POLÍTICA DE TRANSPORTE COMO INSTRUMENTO
DE DESENVOLVIMENTO E INTEGRAÇÃO:
O exemplo do modal ferroviário em Mato Grosso do
Sul
Adauto de Oliveira Souza
Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD)
adauto.souza@ufgd.edu.br
Resumo:
A
concepção de desenvolvimento presente no Programa do Governo Federal denominado
"Avança Brasil" é a de "integração
equilibrada", com o escopo de "preparar o Brasil para que ele possa
participar da economia, em nível internacional." No interior desse Progama há um
entendimento de que a competitividade
da economia nacional é obstacularizada, fundamentalmente pelo que se
convencionou chamar "custo Brasil". A partir desse diagnóstico, a redução desse
"custo" passa a ser a prioridade de governo, daí a infra-estrutura permanecer como essencial na definição
dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento.
O que se
objetiva é “a busca pela edificação de uma densidade técnica nos lugares” – por
meio de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração de energia, distritos
industriais – para torná-los aptos ao processo de industrialização. É nesse
contexto que se insere o Estado de Mato Grosso do Sul com a privatização da Rede
Ferroviária Federal e a implantação da FERRONORTE, em seu território. A
prioridade concedida à infra-estrutura econômica se explica pelo fato que essa
área, em processo de penetração do
capital, não dispõe da "densidade técnica", que fora implantada no decorrer dos
anos de 1960 e 70 no Centro-Sul do País.
1
– Breve introdução
A
análise aqui proposta diz respeito à análise do processo de construção da
ferrovia FERRONORTE e dos desdobramentos da privatização da Rede Ferroviária
Federal - projetos estruturantes executados em Mato Grosso do Sul, no bojo do
“Avança Brasil”, programa derivado do Plano Plurianual de Investimentos (PPA
2000-2003) do Governo Federal.
No interior do “Avança Brasil”, o País foi dividido em 09 Eixos
Nacionais, sendo que o Estado de Mato Grosso do Sul ficou delimitado
geograficamente em dois
Eixos: o do Oeste e o do Sudoeste. Em cada um
destes se fez um diagnóstico econômico e, de seus pontos de estrangulamento em
infra-estrutura, apontando-se, igualmente as oportunidades de investimentos.
Do ponto de vista geográfico, que leitura é possível fazermos
desta nova estratégia de desenvolvimento regional brasileiro? Quais os seus
paradigmas? Como o Estado de Mato
Grosso do Sul foi inserido nesse processo? Qual a importância atribuída ao modal
ferroviário nesse processo? E qual
a situação das ferrovias em Mato Grosso do Sul? Enfim, sobre
essas indagações que refletiremos neste trabalho.
2
- Diretrizes gerais do “Avança Brasil” (PPA 2000-2003)
O Plano
Plurianual de Investimentos (PPA 2000/2003) e o Programa dele derivado,
denominado "Avança Brasil", conforme determinação constitucional, foi
encaminhado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional,
tendo sido aprovado em junho de 2000.
Para a
formulação das bases deste plano de investimentos quadrienal, o BNDES e o
Ministério do Orçamento e Gestão contrataram o Consórcio Brasiliana, coordenado
pela empresa internacional Booz-Allen & Hamilton do Brasil Consultores
Ltda, para a produção de estudo
denominado "Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento", no qual foram
identificadas as oportunidades de investimentos públicos e/ou privados que,
segundo consta, “viabilizariam
o desenvolvimento econômico e social, a integração nacional e internacional, o
aumento da competitividade sistêmica da economia e a redução das disparidades
regionais e sociais do Brasil.”[i][i]
Tal estudo
partiu de um inventário de projetos já existentes junto ao Governo Federal, bem
como do recadastramento de todas as atividades e projetos.
É oportuno relembrar que o Programa Brasil em Ação (PPA 1996/99)
se constituiu num conjunto de 42 projetos de investimentos, voltados para a área
de infra-estrutura e desenvolvimento social, tendo aplicado no referido período
cerca de R$ 66,1 bilhões.
O estudo do Consórcio Brasiliana concluiu pela formulação de 09
Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento: Arco Norte; Madeira-Amazonas;
Oeste; Araguaia-Tocantins; Transnordestino; São Francisco; Rótula; Sudoeste; e
Mercosul.
Sobre a origem do conceito de Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento se afirma que surgiu pela primeira vez no "Brasil em Ação" – PPA
(1996-1999)
“... como uma tentativa
de traçar uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil que permitisse
a redução dos desequilíbrios regionais e sociais. A idéia básica era tratar
esses desequilíbrios sob uma nova ótica, levando em conta a geografia econômica
do País e os fluxos de bens e serviços, sem considerar, para efeito do
planejamento, os limites dos Estados e regiões.”[ii][ii]
Neste
contexto,
o Governo
Federal lançou o Programa “Avança Brasil” - tendo como referência o mencionado
estudo - consubstanciado em 365 projetos
prioritários, a serem executados no
período 2000-2003, envolvendo dispêndios de cerca de R$ 1,1 trilhão no
quadriênio. Sobre este Programa e seus projetos se reconhece oficialmente que são
“projetos estruturantes e integrados, que
terão efeito multiplicador e desencadearão outros
investimentos.”[iii][iii]
Os recursos necessários para a execução dos 358 projetos
selecionados (em infra-estrutura) totalizam US$165 bilhões entre 2000 e
2007.[iv][iv]
Quadro
01 Brasil
- Portfólio de investimentos por áreas (2000-2007)
(em US$ bilhões)
Áreas
de investimentos |
Valor |
Percentual
(%) |
Infra-estrutura
econômica |
101,4 |
61,41 |
Desenvolvimento
social |
52,1 |
32,16 |
Meio ambiente |
9,00 |
5,45 |
Informação e
conhecimento |
1,6 |
0,98 |
TOTAL |
165,1 |
100,00 |
Fonte: PPA 2000-2003
apud, Piva
(1999).
Há um
entendimento de que a competitividade
da economia nacional é obstacularizada, dentre outros fatores
"sistêmicos", pelo que se convencionou chamar "custo Brasil". Neste sentido, o
quadro acima permite-nos afirmar
que a redução deste "custo" é o vértice da intervenção governamental, que
inclusive eliminou regiamente as restrições ao capital estrangeiro, quebrou
monopólios de empresas estatais e procedeu à nova regulamentação dos setores de
energia, telecomunicações, petróleo e portos. Na própria elaboração do portfólio
de investimentos já estava delineado que a tarefa “focalizará
os empreendimentos em infra-estrutura econômica. Aqueles nas áreas de
desenvolvimento social e informação e conhecimento serão considerados como
contrapartidas necessárias aos primeiros.” (Consórcio
Brasiliana, proposta técnica v.1, 1997, p.I-56).
Ao refletir sobre o que chamou de busca insana pela diminuição de
um suposto "custo Brasil", Cano (1998, p.350) assevera que
“estamos
assistindo, passivamente, à desestruturação parcial de vários setores
produtivos, à precarização do trabalho - aliás, estimulada fortemente pelo
próprio governo - e a um "leilão" nacional (...) pela doação possível de
incentivos e subsídios para atrair mirabolantes e prometidos investimentos
estrangeiros.”
Trata-se, portanto, de um termo que foi guindado à posição de
articulador do discurso ideológico e legitimador do modelo que se almeja
implantar. Assim, segundo Benjamim et al. (1998, p.62), a questão da
competitividade é prenhe de significados, pois
“Mostra
o predomínio sem freios da lógica de acumulação do capital privado sobre o
conjunto da vida social. O grande capital - pois ele é que é "competitivo" - se
apresenta como portador de uma racionalidade que seria generalizável, sem
mediações, para a sociedade como um todo. Inversamente,
todas as outras lógicas - a dos pobres, a dos agentes econômicos
não-capitalistas ou simplesmente não-competitivos, a da cidadania - são
consideradas irracionais ou desimportantes. Não articulam linguagens, mas
ruídos; não expressam direitos, mas custos; não apontam para outras maneiras de
organizar a sociedade, mas para a desordem. Devem ser denunciadas, humilhadas e,
progressivamente, silenciadas.”
São estes os
pressupostos ideológicos que buscam reconhecer que o governo adota uma visão de
longo prazo para o desenvolvimento sustentável do País e que vão justificar os
elevados dispêndios em setores
infra-estruturais.
A economia
capitalista reclama condições territoriais indispensáveis para a sua produção e
sua regulação e tais Eixos caracterizam-se pela sua inserção numa cadeia
produtiva mundial, pelas relações distantes e, freqüentemente, estrangeiras que
criam e também pela sua lógica extravertida. Ao refletirem sobre essa temática,
Santos & Silveira (2001, p.261) argumentam:
“Uma
das características do presente período histórico é, em toda parte, a
necessidade de criar condições para maior circulação dos homens, dos produtos,
das mercadorias, do dinheiro, da informação, das ordens etc. Os países
distinguem-se, aliás, em função das possibilidades abertas a essa fluidez. Por
isso um dos capítulos mais comuns a todos eles é a produção do seu equipamento,
isto é, da criação ou aperfeiçoamento dos sistemas de engenharia que facilitam o
movimento.”
Trata-se de
um contexto histórico em que o discurso predominante é o da busca de eficiência
competitiva.
É portanto
neste quadro histórico e institucional - um "sobrevôo sucinto", é verdade - que
se definiram as opções estratégicas do Governo Federal, observadas na elaboração
do PPA 2000-2003. Neste Programa,
consta um conjunto de determinações relacionadas a cinco desafios: “agenda dos
eixos nacionais de integração e desenvolvimento; agenda ambiental; agenda do
emprego e de oportunidade de renda; agenda de informação e conhecimento e agenda de gestão do
Estado”.
Teceremos
algumas considerações especificamente a respeito da primeira e da última
agendas. Acerca da primeira, se diz que :
“O desafio desta agenda é construir uma nova geografia do País
apoiada em dois pilares: repartição mais eqüitativa da geração e distribuição da
riqueza entre as regiões e
integração destas para fazer de sua complementaridade a base de
eficiência e competitividade para a inserção econômica do Brasil.”[v][v]
Segundo Araújo
(2000, p.14/5), ao se priorizar a integração competitiva, “o que
se busca é priorizar o aprofundamento da internacionalização do País. O eixo
principal é a internacionalização financeira e é ela que ganha destaque (...).”
Ainda, segundo essa mesma autora, do ponto de vista regional, esta
opção estratégica,
“tende
a valorizar os espaços econômicos portadores de empresas e segmentos mais
competitivos, com condições, portanto, de ampliar com mais rapidez sua
internacionalização ou de resistir com mais força ao “choque de competição”
praticado nos anos 90, no Brasil. E esse processo secundariza as regiões menos
competitivas, as mais negativamente
impactadas pela competição exacerbada ou as que se encontram em
reestruturação.”
Ao refletirem
acerca da problemática da "inserção
global", Santos & Silveira
(2001, p.255/6) argumentam:
“confunde-se
a lógica do chamado mercado global com a lógica individual das empresas
candidatas a permanecer ou a se instalar num dado país, o que exige a adoção de
um conjunto de medidas que acabam assumindo um papel de condução geral da
política econômica e social. (...) Em nome da inserção desse país na nova modernidade e no mercado global são
estabelecidas regras que acabam por constituir um conjunto irrecusável de
prescrições.”
Fica
demonstrado, portanto, que os ideólogos atribuem a autoria desse enredo ao “mundo”, quando são, na realidade, as
empresas que dispõem de poder suficiente para induzir os governantes a adotar
políticas que respondam aos seus interesses, ainda que tal processo ocorra a
partir da idéia geral de globalização, tal como em dias atuais ela é
oficialmente entendida e aceita.
Com relação
à agenda "Gestão do Estado", o objetivo
é
“transformar a atual burocracia em uma administração orientada
para resultados esperados pela população. Na nova divisão de trabalho entre o
poder público e a sociedade o público terá responsabilidades ainda maiores no campo social e nas
parcerias com o setor produtivo que o sustenta.” [vi][vi]
No contexto
destas orientações governamentais para o Consórcio Brasiliana (v.1, 1997,
p.I-92), “a
experiência internacional sugere que uma utilização mais intensa de parcerias
entre os setores público e privado é benéfica ao desenvolvimento.”
Ao refletir
sobre a ação do Estado hoje, Kurz (1998, p.102)
argumenta:
“Trata-se,
aqui, da contradição interna do próprio sistema moderno de produção de
mercadorias, que se reproduz em níveis cada vez mais elevados: quanto mais total
for o mercado, tanto mais total será o Estado; quanto maior a economia de
mercadorias e de dinheiro, tanto maiores serão os custos anteriores, os custos
secundários e os custos subseqüentes do sistema e tanto maior serão também a
atividade e a demanda financeira do Estado.”
Trata-se,
portanto, de um processo ideológico. Mais que isso, é um processo histórico
porque o discurso conservador brasileiro sempre se forjou como um discurso de
mudança.
De qualquer
modo, as reformas do Estado denotam uma outra opção
importante, adotada pelo governo brasileiro nos anos de 1990. Grandes áreas do
País, vistas como espaços não-competitivos, momentaneamente, vão ficando
marginalizadas nesse processo, tendo em vista que os governos - federal e locais
- assim como o setor privado
concentram sua atuação nas áreas dinâmicas.
Trata-se de uma intervenção governamental planejada, cujas
premissas estão voltadas para a viabilização de grandes eixos de transporte
intermodal definidos como Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento.
3 - Caracterização dos Eixos em Mato Grosso do Sul
No contexto
do “Avança Brasil”, o Mato Grosso do Sul
teve o seu território dividido por dois Eixos: o do Oeste, que engloba as
cidades de Campo Grande e Corumbá; e o do Sudoeste, abarcando os pólos de
Dourados e Três Lagoas.
Estes dois eixos, na "visão geral do
estudo" estabelecida pelo Consórcio Brasiliana, foram colocados de forma
diferenciada. O Eixo Sudoeste aparece associado à Rótula, com a visão
estratégica de "eficiência e competitividade, capacidade de difusão, importância
do setor terciário, desafio do desemprego estrutural, integração com Mercosul e
papel de articulação com os eixos."
Por sua vez, o Oeste, aparece com a visão estratégica de "integração,
importância da infra-estrutura, expansão agrícola e agroindustrial, adicionar
valor: complexo mínero-metalúrgico, grãos, algodão e acervo ambiental do
Pantanal."[vii][vii]
Assim
delimitado geograficamente, o Eixo Oeste, segundo o Consórcio Brasiliana (1998a,
p.124), "abriga diferentes focos dinâmicos socioeconômicos os quais estabelecem
áreas de influência que se constituem subespaços diferenciados." Especificamente
em Mato
Grosso do Sul, como já dito, engloba a porção do Baixo
Pantanal, tendo a cidade de Corumbá
como pólo principal e a porção Centro-Norte, cujo pólo de desenvolvimento é
Campo Grande.
Do ponto de
vista industrial, o Eixo Oeste é caracterizado como "incipiente e com
potencial." Neste contexto, “... a
indústria do eixo, além de apresentar uma baixa expressão tanto regional quanto
nacional, é pouco diversificada.”[viii][viii]
Portanto, este
potencial de crescimento industrial relaciona-se às atividades ligadas à agricultura, aproveitando-se da
existência das vantagens comparativas, tais como proximidade da matéria-prima,
baixos custos de fatores de produção, alta produtividade e ampliação das
disponibilidades energéticas.
Dentro da
"logística de transportes", diz-se
que o escoamento da produção deste Eixo concentra-se no modo rodoviário,
tornando pouco competitivos os preços dos produtos, todavia estão iniciadas
outras rotas, principalmente, utilizando as hidrovias (Madeira-Amazonas,
Araguaia-Tocantins, Teles Pires e Tapajós, Paraguai-Paraná e Tietê-Paraná), que,
embora incipientes e necessitando de investimentos, reduzem os custos de
transportes.
Portanto,
"as perspectivas nesse contexto são bastante animadoras, pois boa parte dessas
insuficiências estão equacionadas com a implantação, a curto prazo, dos
investimentos ora em execução (...)."[ix][ix]
Especificamente, em relação ao transporte ferroviário "é notória a
cobertura pouco expressiva desse sistema de transportes em relação à abrangência
territorial do Eixo Oeste, em especial quando se enfocam as novas fronteiras
agrícolas."[x][x]
Do ponto de
vista da energia e comunicações, o Eixo Oeste "apresenta significativa repressão
de demanda, notadamente no caso da oferta de energia elétrica, que impede a
agregação de valor pelo desenvolvimento dos segmentos industriais nas cadeias
produtivas, bem como as articulações com as demais áreas do País. Esta realidade
sofrerá radical transformação com a operação do Gasoduto Bolívia-Brasil e as
termelétricas (...)."[xi][xi]
Portanto, o Eixo Oeste do
ponto de vista da infra-estrutura econômica pode ser caracterizado como de
"deficiências e transformações."
O Eixo do
Sudoeste:
“trata-se de uma porção territorial privilegiada em termos de
vantagens locacionais, pois é próxima da dinâmica da Rótula [ Sudeste
brasileiro], não apresentando ainda seus problemas, e podendo exercer função
estratégia no processo de desconcentração da produção, como absorvedora de
investimentos, que potencialmente poderiam convergir para aquele
eixo.”[xii][xii]
Esse Eixo
incorpora parcelas dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e em
menor parcela Goiás e Minas Gerais,
abrigando diferentes focos dinâmicos socioeconômicos, os quais estabelecem áreas
de influência, que se constituem em subespaços
distintos.
Em Mato
Grosso
do Sul, incluem-se neste Eixo a sua porção leste, destacando-se as cidades-pólos
de Três Lagoas e Paranaíba; e a sua porção sul, que tem Dourados como seu pólo
de desenvolvimento, seguido de Ivinhema.
Quanto às
suas potencialidades, "são representadas pela sua infra-estrutura adequada já
instalada, assentada numa malha rodoviária completa; pela alta produtividade
agropecuária e agroindustrial; pela introdução do gás (..), ampliando seu
potencial industrial, e pelo seu potencial hídrico, de recursos humanos e
tecnológicos e mercado regional, que devem solidificar a agroindústria e a
indústria tradicional."[xiii][xiii]
Trata-se de
um Eixo que abriga uma "modernização contínua em busca de competitividade, a
qual deve ser incentivada pela redução dos custos de transportes."
Segundo o
Consórcio Brasiliana (1998a, p.121), para todos os critérios considerados em
ambos os Eixos - o Oeste e o Sudoeste - "a avaliação é positiva."[xiv][xiv]
A partir
destas avaliações - tendo já
definido o espaço/eixo - definiram-se também os setores infra-estruturais que
deveriam ser objeto de intervenção. Vejamos os Quadros 02 e
03.
Quadro 02 - Eixo Oeste: infra-estrutura
econômica
SETOR |
US$ bilhões |
Nº
de projetos |
Rodovias |
0,92 |
9 |
Ferrovias |
1,75 |
2 |
Telecomunicações |
0,89 |
6 |
Hidrovias |
0,55 |
2 |
Aeroporto |
0,04 |
1 |
Portos |
0,02 |
2 |
Usinas
hidrelétricas |
0,34 |
4 |
Usinas
Termelétricas |
0,21 |
2 |
Linhas de
transmissão |
0,08 |
3 |
TOTAL |
4,80 |
31 |
Fonte: Consórcio Brasiliana (Seminário, s.d).[xv][xv]
Quadro 03 -
Eixo Sudoeste: infra-estrutura econômica
SETOR |
US$ bilhões |
Nº
de projetos |
Rodovias |
1,37 |
11 |
Ferrovias |
1,51 |
9 |
Telecomunicações |
2,52 |
6 |
Hidrovias |
0,57 |
2 |
Aeroporto |
0,17 |
1 |
Portos |
0,06 |
2 |
Usinas
hidrelétricas |
0,45 |
3 |
Linhas de
transmissão |
0,14 |
2 |
TOTAL |
6,79 |
36 |
Fonte: Consórcio Brasiliana (Seminário,
s.d.).
Ao
analisarem a implementação destes equipamentos infra-estruturais, Santos &
Silveira (2001, p.167) asseveram que:
“Hoje
não basta produzir. É indispensável pôr a produção em movimento, pois agora é a
circulação que preside à produção. (...) Os fluxos daí decorrentes são mais
intensos, mais extensos e mais seletivos.
A criação de fixos produtivos leva ao surgimento de fluxos que,
por sua vez, exigem fixos para balizar o seu próprio movimento. É a dialética
entre a freqüência e a espessura dos movimentos no período contemporâneo e a
construção e modernização dos aeroportos, portos, estradas, ferrovias e
hidrovias.”
Na atualidade,
graças às possibilidades técnicas, o trabalho pode ser repartido entre muitos
lugares, de acordo com a sua produtividade para certos produtos. Isso leva a
refuncionalizar áreas portadores de densidades pretéritas e a ocupar áreas até
então rarefeitas, como é o caso do Mato Grosso do Sul.
4 - OS PROJETOS ESTRUTURANTES EM MATO GROSSO DO
SUL
De um total
de 42 empreendimentos previstos no “Brasil em Ação” (PPA 1996-1999), e que
tiveram continuidade no "Avança Brasil" (PPA 2000-003), três deles,
relacionavam-se diretamente com os interesses de Mato Grosso do Sul: o gasoduto
Bolívia-Brasil, a FERRONORTE e a hidrovia Tietê-Paraná. São projetos
estruturantes, isto é, são aqueles que o Consórcio considera que estimulam
investimentos em cascata, de um ponto de vista nacional.
Tais
projetos foram previstos a partir do diagnóstico, feito pelo Consórcio
Brasiliana (1998c, Tomo VIII, v.1, p.85), de que no Eixo Oeste existe uma
incipiente "atividade logística" - no sentido de integração inter/multimodal - e
de que, "a logística de transportes constitui uma questão indispensável para a
atração de cargas pelos demais modos (além do rodoviário), por refletir-se
diretamente nos custos finais percebidos pelos usuários
(...)."
Ao refletir
a respeito desta temática, Xavier (2001, p.340) advoga: “O movimento e a
velocidade são impostos para a conquista de ganhos de produtividade e
competitividade e convertem os sistemas de transportes em vetores logísticos
fundamentais para as atividades mais modernas.”
Não é
aleatório que dos 42 projetos do “Brasil em Ação”, lançados em agosto de
1996, 2 eram de comunicações, 6 de
energia e 15 de transportes.
4.1 - O modal ferroviário em Mato Grosso do
Sul
4.1.1 - A FERRONORTE
A FERRONORTE
(Ferrovias Norte Brasil), através de contrato de concessão firmado com o Governo
Federal em 1989, recebeu a incumbência de construir e operar comercialmente
durante 90 anos, um sistema ferroviário de carga de 5 mil quilômetros, ligando
Cuiabá (MT), Uberlândia (MG), Aparecida do Taboado (MS), Porto Velho (RO) e
Santarém (PA). Tal ferrovia, idealizada pelo Grupo Itamarati, do Sr. Olacyr de
Moraes, “é uma artéria logística
das regiões Norte e Centro-Oeste do País, em sua ligação com o Sul e Sudeste e
com os portos de exportação.”[xvi][xvi]
Mapa
01

A FERRONORTE
teve suas obras iniciadas em 1992, mas devido a problemas financeiros
(provocados pela crise da soja e a queda dos preços no mercado exterior, assim
como pelo encolhimento nos financiamentos e alta dos juros), teve suas obras
paralisadas, tendo sido retomadas somente em maio de 1997, contando inclusive
com nova composição societária incorporando investimentos estrangeiros e fundos
de pensão.[xvii][xvii]
Em 1996 foi
incluída como investimento do Programa “Brasil em Ação” e teve parte do seu primeiro trecho de
110 km
entre a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná na divisa de Mato Grosso do Sul
(município de Aparecida do Taboado) com São Paulo (município de Rubinéia) e o
terminal de Inocência (MS), inaugurado em maio de 1998. Em 31 de maio de
1999, mais uma parte deste primeiro
trecho (entre Inocência e Chapadão do Sul/MS) foi inaugurado.
Ainda em
agosto deste mesmo ano foi concluída a I Fase (410 km). Ao se completar este trecho da
ferrovia e construir a ponte
rodoferroviária - a maior do mundo no gênero, com
2.600 m
de extensão - o objetivo foi, na
primeira etapa de 410
km, estabelecer a ligação entre Aparecida do Taboado (MS)
e Alto Taquari (extremo Sudeste de MT) e o porto de Santos (por intermédio da
FEPASA), que será a "âncora virtual".[xviii][xviii] Tal etapa segundo o
presidente da Ferronorte exigiu investimentos de R$1,3 bilhão.[xix][xix]
Tal
empreendimento ferroviário contando com elevados financiamentos governamentais é
visto como,
“Divisor
de águas entre o passado e o futuro econômico da região que começa no Noroeste
paulista e vai até Rondonópolis, no Mato Grosso, abrangendo parte dos
territórios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais (...).”[xx][xx]
A FERRONORTE
deverá transportar de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para o porto de
Santos, cerca de 30% da produção de
soja e farelo do ano de 2001, com perspectiva de aumentar nos próximos cinco
anos até alcançar um percentual transportado de aproximadamente 70% do total
desta produção, hoje estimada em 11,7 milhões de toneladas.[xxi][xxi] Diariamente o
percurso de 1.300
km entre o Alto Taquari (MT)[xxii][xxii] e o porto de Santos
é feito por quatro trens de 42 vagões cada um.
“Calcula-se que a ferrovia reduzirá os fretes em cerca de 30% e
vai economizar por volta de R$120 milhões em combustível. A economia,
porém, será um benefício para as empresas operadoras, que compram e
comercializam os grãos. Por enquanto, os produtores, não verão o benefício
transformar-se em renda.”[xxiii][xxiii] (Grifo
nosso).
Além da própria
FERRONORTE, através do Sr. Olacyr de Morais (detentor de 16,5% das ações e
sojicultor), outras grandes empresas (multinacionais) do setor da soja já
possuem terminais ferroviários: a Cargill, a Archer Daniel Midlands (ADM) e a
Bunge Alimentos.
Grifamos
parte da citação anterior para enfatizarmos o fato de que a comercialização da
produção nacional de grãos está concentrada em poucas empresas, isto é, o
mercado, principalmente o da soja, é oligopolizado e os produtores com poucas
opções, acusam os empresários de achatar os preços.[xxiv][xxiv] No caso da soja,
apenas três empresas - Cargill, ADM e Bunge - detém 60% da safra
brasileira.
Ainda
em Alto
Taquari (MT), começou a operar em 2002 um terminal de
combustíveis, com capacidade para
movimentar 500 mil m³ por ano, o terminal receberá produtos transportados
pela Ferronorte desde a refinaria de Paulínia (SP). Tal empreendimento é
compartilhado com a Ipiranga e a Petrobrás.
Também no
"Avança Brasil", obedecendo-se ao conceito de agrupamento de projetos, visava-se
construir, até 2005, o trecho de 660 km entre Alto Taquari (MT) e Cuiabá
(MT), passando por Rondonópolis.[xxv][xxv] Este trecho
ferroviário conforme demonstramos no Quadro 04 exige o seguinte montante de
investimentos.
Quadro 04 Ferronorte:
trechos previstos/concluídos e investimentos
Trecho |
Distância
(km) e condição |
Investimentos
(R$) |
Ponte rodoferrov./Alto
Taquari |
410
km - concluídos |
1,3 bilhão |
Alto
Taquari/Rondonópolis |
350
km - em construção |
750 milhões |
Rondonópolis/Cuiabá |
310
km - projetado |
527 milhões |
Total |
1.070 |
2.577
bilhões |
Fonte: diversas. Elaborado pelo autor
(2001).
A partir de
Cuiabá, o objetivo é prosseguir em direção noroeste até Porto Velho (RO) - onde
começa a navegação do rio Madeira - numa extensão de 1.500 km. A concessão
também envolve uma bifurcação a partir de Cuiabá, na direção norte, alcançando
Santarém (PA) e acessando a navegação de longo curso pelo rio Amazonas.
É também
parte da concessão, um segundo tramo ligando a nova ferrovia à malha da Ferrovia Centro-Atlântica (antiga
Malha Centro-Leste da RFFSA, principal controlador hoje é a Vale do Rio Doce),
com previsão de se iniciar no Triângulo Mineiro e alcançar o primeiro tramo
em Alto
Araguaia (MT), num total de 771 km. Tal conexão com a malha da Estrada de Ferro
Vitória-Minas, da Vale do Rio Doce, encontra-se projetada para ocorrer nas
proximidades de Uberlândia (MG), permitindo alcançar os portos de Vitória,
Santos, Paranaguá e Sepetiba e São Francisco do
Sul.
Portanto,
trata-se de um projeto estruturante com influência nos Eixos Oeste, Sudoeste,
Araguaia-Tocantins e Rótula e que “em sua concepção global, (...) insere-se no
esforço de desenvolvimento de grande parte da região Centro-Oeste, visando a
integração de seus mercados à economia nacional e a racionalização do escoamento
de sua produção.”[xxvi][xxvi]
A FERRONORTE
é um empreendimento que, como demonstramos no Quadro 05, obteve financiamentos junto a órgãos
governamentais de fomento ao desenvolvimento e que, desde o início de suas obras
até 2001, acumulou um montante de R$1,321 bilhão entre financiamentos e
renegociação de dívidas.
Quadro 05 Ferronorte:
órgãos financiadores e montante financiado
Órgão |
Valor
(R$ milhões) |
Ano |
BNDES |
321,0 |
1999 |
BNDES – dívida
renegociada |
800,0 |
2000 |
SUDAM |
72,0 |
2000 |
SUDAM |
128,0 |
2001 |
Total |
1.321
bilhão |
|
Fonte: diversas. Elaborado pelo autor
(2001).
Os dois
últimos quadros, respectivamente Quadros 04 e 05, permitem visualizar o montante
gasto pela FERRONORTE, no seu trecho até Rondonópolis, e a previsão de gastos
até Cuiabá. Mais importante ainda, permite-nos refletir sobre o papel do poder
público nestes investimentos. Ora, de um total de R$2,577 bilhões, os órgãos de
financiamento público injetaram nada menos que R$1,321 bilhão, ou seja,
51,26%, considerando-se o percurso
previsto até Cuiabá. Se considerarmos somente o percurso executado, ou seja, até
Rondonópolis, tal índice alcança o percentual de 64,43%.
Ainda com
relação ao modal ferroviário, a antiga Noroeste do Brasil (RFFSA) - no trecho de 1,6 mil km entre Bauru (SP)
e Corumbá (MS), além de um ramal até Ponta Porã (MS), na fronteira com o
Paraguai -, hoje privatizada e com
o nome de Rede Ferroviária Novoeste
tem preocupado lideranças governamentais e empresariais. Este trecho, o primeiro
no Brasil, foi arrematado em março de 1996, por um grupo de investidores
norte-americanos, o Noel Group,[xxvii][xxvii] por R$62,4 milhões, sendo que R$8 milhões foram pagos a vista - com
financiamento total do BNDES - e o restante parcelado em 30 anos, sendo que a
primeira parcela deveria ser paga só dois anos depois de terem assumido a
concessão.
Sobre esse
montante diz-se que foi "um valor irrisório, considerando que em 95, último ano
de operação sob controle estatal, a Rede faturou R$47 milhões."[xxviii][xxviii]
Sua
privatização, apesar do discurso dominante, não lhe garantiu os investimentos necessários à sua
modernização operacional. Assim, a Novoeste passou a apresentar déficits
operacionais. Nesta condição, em 1998, o Grupo associou-se à Ferronorte, constituindo a
Ferronorte Participações S.A. (holding Ferropasa: 91% de propriedade da
Ferronorte e 9% da Novoeste).
Há um
entendimento de que este modal está umbilicalmente vinculado à estratégia de
desenvolvimento, particularmente de
Corumbá e "o grande
problema" denunciado várias vezes pelo Governo Estadual ao Ministério dos
Transportes é o sucateamento de sua
malha, sob a concessão da
Novoeste (detentora do patrimônio dos
trilhos).
O Governo
Estadual, inclusive, após audiência pública, defendeu a caducidade da concessão
e nova licitação do trecho. Nas palavras do então governador: "Mato Grosso do
Sul está em pleno processo de desenvolvimento econômico e não pode abrir mão de
uma ferrovia eficiente."[xxix][xxix] Este trecho é considerado fundamental
para a viabilização do pólo mínero-siderúrgico, para as termelétricas, assim
como para a expansão industrial
prevista, inclusive contando com a probabilidade de Corumbá ter um pólo
petroquímico, em que vai produzir adubos e outros derivados de
gás.
Estima-se
que 700 mil dormentes estão danificados, aumentando significativamente a
ocorrência de acidentes: em março de 2001, foram 27 acidentes. No interior desse
quadro, o Governo Estadual pressiona para que o Governo Federal assegure o
cumprimento pela Novoeste do contrato de concessão - válido por 30 anos - da
antiga ferrovia. Quando assumiu o controle deste trecho, a Novoeste se
comprometeu a investir na recuperação e modernização de toda a malha.
Segundo a
direção da Novoeste - controlada pela holding da Ferropasa - a empresa registra
anualmente prejuízos de 5% da sua receita, principalmente em função da falta de
rentabilidade do transporte de cargas. Assim, a Novoeste
“tem buscado recursos nos bancos, mas a empresa não possui lastro,
ou seja, está descapitalizada. (...) só um investimento grande, pelo governo ou
instituição de crédito, pode tirar a empresa das dificuldades”.[xxx][xxx]
Tais
dificuldades, segundo informa sua
diretoria, começaram logo após a privatização. Naquele ano, eram transportadas
677 mil toneladas úteis de combustível, porém, o Governo Federal acabou com a
exclusividade da empresa no transporte de diesel e gasolina e também eliminou o
subsídio ao frete, que a União concedia. Talvez uma indagação necessária seja
por que uma empresa privada moderna não prescinde de monopólio e subsídio para
executar, suas operações ? Mais importante ainda, tais práticas não seriam
contrárias aos atuais pressupostos liberais, defendidos abertamente pelo meio
empresarial ?
Em setembro
de 2000,
a empresa entregou ao Ministério do Transportes um pedido
de carência de 12 anos no pagamento do arrendamento. Neste período, a
concessionária pretende investir cerca de R$100 milhões na recuperação da via. O
dinheiro seria emprestado pelo BNDES.
Estrategicamente, enquanto o impasse não é solucionado, a Rede
Ferroviária Novoeste, atuando numa outra frente, conseguiu na justiça - por força de uma liminar, concedida em
maio de 2001 - pagar apenas metade do valor anual (6 milhões de reais)
correspondente ao preço de arrendamento da Malha Oeste, fazendo caução da outra
parte, mas a intenção é deixar de pagar 100%. Com esse propósito, impetrou
judicialmente uma ação visando à suspensão total do pagamento anual de R$12
milhões, ao Ministério dos
Transportes.
Destarte, no
bojo deste processo - revisão do contrato de concessão, sucateamento e
esvaziamento da ferrovia - em contrapartida à sua importância econômica,
entende-se que:
“A sociedade, o meio ambiente e o próprio processo de
desenvolvimento do Estado não podem continuar sendo atropelados por essa
política de privatização equivocada, feita a toque de caixa, que está
dilapidando um patrimônio histórico da população.”[xxxi][xxxi]
Com esses
pressupostos, o governador de Mato Grosso do Sul tenta, junto ao Governo Federal
viabilizar R$ 591 milhões para a recuperação deste trecho, como se pode
verificar no Quadro
06:
Quadro
06
Orçamento
previsto para recuperação da Novoeste
Trecho |
Orçamento
em (R$) milhões |
Bauru/Três Lagoas |
126 |
Três Lagoas/Campo
Grande |
150 |
Campo
Grande/Corumbá |
175 |
Campo Grande/Ponta
Porã |
115 |
Pátios e passagens de
nível |
25 |
Total |
591 |
Fonte: www.ms.gov.br 28.08.01.
Tal montante
seria obtido com um financiamento semelhante ao destinado para recuperar a
Transnordestina, que contou com recursos do FINOR (Fundo de Investimentos do
Nordeste), do Governo Federal e de empresários. Especificamente, para a Novoeste
os recursos viriam das seguintes fontes, conforme demonstramos no Quadro 07:
Quadro
07
Novoeste: origem e total de investimentos
previstos
(R$ milhões)
Origem |
Investimento |
União |
300 |
Novoeste |
141 |
Mato Grosso do Sul |
75 |
São Paulo |
75 |
Total |
591 |
Fonte: www.ms.gov.br 28.08.01.
No documento
entregue ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Governo Estadual
argumenta que, desde a privatização da ferrovia, em 1996, não houve melhoria nos
níveis de serviços para satisfazer a demanda de transporte. Isenta-se de julgar
a origem do problema, todavia aponta que esse modal tem papel estratégico para o
desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, fundamentalmente na operacionalização dos
pólos mínero-siderúrgico e petroquímico, em Corumbá, assim como para a produção
estadual de grãos - hoje 70% escoada pelas rodovias a custo extremamente pesado
- que "só não utilizam a ferrovia devido à questão da baixa confiabilidade deste
serviço."[xxxii][xxxii]
Diante desta
tentativa de revitalização da ferrovia, o então presidente Fernando Henrique
Cardoso enviou o referido projeto - que lhe fora entregue pelo governador José
Orcírio - para análise do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento e Integração
Regional.
O que
intriga é que o investimento do
concessionário (R$ 141 milhões) está condicionado a uma negociação com o
Ministério dos Transportes relativo a uma carência no pagamento do arrendamento,
conforme apontamos anteriormente. Em termos exatos, desses R$591 milhões, a
Novoeste arcaria com apenas 23,85% e certamente ainda recorreria a
financiamentos junto aos órgãos e fundos federais. São estas as condições em que se tem
dado as "parcerias" entre o público e o privado, revelando as contradições internas próprias do
moderno sistema produtor de mercadorias: como asseverou Kurz (1998), quanto mais
total o mercado, mais total o Estado.
Neste
contexto, o que se objetiva é “a busca pela edificação de uma densidade técnica
nos lugares” – por meio de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração de
energia, distritos industriais – para torná-los aptos ao processo de
industrialização, entretanto, “para progredir nessa contenda é preciso também
construir uma densidade normativa que conceda e combine satisfatoriamente
proteções e atrativos legais.” Aqui se insere a chamada guerra fiscal. Enfim os
concorrentes buscam construir o que Santos & Silveira (2001) denominaram
“uma produtividade espacial apta à produção”, e o Estado – nos seus três níveis –
participa do financiamento necessário à criação de novos sistemas de engenharia
e de movimentos.
A prioridade
concedida à infra-estrutura econômica se explica pelo fato que essas áreas,
em processo de penetração do
capital, não disporem da "densidade técnica", que fora implantada no decorrer
dos anos de 1960 e 70 no Centro-Sul do País.
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[iii][iii]
BRASIL. Presidência da República (2000,
p.70).
[iv][iv] BRASIL. Presidência da
República (1998, p.58).
[vii][vii]
Consórcio Brasiliana. Seminário : eixos nacionais de integração e
desenvolvimento. S.n.t.
p.44/5.
[viii][viii]
Consórcio Brasiliana (1998b, p.18).
[ix][ix]
Consórcio Brasiliana (1998c, p.4).
[x][x] Consórcio Brasiliana
(1998b, p.69).
[xi][xi]
Consórcio Brasiliana (1998c, p.9).
[xii][xii]
Consórcio Brasiliana (1998a, p.34).
[xiii][xiii]
Consórcio Brasiliana (1998a, p.130-1).
[xiv][xiv] O Eixo Oeste apresenta fortes restrições ambientais em pequena
parcela territorial onde situa o Pantanal e o ecossistema da Amazônia. Por sua
vez, também o Eixo Sudoeste comporta como restrições a concorrência espacial com
outros eixos e dependendo, para sua consolidação, de investimentos centrados
basicamente na implementação plena da
hidrovia.
[xv][xv]
Consórcio Brasiliana. Seminário:
eixos nacionais de integração e desenvolvimento. S.n.t.,
p.24.
[xvii][xvii] De acordo com Lamoso
(2001, p.260), associaram-se ao empreendimento: Previ (27,4%); Funcef (22%);
Laif/GE Capital (10,4%); BNDESPAR (9,3%); BRP/Chase (5,8%) e Bradesco (4,3%),
dados relativos à composição do capital
total.
[xviii][xviii] Além dos produtos agrícolas, especialmente a soja escoados para
Santos para exportação, os trens devem transportar calcário, fertilizantes e
outros insumos. Somente nas áreas servidas pelo primeiro trecho da Ferronorte o
consumo de adubos e corretivos é de 370 mil toneladas anuais. "Inaugurado mais
um trecho da Ferronorte" In : O Progresso.
Dourados, ano 49, nº 7.748, 7/8.08.99,
p.6.
[xix][xix]
"1ª etapa teve investimentos de R$ 1,3 bi" In : O Progresso. Dourados, nº 7.748, 7/8.08.99,
p.6.
[xx][xx]
"Inaugurado mais um trecho da Ferronorte" In : O Progresso. Dourados, nº 7.748, 7/8.08.99,
p.6.
[xxii][xxii] O terminal de Alto
Taquari tem capacidade para armazenar 40 mil toneladas em seis silos e um
armazém, além de possibilitar a descarga de soja de 312 caminhões em 24
horas.
[xxiii][xxiii] "Inaugurado mais um trecho da Ferronorte" In : O Progresso. Dourados, ano 49, nº 7.748, 7/8.08.99,
p.6.
[xxiv][xxiv]
Para Rui Carlos Prado - Presidente do Sindicato Rural de Campo Novo dos
Parecis (MT), com a concentração, o produtor perde cerca de 10% no preço: Ficamos sem poder de barganha,
argumenta. "Comércio de grãos é concentrado" In : www.gazetamercantil.com.br ano III, nº
600, 06.03.01.
[xxv][xxv]
A Ferronorte obteve financiamento de US$ 125 milhões, junto ao BNDES,
para a construção do trecho ferroviário de 290 km entre as cidades de Alto Taquari
e Rondonópolis, ambas em
Mato Grosso. "Ferronorte recebe US$125 milhões" In : www.infraestruturabrasil.gov.br
20.12.00. Informações recentes da diretoria da empresa dão conta que o
trecho Alto Taquari/Rondonópolis ficará pronto em
2007.
[xxvii][xxvii] Noel Group é um fundo
de investimentos de Nova Iorque, associado a Edward Moyers, ex-presidente da
Southern Pacific - uma das maiores ferrovias dos Estados Unidos. Os principais
acionistas da Novoeste, como passou a ser chamada, eram: Noel Group Inc.
(38,11%); Brasil Rail
Partners Inc. (6,70%); Western Rail Investors (7,58%); Bankamerica Inter Invest
Corporation (8,55%); DK Partners (0,95%) e Chemical Latin
America Assoc. (30,11%).
[xxviii][xxviii] "A lenta agonia da Rede Ferroviária" In: O Progresso. Dourados, ano 49, nº 7.756, 17.08.1999,
p.8.
[xxix][xxix] "Zeca discute 6ª feira com Ramez pólo
siderúrgico e ferrovia" In :
www.ms.gov.br
07.08.01.
[xxx][xxx] "Governo Federal vê nova licitação como
solução para ferrovia" In :
www.ms.gov.br. 28.05.01.
[xxxi][xxxi] Vander Loubet.
Secretaria de Estado da Infra-Estrutura de MS. In :
www.ms.gov.br
21.06.01.
[xxxii][xxxii] "FHC envia projeto ferroviário para
análise do BNDES" In : www.ms.gov.br
28.08.01.
Ponencia presentada en el IX
Encuentro Internacional Humboldt. Juiz de Fora - Minas Gerais, Brasil. 17 al 21
de setiembre de 2007.