LOTEAMENTOS FECHADOS COMO FORMAS GEOGRÁFICAS DA
GLOBALIZAÇÃO
– ASPECTOS SÓCIO-AMBIENTAIS E LEGAIS EM JUIZ DE
FORA, MINAS GERAIS, BRASIL
Nathan Belcavello de Oliveira
– UFJF/ CeHu – belcavello@hotmail.com
Telma Souza Chaves
– UFJF – telmaschaves@bol.com.br
RESUMO
As
formas geográficas são a materialização no espaço, dentro dos vários aspectos
das necessidades humanas, das estruturas fundamentais à manutenção de um dado
modo de produção. Os loteamentos fechados nas cidades médias brasileiras possuem
todos os atributos que os caracterizam como a forma geográfica, enquanto produto
imobiliário, dentro da lógica do sistema produtivo globalizado – atual estágio
do modo de produção capitalista – sendo, portanto, uma forma geográfica da
globalização.
A
fim de trazer elementos que comprovem tal conceito, analisamos os loteamentos
fechados em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, apresentando aspectos
sócio-ambientais e legais.
Palavras-chave:
Loteamento
fechado, forma geográfica da globalização, urbanização brasileira contemporânea,
segregação sócio-espacial.
ABSTRACT
“CLOSED LAND DIVISIONS” AS SHAPES
GEOGRAPHIC
OF THE GLOBALIZATION – PARTNER-AMBIENT
AND LEGAL ASPECTS IN
JUIZ DE FOR A,
MINAS GERAIS,
BRAZIL
The
"shapes geographic" are the materialization in the space, inside of the aspects
of the necessities of the human beings, of the basic structures to the
maintenance of production manner. The “closed land divisions” in the brazilian
average cities possess all the attributes that characterize them as the "shapes
geographic", while real estate commodity, inside of the logic of the
globalization productive system - current period of the capitalism production
manner - being, therefore, one the "shapes geographic" of the
globalization.
In
order to bring elements that prove such concept, we analyze the “closed land
divisions” in Juiz De Fora, Minas Gerais, Brazil, presenting partner-ambient and
legal aspects.
Word-key:
“Closed land division”, “shape geographic of the globalization”, brazilian
urbanization contemporary, partner-space segregation.
“É
o espaço que, afinal, permite à sociedade global realizar-se como
fenômeno”
(SANTOS,
2002: 119)
INTRODUÇÃO:
Este
artigo tem como objetivo analisar o surgimento dos loteamentos fechados nas
cidades médias brasileiras como formas geográficas da globalização, dentro da
lógica do sistema produtivo atual, comandado pelo capital global, e da
segregação sócio-especial proporcionada pelas desigualdades da sociedade
brasileira acirradas pela globalização não-includente e pela ideologia
neoliberal postas em prática nas duas últimas décadas do século passado. A fim
de um esclarecimento melhor da idéias expostas, apresentamos dados sobre o
surgimento e a realidade espacial dos loteamentos fechados na cidade de Juiz de
Fora, localizada no estado de Minas Gerais, Brasil.
O
trabalho aqui desenvolvido faz parte de um conjunto de pesquisas, realizadas
juntamente com outros pesquisadores, que tem como preocupação analisar
sucintamente a inserção de Juiz de Fora no sistema produtivo global e sua
repercussão sobre o espaço intra-urbano e sobre a população desta cidade média,
procurando levantar informações relevantes que possam vir a, pelo menos,
minimizar os efeitos danosos de tal inserção em um sistema que favorece a
desigualdade social e a segregação sócio-espacial.
Para
tanto, dividimos o texto em três partes principais. Na primeira trazemos
brevemente algumas informações sobre a urbanização brasileira contemporânea, bem
como conceituamos loteamentos fechados e condomínios horizontais, termos muitas
vezes erroneamente utilizados e entendidos como sinônimos para caracterizar um
mesmo produto imobiliário, destacando a questão da privatização do bem público
no caso dos loteamentos fechados, bem como sua ilegalidade. Também procuramos
justificar a relação que estabelecemos entre loteamentos fechados e o conceito
de forma geográfica de SANTOS (2002, 2003), procurando desenvolver o conceito de
forma geográfica da globalização,
especificamente no surgimento de tais produtos imobiliários nas cidades médias
brasileiras. No segundo capítulo apresentamos alguns aspectos sócio-ambientais e
legais dos loteamentos fechados na área urbana de Juiz de Fora, procurando
exemplificar com dados concretos a segregação sócio-espacial inerente a tal
forma geográfica da globalização. Por fim, fazemos algumas considerações
adicionais, formulando ainda indagações para reflexão.
1.
URBANIZAÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA, LOTEAMENTOS FECHADOS E CONDOMÍNIOS
HORIZONTAIS
O
Brasil assistiu nos dois últimos decênios do século XX alterações
sócio-espaciais profundas em suas metrópoles e demais cidades. Tais alterações
são conseqüências materializadas da abertura econômica imposta pela ideologia
neoliberal e pela globalização não-includente, pelas quais a sociedade
brasileira (e porque não dizer, latino-americana) vem sendo forçada a enfrentar
diuturnamente, acirrando ainda mais as desigualdades sócio-econômico-espaciais,
já enraizadas no país.
As
conseqüências de tais medidas são claramente visíveis nos dias de hoje:
violência crescente [...] seguida pela debilidade da segurança pública e sua
paulatina ‘privatização’ [...]; segregação sócio-espacial exacerbada [...] e
poluição (OLIVEIRA, CHAVES et SIMONCINI, 2004: 5).
Assim,
as problemáticas relacionadas à urbanização brasileira, que até então se
concentravam quase que de maneira exclusiva nas metrópoles e grandes centros
urbanos, deixam de o ser somente para estes, passando a compor o cenário comum
dos espaços intra-urbanos nacionais.
Com
diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem
problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se
inserem etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas como
os do emprego, da habitação, dos transportes [...] são genéricos e revelam
enormes carências. [...] Isso era menos verdade na primeira metade deste século
[(século XX)], mas a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando
dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das conseqüências de
uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são
orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais
(SANTOS, 2005:105).
Fazendo
analogia ao termo utilizado por Milton Santos na explicação feita pelo autor, a
generalização das problemáticas no espaço intra-urbano brasileiro se torna “mais
verdade” nas duas últimas décadas do século passado, conforme já apontado no
início do capítulo.
Dentre
as muitas problemáticas que aqui poderíamos arrolar, uma nos chama mais a
atenção, dada a violência e a velocidade arrebatadoras de sua materialização nos
espaços intra-urbanos, sobretudo nas cidades médias brasileiras, que é a
segregação sócio-espacial. Sua materialização se proporciona mediante a novas
formas de ocupação e uso do solo urbano privado e público.
Para
as classes menos favorecidas, sedentas pelo habitar, mas sem condições
financeiras que as amparem na aquisição da moradia própria, a segregação
sócio-espacial acaba se expressando na invasão de terrenos e imóveis,
majoritariamente privados, e na formação de assentamentos de submoradias.
Por
sua vez, para as classes mais abastardas, detentoras de recursos financeiros,
muito mais sedentas pelo status, pela “segurança” e pelo consumir, do que
propriamente pelo habitar, a segregação sócio-espacial se realiza através do
surgimento de produtos residenciais, frutos da especulação
imobiliário-financeira sobre o espaço intra-urbano, promovidos pelos agentes
incorporadores, imobiliários e da construção civil. Nos últimos tempos, tais
produtos residenciais se personificam nos chamados condomínios horizontais e
loteamentos fechados, relacionados principalmente à questão da violência e
insegurança crescentes nas cidades médias; verdadeiros enclaves fortificados
(CALDEIRA, 2000).
Condomínios
horizontais e loteamentos fechados: suas diferenças e
similaridades
Ressaltamos
que, ao contrário do senso comum, condomínios horizontais e loteamentos fechados
não são termos sinônimos para uma mesma forma de parcelamento do solo
urbano.
Condomínios
horizontais, assim como os condomínios verticais (prédios residenciais ou
comerciais), estão legalmente amparados pela Lei Federal número 4.591,
de 16 de dezembro de 1964, não sendo considerado uma forma de parcelamento do
solo urbano, por não se constituir em loteamento de gleba. Esta lei dispõe sobre
as unidades autônomas (casas, com seus jardins e quintais) e a parte comum do
condomínio, destinada ao trânsito e veículos e pessoas até o logradouro público,
sendo estas vias de uso exclusivo dos condôminos, bem como sua manutenção e
despesas provenientes deste espaço comum condominial, como iluminação das vias,
pavimentação, etc. O que existe na verdade é uma gleba de propriedade privada,
dividida por proprietários que têm em comum algumas vias para chegarem até a
rua, assim como corredores em um edifício.
Já
os loteamentos estão amparados pela Lei Federal número 6.766 de 19 de dezembro
de 1979, que dispõe sobre o parcelamento de solo urbano no Brasil. Nesta lei,
loteamentos são conceituados como “a
subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias
de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou
ampliação das vias existentes” (LF 6.766/1979, Art. 2º, § 1º). A lei determina
que deverá existir “[...] áreas destinadas a sistema de circulação, a
implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços
livres de uso público” (LF 6.766/1979, Art. 4º, I. Destaque nosso), não
sendo inferior a 35% da área da gleba a ser parcelada em caso de loteamentos
destinados a residências.
O
que acontece com o aquilo que denominados loteamentos fechados é a execução do
projeto imobiliário segundo esta lei, seguido pela apropriação
ilegal,
através da colocação de guaritas e cancelas nas vias de acesso e da edificação
de muros, onde uma milícia particular, formada por seguranças, restringe o
acesso ao interior do loteamento, formado por áreas que, teoricamente, seriam
destinadas a equipamentos urbanos e logradouros públicos; logo, ruas, praças,
etc. que, por direito são de livre acesso a todo cidadão! Todavia, assim como
nos demais logradouros públicos, as taxas como limpeza urbana, iluminação
pública, etc. são repartidas por todos aqueles que habitam a cidade, mas que não
têm o acesso a estes no interior dos loteamentos fechados.
Os
loteamentos fechados constituem uma materialização clara, evidente e inegável da
privatização do espaço público. Neles, ruas e áreas de lazer ficam confinadas
atrás dos muros que os rodeiam, disponíveis exclusivamente para os seus
moradores (SOBARZO, 2005: 1).
Contudo,
tanto condomínios horizontais, quanto loteamentos fechados são prejudiciais à
convivência urbana, pois ambos
contribuem
para a segmentação das práticas sócio-espaciais ao contribuírem para espaços
socialmente homogêneos, que propiciam e aprofundam uma socialização privada, em
ruas e praças privadas, e que continua em colégios privados, clubes privados e
shopping centers privados (SOBARZO, 2005: 3).
Loteamentos
fechados nas cidades médias brasileiras: formas geográficas da
globalização?
A
forma viria a ser a materialização no espaço, da estrutura necessária à
manutenção de um dado modo de produção, ou seja, uma forma geográfica. As formas
geográficas possuem em sua formação e utilização toda ideologia e simbolismo do
modo de produção que as constituíram, sendo, por isso, consideradas
formas-conteúdo. Contudo, com o passar da história, modos de produção vão se
sobrepondo, de tal maneira que formas geográficas se sobrepõem – com a
destruição da primeira, ou a mudança de seu conteúdo; surgem – em espaços novos;
ou são abandonadas – perdendo seu conteúdo, sua função. Mas nos interessa aqui a
forma geográfica surgida, ou seja, a nova forma que se insere no lugar. Esta,
enquanto forma-conteúdo, é capaz de influenciar a totalidade do lugar, traçando
novos rumos, rompendo, muitas vezes, com a configuração social ulterior do lugar
(OLIVEIRA, LOURES et CASTRO, 2005: 10775).
Dentro
da perspectiva assinalada no fragmento supracitado é que respondemos à indagação
proposta nesta subdivisão. Do mesmo modo que os centros das cidades médias no
período cafeeiro, com belos sobrados dos chamados barões do café, e os bairros
exclusivamente residenciais do período inicial de urbanização da população
brasileira, muitas vezes inspirados nas “cidades jardins”, os loteamentos
fechados se torna o fetiche que vem atender, como produto imobiliário, às
“necessidades” de moradia e segurança da classe social inserida no sistema
produtivo-consumista do capital global nas cidades médias brasileiras,
sendo seu instrumento ideal dentro da lógica imobiliária.
As
formas se tornaram instrumentos ideais para promover a introdução do capital
tecnológico estrangeiro numa economia subdesenvolvida e para ajudar o processo
de superacumulação, cuja contrapartida é a superexploração (SANTOS, 2003:
198).
Instrumento
ideal, pois captura e utiliza parte daquilo que seria público – suas ruas e
demais logradouros públicos – de forma indiscriminada, quase sempre com a
conivência e cumplicidade das autoridades municipais e da justiça, muitas vezes
moradores destes próprios loteamentos fechados.
Outro
ponto de esclarecimento à indagação feita é a íntima relação existente entre os
agentes imobiliários promotores dos loteamentos fechados e o capital financeiro,
principal responsável pelo controle da economia global (SANTOS, 2002), porque
são os bancos que financiam os empreendimentos para os agentes empreendedores
destes e também outros produtos imobiliários inseridos dentro da lógica
produtivo-consumista da economia globalizada.
Capitulamos
a seguir alguns aspectos sobre os loteamentos fechados em Juiz de Fora, Minas
Gerais, para melhor exemplificarmos a questão da inserção destas formas
geográficas da globalização nas cidades médias
brasileiras.
2. LOTEAMENTOS FECHADOS EM JUIZ DE FORA – MG:
ASPECTOS SÓCIO-AMBIENTAIS E LEGAIS
Juiz
de Fora, cidade média do estado de Minas Gerais, com uma população estimada para
2004 em 493.121 habitantes (IBGE), localizada no eixo de ligação entre o Rio de
Janeiro e Belo Horizonte, com ligação rodoviária também com São Paulo (vide mapa
1 e 2), assistiu a implementação dos loteamentos fechados nos dois últimos
decênios do século passado, de maneira mais expressiva na última metade da
década passada e início deste século, acompanhando a inserção das demais formas
geográficas da globalização, sejam elas produtivas – montadora automobilística
da DaimlerChrysler – seja para consumo – supermercado do grupo Carrefour –
atraídos pela reestruturação que a cidade passou para a inserção de seu
território ao sistema produtivo globalizado.
Os
loteamentos fechados se proliferaram em praticamente toda a área urbana da
cidade. Contudo, devido a características peculiares, a Região de Planejamento
(RP) do São Pedro e em parte da RP do Cascatinha
(vide mapa 3 e 4) concentra o maior número desta forma geográfica, sendo aqui
eleito para análise.
Observamos
na área urbana de Juiz de Fora, três vetores principais de investimento
imobiliário e de crescimento demográfico [...]. O primeiro, destinado à
construção de moradias para classes com alto poder aquisitivo, concentra-se na
Região de Planejamento (RP) de São Pedro e em parte da RP do Cascatinha, [...]
local valorizado pelo fácil acesso com o Centro e com a BR 040; pelos
equipamentos urbanos ali locados – Campus da UFJF, por exemplo; pelos baixos
preços do solo inicialmente; pelos atrativos naturais – vegetação ainda
protegida, clima mais ameno [...]. O segundo abrange a RP de Benfica, destinado
à construção de moradias para classe média, que concentra a maior parte das
indústrias, [...] e também possui fácil acesso com a BR 040. O terceiro vetor
abrangeria a RP do Grama – destinado tanto a classes médias, quanto a altas –
principalmente relacionado ao fácil acesso ao Centro (OLIVEIRA, 2005:
6-7).
Mapa
1 – Localização de Juiz de Fora na Região Sudeste

Contudo,
a Cidade Alta não é uma região exclusivamente habitada pela classe mais
favorecida da cidade, sendo antes, até, uma região de pouco interesse
imobiliário até o início da década de 1980, por causa do difícil acesso até
então. A especulação e o estabelecimento dos loteamentos fechados surgiram
juntamente com a implantação de vias que passaram a ligar mais facilmente esta
região com o Centro, fazendo com que a população que ali habitava anteriormente
fosse deslocada. Existem atualmente 19 loteamentos fechados com moradias já
construídas na Cidade Alta e alguns outros sendo
implementados.
Os
loteamentos fechados constituíram produtos imobiliários altamente lucrativos aos
agentes que os executaram na região, porque, mesmo ocorrendo uma certa demora na
venda dos lotes, estes apresentam uma supervalorização a médio e longo prazo.
Segundo a Habitat Engenharia, uma incorporadora e promotora imobiliária
responsável pela execução de alguns loteamentos fechados na Cidade Alta, dentre
eles o Residencial Pinheiros, Alto dos Pinheiros, Portal da Torre, Granville e o
São Lucas I e II, os custos de execução desses empreendimentos são elevados,
porém, devido à valorização exponencial dos terrenos, estes acabam sendo mais
lucrativos que os loteamentos comuns. Exemplo disso é o residencial Granville
que no período de sua implantação, em 1993, tinha os lotes comercializados por
volta de 10 mil dólares, sendo hoje vendido por cerca 25 mil dólares
aproximadamente, constituindo assim uma das áreas mais valorizadas de Juiz de
Fora.
Outro
aspecto a se destacar é a atração proporcionada pelos loteamentos fechados de
atividades comerciais que tem como finalidade assistir aos moradores com bens e
serviços. Assim, o que se observa na região é uma concentração de lojas de
materiais de construção, além de outras como supermercados, açougues, padarias,
farmácias, postos de combustível, oficinas mecânicas, academias de ginástica e
restaurantes, estão presentes na região. Outra atividade importante está ligada
à diversão noturna com bares, danceterias e boates que, em Juiz de Fora,
concentram-se quase que exclusivamente na “Cidade Alta”.
Mapa
2 – Município de Juiz de Fora

Todavia,
a Cidade Alta é marcada pelas intensas diferenças sociais, fruto da
implementação dos loteamentos fechados, que nada mais são que a materialização
das desigualdades sócio-econômicas do sistema produtivo globalizado e da própria
sociedade brasileira. Lindeiro aos loteamentos fechados de alto padrão, existem
bairros de classes sociais menos favorecidas, inclusive populações denominadas
pelos órgãos públicos de “famílias de baixa renda” que apresentam, quase sempre,
condições de extrema pobreza, até mesmo sem infra-estrutura básica de água,
esgoto, luz ou asfalto, demonstrando de forma clara a segregação sócio-espacial.
Esse fato se multiplica pela região, mas um exemplo concreto disso ocorre no
local onde se encontra o Residencial Granville, separado por um muro com cerca
eletrificada, do bairro Jardim Casablanca, considerado pela prefeitura como um
assentamento subnormal com famílias vivendo em situação de extrema pobreza (vide
foto 1).
Mapa
3 – Área Urbana de Juiz de Fora

Ainda
podemos enumerar outras características da segregação sócio-espacial na Cidade
Alta, analisando os moradores dos loteamentos fechados e os demais da região. Os
dados sobre população do Censo Demográfico 2000 (IBGE), apresentados no gráfico
1, nos dão a proporção de um interessante “fenômeno” que ocorre na Região Oeste.
As Regiões Urbanas
(RU’s) de São Pedro, Martelos e Borboleta, que englobam bairros tradicionais, ou
seja, de ocupação mais antiga na Cidade Alta, possuem uma população que somada é
quase 1000% superior as das RU’s Aeroporto, Morro do Imperador e Nova
Califórnia, que são áreas de formação mais recentes e nas quais situa-se a maior
parte dos loteamentos fechados da Região Oeste. Com isso, constatamos que, com a
implantação dos loteamentos fechados, a região sofre um processo de crescimento
urbano que, porém, não caracteriza um crescimento demográfico. Esses loteamentos
ocupam áreas relativamente grandes com terrenos na mesma proporção, destinados a
população de alto poder aquisitivo que quase sempre estão estruturadas em
famílias com um pequeno número de indivíduos, proporcionando nesses locais uma
baixa densidade demográfica, em detrimento aos demais bairros, “prensados”
muitas vezes nas encostas e/ou entre os loteamentos
fechados.
Foto
1 – Aspecto da segregação sócio-espacial na Cidade Alta: muro que separa o
loteamento fechado Granville do bairro Jardim
Casablanca

Fonte:
SILVA et alli, 2004.
Observando
o gráfico 2, com dados do Censo demográfico 2000 (IBGE), que apresenta dados
relativos à renda por responsável de domicílio e população constatamos a
discrepância de renda na região. Podemos dizer, de forma generalizada, que a
relação entre população e renda ocorre de forma inversamente proporcional, ou
seja, regiões como Aeroporto, Nova Califórnia e principalmente o Morro do
Imperador apresentam uma baixa população e elevada renda, enquanto as regiões de
São Pedro, Martelos e Borboleta, que, como já vimos são áreas de ocupação mais
antiga, contam com elevada população e baixa renda.
Diante
dessas desigualdades temos como resultado um cenário de segregação social. As
construtoras, para evitar possíveis desvalorizações de seus empreendimentos pela
formação de favelas nas proximidades dos mesmos, proporcionam como medidas
preventivas, a construção de loteamentos mais acessíveis à classe média, nos
locais passíveis de ocupação por famílias de baixa renda. Como exemplo, temos o
loteamento Morada do Serro, construído pela Habitat Engenharia, com lotes a
preço mais acessíveis para evitar a formação de uma favela em frente ao
Residencial Alto dos Pinheiros, também implantado pela construtora.
Gráfico 1 – População Residente por Região
Urbana
Fonte:
SILVA et alli, 2005.
Gráfico 2 – População e renda por Região
Urbana

Fonte:
SILVA et alli, 2005.
Há iniciativas
por parte de associações de moradores dos loteamentos fechados de ações de cunho
social que visam “minimizar os efeitos da segregação” como o exemplo, da
Associação de moradores do Granville, que contribui para a manutenção de uma
creche no bairro Jardim Casablanca.
Por sua vez,
fazendo uma breve menção à legalidade dos loteamentos fechados, tanto na Cidade
Alta, quanto do restante de Juiz de Fora, podemos citar as diversas leis da
Câmara Municipal, que podem ser facilmente consultadas pela rede de computadores
através da página da prefeitura
que dispõe sobre a denominação de “logradouros públicos” – ruas, praças, etc. –
dentro dos muros dos loteamentos fechados, demonstrando explicitamente a
ilegalidade de tais formas geográficas, além do uso privado irregular de um bem
público, uma vez, como já escrito em diversos trechos ulteriores, somente os
moradores desses produtos imobiliários têm livre e incondicional acesso a essas
ruas e praças que por direito são públicas.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Levando
em conta as análises aqui feitas, gostaríamos de deixar algumas indagações para
debates e reflexões baseadas nos loteamentos fechados, essa forma geográfica da
globalização.
Dentro
da sociedade brasileira, marcada pelo clientelismo estatal e o favorecimento de
políticas econômicas para entidades privadas, em detrimento das necessidades
sociais, os loteamentos fechados personificam de maneira evidente a privatização
do bem público em favorecimento de uma classe social inserida em um sistema
produtivo comandado por um capital globalizado, justificando assim este produto
imobiliário como uma forma geográfica da globalização, ainda que não
implementada diretamente pelo capital globalizado.
O
consentimento das autoridades, na maioria tem residências nestes locais, e dos
órgãos públicos responsáveis pela aprovação de tais projetos, reforça a
afirmativa do clientelismo estatal em favor de interesses econômicos e sociais
somente de uma parcela da sociedade. Também demonstra a falta do senso de
cidadania, tanto daqueles que habitam os loteamentos fechados, quanto da parcela
da população privada do uso de um bem público, característico do período em que
vivemos, onde este senso passa a estar muito mais ligado a idéia do consumir do
que a uma autêntica noção, dentro de princípios éticos e morais, de
cidadania.
O
arremedo de cidade dá lugar ao nascimento de uma cidade fragmentada ou, sem
exagero, a um simulacro da condição de cidadania. O homem público procura se
reproduzir em um espaço privado, ou ainda, o espaço público é recriado em
esferas menores e privativas. Recusa-se dessa maneira a conviver dentro de uma
sociedade variada e multifacetada. Confunde-se sociedade com homogeneidade.
[...] Nessas ‘ilhas utópicas’ é o padrão monetário que determina a possibilidade
de ingresso. Por isso, tantas vezes se confunde a idéia de ter direitos com o
fato de apresentar signos sociais que demonstrem um certo padrão de consumo.
Definitivamente, as noções de cidadão e de consumidor se associam e se misturam
(GOMES, 2002: 187).
Também
a segregação sócio-espacial se materializa no espaço intra-urbano das cidades de
maneira nunca antes conhecida através do surgimento dessas formas geográficas
que rompe drasticamente com o convívio entre as classes sociais, conforme nos
descreve o fragmento acima. Há a negação do diferente, do heterogêneo,
transformando a cidade em um mosaico de peças que, mesmo estando lado a lado,
não se encaixam; antes, estão em contínua rivalidade, tendendo a aumentar ainda
mais suas rivalidades, acirrando as diferenças, a insegurança, a violência,
termos inúmeras vezes utilizados para justificar os loteamentos
fechados.
Assim,
como pensar na manutenção de tais formas geográficas da globalização dentro de
uma sociedade que se diz preocupada com o bem estar e a igualdade social? Como
acreditar em um conjunto de leis que, em teoria, vem para regulamentar e trazer
o bem e a igualdade para todos, mas que na prática só é utilizada quando convém
àqueles que detém o Estado sobre sua tutela? Como pensar na mudança da sociedade
sem a ruptura com estas materializações da ilegalidade e da segregação
sócio-espacial?
Aqui
findamos este artigo com a certeza de não termos exaurido – e nem era essa a
intenção – a temática analisada. Esperamos que este trabalho contribua com os
demais pesquisadores preocupados com a problemática aqui
desenvolvida.
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