ÁGUA DOCE NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS –
O NOVO “HEARTLAND” DO SÉCULO
XXI:
O AQÜÍFERO
GUARANI
Rafael
CORRÊA BORBA
Synthio VIEIRA
ALMEIDA
Instituição:
CEFET
Campos
Suporte
Financeiro: CEFET CAMPOS
FENORTE/TECNORTE
Palavras –
Chave:
Geopolítica - Escassez - Água
RESUMO
O
objetivo deste artigo é analisar
os problemas relacionados com os recursos hídricos, particularmente seus
aspectos geopolíticos e geoeconômicos.
Serão analisadas questões
como a conversão da água em mercadoria, um negócio lucrativo que desperta o
interesse de grandes empresas; o uso irracional dos recursos hídricos,
associados a problemas como a escassez e a poluição; e a crise silenciosa da
água, tornando-a questão de Estado.
De
acordo com a teoria geopolítica do Poder Terrestre elaborada por Mackinder (1904), o
Heartland ( terra coração) estaria localizada na região central da Eurásia. No
cenário atual, podemos indicar como um novo “Heartland” os territórios ricos em
recursos hídricos.
A
região do Aqüífero Guarani, segundo
Fruet (2006) poderia abastecer uma população de 150 milhões de pessoas por 2.500
anos, sem reposição. Logo, este aqüífero tem todos os atributos para se tornar o
novo “pivô geográfico da história”, o novo “Heartland” do século XXI de acordo
com a concepção mackinderiana.
INTRODUÇÃO
Todas as formas de vida existentes na Terra dependem da
água. A água doce é um recurso vital para a sobrevivência humana, sendo de suma
importância o uso racional do recurso. Faz-se necessário à busca de alternativas
para evitar o desperdício do precioso líquido. Para tanto, procura-se apresentar uma
visão realista, sucinta, da silenciosa crise da
água.
O grande desafio deste Terceiro Milênio é garantir a uma crescente
população, o acesso à água de boa qualidade, um recurso que além de escasso é
mal distribuído geograficamente.
A água doce aparece no liminar do século XXI com uma nova
conotação de grande estratégia geopolítica nas relações internacionais,
nacionais, regionais e locais como: um recurso natural limitado e fundamental
para sobrevivência da humanidade.
Provavelmente a água potável será o recurso natural mais disputado do
planeta neste século. Sua escassez em um grande número de países, principalmente
na África e no Oriente Médio, poderá ser a principal causa de conflitos
econômicos e até militares. O problema da seca em numerosas e extensas regiões
da Terra tem se tornado tão grave que os países começam a reavaliar o verdadeiro
valor da água e sua importância
estratégica para o desenvolvimento econômico e para a sobrevivência da
humanidade.
METODOLOGIA
O
trabalho apresentado baseia-se em um projeto de iniciação científica
desenvolvido há 10 meses no Núcleo
de Estudos Geográficos (NEGEO) do Centro de Educação Federal Tecnológica
localizado no município de Campos dos Goytacazes RJ, sendo integrado por
graduando do 6º período do Curso de Licenciatura em Geografia desta
instituição.
OBJETIVOS
O
objetivo deste artigo é analisar como as grandes corporações estão se apoderando
da água doce no planeta, como alguns autores vêm denominando-a como o
“ouro azul”, o líquido mais precioso do século XXI, além de expor como
atualmente esse escasso líquido vem sendo disputado tanto pelas grandes
corporações como pelos Estados Nacionais.
ÁGUA:
UM RECURSO ESCASSO
A escassez de água poderá ser uma das principais fontes de
conflitos do século XXI. A ONU
(2005) define o problema da escassez como uma “crise silenciosa”, sendo uma
crise no momento ofuscada pela escassez de outro líquido, o
petróleo.
O
mapa abaixo demonstra as regiões que mais sofrem com o stress
hídrico,
ou seja, a escassez de água doce no
planeta.
Mapa do Stress Hídrico

Fonte:
http://www.solidarites.org
As
regiões de coloração escura são as mais ricas, mais abundantes em água doce:
Brasil, Canadá, Rússia e Nigéria.
As regiões de coloração mais clara são as regiões que sofrem com o
stress
hídrico,
condição pela qual fornecem menos de 1.000 m3 de
água/ano/habitante, valor mínimo de referência para atender as necessidades
humanas básicas. Dentre essas regiões que sofrem com a escassez de água, pode-se
destacar a maior potência econômica e militar do mundo: os EUA. Os Estados norte - americanos que mais
sofrem com o stress hídrico são a Califórnia e o
Arizona.
Os EUA têm um
projeto para a construção de um “MegaCanal” (sic) chamado NAWAPA (Aliança Norte
– Americana de Água e Energia) para transportar água em grande volume para os 35
Estados norte-americanos. O projeto do
“MegaCanal“ (sic) consiste
no desvio de vários rios, construindo enormes represas, e utilizando as
Montanhas Rochosas como um imenso reservatório com cerca de 800 Km de extensão
(BARLOW,CLARK, 2003 , p.166). A partir desse imenso reservatório seria
construído um megacanal que transportaria água em grande volume até o Estado de
Washington, do qual seria construída uma rede de canalizações e de aquedutos
para distribuir água. O maior empecilho para esse projeto sair do papel é o seu
alto custo. Mas o que realmente vai
determinar se esse projeto é viável ou não, é a futura demanda norte-americana
por água.
Outra
região que sofre gravemente com o stress
hídrico é o Norte do México. Muitas empresas, fábricas e corporações
norte-americanas, as famosas maquilladoras, migraram para o norte do México em
busca de mão-de-obra mais barata e principalmente em virtude da
desregulamentação de leis ambientais, ou seja, leis ambientais menos rígidas.
Conseqüentemente, ocorreu uma enorme migração de pessoas do Sul para o Norte do
México, em busca de empregos e de melhores condições de vida. Mas a região do Norte do México é pobre
em água. Atualmente, a situação nessa região é crítica. Em alguns locais, só tem
água através de caminhões-pipa. Mas
o exemplo que melhor denota a grave crise de escassez de água no Norte do
México, é que é comum bebês e crianças consumirem Coca-Cola e Pepsi ao invés de
água, pois há escassez de água para
beber.
Pode-se
destacar no mapa outras regiões que
sofrem gravemente com o stress
hídrico,
dentre elas o Norte da África, principalmente a Líbia e o Egito; além do Oriente
Médio, a região que mais sofre com a escassez de água no planeta,
destacando-se a Arábia Saudita,
Líbano, Jordânia, Síria, Israel e a Faixa de Gaza, que será exposto mais
detalhadamente ao longo do artigo.
Como
pode ser analisado no mapa, a crise da escassez da água não é local e nem
regional, mas sim global. Basicamente, essas seriam as regiões que mais sofrem
com o stress
hídrico no
mundo.
GEOECONOMIA:
A TRANSFORMAÇÃO DA ÁGUA EM MERCADORIA
Devido a grave crise da escassez da água, a própria ONU
admite que as guerras ou conflitos que ocorrerem no século XXI terão muito mais a ver com
a água do que com o petróleo (ONU, 2006). Essa advertência que soaria como uma
piada há poucas décadas atrás, a cada dia torna-se cada vez mais
concreta.
Mas
de acordo com Luttwak, grande expoente da Geoeconomia, “as
guerras militares foram agora substituídas pelos conflitos
econômicos”
(LUTTWAK, E. apud MENDES ,Tatiana Ferreira). As guerras não são fundamentalmente
militares, mas sim, comerciais. Mas ele não descarta a possibilidade de guerras
militares, pelo contrário, de acordo com ele, os conflitos econômicos podem até
gerar conflitos militares.
Segundo Thurow, ex-assessor de Bill Clinton e outro grande
nome da Geoeconomia, “o confronto agora deixou de ser militar para se tornar
econômico” (THUROW, L. apud VESENTINI, J. Willian p.33, 2000), ou seja, neste
novo cenário, os principais atores são as corporações transnacionais, que em
grande medida ditam as políticas nacionais, levando os Estados a disputarem
entre si para persuadirem essas grandes corporações para se instalarem em seu
território.
Sob a ótica de MENDES (2005),
“A empresa não escolhe o
Estado por bondade, nem mesmo o Estado adere a certas condições pela mesma
razão. O Estado, e mais particularmente o governo local tem interesse na sua
instalação, uma vez que com ela surgem empregos, geração de renda, investimento,
população satisfeita, e a manutenção deste governo no poder”.
Adaptando para a problemática da água, surge um novo
colonialismo, em que as grandes corporações se apoderam da água doce no planeta
e a transformam em uma commoditty, ou seja, colocam um preço nesse precioso
líquido, transformam em uma mercadoria e a vendem principalmente para os
mercados de exportação, negociando-a até na Bolsa de Valores, ao invés de
atenderem as necessidades locais ou aos próprios mercados locais.
Resumindo, o
que se observa é um novo colonialismo, ou seja, a transformação de um recurso
natural em uma mercadoria privada.
A MERCANTILIZAÇÃO DA
ÁGUA
Em 2000, ocorreu o Fórum Mundial da Água na Holanda, que
tinha como tema principal à preservação dos recursos hídricos mundiais. Em torno
desse fórum deveria ocorrer um debate, se a água deveria ser designada uma
necessidade ou um direito. Mas esse debate não ocorreu. Por quê? Porque
participaram desse Fórum organizações como o Banco Mundial e as grandes
corporações de água, que têm interesse no comércio do “ouro azul”. Conseqüentemente, as discussões em torno
do Fórum se limitaram em como essas corporações poderiam se beneficiar da
mercantilização do “ouro azul”.
Se a água fosse designada uma necessidade, então as corporações teriam o
direito de fornecer água para toda a população com fins lucrativos, ou seja,
seria a conversão da água em mercadoria. Por outro lado,
se a água fosse designada um direito, então os governos teriam a
responsabilidade de fornecer água para toda a população sem fins lucrativos. No
final do Fórum os participantes assinaram um documento em que ficou acordado que
a água seria designada uma necessidade, portanto, uma mercadoria. Resumindo, a
partir desse Fórum a água passou de um recurso natural para uma
mercadoria.
De acordo com Ricardo Petrella, grande
pesquisador acerca da Água nas relações internacionais e Conselheiro da Comissão
Européia, ocorreram 4 “conquistas da água” pelo ser humano. A
1º
conquista
foi das antigas civilizações, baseada na captação e distribuição da água. A
2º
conquista foi
a transformação da água em
energia. A 3º
conquista foi
a microbiana, ou seja, políticas de higiene e saúde. A 4º
conquista é
a contemporânea, a conquista pela lógica capitalista, que transformou um recurso
natural em uma mercadoria. Segundo Petrella, dentro da 4º conquista, o Banco
Mundial impôs 5 princípios: a transformação da água em mercadoria; a primazia do
investimento privado (criar um ambiente favorável para o investimento privado);
a lógica de necessidades; a privatização da água e a liberalização de mercados,
resultado da filosofia, ideologia e política denominada Consenso de Washington,
que se tornou um dos principais instrumentos para a privatização e a
mercantilização da água. (PETRELLA, Ricardo, Revista Diplo,
2003)
Segundo
Barlow e Clark (2003), a Privatização da água geralmente dá-se de 3 formas:
venda
total
dos serviços de água para as grandes corporações; Concessões
ou Parcerias Público – Privado,
quando os governos concedem contratos geralmente de 30 anos paras as corporações
assumirem os serviços de água, sendo que as corporações têm o direito total na
participação das receitas dos serviços de água, modelo mais utilizado no mundo;
e por último as taxas
administrativas,
por meio dos quais as corporações são contratadas por governos para assumir o
controle dos serviços de água por uma taxa, sendo que nesse modelo a corporação
não tem o direito na participação das receitas, sendo o modelo menos
utilizado. Basicamente, esses
seriam os modelos de privatização mais utilizados no
mundo.
O Banco Mundial destina 14% de capital reservado para empréstimos e
projetos relacionados à água. Quando algum governo não demonstra interesse em
privatizar os seus serviços de água, o Banco Mundial faz uso da chantagem, como
ocorreu em 1999 com a Bolívia, que necessitava de um empréstimo de 25 milhões de
dólares. O Banco Mundial se prontificou a conceder o empréstimo, mas desde o
momento em que a Bolívia privatizasse os serviços de água de Cochabamba, uma das
cidades mais ricas em água da Bolívia. A Bolívia necessitando do empréstimo
cedeu à chantagem do Banco Mundial. A Privatização dos serviços de água de
Cochabamba ficou a cargo da Bechtel (norte-americana), uma das maiores
corporações de engenharia do mundo. O contrato incluiu além da privatização do
fornecimento de água, a privatização da água da chuva e dos poços, ou seja, a
população ficou proibida de coletar água da chuva e dos poços. Isso gerou uma
revolta na população, que ocasionou manifestações de rua, que foram
violentamente reprimidos pela polícia. Um jovem manifestante foi morto nos
confrontos, e a revolta popular levou ao Governo Boliviano a rescindir o
contrato com a Bechtel. A Bechtel foi expulsa do país (SCHWARZ,
2005).
Esse é um bom
exemplo de como essas corporações têm pouca responsabilidade no que se diz
respeito a sustentabilidade dos recursos hídricos e no acesso igual da água para
toda a população, além de demonstrar como os governos utilizam a privatização
dos serviços de água como a solução para os seus problemas financeiros.
Momentaneamente, privatizar os serviços de água pode reduzir as dívidas e os
déficits públicos dos governos endividados. Mas, os cortes no impostos ou subsídios
fiscais concedidos pelos governos
às corporações para a instalação destas em determinado território têm
conseqüências a longo prazo, ou seja, devido a esses cortes nos impostos os
governos sofrem com suas finanças, reduzindo principalmente o investimento nos
serviços públicos.
Conseqüentemente, os governos
estão endividados e as
instituições públicas falidas. Portanto, privatizar os serviços de água
não é a solução para os governos endividados, ou seja, é uma solução
aparente.
Muitos
governos são levados a afrouxar as suas leis ambientais, inclusive leis que
protegem a água, para serem competitivos nos mercados internacionais. Se um
governo não desregulamentar ou afrouxar suas leis ambientais as grandes
corporações ameaçam retirar seus investimentos desse determinado país. É uma
estratégia perversa dessas grandes corporações que deixa os governos
praticamente sem saída. Além disso, as leis comerciais internacionais protegem
os direitos das grandes corporações. Como é relatado por Barlow e
Clark:
“... se um governo impor uma proibição à
venda e exportação de água em grande volume ou impedir uma corporação de água
estrangeira de participar de uma licitação de concessão para o fornecimento de
água, ele pode ser considerado violador das regras comerciais internacionais de
acordo com a OMC ou NAFTA”.
Portanto, as leis que regem tanto os mercados locais
quanto os mercados internacionais protegem os direitos das grandes corporações e
não os dos cidadãos.
É comum as
grandes corporações praticarem lobby, uma prática “suja”, por meio do qual fazem
doações em dinheiro para políticos e partidos políticos para que os seus
interesses sejam implementados quando esses políticos chegarem ao poder. Essas práticas “sujas” são reforçadas
pelo papel primário do Estado que é fornecer ambientes e locais seguros para o
investimento privado, além de incentivar a competição. Portanto, é prática usual
as corporações e empresas utilizarem esse artifício para usufruírem de
benefícios que resultam em exorbitantes
lucros.
Atualmente, 10 grandes corporações dominam o mercado
mundial de água, sendo que a Suez e a Vivendi ambas de origem francesa dominam
cerca de 78% do monopólio mercado
mundial de água, a Suez atua em todos os 5 continentes, como é demonstrado no
mapa abaixo (BARLOW, CLARK 2003):
Mapa da Expansão Geográfica da Suez
Fonte:http://www.ladocumentationfrancaise.fr
O mapa acima demonstra a expansão geográfica da Suez, além
do número de clientes em milhões atendidos pela gigante global da água. Os círculos de coloração azul são as
regiões em que a Suez possui contrato em vigor, demonstrando claramente a
expansão geográfica da Suez, uma empresa de origem francesa e, que atualmente
atua em todos os 5 continentes. Os
círculos em coloração verde escuro denotam o numero de clientes atendidos pela
Suez em milhões, além de explicitar que o maior mercado da Suez é a Europa com
mais de 40 milhões de clientes.
Essas expansões geográficas dessas grandes corporações
assumem diferentes formas, através
de consórcios ou compra de ações de uma empresa que já opera na
região.
Outra área de atuação dessas grandes corporações é na tecnologia de
dessalinização que já vem sendo utilizada por alguns países e comunidades. A
tecnologia da dessalinização é promissora, e tem tudo para crescer ainda mais no
futuro. Segundo dados de CIRILO, na Usina de Dessalinização da Califórnia o
m3 de água dessalinizada custa US$ 1.00, enquanto que o m3
de água do Rio Colorado custa cerca de US$ 0.25. Observa-se que a diferença de
preços não é tão absurda e, esses custos podem reduzir ainda mais no
futuro. Mas, a dessalinização
da água não é a solução para a grave crise da escassez de água porque a
tecnologia da dessalinização consome muito combustível fóssil, o que agravaria
ainda mais o aquecimento global, um dos principais inimigos dos recursos
mundiais de água. Mas, o que
impressiona é a pouca produtividade
da tecnologia da dessalinização, o que demonstra que ela não é a solução para a
grave crise da escassez da água.
GUERRAS E CONFLITOS PELO OURO
AZUL
O
Oriente Médio é uma das regiões que mais sofrem com a escassez de água doce no
planeta, principalmente porque o seu clima é desértico, há sempre um déficit
hídrico, pois a demanda por água é maior do que a quantidade disponível. Segundo
OLIC (2000) o déficit hídrico do Oriente Médio se dá basicamente por 3
fatores, alto crescimento
populacional, má administração dos recursos hídricos e os desacordos entre os
países no que diz respeito quanto à
utilização dos recursos hídricos. Ainda segundo OLIC (2000) esse último fator
leva ao surgimento das Zonas hidroconflitivas, áreas ou regiões suscetíveis a
conflitos ou guerras militares, em virtude da escassez de água ou aos “...
desacordos entre países no que se diz respeito à utilização de recursos hídricos
comuns”.OLIC (2000)
Uma das principais zonas hidroconflitivas é a Bacia do Rio Tigre e
Eufrates que atravessam os
territórios da Turquia, Síria e Iraque como é demonstrado no mapa abaixo.
Mapa da Bacia do Rio Tigre e
Eufrates
Fonte:
http://www.mw.pro.br
A Turquia possui uma posição privilegiada nessa região,
pois têm sob seu domínio as nascentes desses dois rios.
Desde os anos 80 a Turquia vêm desenvolvendo o PGA
(Projeto da Grande Anatólia) que visa mudar radicalmente a região sudeste do
país, com a construção de barragens e hidrelétricas. O PGA tornaria os turcos
grandes produtores de cereais e lhes garantiriam grande parcela de sua produção
de energia. Mas a grande retenção de água pela Turquia prejudicaria tanto a
Síria quanto o Iraque, que estão localizados a jusante.
Obviamente, que o PGA foi visto tanto pela Síria como pelo
o Iraque como uma ameaça a seus interesses estratégicos, pois a implementação
desse projeto reduziria o volume de água nesses 2 países. Portanto, esses
desacordos entre esses 3 países no que se diz respeito á utilização dos recursos
hídricos gerou uma tensão nessa região, tornando-a uma zona hidroconflitiva,
suscetível a guerra e a conflitos militares devidos aos desacordos na utilização
da água.
A GUERRA DA ÁGUA: ISRAELENSES X
PALESTINOS
Outra Zona ou Região Hidroconflitiva é a Bacia do Rio
Jordão, destacando o conflito entre os palestinos e os israelenses, que vem
sendo explicado como sendo principalmente de base histórica e geográfica. No
entanto, o que pouco fica evidente é o quanto a questão dos recursos hídricos
têm pesado para os conflitos entre esses 2
povos.
É importante ressaltar que a região do Oriente Médio é uma das que mais
sofrem com a escassez de água doce no planeta.
Mapa do Estado de
Israel
Fonte: http://www.mw.pro.br
A
Faixa de Gaza e a Cisjordânia são trechos do que deveria ser constituído o
Estado Árabe Palestino de acordo com a Partilha da ONU de 1947. Mas durante
Israel a Guerra da Independência (1948/49), conquistou praticamente todo o
território palestino. Segundo
Waldman, cerca de 78% do território palestino foi anexado pelos
israelenses.
Mesmo nos territórios residuais, o Estado Árabe-Palestino
não foi implementado. Gaza passou para a administração egípcia e a Cisjordânia
para a Jordânia. Mas durante a
Guerra dos Seis Dias (1967), Israel reconquistou essas duas regiões. As
divergências sobre o controle dessas duas regiões permanecem até os dias atuais,
sendo que o Estado Árabe Palestino também não foi
implementado.
A tese de que o conflito entre israelenses e palestinos é em grande parte
influenciado pelo fator água o que foi atestado por WALDMAN
(2005):
A
questão do controle das águas do Rio Jordão foi um dos fatores que motivaram a
Guerra dos Seis Dias, em 1967. Desde então, Israel controla quase totalidade da
bacia do Jordão, permitindo que este país mantenha um consumo per capita de água
cerca de cinco vezes maior do que seus vizinhos regionais.
O Rio Jordão nasce no Líbano e atravessa os territórios da
Síria, delimitando a fronteira
natural entre Israel e a Jordânia. Possui cerca de 190 Km de extensão, um rio
muito pequeno, mas mesmo assim se constitui no principal curso de água dessa
região. (OLIC, 2000)
Mapa Hídrico da
Cisjordânia
Fonte: http://www.mw.pro.br
O mapa acima, é um mapa hídrico da Cisjordânia. Todas as
ramificações em verde são Wadis, cursos temporários de água. Como se pode
observar essa região é muito rica em Wadis. Além de ser rica em Wadis,
a Cisjordânia possui 3 grandes aqüíferos, sendo banhada também pelo Rio Jordão,
o principal curso d’água dessa região. A Cisjordânia é uma região rica em água,
podendo ser considerada um oásis em meio a uma região de clima extremamente
desértico, o que explica a situação do
mapa.
Devido essa região ser rica em água, Israel não a devolve
para os palestinos. Como atesta Waldman
(2005):
Desta
situação pode-se concluir que a paz entre israelenses e palestinos não poderá
ser alcançada sem uma revisão da política hídrica do Estado de
Israel.
Isto porque a sociedade israelense deve rever urgentemente o modelo de
utilização de recursos hídricos que implantou, tendo por modelo as sociedades do
Primeiro Mundo que atualmente estão às voltas com o fantasma da falta d'água
justamente porque suas matrizes produtivas estão em descompasso com as
possibilidades que a natureza disponibiliza para o atendimento destas
sociedades.
A
QUESTÃO DO AQÜÍFERO GUARANI - “O
NOVO HEARTLAND” DO SÉCULO XXI
O geógrafo estrategista Mackinder elaborou a teoria do
Heartland como uma visão geoestratégica essencial para os países que possuem
pretensões hegemônicas nas relações internacionais, isto porque o Heartland
era uma região extremamente rica
porque possuía as principais reservas de recursos naturais do planeta,
principalmente grandes rios como o Volga. Além disso, ocupava uma posição
geoestratégica, antes URSS, atual Rússia e republicas adjacentes. A Teoria do
Heartland enquadrava o confronto entre o poder marítimo x poder terrestre, Eua x
URSS (VESENTINI, 2000) .
Mapa do HEARTLAND

http://www.uol.com.br
Segundo
Mackinder “Quem controla a heartland
[‘terra-coração’] domina a pivot
área
e quem domina a pivot
área
controla a ‘ilha mundial’, e quem controla a ‘ilha mundial’ domina o
mundo”.(MACKINDER, Halford apud VESENTINI, José p.19,
2000)
Observa-se no mapa acima que o Heartland era um
pequeno território da Rússia
Czarista, rico em recursos naturais. De acordo com a concepção mackinderiana, o
Estado que controla o Heartland, domina a Pivot Área, que era representado pelo
território da Rússia Czarista e, o Estado que domina a Pivot Área controla a
ilha mundial, que seriam as regiões periféricas a Pivot Área. E, finalmente,
quem controla a ilha mundial, domina o
mundo.
Então para Mackinder, o Estado que obtivesse o controle do
Heartland, teria as condições ideais para desenvolver principalmente uma
economia autárquica, ou seja, auto-suficiente, e um indescritível poder
terrestre, pois o Heartland agregava as principais reservas de recursos naturais
do planeta.
Após
a queda da URSS, muito se fala e se discute da obsolescência da Teoria do
Heartland. Mas, essa é uma teoria clássica e que pode ser adaptada para o
cenário atual. O grande geógrafo brasileiro Leonel Itaussu Almeida Melo descreve
de forma brilhante que (p.217 1999) “Tudo
parece indicar que a emergente ‘nova ordem mundial’ coexistirá por muito tempo
com um sistema de Estados semelhante a uma mesa de bilhar, onde é da própria
natureza do jogo que as bolas se choquem umas contra as outras”.
Como observamos no pós - Guerra Fria, o
ressurgimento dos nacionalismos étnicos, dos separatismos políticos e a eclosão
de guerras como a do Golfo, Cáucaso e atualmente a do Iraque, o sistema
internacional, as relações interestatais permanecem no estado de natureza
hobbesiano, “...
balizadas por um sistema internacional que, na contramão de piedosas utopias,
continua sendo anárquico, hierárquico e oligopolístico”.(MELO,
p.217).
Adaptando para o cenário atual, o Heartland deixa de ser a
região da Eurásia e passa a ser territórios ricos em recursos naturais,
principalmente países com potencialidades hidrográficas, ou seja, ricos em água,
com grandes rios. Por quê? Porque quando os recursos naturais dos países
desenvolvidos acabam ou são reservados por questões estratégicas eles se voltam
para países como o Brasil que é rico em recursos hídricos, além de possuir
grande diversidade como a Floresta Amazônica, que além de ser a maior floresta do
mundo concentra a maior bacia hidrográfica do planeta; o Pantanal, uma grande
reserva de água doce; a Bacia Platina, uma das maiores bacias fluviais do
planeta e o Aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce do planeta, que já
desperta o interesse de alguns países, inclusive da maior potência mundial: os
EUA.
Em 2005 tropas norte-americanas desembarcaram em solo
paraguaio com a justificativa de que células terroristas estariam presentes
naquela região. Mas esta justificativa é desmentida por um ex-chefe da FBI no
Brasil, Carlos Alberto Costa (apud Mendonça, 2005): “Investigamos
exaustivamente, nós, a CIA, os serviços secretos dos países, e não conseguimos
comprovar a existência de células terroristas
ali”.
Atualmente, as tropas norte-americanas ainda permanecem em
solo paraguaio, inclusive com a intenção de construir uma base estadunidense
naquela região.
Então qual
seria o interesse dos EUA naquela região? O principal interesse dos EUA nessa
região, é o controle do Aqüífero Guarani, inclusive os EUA já declararam
abertamente o desejo de controlar o Aqüífero Guarani.
Segundo FRUET(2006), o Aqüífero Guarani é a maior reserva
de água doce subterrânea do planeta, com a capacidade de abastecer uma população
de 150 milhões de habitantes por cerca de 2.500 anos sem reposição. Além disso,
a região do Aqüífero Guarani é banhada pela Bacia Platina, uma das maiores
bacias fluviais do planeta, grande concentradora de água doce.
Mapa do Aqüífero Guarani

Fonte:
www.uol.com.br
O
Aqüífero Guarani tem todas as características para se tornar o
“Novo
Heartland”
do século XXI. Porque? Porque o Aqüífero Guarani é a maior reserva de água doce
subterrânea de água doce do planeta, além de ser banhado pela Bacia Platina, o
que torna essa região uma das maiores concentrações de água doce do planeta, o
líquido mais precioso do planeta, o Ouro Azul do século XXI. É importante
ressaltar que o Aqüífero Guarani localiza-se em uma região geoestratégica,
fazendo fronteiras com 4 países, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. (Mapa
7). Além desses fatores, o Aqüífero Guarani, vêm sendo cobiçado pela maior
potencia mundial, os EUA. Portanto, o Aqüífero Guarani agrega todos os atributos
para se tornar o “Novo
Heartland”
do século XXI, de acordo com a concepção
mackinderiana.
Tanto que
Brasil e Argentina já se opõem a construção da base militar americana no
Paraguai. Ambos os países temem perder a soberania sobre o Aqüífero Guarani, o
que pode resultam em futuros conflitos políticos, econômicos e, até militares.
Por quê?
Porque
não existe a mutualidade nem a cooperação de recursos entre os povos, ou o país
tem ou não tem e, aqueles que não tem, procuram prover de outras maneiras para
adquirir esses recursos, seja na base econômica ou na força militar.
Um
dos maiores especialistas brasileiros em água nas relações internacionais,
Francisco Teixeira declara que “esta
geopolítica da escassez da água pode levar muito rapidamente a agudização do
quadro, desembocando em graves conflitos interestatais”
(TEIXEIRA, 2005).
Portanto,
o “Novo
Heartland”,
o Aqüífero Guarani, deve ser tratado como questão de Estado, pois concentra
grande parcela do líquido mais precioso do planeta, o Ouro Azul do século XXI,
como já vem sendo denominado por alguns especialistas.
A escassez da água é o grande problema da humanidade do
século XXI. Como relata a ONU (2005): “Em 2050, se mudanças profundas não
ocorrerem, a escassez de água afetará 7 bilhões de pessoas em 60 países”. Os
números impressionam, demonstrando que a situação é crítica e serve de alerta
para todos, para que utilizem de
forma racional o nosso precioso
líquido.
É notório que em breve, muito em breve, muitos países vão
estar pedindo água para os brasileiros. Ou será que já terão tomado nossos
recursos hídricos? Ou terão trocado o líquido mais precioso por colares e
espelhos como fizeram com o nosso Pau – Brasil no período
Colonial?
A crise da água não é local ou regional e, sim global. Ela
pode servir de combustível para alimentar conflitos étnicos, políticos e
religiosos em todo o planeta, e marcar mais um capítulo na sangrenta história da
humanidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Culturalmente, a humanidade habituou-se a usar os recursos hídricos de
forma irracional. O agravamento da degradação e da escassez dos recursos
hídricos exige um planejamento e um manejo integrado desses recursos.
A água deve ser tratada como questão de Estado. O Brasil
privilegiado por seus recursos hídricos, deve de forma responsável, melhorar o
aproveitamento desses recursos, garantindo a todos, o acesso a esse precioso
líquido.
A crise da água não é local ou regional e, sim global. Ela
pode servir de combustível para alimento conflitos étnicos, políticos e
religiosos em todo o planeta, e marcar mais um capítulo na sangrenta historia da
humanidade.
Referências
Bibliográficas
ANNAN, Kofi (22/03/2005). “Mundo precisa usar água com mais
eficiência”. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br Acesso em:
18/05/2006
BARLOW,
Maude, CLARK, Tony. Ouro
Azul – Como as Grandes Corporações Estão se Apoderando da Água Doce no
Planeta.
Ed. M.Books, 2003.
BOSCARDIN,
Borghetti & NÁDIA, Rita. Aqüífero
Guarani: a verdadeira integração dos países do Mercosul.
GIA, 2004
CAUBET,
Christian G. A
água doce nas relações internacionais.
Manole, 2006
FRUET,
Helena (10/01/2005) Quando
a Torneira Secará?
Revista Época, Ed. 347, 2005. Disponível em: http://epoca.globo.com
Acesso
em: 12/08/2006
MELLO,
Leonel Itaussu Almeida. Quem
tem Medo da Geopolítica?
Ed. Hucitec Edusp, 1999
MENDONÇA, Luisa Maria (04/11/2005). A estratégia militar dos
Estados Unidos. Disponível em: http://www.mabnacional.org.br
Acesso
em: 15/10/2006
OLIC,
Nelson Bacic. Conflitos
do Mundo – Questões e Visões Geopolíticas.
Ed. Moderna, 2000.
PETRELLA,
Ricardo. O
Manifesto da Água.
Ed. Vozes, 2004.
PETRELLA, Ricardo, Revista Diplo,
2003
SCWARZ, Rodrigo (30/10/2001). Privatização do Saneamento Básico.
Disponível em: http://www.planetaportoalegre.net
Acesso
em 15/10/2006
TEIXEIRA, Francisco (18/03/2005). Por uma geopolítica da água:
conheça o mapa dos conflitos. Disponível em: http://www.agenciacartamaior.uol.com.br Acesso
em: 19/10/2006
VESENTINI,
José Willian. Novas
Geopolíticas.
Ed. Contexto, 2000.
WALDMAN, Maurício. Pouca Água e Muitos Conflitos. Disponível em:
http://www.mw.pro.br Acesso em: 26/10/2006.
Ponencia presentada en el IX Encuentro Internacional Humboldt. Juiz de
Fora - Minas Gerais, Brasil. 17 al 21 de setiembre de 2007.