Turismo: Reflexão sobre a produção científica do
tema.
Profa. Dra. Claudemira Azevedo Ito
Resumo
Nas últimas
décadas a atividade turística tem se avolumando. É crescente a importância do
turismo no contexto econômico, as estatísticas mostram a evolução positiva dos
números que envolvem a atividade: deslocamentos e fluxos, mão-de-obra empregada,
equipamentos. Diante desta realidade, avolumam-se também os estudos sobre o
turismo. Nasce então, a necessidade de refletir e repensar de
repensar o papel dos pesquisadores do turismo. Cabe buscar compreender quais as
tendências teóricas consideradas nestes estudos, quais os autores e suas linhas
teóricas. É necessário refletir sobre o que está sendo produzido sobre o turismo
e, refletir como trabalhos acadêmicos e/ou técnicos de inventário de potencial
turístico; produção de mapas e cartogramas de recursos paisagísticos, descrições
dos ritos e costumes das populações locais tornam-se material de apoio para a
tomada de decisão empresarial do turismo e/ou do planejamento público. Desta
forma, os trabalhos sobre a temática do turismo devem ser valorizados não
somente para a reprodução da racionalidade econômica do capitalismo, mas também
para valorizar os anseios da população local, a preservação dos recursos
naturais e do patrimônio sócio-cultural e histórico de determinado
lugar.
Nas ultimas três décadas, pelo menos, diversos pesquisadores têm
envidado esforços para apontar a melhor forma de analise do turismo, alguns com
a abordagem sistêmica, outros com a estruturalista e assim por diante. A
dificuldade de estudar o turismo está na complexidade da análise de suas
múltiplas dimensões. Diante das limitações dos pesquisadores frente à múltipla e
complexa realidade que pretendem desvendar, aparece a reflexão e o
questionamento sobre as conclusões das pesquisas.
Para alguns, trata-se da discussão da verdade. Cervo & Bervian
(1983) discorrem sobre esta questão e afirmam “todos falam, discutem e querem
estar com a verdade. Nenhum mortal, porem, é dono da verdade. Isto porque o
problema da verdade radica na finitude do homem, de um lado, e na complexidade e
ocultamento do ser da realidade, de outro”. Os objetos que se pretende analisar
e compreender podem se manifestar e/ou se ocultar das mais diversas formas. O
pesquisador apreende os fenômenos mais visíveis em seu tempo, que podem ser
apontados, mensurados e analisados pelos instrumentos, técnicas e métodos
escolhidos ou ainda disponíveis naquele determinado período
histórico.
O crescimento acelerado do fenômeno turístico nas ultimas décadas,
principalmente o turismo de massa, tem despertado o seu estudo tanto nas
ciências sociais quanto nas ciências aplicadas, se multiplicaram os cursos de
graduação para a formação do bacharel, os cursos de especialização e os eventos
ligados á área de turismo. O tema chega aos estudantes e pesquisadores através
de revistas especializadas, assim como ao grande público por folhetos, revistas,
suplementos de jornais. Assim como, as agencias de viagem e grandes operadores
multiplicam a oferta de pacotes de viagens, lançando novos destinos e
incentivando cada vez mais o crescimento do número de deslocamentos. Rodrigues
(1997).
Panosso Netto (2005), em sua reflexão sobre a necessidade de estudo
mais sistematizado do turismo remete-se a Burkart e Medlink que afirmaram que
definição mais detalhada de turismo seria necessária, para o atendimento de
quatro propósitos: Primeiro o estudo; para examinar o fenômeno sistematicamente
apontando o que ele engloba. Segundo o estatístico: para ser mensurado é
necessário que esteja delimitado. Terceiro envolve aspectos administrativo e
legal: pois a legislação poderia ser aplicada a alguns segmentos e outros não. O
ultimo propósito seria o industrial,
... “ pois atividades econômicas particulares poderiam necessitar de
estudos de mercado para fundamentarem a formação de organizações industriais..”
Panosso Netto (2005,p.44)
O interesse do fenômeno turístico pela ciência geográfica remonta ao
inicio do século XX, ocasião em que os geógrafos começaram a estudar os impactos
do turismo no espaço geográfico. Segundo Gómez (1988) Stradner foi o pioneiro em
introduzir o termo “Geografia do Turismo”, que “ ha servido para designar a
la rama de nuestra disciplina que se ha
ocupado de analizar de uma manera particular ciertos impactos producidos
por lo que de una manera amplia pudiérmos llamar el fenómeno del ocio.
Rodrigues (1997, p. 72). Apesar desta introdução do estudo do turismo no âmbito
da ciência geográfica em 1905, a mesma autora, afirma que somente da década de
1960 este ganha impulso na Geografia. Respondendo ao período de aceleração da
atividade turística, que se pode observar no pós Segunda Guerra Mundial,
particularmente nos paises mais ricos, onde se verificou intensa fase de
prosperidade econômica.
Nos primeiros estudos geográficos do fenômeno turístico apresentou-se
a abordagem multidisciplinar para enfrentar a complexidade das analises.
Entrelaçavam-se aspectos históricos-geográficos, econômicos, psicológicos,
sociológicos, antropológicos, regionais, entre outros.
Rodrigues (1997) ao analisar a produção geográfica sobre o tema do
turismo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, afirma que é surpreendente a
morosidade apresentada por estes estudos em acompanhar a evolução do pensamento
geográfico. Neste período em que a Geografia Tradicional já se encontrava
superada, a maioria dos estudos de turismo na Geografia baseava-se nela. Representando a Geografia Critica
destacou as pesquisas de Knafou sobre os Alpes Franceses (1979 e 1988) e A
proposta metodológica para o estudo do litoral fundamentada em princípios
marxista de Sanches (1985).
Ainda, dos trabalhos baseados na percepção espacial destacou Miossec
(1977) que sugere uma tipologia de imagem turística. Na mesma linha, ressalta o
estudo de Muscara (1983) que analisa a imagem turística e a percepção do espaço
de consumo do turismo. Assim como, evidencia o trabalho de Urbain (1983) que a
partir de folhetos turísticos da Tunísia, analisou a iconografia e o que é
transmitido ao turista, tentando compreender o que sensibiliza, motiva e cria
expectativas em relação à viagem.
A preocupação ecológica dos anos 90 também impregnou os estudos
geográficos sobre o tema do turismo, surgem trabalhos sob o rótulo de
ecoturismo. Rodrigues, destaca os trabalhos de Elizabeth Boo (1990) –
Ecotourism: The potencials and pitfalls, em dois volumes.
Panosso Netto considera que a diversificada formação dos autores que
estudam e trabalham com o turismo pode ser apontada como um dos limitadores das
abordagens do turismo, são muitas as áreas de formação destes pesquisadores:
administração, arquitetura, geografia, economia, filosofia : ...”pois os
estudiosos tendem, consciente e as vezes inconscientemente, a reduzir a
explicação a uma dessas áreas. Assim o geógrafo dirá da importância dos estudos
geográficos relacionados ao turismo, porque tudo acontece num espaço; o
economista dirá da importância dos estudos econômicos relacionados ao turismo,
pois é a economia que move o mundo. Cada um partirá dos pressupostos e
paradigmas de sua ciência de formação, e assim os estudiosos não se estenderão,
pois não estarão falando a mesma “língua”. Em outras palavras: Serão abordagens
diferentes para problemas iguais...” Panosso Netto (2005, p.
44)
Desta forma, Panosso Netto aponta para a necessidade de superar esta
fragmentação do conhecimento produzido sobre o turismo. Esta superação, segundo
o autor, foi perseguida por três grupos de autores, a saber: Pré-paradigmático,
Padadigma-Sistema Turismo e Novas abordagens. Conforme o autor os
pré-paradigmáticos iniciaram a discussão teórica do turismo. Neste grupo
destacam-se Luiz Fernando Fuster, Walter Hunziker, K. Krapt, A. J. Burkat e S.
Medlik. O segundo grupo, ou seja, o Paradigma- Sistema de Turismo, pode ser
representado por Neil Leiper, Mário Carlos Beni, Alberto Sessa e Roberto
Boullón, entre outros. Estes disseminaram o Sistema de Turismo como paradigma
para o estudo do turismo. O terceiro grupo de autores, da fase Novas abordagens,
se diferencia dos anteriores pela diversidade de proposições para a análise do
turismo. Desta fase destacam-se as produções de Jafar Jafari e Jonh Tribe.
Panosso Netto, continua sua análise identificando entre a primeira e segunda
fase a produção de Raymundo Cuervo e Walab Salah-Eldin Abdel e entre a segunda e
a terceira fase, destacou Jost Krippendorf, Sergio Molina e Alfonso
Martinez.
Ouriques (2005) após a analise da produção bibliográfica sobre o
turismo afirma que há ”uma tendência predominante de analise e interpretação, o
que nos leva a caracterizar a existência de uma verdadeira hegemonia no
tratamento do assunto”p.69. E explica: os livros e artigos iniciam se pela
apresentação quantitativa do dinamismo da atividade do turismo. Isto, segundo o
autor, para justificar o interesse acadêmico. Em seguida são apontados os
impactos negativos e positivos em âmbito local, regional ou nacional, conforme a
abrangência do estudo. Na fase seguinte, é apresentado o desenvolvimento
sustentável do turismo como a melhor opção para as áreas receptoras de turismo,
o turismo em massa é criticado e o planejamento turístico é defendido. Ouriques
(2005, p. 69)
Este autor critica essa “tendência hegemônica”, na qual há o
predomínio de modelos analíticos que não expressam a complexidade do tema; não
buscam compreender as controvérsias do tema; massificam o discurso dominante
pró-turismo e, não propiciam a produção de novos conhecimentos sobre o tema de
turismo. Ouriques apresenta “as principais tendências teóricas dos autores”,
considerando como abordam: o trabalho, a natureza, o capital e o Estado”. A
primeira delas é chamada de corrente liberal, a segunda de corrente do
planejamento estatal, a terceira de corrente pós-moderna e a última, corrente
crítica.
A corrente liberal é representada por Beatriz Lage, Paulo Milone,
Leandro de Lemos, Mário Carlos Beni, entre outros, onde o turismo é analisado
por uma ótica economicista com ênfase no liberalismo, “analisando o turismo a
partir dos princípios da oferta e da demanda, do multiplicador da atividade
turística, das estimativas de gastos individuais dos turistas, das receitas e
despesas geradas em núcleos emissores e receptores, etc.. “ Ouriques
p.71.
O papel do estado é
destaque na corrente do planejamento estatal, onde os autores enaltecem a
riqueza da biodiversidade do Brasil, mas consideram que somente com o
planejamento e controle do Estado se alcançaria o melhor aproveitamento do
potencial turístico do Brasil. Nesta linha, o autor destaca os seguintes
estudiosos: Doris Rushimann, Luzia Coriolano, Luiz Cruz Lima, Margarita Barreto,
Rita Ariza de Cássia Cruz.
“A concepção do planejamento estatal tem como principal fundamento
a crença do Estado como “provedor” em um duplo sentido: como condutor (pelo
planejamento) das políticas de desenvolvimento turístico e, principalmente como
financiador, isto é, como suporte financeiro para a extensão do setor. Em poucas
palavras, é o Estado o principal agente promotor do turismo.”Ouriques, 2005,p.
77.
O autor alerta ainda que nesta linha de análise o planejamento do
turismo sempre traz ao desenvolvimento e, lembra que esta responsabilidade já
foi imposta a outras atividades econômicas.
A corrente pós-moderna é apresentada como carente de unidade
teórica, defender a natureza como principal recurso turístico, dar ênfase para a
segmentação do mercado turístico, criticar as ações do Estado quanto ao turismo,
defender o planejamento estatal e promover o discurso a favor do direcionamento
de capitais ao turismo. Ouriques, p.78. E, aponta como principais representantes
desta corrente Adyr Balateri Rodrigues, Eduardo Yazigi, Marutschka Moesch e Luiz
Gonzaga Godoi Trigo.
E, por fim a corrente crítica é aquela que vem questionar as
benesses do turismo. “pauta-se pelo pressuposto de questionar o caráter
intrinsecamente benéfico do desenvolvimento turístico, discutindo as
transformações que ocorrem na
(re)produção da vida das comunidades receptoras e as condições de trabalho nas
atividades turísticas” Ouriques, p.82. O autor destaca, nesta corrente, Arlete
Moises Rodrigues, Maria Tereza Luchiari e Edvaldo César
Moretti.
Segundo Ouriques (2005) esta corrente se diferencia das anteriores
por analisar o turismo em sua “complexidade, estabelecendo as relações entre
lugar, espaço, trabalho, natureza e capital do ponto de vista anti-sistêmico, e
seus escritos mostram um comprometimento com os problemas das populações
trabalhadoras” p.88.
Considerações Finais
A analise da produção cientifica brasileira sobre o turismo aponta
para uma carência de reflexão teórico-metodológica. Tal afirmação pode ser
comprovada na publicação “ Competência Profissional no Turismo e Compromisso
Social” – Coletânea do XXVI Congresso Brasileiro de Turismo- 2006. São 27
trabalhos, divididos em três temática, a saber: “Turismo e Ensino”; “Turismo:
Meio Ambiente, Cultura e Sociedade”; “Turismo: Planejamento, organização,
profissionalização e empreendedorismo”. Este Evento é organizado anualmente pela
Associação Brasileira de Bacharéis em Turismo (ABBTUR), e traz uma amostra da
produção dos bacharéis em turismo no Brasil. Primeira parte da coletânea é
representada por 9 trabalhos sobre o ensino do turismo, as análises e criticas
ao sistema nacional de avaliação dos cursos superiores. A segunda temática
apresenta 8 capítulos que em sua maioria analisam estudos de caso, associando:
Turismo, meio ambiente, cultura e sociedade. A ultima parte, organizada em 9
capítulos apresentam discussões sobre também estudos de caso sobre planejamento,
organização, profissionalização e empreendedorismo no turismo. Aqui não se
pretende criticar a produção apresentada nestes Anais, mas sim apontar a
ausência de discussão teórico-metodológica.
Panosso Netto (2005) e Ouriques (2005) apontam a necessidade de
reflexão da produção cientifica em turismo, quaisquer que seja a formação do
autor.
Neste sentido, é inegável a necessidade de repensar o papel dos
pesquisadores do turismo, qualquer que seja sua formação básica. Em muitos
casos, trabalhos acadêmicos e/ou técnicos de inventário de potencial turístico;
produção de mapas e cartogramas de recursos paisagísticos, descrições dos ritos
e costumes das populações locais tornam-se material de apoio para a tomada de
decisão empresarial do turismo. De tal sorte que, para a reprodução da
racionalidade econômica do capitalismo não importam os anseios da população
local, a preservação dos recursos naturais, tampouco do patrimônio
sócio-cultural e histórico de determinado lugar.
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