadas ao movimento popular. O movimento tem como finalidade a busca
de maior participação popular, referente aos investimentos públicos e
intervenções no espaço da cidade, além de tentar garantir que tais investimentos
tenham utilidade pública após o evento, sendo utilizados pelos moradores da
cidade e não apenas por um pequeno grupo privilegiado. No caso do Projeto de
“modernização” da Marina da Glória o Comitê Social do Pan e O Movimento S.OS
Parque do Flamengo conseguiram denunciar a apropriação indevida de áreas do
Parque pela concessionária EBTE, o que teve grande repercussão na mídia
agregando diferentes agentes e entidades na luta pela sua manutenção enquanto espaço de uso coletivo e democrático.
O público e o privado no Parque do
Flamengo: entre o emprendedorismo e os movimentos sociais
O
Parque do Flamengo inaugurado em 12\10\1964 para ser uma área pública de lazer,
é um dos mais importantes patrimônios urbano-paisagístico da cidade doRio de
Janeiro, foi projetado por arquitetos, paisagistas e urbanistas reconhecidos
internacionalmente. Resultou do aterro sobre uma grande faixa da
Baía de Guanabara, utilizando material proveniente do desmonte dos morros
cariocas.
É
delimitado, ao norte, pelo aeroporto Santos Dumont, ao sul pela praia de
Botafogo, a oeste pela Baía e a leste pela pista do Flamengo, possui
aproximadamente 120
hectares.
No
ano de 1965 toda extensão do Parque foi tombada pelo IPHAN ( Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O tombamento além da área total do
Parque estende-se ainda a 100 metros
para dentro das águas da baía.
O
parque é um espaço de lazer, e é essencialmente público, popular e
democrático. É um espaço do encontro, do lúdico e de contemplação de uma das
vistas mais disputadas na cidade, que se apresenta pela enseada da Baía de
Guanabara, e pelo Pão- de –Açúcar, morro da Urca e o Cara de Cão
.
Destaca-se
também o projeto paisagístico que foi implementado por Roberto Burle Marx,
considerado como o mais importante paisagista brasileiro do século XX. Trata-se
de um projeto de parque urbano totalmente inovador para a época, em que vias
expressas foram compatibilizadas com áreas de lazer, esportivas e culturais.
Deve ser considerado também o importante acervo de múltiplas espécies nativas
vegetais e animais.
O
tombamento do Parque foi realizado com objetivo principal de protegê-lo da
especulação imobiliária, pois já existia uma grande preocupação, na época, de
não permitir que fosse construído no Aterro, algo além do que estava previsto na
planta original.
No
entanto o que estamos assistindo é um desrespeito por parte do poder público
municipal, que tem concedido diferentes espaços públicos da cidade para as
empresas privadas através de concessões. Neste sentido, os espaços antes
públicos tornam-se acessíveis apenas a um seleto grupo de pessoas que pode pagar
pelo seu uso em detrimento da população em geral.
É
importante lembrar que em sociedades democráticas, ao invés de ser priorizado o
interesse de indivíduos e de grupos , busca-se os interesses coletivos. E as
mudanças significativas precisam ter aprovação da sociedade civil e dos órgãos
governamentais, prática que não temos assistido por aqui. Dentre outras
situações de desrespeito ao que é público na nossa cidade, estamos vivenciando o
processo de privatização do Parque do Flamengo , através do projeto de ampliação
da Marina da glória, que tem a concessionária EBTE( Empresa Brasileira de
Terraplanagem e Engenharia)a mais interessada, já que explora comercialmente a
área há mais de dez anos e recebeu como prêmio do poder municipal a renovação da
concessão por mais trinta anos.
Tendo
como base o relatório elaborado por uma comissão especial do IAB (Instituto dos
Arquitetos do Brasil) do Rio de Janeiro que analisou o projeto de ampliação da
Marina da Glória e não o aprovou, vamos buscar compreender as intervenções
urbanísticas que tem sido implementadas no Parque, comprometendo-o
no seus diferentes aspectos ambiental, paisagístico, cultural,
recreativo e de uso público, e como essas intervenções tem provocado
reações de mobilização que tem na sociedade civil.
Fazendo
um histórico podemos constatar as intervenções já na década de 70 com o projeto
Marina Rio que foi aprovado pelo IPHAN, em 1976, pois já fazia parte de um
programa de construções na área e constava na Planta Geral do Parque. Em 1984,
foi assinado o contrato de cessão entre a Secretaria de Patrimônio da União e a
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, destinado à construção pelo
concessionário , do complexo Marina Rio. A área da Marina ficou sob a
responsabilidade da Riotur que a cercou e isolou o acesso
principal.
Em
1988 os projetos apresentados ao IPHAN receberam severas críticas do Conselho
Consultivo, que ressaltava a necessidade de preservação do Parque do Flamengo
como espaço público. Dez anos após foi apresentado o anteprojeto de
Revitalização da Marina ,com uma significativa expansão de sua área
física. O IPHAN, reafirmando sua posição não aprovou o projeto. Diante da
negativa a concessionária entrou com Ação Ordinária na Justiça Federal e
recebeu uma Antecipação de Tutela para realizar as obras, o que foi confirmado
por decisão de segunda instância em 2001.
Em
2005, temos um novo projeto de intervenção na área, semelhante ao anterior.
Este, em nome dos Jogos Pan-americanos 2007, tem recebido total apoio e
incentivos do poder municipal , que chegou a ampliar a concessão da
empresa, desde que ela investisse R$ 41 milhões nesse empreendimento. É mais um
projeto que prevê a transformação de área de acesso franco público para área de
negócios. Trata-se de um mega-empreendimento que foge completamente aos
objetivos de uma Marina, cujas obras avançam sob a justificava de urgência por
conta da proximidade dos Jogos Pan-Americanos.
No
projeto de 2005, as intervenções estão divididas em dois grupos. O
primeiro se destina a sediar as competições náuticas do Pan, inclui área de
deck, píeres, garagem náutica que compreende uma placa (15.800 m²)
sobre o espelho d’água da enseada da Glória, criando uma plataforma onde serão
implantadas as construções, galpões, administração, vestiário, lojas de
conveniência e estacionamento para cem veículos. A garagem ficará com a
altura variando entre 11 a
19 metros acima
do nível do mar.
O
segundo é relativo ao complexo turístico. Além do terminal turístico, o projeto
prevê um centro de convenções, centro de exposições, shopping center, salão de
eventos, três novos restaurantes e um estacionamento para 2000 veículos. O novo
edifício criará um edifício com altura de 17 metros acima
do nível do mar. Totalizando uma área de mais de 100 mil metros quadrados de
área construída. Além disso o projeto prevê a construção de chapas com
aproximadamente 2 metros de
altura sobre a murada que contorna a Marina, com objetivo de dar mais segurança
aos barcos.
Diante
desses dados a sociedade civil tem se organizado, com manifestos de repúdio
executados por entidades, artistas, jornalistas, movimentos articulados
pelo S.O.S Parque do Flamengo e pelo Comitê social do Pan repudiando as
ações da EBTE que poderão alterar em muito os diferentes usos que hoje há no
Parque, principalmente como espaço de lazer.
Como
resultado das mobilizações tivemos algumas conquistas, dentre elas ressalta-se a
suspensão, em setembro de 2006, das reformas na Marina por determinação
judicial. Diante das pressões, em 29 de janeiro de 2007, o Comitê
organizador dos Jogos Pan-Americanos informou ao Ministério Público Federal que
desistiu de realizar obras de expansão da Marina da Glória. Os organizadores dos
jogos admitiram que a ampliação da Marina, com a construção de uma garagem para
barcos, não é essencial para disputa dos jogos, pois as instalações que ali
existem são aceitáveis para a realização dos mesmos. É importante ressaltar que
essa declaração contraria as anteriores. Recentemente o IPHAN embargou as obras
na Marina e a partir de um recurso do Ministério Público Federal, a justiça
determinou que as obras já
realizadas indevidamente deverão ser demolidas, sob pena de multa. Com essa
decisão a EBTE terá a partir de junho do ano corrente, seis meses para
restabelecer a paisagem e a estrutura natural da região.
Conclusão
É
interessante perceber que no caso da Marina da Glória, devido as mobilizações
que se deram através de atos públicos, monções de repúdio, denúncias constantes
nos meios de comunicação e a postura firme do Conselho Consultivo do IPHAN, não
cedendo as pressões externas, e a seriedade na avaliação da situação por
conta dos procuradores do Ministério público, tivemos como resultado a
confirmação do que já previa-se antes que,na realidade, os jogos estão sendo
utilizados como pretextos para a entrega indevida dos bens públicos para a
iniciativa privada com a aprovação e empenho da atual gestão
municipal.
Todavia,
o projeto dominante encontra formas de resistência. E a cidade vai sendo
produzida não apenas ao gosto do capital, dos interesses do lucro, mas também a
partir das reivindicações da sociedade civil organizada.
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